Doc. N° 2198
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
107 - 2007/3
Tópicos Multilaterais Alemanha-Brasil
Nunc dimittis: Reflexões em contextos interconfessionais e interculturais
Neukloster: Jornadas da A.B.E. 2007 Comemorações de Santa Isabel da Hungria ou Turíngia Circuito de estudos euro-brasileiros de Mecklenburg e Pomerânia Ocidental. A.B.E.
O triênio de comemorações dos 800 anos de Santa Isabel da Turíngia está sendo marcado por celebrações, exposições e ciclos de estudos em diversos países.
Para a A.B.E., dá ensejo a reflexões de cunho interconfessional e intercultural a serem encetadas em diferentes contextos. Essas reflexões foram iniciadas na Catedral de Marburg, um dos principais, senão principal centro de romarias da Idade Média após Santiago de Compostela (veja artigo em edição anterior deste órgão).
Dando prosseguimento a esses trabalhos, realizou-se uma visita à igreja conventual evangélica de Neukloster, situada em região próxima à cidade de Wismar, no Norte da Alemanha, onde, no seu campanário, realizara-se uma exposição dedicada a Santa Isabel da Turíngia. Os trabalhos se inseriram no âmbito de estudos paralelos ao seminário "Música na Hermenêutica Bíblica".
Convento de Neukloster
Essa igreja conventual é um expressivo exemplo da arquitetura gótica em tijolos do Norte da Europa. Do ponto de vista histórico-artístico, é conhecida sobretudo pelos seus valiosos vitrais. Digno de menção é o coro de dois andares, com o órgão no segundo pavimento. O que torna a atmosfera de Neukloster altamente propícia a meditações é a sua localização, cercada de velhas árvores e pelas sepulturas de um antigo cemitério.
Nunc dimittis
As reflexões em Neukloster partiram de problemas interpretativos do Nunc dimittis e de seu significado para os estudos histórico-culturais. O Nunc dimittis é um dos cânticos do Novo Testamento e, assim, de fundamental importância para os estudos de contextos culturais cristãos e de suas expressões transmitidas às regiões extra-européias cristianizadas. Assim como o Magnificat e o Benedictus, com os quais deve ser visto em conjunto, foi alvo de contínuas exegeses através dos séculos, que influenciaram profundamente a concepção do mundo e do homem. Para os estudos interculturais, a análise hermenêutica adequada do Nunc dimittis é pré-condição necessária para a compreensão de várias expressões transmitidas pela tradição. Se o Magnificat é o canto de Maria, o Benedictus o de Zacharias, pai de João Baptista, o Nunc dimittis é o canto de Simeão, entoado quando da apresentação de Jesus no templo. Trata-se de um contexto de cânticos relacionados entre si. O Magnificat constitui aqui por assim dizer o centro, o hino de Zacharias o primeiro e o de Simeão o último. A sua fonte é o evangelho de Lucas (2, 25-35).
Simeão
Simeão era um idoso altamente piedoso de Jerusalem, um justo. Cria na salvação de Israel. Pelo Espírito Santo, sabia que não morreria sem ter visto o Messias. No templo, toma o Menino nos braços e entoa o cântico Nunc dimittis, profetizando o significado futuro de Jesus. Segundo a tradição, Simeão teria sido um sacerdote (Proto-Evangelho de Jacobus 24, 3.s), sucessor de Zacharias, o pai de João Batista, até mesmo o sumo-sacerdote (Acta Pilati 17,1); Jesus teria posteriormente ressuscitado dois de seus filhos, Karinus e Leucius. Ainda segundo a tradição, relíquias de Simeão teriam sido trazidas para Constantinopla, no século VI e, muito mais tarde, em 1243, para a Dalmácia. Ali, em Zara, foram veneradas em relicário doado por Santa Isabel da Turíngia.
Aqui reside a relação histórica entre Santa Isabel e a veneração de Simeão. O significado mais profundo, porém, deve ser detectado através de análises de sentido do Nunc dimittis.
Interpretação e significado
O texto do cântico e as circunstâncias descritas no Evangelho são de intensa dramaticidade, o que explica, em parte a sua recepção e permanência na cultura popular. As palavras iniciais "Nunc dimittis" expressam o fato de Simeão estar então pronto para ser "demitido" em paz da vida, uma vez que chegou a ver o Salvador. O menino é, assim reconhecido como sendo o Messias, aquele preparado por Deus para todos os povos, uma luz para a iluminação dos pagãos e para o engrandecimento do povo de Israel (Luc 2,29-32). Cristo é aqui claramente designado como uma luz dos gentios, dos povos não pertencentes à esfera judaica. No texto do Nunc dimittis encontram-se concepções formuladas no Velho Testamento. Seria porém um êrro considerar esse cântico sob essa perspectiva. Como cântico evangélico, é parte do Novo Testamento e deve ser analisado sob uma perspectiva anti-tipológica. Entre os seus tipos velho-testamentários pode-se indicar textos do livro de Isaias (Is 49,6; 42,6), onde se fala da luz de Jahvé para os povos e de que a grandeza tornada visível de Deus serve ao nome de Israel.
"Cultura do morrer" e suas expressões culturais
O Nunc dimittis é cantado desde séculos nas Completas, nas horas do ofício noturno que faz com que os fiéis se lembrem da morte, criando uma atmosfera de gratidão e de despedida. Também nas cerimônias e tradições populares relacionadas com entêrros canta-se o Nunc dimittis. Na história da música, tanto católica como protestante, há composições fúnebres de autores renomados baseadas nesse cântico.
Na atmosfera de Neukloster, marcada pelas sepulturas, as reflexões relativas ao Nunc dimittis encontraram atmosfera adequada para serem desenvolvidas. Os pensamentos, porém, dirigiram-se a uma cultura da morte ou relacionada com a morte em contextos de cristianização e colonização, dando-se especial atenção aos primeiros séculos da história do Brasil.
Os trabalhos deverão ter prosseguimento.
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).