Doc. N° 2203
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
107 - 2007/3
Tópicos Multilaterais Países Baixos-Alemanha-Brasil
Relações Países-Baixos-Alemanha na história intereuropéia da cultura e das artes: conseqüências para os estudos de João Maurício de Nassau
Oranienburg. Viagem de estudos da A.B.E. 2007 360 anos da publicação da obra de G. Barlaeus
A.A.Bispo
João Maurício de Nassau-Siegen (Johann Moritz von Nassau-Siegen), é um dos mais conhecidos e estudados vultos da história das relações entre os Países Baixos e o Brasil. A A.B.E. tem realizado várias viagens de estudos a regiões européias e brasileiras relacionadas com a sua vida.
O estudo da ação de Johann Moritz von Nassau no Brasil, porém, não pode ser apenas realizado sob uma perspectiva bi-lateral Países Baixos/Brasil segundo imagens de delimitações territoriais e nacionais do presente. A sua personalidade e obra se insere em contextos político-culturais europeus distintos da atualidade, e que surgem, eles próprios, como sendo de natureza intereuropéia.
Exposição como marco histórico
Um dos principais eventos histórico-culturais dos últimos anos de significado para os estudos desse "brasileiro" da Casa de Oranje foi a exposição internacional dedicada à "Arte e cultura dos Países Baixos nos séculos XVII e XVIII nas Casas principescas alemãs", realizada pela passagem do milênio em cidades relacionadas com a história da família: Krefeld, Oranienburg e Apeldoorn.
A Johann Moritz foram dedicadas duas grandes salas da exposição. Esta ficou documentada em catálogos bem elaborados e ilustrados (Onder den Oranje boom: Niederländische Kunst und Kultur im 17. und 18. Jahrhundert an deutschen Fürstenhöfen, Munique: Hirmer 1999, 504 págs., ISBN: 3-7774-7780-X. Onder den Oranje boom. Volume de textos: Dynastie in der Republik. Das Haus Oranien-Nassau als Vermittler niederländischer Kultur in deutschen Territorien im 17. und 18. Jahrhundert, ed. Horst Lademacher, Munique: Hirmer 1999, 522 págs, ISBN: 3-7774-8070) De particular interesse para o programa da A.B.E. dedicado às relações entre a Natureza e a Cultura foi o pêso dado nessa exposição à importância do paisagismo e da jardinagem nas concepções de Johann Moritz von Nassau. Numerosos desenhos e pinturas de arquitetura paisagística, de jardins zoológicos e quadros com paisagens e motivos brasileiros demonstraram e ilustraram o estado do desenvolvimento dos estudos específicos. Digno de menção foi um registro de inventário do ano de 1652, do qual se depreende quais objetos foram vendidos ao regente de Brandenburgo, entre outros, móveis de marfim, também representados na exposição. A história da Casa de Oranje-Nassau foi considerada também num filme-video que acompanhou a exposição.
A primeira sala da exposição foi dedicada ao tema "A corte de Friedrich Heinrich e Amália de Solms". No centro dessa sala, valorizada por um retrato do príncipe Wilhelm II de Oranje-Nassau de escola de pintura holandesa da época, foram expostos, numa vitrina, fontes e objetos do século XVII. Esses objetos testemunharam a atividade colecionadora de Amália de Solms que, juntamente com o seu marido, lançou as bases para as valiosas coleções de arte e os vários castelos da família em Brandenburgo.
As salas seguintes estiveram sob o títtulo "Onder den Oranje boom: Imagens políticas dos Países Baixos e da Casa Oranje". Aqui, os emblemas, mostrando sobretudo animais e mitos, documentaram a linguagem de imagens alegóricas relacionadas com a época dourada dos Países Baixos.
Outro tema da exposição foi "Influências dos Países Baixos na cultura da terra e na evolução das artes em Brandenburgo, de 1640 a 1740. O casamento de Friedrich-Wilhelm de Brandenburg e Louise Henriette de Oranje, em 1646, fundamentou os contactos familiares estreitos que influenciaram a história cultural e territorial. Assim, colonos holandeses foram trazidos para Potsdam pelo Grande Príncipe Eleitor. De excepcional interesse para os estudos interculturais foram chinoiseries do Cabinete de Porcelanas do Castelo de Oranienburg. Foram apresentadas também obras de arte de excepcional relevância histórico-artística, tais como a representação de Marte e Venus, de 1653, de Jan Lievens, uma alegoria da Harmonia. Outras salas foram dedicadas a irmãs de Louise Henriette.
Estudos em Oranienburg
Tendo considerado essa exposição quando foi apresentada, em época que coincidiu temporalmente com a abertura dos eventos motivados pelo V° centenário do descobrimento do Brasil, a A.B.E. procurou agora retomar os estudos de Johann Moritz von Nassau à luz das discussões teórico-culturais da atualidade com uma viagem a um dos principais monumentos da influência holandesa em contextos intereuropeus: o palácio de Oranienburg. Significativamente, a reconstrução desse palácio foi concluída por ocasião da abertura da exposição, no dia 14 de agosto de 1999.
Esse palácio, próximo de Berlim, localiza-se em cidade que se originou de uma povoação provavelmente de origem eslava: Bothzowe. A sua primeira menção documental data do ano de 1216. Nela, o bispo Siegfried II de Brandenburg confirma as propriedades do Capítulo da catedral local. Em 1595, ainda era uma pequena aldeia com apenas 78 habitantes. A mudança nos desígnios da localidade teve início com o Príncipe Eleitor Friedrich-Wilhelm, em 1650, quando este presenteou o domínio de Bötzou à sua esposa, Louise Henriette, filha do príncipe dos Países Baixos Friedrich Heinrich de Oranien. Em 1652, o castelo foi denominado de Oranienburg. Em 1742, o rei prussiano Friedrich II (Frederico o Grande) ofereceu o castelo a seu irmão mais velho, Príncipe August Wilhelm. Os jardins e o edifício foram reformados em estilo Rococo.
Hoje, procede-se a uma completa remodelação paisagística da área adjacente ao palácio. Deverá vir a ser uma das grandes obras de paisagismo e jardinagem que marcará a passagem de mais uma exposição desse gênero na Alemanha.
Paradigmas dos estudos de João Maurício de Nassau
Com essa visita a Oranienburg, procurou-se refletir sobre a necessidade de uma maior atenção às bases teórico-culturais e à contextualização histórico-intercultural dos estudos relativos à presença holandesa no Brasil. Pressuposto para tais reflexões é o exame da história da literatura respectiva e dos conceitos nela vigentes.
Como ponto de partida, escolheu-se a Bibliotheca Exotico-Brasileira, volume I, de Alfredo de Carvalho, publicada por Eduardo Tavares, em 1929 (Rio de Janeiro: Paulo, Pongetti 1929). A principal razão da escolha dessa obra foi o fato de o editor tecer comentários elucidativos a respeito das obras nela registradas.
A primeira entrada discutida (op. cit. 160 pp.) foi:
Gasparis Barlaei / rervm per octennivm / in / brasilia / et alibi nuper gestarum / sub, praefectura Illustrissimi Comitis / I. Mavritii, / Nasoviae, & Comitis, / nunc Vesaliae Gubernatoris & Equitatus Faederatorum /Belgii Ordd. sub Avriaco Ductoris historia. /Amstelodami; / Ex Typographeio Ioannis Blaev. / M. DC. XLVII (1647) in-fol. 3 fls. n. nums. 340 pp. retrato de Mauricio de Nassau, gravs. e mappas.
Alfredo de Tavares, seguindo a opinião de Netscher, salienta que, essa história dos oito anos de govêrno de Maúricio de Nassau constitui a base de tudo que se escreveu posteriormente sobre o período das guerras com os holandeses no Brasil, de 1633 a 1644. Os comentários relativos ao autor, Gaspar Van Baerle (+1648), são dos mais positivos. Para A. de Carvalho, fora médico, filósofo e poeta primoroso; seus versos, quer em holandês, quer em latim, poderiam ser comparados aos melhores da Antiguidade. Essa obra seria tão importante que ainda na época (início do século XX) seria necessariamente consultada por todos que se referissem ao govêrno do Príncipe de Nassau.
Alfredo de Tavares considera a opinião de Varnhagen relativa a Barlaeus: "A latiníssima História dos oito annos de govêrno de Nassau, por mais que corram os séculos, será sempre um livro importante e digno de consultar-se". Razão dessa importância seria o fato de que Barlaeus se utilizara para escrevê-la da correspondência oficial do próprio Príncipe.
O autor salienta a raridade dessa edição, mencionando o incêndio que, em 1647, destruiu os seus exemplares. Nenhuma outra edição poderia ser comparada à primeira, não só por conter várias plantas topográficas e panoramas, alguns deles de Franz Post, como também pelos 4 mapas do litoral brasileiro, do Rio Real até ao Rio Grande do Norte.
Entre as outras edições da obra, Alfredo de Tavares considerou a sua tradução alemã, também rara:
Barleu - Brasilianische /Geschichte, / Bey Achtigjahriger in selbigen /Landen /gefuhreter Regierung / Seiner Fürstlichen Gnaden Herrn /Johann Moritz, /Furste zu Nassau etc. /Erstlich in Latein durch Casparem /Barlaeum beschrieben, / Vnd jetzo in Teutsche Sprache übergesetzt. / Cum grat. & Privil. sac. Caesar. Majest. / Cleve, Gedruckt bey Tobias Silberling, / Im Jahr. 1659, in-8° grav. com as armas do Príncipe de Nassau; 10 fls n. nums. e 848 pp. no texto e 8 mappas.
Em outro local, A. de Carvalho salienta que Varnhagen mencionou a existência de uma segunda edição, de 1684, da tradução alemã da obra de Barleus, impressa em 1659 ( e não 1652), com o título de Brasilianische Geschichte bey Achtjaehriger in selbigen Landen gefuehrter Regierung Seiner Fuerstlichen Gnaden Herrn Johann Moritz, Fuerstens zu Nassau. Ele, porém, não encontrou outra menção dessa edição.
O autor registra também a segunda edição latina da obra:
Gasparis Barlaei, / rerum per octennium / in / Brasilia / et alibi gestarum, / sub Praefectura illustrissimi comitis / I. Mauritii / Nassaviae &c. Comitis, / Historia. / Editio Secunda. / Cui accesserunt / Gulielmi Pisons Medici /Amsteladaedamensis / tractatus / 1 De aeribus, aquis & locis in Brasilia. / 2 De arundine saccharifera. / 3 De melle silvestri. / 4 De radice altile mandihoca. / Clivis, ex officina Tobiae Silberling. M. DCLX (1660) In-16, tit. grav; retr. de Mauricio de Nassau; dedic. 4 fls. n. nums. 1 mappa; 664 pp.
Alfredo de Tavares, procurando adquirir um exemplar dessa edição, entrou em contacto com Maggs Brothers, que a possuia e dela afirmava, repetindo a frase que, quase como um topos, percorre a literatura: "The work of Barlaeius forms the basis of everything which was written at a later date, of this period of Brasilian History (1634-1644). This book was written on the basis of information furnished by Maurice de Nassau."
O autor possuiu um exemplar da primeira edição de 1647, além de outras (Poemata, Amstelodami, 1655; Brasilianische Geschichte. Cleve, 1659; Rerum per octennium in Brasilia. Cleve, 1660). Cumpre mencionar que o editor da obra de Alfredo de Tavares incluiu no texto publicado uma edição surgida após a morte de A. de Tavares:
Nederlandsch Brasilie onder het bewind van Johan Mauritis, Grave van Nassau, 1637-1644. Historisch, geographisch, ethnographisch. Naar de Latijnsche uitgave an 1647 voor het eerst in het Nederlandsch bewerkt. d. S. P. L'Honoré Naber. Haya. M. Nijoff, 1923. - Com tit. gravado, retrato de Nassau e 67 cartas e mappas, reproducções das antigas gravuras.
Para os estudos histórico-interculturais é de particular interesse o texto-comentário do editor da Bibliografia de A. Tavares a respeito de seus trabalhos relativos ao papel dos holandeses em Palmares.
Na sua Historia dos oito annos de govêrno de Maurício de Nassau, Barlaeus menciona que R. Baro, emissário dos holandeses contra os africanos que constituíram a República dos Palmares, comandando tropas holandesas e algumas centenas de tapuios, em fins de 1643 ou início de 1644, teria destruido totalmente a localidade. Acentua que essa menção não pode ser exata, uma vez que no começo de 1645, foi enviada uma segunda expedição, comandada por J. Blaer. Este afirma, no seu diário de viagem, ter morto e aprisionado negros e incendiado várias casas. Esse Diário, fonte de particular importância, embora provavelmente não escrito por Blaer, foi traduzida do holandês por Alfredo de Carvalho, que o extraiu da coleção de cartas e papéis do Brasil (Briefen, Papieren uit Brasilien) e publicado na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano (X/56, 1902, 87-96). Como fica manifesto dos comentários, a história dos Palmares não pode ser efetuada sem a consideração crítica e contextualizada da literatura.
Os estudos tiveram e terão continuidade.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).