Música sacra no Brasil e na Romênia. BRASIL-EUROPA 134/21. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS




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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Hermannstadt/Sibiu. Foto A.A.Bispo

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/21 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2830


A.B.E.


Minorias, Patrimônio e Educação em situações de pluralidade étnica e cultural
Grupos populacionais de ascendência alemã no Brasil e na Romênia VI:
música sacra católica



Ciclo de estudos de Siebenbürgen/Transilvânia da A.B.E. Kerz/Cârta e Sibiu/Hermannstadt, 2011

 

Uma das questões que se levantam em estudos que procuram reconhecer relações e realizar comparações entre a Romênia e o Brasil diz respeito ao Catolicismo em contextos culturais romenos. A atenção dirigida à história cultural católica na região da atual Romênia abre caminhos no sentido de fomentar aproximações entre pesquisadores e o trabalho internacional, desde que se considere devidamente o complexo histórico-religioso em que se insere.

Pelo seu idioma e pela sua cultura, a Romênia apresenta uma acentuada identidade ocidental-européia, com fortes vínculos com os países latinos. O movimento romaniano, que marcou fundamentalmente a história do pensamento do país, acentuou esses laços com a Latinidade, desenvolvendo-os em estreito relacionamento com correntes do pensamento, da pesquisa e das artes de países ocidentais, em particular da França (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Bucareste-Academia-Romana.html).

Um aspecto, porém, diferencia a Romênia de outros países europeus, unindo-a culturalmente ao Leste: a predominância da Ortodoxia em tradição remontante ao antigo Bizâncio, ao Império Romano do Oriente.

Essa distinção surge como de particular significado nos estudos culturais. Por mais ocidentais, latinos e mesmo integrados na cultura francesa e ibérica que foram muitos de seus representantes, a tradição ortodoxo-bizantina de sua espiritualidade manifesta-se como fator diferenciado que não pode deixar de ser considerado. Essa distinção se manifesta sobretudo na criação musical, como é o caso da obra de George Enescu (1881-1955), o mais renomado compositor romeno, cujos vínculos com o Brasil merecem ser estudados (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/George-Enescu.html).

O patrimônio sacro-musical é, porém, para os países latinos de formação católica, entre êles o Brasil, de fundamental importância para os estudos de orientação histórica. Também à época de formação de romenos em Paris, no século XIX, aquela da formação da nacionalidade romena, o movimento de restauração católica, em particular o gregoriano e o da restauração da polifonia vocal, marcou tendências estéticas e o ensino.

A consideração do Catolicismo no contexto da atual Romênia torna-se necessária sobretudo nos estudos relativos à região de Siebenbürgen (Ardeal)/Transilvânia e outras regiões de considerável população de idioma alemão da antiga Áustria-Hungria, e que apenas após a Primeira Guerra Mundial passaram a integrar o Estado romeno.

Os problemas que aqui se colocam diferem sob muitos aspectos da situação acima delineada para o Moldau e a Valáquia que, unidos, formaram o cerne histórico da atual Romênia. O pesquisador é confrontado nessas regiões de colonização alemã sobretudo com a predominância da igreja evangélica. A consideração dessa cultura do Protestantismo do Sudeste europeu, no qual a prática musical desempenhou importante papel, surge como significativo para os estudos de regiões colonizadas por alemães no Brasil (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Teuto-Romenos-Reforma-Ensino.html). Entretanto, é justamente no patrimônio cultural arquitetônico, artístico e musical dos católicos que o observador brasileiro encontrará traços comuns à cultura predominante dos países latinos, também do Brasil.

Assim, a comparação de obras do repertório sacro-musical dos últimos séculos e o estudo de características similares de estilo e do desenvolvimento histórico-musical entre o Brasil e da atual Romênia podem ser realizados sobretudo com relação ao patrimônio cultural dessa "minoria na minoria" de uma região que pertenceu à Áustria-Hungria.

O pesquisador torna-se consciente, aqui, da necessidade de considerar-se, nos estudos culturais, perspectivas outras do desenrolar dos acontecimentos históricos, dependentes, em parte, de orientações confessionais.

Na perspectiva católica, a atenção é voltada primeiramente aos primórdios da cristianização do território dos primeiros séculos romanos até o século IX, cujos resquícios são, porém, difíceis de serem detectados. A história religiosa da região surge estreitamente vinculada àquela da Hungria e esta com uma reorientação à cultura cristã e ao movimento cristianizador do Ocidente. Assim, se o húngaro Gyula, senhor do território, fora batizado em Bizâncio ao redor de 946, de lá  enviando um bispo à região das terras altas que formariam os Siebenbürgen, Estêvão I da Hungria (969-1038), o rei-santo nacional da Hungria, surge como aquele que fundamentou os vínculos do Cristianismo da região com o Ocidente, em particular com a Europa de idioma alemão, tendo instituindo provavelmente o bispado da Transilvania (Alba Julia). Um fator de importância para a história da colonização da região foi a sua entrega à Ordem Alemã por Andreas II da Hungria (ca. 1177-1235) no início do século XIII.

O significado da religião na formação cultural da região e de sua integração no mundo ocidental pode ser compreendido pelo fato de ter sido um território de fronteira e fronte, delimitador de mundos, um bastião da Europa relativamente às incursões de povos nômades do Leste e do Islão. Ali se estabeleceram, na Idade Média, ordens monacais, e uma particular consideração merece a presença dos cistersienses, como o demonstra as ruinas do seu mosteiro na aldeia de Kerz/Cârta, na região de Hermannstadt/Sibiu, construída ao redor de 1200.

Ruínas do mosteiro cistersiense de Kerz/Cârta

Hermannstadt/Sibiu. Foto A.A.Bispo

A expansão da Ordem Cistersiense no Leste da Europa cai na época de Geza III (1142-1162), rei da Hungria. Com o casamento de seu filho Bela III com Margarethe, filha de Luis VIII (1187-1226), a influência francesa cresceu no Leste. Em 1179, fundou-se a abadia de Egresch, a partir de Pontigny. O primeiro abade conhecido, também citado para a igreja-burgo de Michaelsberg, é o Magister Geocelimus, provavelmente vindo do convento Pontigny.

Durante a soberania de Andreas III (1205-1235) e seu casamento com Yolande de Courtenay, a influência cultural francesa parece ter aumentado na região. A abadia é citada pela primeira vez em documento de 1223; representava o convento cistersiense mais longinquo no Leste da Europa. Apesar de ter experimentado destruições durante os ataques de mongóis e de turcos, a abadia pôde ser restaurada nos séculos XIII e XV; entretanto, problemas internos levaram à decadência do convento, suprimido em 1474.

A expansão da estrutura eclesiástica e o significado da vida religiosa podem ser avaliados no fato de Siebenbürgen contar, no século XIV, com ca. de 600 paróquias. Uma das preocupações da época era a da missionação dos válacos que, vindo do sul, penetravam no território. Tensões culturais entre os saxões e os válacos - ou seja, romenos -, fundamentadas em parte na diferença confessional e por consequência nos respectivos elos com a ortodoxia e o cristianismo ocidental, remontam, assim, à Idade Média.

Como os alemães de Siebenburgen aderiram à Reformação, esquece-se o passado medieval católico da colonização do território.  Entretanto, não se pode esquecer que, convidados pelo rei da Hungria, católico, os imigrantes que para ali vieram na Idade Média eram católicos. Os "saxões" da região de Hermannstadt e Kronstadt eram subordinados ao Arcebispo de Esztergom, na Hungria; os demais ao Bispo de Weißenburg/Alba Iulia. Como cada povoado possuia a sua própria igreja e o próprio pároco, escolhido pela comunidade, como fixado no Andreanum, a influência da igreja marcou a vida quotidiana e festiva das localidades.

Muitas das grandes igrejas - mais tarde reformadas - foram construídas nos séculos católicos da Idade Média, e a não consideração desse fato leva a leituras inadequadas da arquitetura e a interpretações não corretas do passado. As festas e os costumes relacionados com os ciclos do ano, se sobreviveram à Reforma, remontam em grande parte ao Catolicismo medieval. O estudo dessas tradições permite, assim, a consideração de práticas que ocorrem similarmente em outras regiões católicas da Europa e que também foram transmitidas ao Brasil no decorrer da colonização e da missionação.

Nesse fato reside a principal possibilidade de desenvolvimento de estudos culturais comuns relativos a expressões tradicionais de origem mais remota. Como na Romênia, porém, apenas sobreviveram relitos fragmentários do repertório festivo, o conhecimento das tradições conservadas no Brasil permite chamar a atenção para expressões já desaparecidas e para o seu conjunto. Também pouco se considera o papel do ensino nas escolas de conventos e nas comunidades do período católico medieval. Já em 1352, porém, havia um mestre-escola em Mühlbach/Sebes, em 1380 uma escola em Hermannstadt/Sibiu e, em 1388, em Kronstadt/Brasov.
Nas escolas da Romênia onde se estuda o alemão, dá-se particular atenção ao fato de que apenas poucos gozavam de educação escolar na Idade Média. Assim, apenas meninos iam à escola, e não todos. O objetivo, nas aldeias, era o da formação para auxiliar os sacerdotes no culto, de modo que o ensino do canto desempenhava importante papel. Também aprendia-se a ler e, em menor escala, a escrever. Supõe-se que o método de ensino era sobretudo repetitivo e baseado na imitação, as relações entre professor e aluno similares àquelas entre mestre e aprendiz, sendo que os alunos mais velhos desempenhavam o papel de auxiliares, sendo, em geral, conduzidos à carreira sacerdotal. As escolas nas cidades possibilitavam antes preparativos para o prosseguimento de estudos. A principal disciplina era o latim, o idioma da administração e da comunicação nas universidades. Entre 1377 e 1530, registram-se 1019 estudantes provenientes da região na universidade de Viena, sabendo-se também que havia aqueles que estudavam em outras universidades européias.

Reformação, conflitos religiosos e recatolização

A história da região a partir do século XVI é marcada pela Reformação, os "saxôes siebenburgueses" aderiram ao Luteranismo, introduzido em 1545 sob a liderança de J. Honterus (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Teuto-Romenos-Reforma-Ensino.html), os húngaros que ali viviam ao Calvinismo e também o Unitarismo se expandiu. Essas três confissões foram equiparadas quanto a direitos ao Catolicismo, em 1557.

A força do Protestantismo local manifestou-se na resistência relativamente ao império católico dos Habsburgs no século XVII, e a sé episcopal em Siebenbürgen permaneceu vacante até 1716. Os Jesuítas, chamados para recatolizar o país, foram expulsos. Em fins do século XVII, tropas austríacas ocuparam a região. 

O Catolicismo experimentou nova fase revitalizadora no século XVIII possibilitada por fatores políticos - o da integração da região na Dupla Monarquia - e pela imigração de católicos austríacos. Esse foi o caso sobretudo dos Suábios do Banat, dos Alemães das Terras Montanhosas do Banat, dos Suábios de Sathmar, dos alemães da Bucovina e dos Zipser. Nessas comunidades, surgiram igrejas católicas onde também os sermões eram proferidos em alemão, passando, porém, a Igreja a apoiar uma política cultural húngara. Assim, o campo de tensões confessionais entre protestantes e católicos interrelacionou-se com o político-cultural, de um lado, as igrejas luteranas contrárias à "madjarização", de outro o catolicismo, acusado de ser o seu veículo.

Atualidade do estudo do patrimônio sacro-musical do Sudeste europeu e o Brasil

Constata-se nas últimas décadas um despertar de interesses na musicologia de orientação histórica de alguns centros europeus alemães pelo patrimônio sacro-musical dos saxões-siebenburgueses e do Banat. Esse interesse se manifesta na realização de simpósios, em série de publicações de partituras e de estudos, na realização de inventários de acervos locais e em concertos.

Pela natureza do contexto cultural, a pesquisa confronta-se aqui com questões e perspectivas que apenas podem ser respondidas a partir de uma orientação musicológica de cunho teórico-cultural. Assim, a pesquisa histórico-musical do Sudeste europeu é marcada por preocupações relativas a processos interculturais e a questões de imigração e colonização. Com isso, a pesquisa dirigida a essa região contribui a uma reorientação dos estudos historiográfico-musicais segundo questionamentos próprios a estudos culturais mais recentes.

Esse desenvolvimento dos estudos não deixa de ser relevante para a pesquisa histórico-musicológica referente ao Brasil. O repertório que vem sendo levantado do passado da prática sacro-musical no Sudeste da Europa apresenta similaridades com aquele conhecido do Brasil. Sobretudo autores austríacos cujas obras foram ali difundidas também se encontram representados na história da música do Brasil. Isso diz respeito sobretudo a compositores de fins do século XVIII e início do XIX.

Os estudos de processos receptivos nas duas direções - ao Ocidente e ao Leste - a partir de Viena e de outros centros musicais austríacos e sul-alemães passam a relacionar-se. Com isso, o desenvolvimento das pesquisas musicológicas do Sudeste europeu, se conduzidas em cooperação com aquelas relativas ao barroco, ao pré-classicismo e ao clássico no Novo Mundo contribui para a renovação dos estudos relativos ao Barroco e ao Clássico sob a perspectiva de processos globais, tal como vem sendo propugnada em trabalhos e eventos no âmbito da A.B.E..

O desenvolvimento dos estudos do patrimônio musical do Sudeste europeu, conduzido sob essa perspectiva, colabora, juntamente com aquele relativo ao território da Boêmia nas suas relações com o Sul da Alemanha e a Áustria (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/133/Jesuitas-Boemia-Brasil.html), à reconstrução de rêdes globais que também incluem os países de missão de outras regiões do mundo.

A renovação dos estudos do Barroco segundo a consideração de processos religioso-culturais em contextos globais que o explicam e que levam a uma inclusão de desenvolvimentos internos europeus no contexto de movimentos recatolizadores no panorama mais amplo da expansão do Catolicismo no globo adquire, traz consequências para os estudos do Clássico e adquire novos subsídios com o desenvolvimento dos estudos no Sudeste europeu.

Em 2003 realizou-se, em Sibiu/Hermannstadt, um simpósio internacional musicológico dedicado à diversidade étnica e músico-cultural no Sudeste europeu nos séculos XIX e XX, considerando-se em particular os elos com a música alemã. No âmbito desse simpósio, realizou-se uma exposição de título "Hermannstadt, cidade da música"  (K.-P. Koch e F. Metz eds., Musikkultur und ethnische Vielfalt im Südosteuropa des 19. und 20. Jahrhunderts: Einflüsse deutscher Musik, Munique: Musik Südost 2007,  Südosteuropäische Musikhefte 8, ISBN 978 3 939041 11 5). Dentre os vários temas tratados, cumpre salientar o artigo introdutório de Fran Metz, de Munique, sobre a Pesquisa Musical do Sudeste Europeu, dedicado em particular ao redescobrimento da cultura musical alemã do Sudeste da Europa pela revista Deutsche Musik, em 1933; o estudo de Horst Gehann, Kludenbach, sobre as relações sacro-musicais recíprocas entre a Europa central e o Sudeste europeu e o texto de Alexander Schwab a respeito das tendências atuais do intercâmbio musical entre a Europa Central e o Sudeste europeu.

Sob diferentes aspectos pode-se desenvolver a cooperação recíproca entre pesquisadores do patrimônio musical brasileiro e aqueles do Sudeste europeu.

Um desses aspectos diz respeito ao compositor Johann Michael Haydn (1737-1806), o que abre perspectivas para estudos contextuais de significado para o Brasil. Como Franz Metz salienta, há poucos estudos que se dedicaram suficientemente à análise do contexto cultural e musical em que Michaekl Haydn agiu e poucos pesquisadores que estiveram nos locais de cultivo da sua obra. Em 1760, Michael Haydn assumiu o seu primeiro cargo como músico, ou seja, como mestre-capela de Großwardein (em romeno Oradea Mare, em húngaro Nagyvárad). Até essa época, pouco se sabe da sua obra. Na sua biografia, duas cidades da então Hungria surgem como de significado, as sedes episcopais de Großwardein e Temeswar,  ambas hoje pertencentes ao território da Romênia. Ambas de remotas origens, foram reestruturadas após a expulsão dos turcos no século XVIII. O autor, após estudos pormenorizados de fontes, chega à conclusão que a Missa Sanctissimi Trinitatis foi composta em 1754 para a consagração da catedral de Temeswar. Muitas das obras de Michael Haydn foram escritas em Großwardein. (Franz Metz, Johann Michael Haydn: Seine Beziehungen zur Dommusik in Temeswar und Großwardein. Edition Musik Südost 1997, Südosteuropäische Musikhefte 1 ISBN 978-3-93-9041-03-0)


Antiga igreja dos jesuítas de Sibiu/Hermannstadt como centro sacro-musical

Principal centro da prática sacro-musical da região de Siebenbürgen foi a igreja dos jesuítas de Sibiu/Hermannstadt.

A igreja, hoje paroquial de Sibiu/Hermannstadt surge como um monumento patrimonial significativo do desenvolvimento recatolizador do século XVIII. Foi construída pelos jesuítas após a conquista da região pela Áustria, sendo consagrada em 1733. Como em outras igrejas barrocas marcadas pela ação jesuítica, distingue-se pela sua arquitetura interior e obras de arte, entre elas o quadro de Nossa Senhora do altar mor, de Anton Steinwald (1774), e, como plástica, o túmulo do conde Otto Ferdinand Traunn von Abensberg (1677-1747), do escultor Anton Schuchbauer (1719-1789).

De época muito mais recente, a igreja documenta a intensificação do Catolicismo na segunda metade do século XIX e início do XX. Os vínculos com a Hungria evidenciam-se nos vitrais, produzidos em Budapest.

Entre as principais fontes históricas para o conhecimento da vida musical e religioso-cultural da região contam-se os livros paroquiais, cujos registros chegam até a década de 40; um desses livros é o de Sibiu, cujo primeiro registro é o da execução de Requiem pela morte da imperatriz Maria Teresa, em 1781. Entre os vários nomes considerados surge o de Philipp Caudela, organista e compositor. (Franz Metz, "Die Kirchenmusik an der katholischen Pfarrkirche (Jesuitenkirche) zu Hermannstadt: Die Orgel der ehemaligen Jesuitenkirche kam aus Wien, der Organist aus Böhmen, der Kantor aus Budapest" (edition-musik-suedost.de/html/hermannstadt.html).

Ao iniciar as suas pesquisas em 1980, Franz Metz surpreendeu-se com a riqueza do acervo musical da igreja. Muitas das cópias manuscritas remontam ao século XVIII, entre elas de obras de Haydn, Mozart, Diabelli e Wahnhall. Um inventário realizado em 1883, assemelha-se àqueles de igrejas da área centro-européia e do Sudeste da Europa. Ali se encontram composições para o Proprium e o Ordinarium de missas, assim como para atos devocionais de muitos compositores também conhecidos na Europa Ocidental - e no Brasil - e outros apenas difundidos no Centro da Europa, além daquelas de compositores locais, como Caudella, Exinger e Resch. Composições de músicos de Hermannstadt foram também executadas em outras cidades de Siebenbürgen, no Banat e na Hungria. Uma obra divulgada no século XIX foi a de uma compositora, a Missa Solemnis op. 7 da Baronesa Bertha von Brukenthal.

Os dados revelados pelos pesquisadores revelam a existência de uma rêde de contatos entre os vários centros da prática musical das regiões do Sudeste europeu que pertenceram ao império áustro-húngaro. Dentro dessa rêde efetuaram-se relações entre músicos e intercâmbios de partituras; algiuns músicos locais atuaram em diferentes igrejas desses territórios. Essa rêde regional relacionava-se naturalmente com aquela mais ampla do complexo da Dupla Monarquia. Sobretudo a presença de Michael Haydn indica os elos fundamentais com o universo musical austríaco de Salzburgo e sul-alemão, sendo daqui que se abrem perspectivas para estudos de contextos relacionados com desenvolvimentos euro-brasileiros.

A prática sacro-musical coro-orquestral nas regiões do Sudeste europeu pertencentes à Áustria-Hungria surge em paralelo àquela predominante no Brasil nos séculos XVIII e XIX e necessita ser considerada a partir de seus pressupostos culturais e político-culturais relacionados com a revitalização católica de cunho contra-reformatório.

Devido ao significado da música sacra com acompanhamento orquestral no Sudeste europeu austro-húngaro, o impacto e as consequências do movimento de restauração litúrgica e de reforma sacro-musical católica também foram ali necessariamente intensos. As composições reveladas pela pesquisa de inventários e acervos de Hermannstadt indicam que também ali procurou-se cultivar obras da polifonia vocal na tradição palestriniana correspondentes ao movimento de renovação litúrgica de natureza restauradora.

O contexto histórico-cultural de Siebenbürgen, porém, chama a atenção para um aspecto até hoje pouco considerado relativamente aos problemas resultantes do movimento de restauração sacro-musical do século XIX e do combate à tradição da música sacra com acompanhamento orquestral: o político-cultural relacionado com as tensões internas e o fim do império multinacional dos Habsburgs.  A cultura sacro-musical com acompanhamento orquestral que se desenvolveu de forma privilegiada em espaço centro-europeu determinado pelo Tirol, Sul da Alemanha e o espaço áustro-húngaro possui pressupostos apenas compreensíveis se analisados a partir de sua contextualização centro-européia, e parece ser significativo constatar-se um paralelo entre o fim da prática sacro-musical de acompanhamento orquestral com o fim da Áustria-Hungria. A integração de Siebenbürgen na Romênia após a Primeira Guerra selou esse desenvolvimento reorientador político-cultural. Parece ser compreensível, assim, que a redescoberta do patrimônio do passado sacro-musical de acompanhamento orquestral de Siebenbürgen surja no início da década de 30, período marcado por anelos diferenciadores de natureza político-cultural da minoria alemã da região (vide artigo a respeito de minorias).

A consideração da pesquisa do patrimônio sacro-musical católico de territórios da atual Romênia pode assim, aguçar a sensibilidade para o reconhecimento de relações que permitem situar desenvolvimentos histórico-musicais ocorridos no Brasil dentro de um contexto mais amplo.

Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Minorias, Patrimônio e Educação em situações de pluralidade étnica e cultural Grupos populacionais de ascendência alemã no Brasil e na Romênia VI: música sacra católica". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/21 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Teuto-Romenos-Musica-Sacra.html



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