Imigrantes portugueses sob Kalakaua. Revista BRASIL-EUROPA 126. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

O primeiro contingente de portugueses que chegou ao Havaí, em 1878, encontrou um país na fase de maior esplendor externo do regime monárquico, de uma vida urbana marcada pelo florescimento cultural e artístico, caracterizada ao mesmo tempo por cosmopolitismo e pela conscientização dos valores culturais havaianos.

Existiam, porém, profundas tensões políticas e de poder econômico, interesses e orientações conflitantes relativamente aos elos internacionais com a Europa, com os Estados Unidos e com os países do Oriente.

Instabilidade interna e brilho externo, sintomas de desintegração de estruturas e esforços de projeção e expansão representaram o campo de tensões no qual se inseriram os imigrantes. A sua própria vinda não pode ser compreendida sem a consideração das transformações da economia havaíana em anos anteriores, dirigida agora sobretudo à agricultura açucareira. Esse desenvolvimento foi estreitamente relacionado com questões de poder conquistado pelo enriquecimento de empresários, sobretudo norte-americanos, e sua influência política.

Os portugueses chegaram em época do apogeu e, ao mesmo tempo, do início do fim de um Havaí de orientação européia, vivenciando a sua crise, o golpe que levou a seu término e, por fim, a sua anexação aos EUA. Mesmo que inicialmente não tivessem tantas relações com ocorrências governamentais, sendo levados para as plantações e vivendo no mundo limitado da faina agrícola sob a direção dos respectivos empresários, o espirito geral de desenvolvimento, progresso, expansão e de aumento de poder da classe daqueles a que serviam marcou a também o meio em que se inseriam e mantinha o entusiasmo e a esperança de progresso.

A cultura poético-musical no Havaí sob a égide do Rei Kalakaua (1836-1891)

Desde 12 de fevereiro de 1874 regia o Havaí o rei David Kalakaua (1836-1891). O seu nome ficou ligado à fase mais brilhante da vida do reino havaíano, e é até hoje relembrado em monumentos e ruas da cidade, em particular daquela da via principal de Waikiki, o bairro elegante de praia de Honolulu.

Em praça central de Hilo, na Big Island, o seu monumento é caracterizado pelos atributos da cultura tradicional havaina, a planta do taro e a grande cabaça, instrumento de grande carga simbólica utilizado na hula. (veja artigo nesta edição)


Kalakaua foi uma personalidade de elevada formação e que dedicou particular atenção a questões culturais. Segundo o depoimento de sua irmã, a futura rainha Liliuokalane (1838-1917) (Havaí's Story by Havaí's Queen Liliuokalani, Honolulu: Mutual Publishing, 1990, 52), esse soberano era um grande apreciador da poesia e da música, sobretudo da canção, uma qualidade que também a de seus irmãos e era derivada da tradição havaíana e da educação que preparara os futuros líderes do país. (veja artigo sobre Liliuokalani)

Ingerências de norte-americanos - "partido missionário" e plantadores de açúcar

A época de Kalakaua foi marcada por uma crescente influência dos norte-americanos residentes no Havaí. Essa influência era, em primeiro lugar, devida aos missionários norte-americanos que haviam sido mentores de chefes e seus descendentes. No decorrer das décadas, as suas famílias tinham alcançado postos de influência na política e adquirido grandes propriedades. Nas suas memórias, a futura rainha Liliokalani salienta o papel do "partido missionário" no Estado. 

Ela não esconde o seu ressentimento em ver que aqueles missionários que chegaram ao Havaí como pregadores de Cristo, tornavam-se veículos da anexação do país aos Estados Unidos.

A subida ao trono de Kalakaua foi precedida por fatos que criaram tensões por anos e que, direta- ou indiretamente abalaram os fundamentos da monarquia. Esses fatos relacionaram-se com o fim da dinastia dos Kamehameha, fundadores do reino, com a morte, sem descendentes, de Kamehameha V° (1830-1872). Havia sido um dos candidatos à sucessão, juntamenteo com um primo distante de Kamehameha, Lunalilo, não sendo, porém, escolhido.

A época de Kamehameha V° havia sido marcada, externamente, pela manutenção e fortalecimento da idéia de um sistema político conservador quanto ao poder das famílias havaianas, ao mesmo tempo, porém, com uma orientação pragmático-liberal sob o aspecto econômico apesar do receio da dependência do país relativamente aos Estados Unidos.

Nesse sentido, criara-se o projeto de um tratado de reciprocidade, liberando o açúcar havaíano de taxas nos portos norteamericanos. Do ponto de vista familiar, o rei, que nunca se casou, mantinha estreitas relações afetivas com a rainha Emma, viúva de seu irmão, e que desempenhava e desempenharia por anos papel de grande influência nos desígnios do país.

O antecessor de Kalakaua, William Charles Lunalililo, entrou na história do Havaí como um dos mais prestigiados e populares de seus soberanos, que exigiu ser votado pelo povo, o que aconteceu a 1 de janeiro de 1873, que se empenhou na liberalização das bases constituições e da forma de govêrno.

Sob a sua ação, a influência norte-americana no próprio govêrno aumentou, nomeando três americanos para o seu gabinete. Para a consecução do almejado tratado de reciprocidade pensava-se já em ceder Pearl Harbor aos Estados Unidos.

Segundo o sistema constitucional da monarquia havaíana, que previa a eleição de sucessores pelo Legislativo, a escolha de Kalakau representou uma derrota à rainha Emma. Esta, que se via como guardadora da linha de Kamehameha, era de orientação pró-britânica e embuida de profunda desconfiança perante o aumento de poder dos plantadores de açúcar norte-americanos e de empresários. Também era contrária ao tratado de reciprocidade e à cessão de Pearl Harbor. A sua derrota foi acompanhada por demonstrações violentas de seus partidários, havendo sempre a tensão de um possível golpe e subida ao trono da rainha.

Viagem de Kalakaua aos Estados Unidos

Tendo sido eleito com o apoio de famílias de missionários enriquecidos e proprietários de plantações de cana, norte-americanos, que temiam a concorrente Emma pela sua atitude pró-britânica e episcopalista, Kalakaua organizou a negociação do tratado de estreita aliança ou de reciprocidade com os Estados Unidos. Antes de para lá se dirigir, as negociações foram conduzidas por comissários de origem norte-americana do seu govêrno.

Kalakaua partiu para San Francisco a bordo do navio de guerra Benicia, em outono de 1874. Foi acompanhado pelo marido da futura rainha Liliuokalani, General J. O. Dominis (1832-1891) e pelo ministro norte-americano Henry A. Pierce (1825-1896). Em Washington, foi acompanhado por um dos oficiais do navio de guerra americano.

O tratamento dado a Kalakaua foi dos mais cordiais. A simpatia e hospitalidade que os americanos sabem dar a seus visitantes amigos foi salientada mesmo pela futura rainha Liliuokalani nas suas memórias, que, apesar de ter sido prejudicada pelos norte-americanos residentes no seu país, procurou fazer o seu julgamento de forma diferenciada. Nessa estadia, desenvolveu-se uma grande amizade, até mesmo fraternidade entre Kalakaua e o General Ulysses Simpson Grant (1822-1885), Presidente dos Estados Unidos (1869-1877).

O resultado da visita aos Estados Unidos foi o tratado de reciprocidade desejado pelos plantadores de açúcar no Havaí, assinado a 30 de janeiro de 1875 e ratificado em setembro de 1876. Esse ato, o primeiro oficial do rei, se bem visto pelo "partido missionário" e pelos agricultures de poder, norte-americanos, foi visto com receios por outros, temerosos que seria o primeiro passo para a perda da independência do país. Para Kalakaua, o tratado oferecia de início uma segurança do ponto de vista financeiro e uma certa tranquilidade política, pois vinha de encontro aos interesses dos estrangeiros residentes no país.

O seu principal promotor havia sido Adolph Claus J. Spreckles (1828-1908), de origem alemã, nascido de Lamsted, Hannover, que havia emigrado para os Estados Unidos, lá casando-se também com imigrante alemã. Construira um império econômico com a refinação de açúcar, dominando o comércio açucareiro na costa americana do Oeste, sendo os plantadores do Havaí dele dependentes (Spreckels Sugar Company). A influência de Spreckles na  opinião pública tornou-se significativa com a sua atividade de publicista, fundando o Pacific Commercial Advertiser, em 1880. De tendências políticas conservadoras e monarquistas, diferenciava-se de outros círculos norte-americanos e gozava de grande prestígio perante Kalakaua.

Influência latina na "Dinastia da Champagne"

Se a presidência de U. S. Grant deixaria na história sombras causadas por escândalos, casos dubiosos e problemas de corrupção, também a história do Havaí apresenta, na época, tratos com pessoas que se propunham a projetos grandiloquentes e negócios questionáveis. Um desses estrangeiros audaciosos que exerceram considerável, extravagante e inexplicável influência junto ao rei Kalakaua foi Celso Caesar Moreno.

De origem italiana, naturalizado americano, Celso Caesar Moreno, cuja biografia necessitaria ser melhor estudada sob o ponto de vista teórico-cultural, surge como um vulto que alcançou de forma pouco compreensível considerável influência em círculos políticos e econômicos de diversos países. Sabe-se que recebeu formação junto a um prelado e desenvolveu estudos de marinha na academia de Gênova, assim como de engenharia na universidade local. A sua vida decorreu em diversas regiões do mundo, tendo participado na guerra da Criméa e atuado no Oriente, casando-se com a filha de um sultão de Sumatra. Um de seus maiores projetos foi o da instalação de um cabo submarino para ligar a China com os Estados Unidos. Para tal, procurou levantar meios na China e nos Estados unidos.

Sempre à procura de pessoas influentes e oportunidades, Moreno encontrou-se pela primeira vez com Kalakaua em San Francisco, em 1874. Para o projeto, conseguiu convencer círculos influentes na América do Norte, alcançando direitos concedidos pelo Congresso Americano, a 15 de agosto de 1876. Usou dessa concessão, de forma pouco exata, para travar novos conhecimentos e apresentar-se como pessoa de grande influência internacional.

Celso Moreno chegou ao Havaí vindo da China, em 1879, onde permaneceu nove meses. Nesse período, alcançou considerável projeção, surgindo até mesmo como figura central da vida social e cultural havaíana da época. Tornou-se conselheiro quase que confidencial de Kalakaua, com influência talvez maior do que aquela dos seus conselheiros oficiais.

Essa proximidade apenas parece poder ser explicada a partir de uma perspectiva cultural. Os havaíanos, imersos em crise de identidade, ainda presos a valores tradicionais da vida simples do passado, formados na austeridade modesta da educação missionária protestante, encontravam-se numa situação de instabilidade e, ao mesmo tempo, de anelo de demonstração exterior de civilização e cultura. O significado alcançado por Moreno foi, nessas condições, em grande parte devido à sua aparência imponente, à sua elegância e grandiloquência, à sua auto-confiança - expressão de maná - e segurança, a seus modos e ao fascínio de seus grandiosos projetos. Tudo indica que Kalakau foi ofuscado e, talvez, intimidado pelo modo de ser do audacioso italiano.

Devido a seus conhecimentos da China - onde levantara meios para a criação de uma linha marítima entre o Império Celeste e os EUA, Moreno surgia no Havaí como oportuno mediador para a obtenção de mão-de-obra chinesa para o trabalho nas plantações de cana de açúcar. Assim, com êle chegou ao Havaí um contigente de coolies. O projeto do cabo submarino foi modificado, nas transações com Kalakaua, em ligação entre o Havaí e San Francisco. Que os projetos de Moreno possuiam aspectos questionáveis isso o indica aquele voltado à importação de ópio e que, apesar de muitos debates e mesmo de um veto de Kalakaua, chegou a ser aceito pelo Legislativo.

Imagem do "Merry Monarch"

A imagem de Kalakaua, ainda que com alguns traços contraditórios, é a de um homem dado aos prazeres da vida, à bebida, à vida alegre, às artes, ao jogo, à música e à composição, tendências pessoais que se relacionaram no âmbito da representação e da política através de uma vida social marcada por festas, por cortejos brilhantes, recepções, por fomento da música e da dança, pela criação de um aparato palacial que deveria criar uma atmosfera de encanto e fantasia.

Essa imagem não deveria, porém, ser entendida como expressão de deficiências pessoais do caráter de Kalakaua. Deveria ser analisada sob o ponto de vista teórico-cultural nas suas relações com o processo de transformação cultural do Havaí, já acima mencionado. A representação e a criação de uma linguagem simbólica da monarquia deveria, através de elos afetivos e emocionais, salvar a identidade havaíana em período de nova crise de sua complexa transformação cultural. Se décadas atrás a grande mudança ocorrera com a destruição dos símbolos da antiga religião e de uma estrutura social baseada em preceitos e observâncias, agora corria o perigo de uma perda da autonomia do país perante o crescente poder norte-americano.

A serviço da representação, compreendida nesse sentido mais profundo, inseriam-se também  planos de intensificação das relações exteriores, voltados ao estreitamento de laços com as famílias reinantes européias, à procura de novos impulsos culturais e científicos que demonstrassem que o reino do Havaí se encontrava à altura das demais nações civilizadas do mundo.

A instabilidade interna, a labilidade psicológica correspondia anelos de expansão e grandeza. Significativamente, o grande projeto de Kalakaua era o de criar um grande reino da Polinésia, sob a égide do Havaí, e para cuja realização empreendeu contatos e ações em outras ilhas do Pacífico. Como ficou porém comprovado em Samoa, as pretensões do Havaí esbarravam com pretensões coloniais e de expansão de esferas de influência das nações européias.

Consciência do patrimônio cultural havaiano

Uma das preocupações de Kalakaua foi a da perda da vitalidade e do sentido de vida dos nativos havaianos. Não apenas as epidemias, a diminuição da população e o empobrecimento geral dos havaianos levava a um estado de espírito caracterizado pela tristeza, pela falta da alegria de vida que havia caracterizado a sociedade havaiana. Sobretudo a sensação de não mais se encontrarem no próprio país, de serem submergidos não apenas numericamente, mas também culturalmente pelos estrangeiros surgia como um dos fatores de uma crise de auto-estima.

Kalakau procurou desencadear um retorno às raízes e recuperar a consciência de uma grandeza do passado. Chamou os kahuna que haviam sido afastados e que eram os portadores de narrativas, contos e cantos que transmitiam lendas de origens e genealogias.

Essa valorização da tradição, da cultura dos ancestrais deveria coadunar-se com o surto de progresso, de desenvolvimento comercial e agrícola, de engrandecimento e embelezamento da capital. O Havaí deveria surgir como um reino progressista mas, ao mesmo tempo, consciente e orgulhoso de suas tradições e de seu patrimônio cultural.

Esse desenvolvimento do Havaí em direção ao redescobrimento e à revalorização do próprio passado e das tradições culturais correspondeu a similares tendências em vários países europeus e, em parte, também do Brasil. Essas décadas da segunda metade do século XIX foram marcadas pelo surgir de um novo interesse pela etnografia e pelo folclore, pelas tradições de regiões rurais, pelas pesquisas e estudos de literatura e das artes populares. Kalakaua procurou revitalizar vários gêneros e expressões culturais, entre êles a hula, o mele e oli. O conhecimento e o cultivo das tradições havaianas deveria segundo essas concepcões, fazer parte integrante da educação das novas gerações. (Veja artigo a respeito da hula nesta edição)


Palácio Iolani como emblema de uma concepção: progresso e tradição

Como emblema máximo dessa orientação política e político-cultural substituiu-se o antigo palácio Iolani, de modestas dimensões, por um novo palácio, mais representativo, correspondendo estilisticamente a tendências da época e, ao mesmo tempo, conservando princípios da tradição havaíana. Os trabalhos iniciaram-se em 1879, a de 31 de dezembro. Foram concluídos e, agosto de 1882.

O simbolismo representou desde o ionício importante fator na escolha do local e na arquitetura do palácio. A Maçonaria, à qual parte da família real pertencia, marcou as cerimônias de lançamento da pedra fundamental. O local onde se levantou havia sido, segundo alguns, lugar de culto no passado, o heiau Ka'ahaimauli.

Partes dos terrenos então situados fora da cidade velha haviam sido entregues ao pastor Hiram Bingham (1789-1869) para a construção do edifício que viria a ser a igreja de Kawaiaha e sua casa (Veja artigo nesta edição); nas proximidades, levantaram-se algumas edificações para famílias do chefe, de modo que pudessem ir facilmente à igreja e as crianças à escola. Outro missionário levantou também ali a sua casa. A primeira edificação em pedra foi a casa do Primeiro Ministro Kalanimoku, mais tarde transformada em local de encontros dos chefes nativos. Em 1825, erigiu-se ali uma tumba sepulcral para Kamehameha II (1797-1824) e a rainha Kamamalu (1802-1824), que haviam estado na Inglaterra e haviam-se impressionado com as sepulturas na Westminster Abbey. (veja artigo nesta edição)

Na área, o arquiteto alemão Theodore Heuck (1830-1877), de Hamburgo, e primeiro arquiteto profissional do Havaí, autor do projeto do hospital da rainha Emma (1860), projetou as Barracas de Iolani, para a guarda real, inspiradas em castelos da Idade Média; os trabalhos foram completados em 1871.


O palácio Iolani antigo foi conhecido como Casa do Chefe (Hale Ali'i), tendo o seu nome modificado por Kamehameha V° para Iolani em homenagem a seu irmão mais velho. Esse nome, porém, tinha sentidos próprios: Io era o pássaro havaiano que pode voar mais alto do que os demais e Iani tinha o significado de celestial, real ou exaltado. A simbologia tinha assim, uma certa similaridade de sentido com a da águia, conhecida, por exemplo, da tradição alemã.

Sob o ponto de engenharia e da técnica, o palácio seguiu as mais modernas tendências . Mostrava-se como prova do espírito de progresso e a modernidade da nação havaiana. Possuia encanamento embutido, iluminação a gás, logo eletrificada (1887), tendo sido um dos primeiros edifícios palaciais do mundo com o uso da lâmpada há poucos anos inventada, antecedendo aqui até mesmo a Casa Branca. Seguindo os interesses do rei por modernos meios de comunicação, instalou-se um telefone, também recentemente inventado. O mobiliário foi realizado sobretudo nos Estados Unidos por firmas então de prestígio, entre elas a A.H. Davenport Company, de Boston.

O projeto, em parte de Thomas Rowe (1829-1899), de Sydney, Austrália, foi modificado por outros arquitetos da Califórnia. Grande parte do material foi importada, sobretudo dos Estados Unidos, entre outros elementos, vidros cizelados e colunas de ferro. O monumental espaço de entrada, ladeado por quadros de membros da família real, leva a uma escadaria em madeira nativa (koa). Para a solenidade da coroação de Kalakaua e Kapi'olani, a 12 de fevereiro de 1883, construiu-se o pavilhão real nos jardins do palácio. (Veja artigo sobre banda de música, nesta edição)

Estilisticamente, a construção correspondia também às mais atuais tendências de uma arquitetura representativa da época e que haviam sido conhecidas por Kalakau nas suas viagens. O palácio distinguia-se aqui tanto da arquitetura classicista, de inspiração palladiana de outros edifícios com pórticos de colunas, tais como a própria igreja de Honolulu, como de construções de inspiração medieval ou neogótica, como as Barracas da guarda real e o mausoléu de Lunalilo. O palácio distinguia-se e distingue-se dos edifícios que o cercavam pela festividade brilhante de sua configuração ornamental e suas sugestões culturais, em particular italianas.



Essea linguagem ornamental, por alguns designado como "Florentino Americano", foi porém adaptado à tradição local das amplas varandas que cercam dois andares do edifício, uma prática adequada às condições climáticas do Havaí.

O elo com a tradição e a cultura havaiana manifesta-se já no Grande Hall de entrada, configurado com madeiras nobres e ornamentado com quadros de reis havaianos e estatuária vindos da Grã-Bretanha, da França e da Ínida.  A Sala do Trono, de grandes proporções e profusamente ornamentada, com portas abrindo-se para a varanda, era aquela na qual se realizavam as recepções, os concertos e bailes, desempenhando papel significativo na vida cultural havaiana.

De significado menos formal era a Sala Azul. Nessa sala sobressaem-se os retratos de Kalakaua e Lilio'uokalani, pintados pelo pintor norte-americano William F. Cogswell (1819-1903), conhecido pelas suas obras de gênero e portraits, atuante sobretudo na Califórnia e New York.

A escolha da ornamentação das salas, apesar de uma certa unidade do todo, garantida pelo Grande Hall, corresponde às conotações artísticas e culturais das diversas funções. Assim, os aposentos do rei sugere uma maior seriedade ou mesmo sacralidade devido a elementos neo-góticos. Uma particular menção merece a Sala de Música ou Sala Dourada, um testemunho da importância das atividades lítero-musicais na vida da família real.


Primeira viagem ao redor do mundo de um soberano (1881)

Em 1881, Kalakaua realizou uma viagem ao redor do mundo. Foi acompanhado por elementos do "partido missionário". A sua rota foi, do Oriente ao Ocidente. Visitou, a partir de San Francisco, países da Ásia, do Norte da África, da Europa e dos Estados Unidos.

Como salienta a rainha Liliuokalani nas suas memórias, essa viagem de Kalakaua foi mal-interpretada. Os havaianos criticavam os gastos de uma estadia do soberano no Estrangeiro e a sua ausência do país, alegando que a fazia por sêde de conhecimentos e para conhecer o mundo. O motivo condutor da viagem, porém, era outro, sobretudo o da procura de mão de obra para o Havaí, ou seja, o estabelecimento de contatos para o fomento da imigração. Procurava-se saber qual seria o melhor tipo de trabalhador para as plantações de açúcar, considerando-se as condições climáticas tropicais do país e as tendências à integração dos diferentes povos. Esteve com esses objetivos primeiramente no Japão, na China e no Sião. Tratou da possibilidade da vinda de indianos para o Havaí na própria Índia, considerando o papel desempenhado pelos indianos como trabalhadores contratados em outras regiões, em particular em Maurício. (Veja artigo a respeito em número anterior desta revista)

Entretanto, os tratos foram mais eficientes na China e no Japão, que passaram a enviar considerável contingentes de trabalhadores ao Havaí, o que teria considerável influência na configuração populacional do país.(Veja artigo neste número)

Após as negociações sobre possibilidades de emprêgo de mão-de-obra asiática no Havaí nos países do Oriente, Kalakau dirigiu-se aos países europeus, sendo recebido por todo lugar com manifestações de apreço e simpatia.

Na Europa, esteve em Viena e em Paris. Na Alemanha, visitou Berlim, Potsdam e Essen, aqui para estabelecer contatos com a firma Krupp. Teve a preocupação de procurar novidades musicais e adquirir partituras, enviando-as a Honolulu.

Nos Estados Unidos, onde foi novamente bem recebido, estabeleceu contatos nos meios políticos e comerciais. Foi recebido como soberano. Também aqui o seu objetivo foi o de que o Havaí se fizesse reconhecer como país autônomo, desenvolvido, tolerante, aberto ao progresso e culto.

Crítica póstuma à receptividade de Kalakaua à influência americana

Na sua já citada obra, a rainha Liliuokalani lamenta, como já citado, a influência excessiva descendentes de famílias missionárias exerceram no seu govêrno. A sua história de vida foi marcada por viagens e tratos com os Estados Unidos, sempre porém ladeado por norte-americanos pertencentes do "partido dos missionários".

"The conclusion cannot be avoided, that it my brother had indeed sought his own pleasure rather than the good of all residents under our flag, his family would be in their hereditary rights to this day. By his liberality to those of American birth he inaugurated the treaty of reciprocity; by his investigations and solution of the problem of labor he gave them the opportunity to raise sugar at an enormous profit; and he thus devoted the earlier part of his reign to the aggrandizement of the very persons, who, as soon as they had become rich and powerfull, forgot his generosity (...)"(op.cit. 78)


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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. (Ed.). "Imigrantes do Atlântico português à época do apogeu cultural da monarquia havaiana
sob Kalakaua (1836-1891) e Kapiolani (1834-1899): progresso e tradição".
Revista Brasil-Europa 126/14 (2010:4). www.revista.brasil-europa.eu/126/Kalakaua.html



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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 126/14 (2010:4)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2621




Imigrantes do Atlântico português à época do apogeu cultural da monarquia havaiana
sob Kalakaua (1836-1891) e Kapiolani (1834-1899)

- progresso e tradição -


Pelos 25 anos da oficialização alemã do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa
(
Institut für Studien der Musikkultur des Portugiesischen Sprachraumes (ISMPS e.V.)

 






Palácio Iolani, Honolulu (cabeçalho, coluna e texto)
Kapiolani Park (duas últimas da coluna)

Praça de Hilo, Kalakaua Park (primeira da coluna e texto)

Placa a Lunalilo junto a seu mausoléu, Honolulu

King Kalakaua Building, Honolulu (última do texto)

Fotos A.A.Bispo e H. Hülskath©


 

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