Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Cambridge. Foto A.A.Bispo 2012©

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Fotos A.A.Bispo. Cambridge (2012),

©Arquivo A.B.E

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 140/11 (2012:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2949


A.B.E.



Science meets Faith
Religiões na vida universitária em Cambridge do presente
e a crítica de Bertrand Russell (1872-1970)
da religião como fator de atraso no desenvolvimento do Homem e da Ciência




Ciclo de estudos em Cambridge, 2012

 
Um dos ciclos de estudos euro-brasileiros desenvolvidos na Europa em 2012 realizou-se em Cambridge. Dentre os temas tratados, salientou-se o das relações entre a religião, a ciência e os estudos culturais conduzidos segundo uma perspectiva científica.

A Universidade de Cambridge oferece para essas reflexões condições particularmente favoráveis, uma vez que é um dos centros científicos mais prestigiados do globo, contando entre os seus membros grande número de agraciados com o Prêmio Nobel, e, ao mesmo tempo, uma universidade na qual a religião se encontra representada de forma intensa.

Os tradicionais Colleges possuem estreitos elos com a história eclesiástica inglêsa. As solenidades acadêmicas são acompanhadas por serviços religiosos que demonstram as relações históricas da universidade com a Igreja Anglicana. Esses elos evidenciaram-se nos muitos serviços religiosos, concertos e pregações realizados por motivo das comemorações do jubileu da Rainha Elizabeth II, em 2012.

A área universitária no centro histórico de Cambridge é marcada por igrejas de significado histórico-arquitetônico que desenvolvem intensas atividades religiosas e culturais, serviços, missas, concertos e conferências. As grandes datas do ano religioso e da nação são consideradas por oradores sacros cujos nomes são amplamente divulgados entre os universitários.

Em Cambridge estão representadas não apenas igrejas cristãs das mais diversas confissões e denominações, havendo também sinagogas, mesquitas, templos hindús e budistas, entre muitos outros.

Essa pluralidade religiosa corresponde à internacionalidade da universidade. Estudantes provenientes de diferentes países procuram no Estrangeiro conterrâneos ou colegas do mesmo idioma e com os mesmos pressupostos culturais.

Compreende-se, assim, que se constate em Cambridge uma surpreendente presença de comunidades, grupos religiosos, círculos de discussão, informação e mesmo de propagação religiosa, havendo encontros interconfessionais e ecumênicos.

A essa pluralidade somam-se círculos esotéricos, de pensamento positivo ou aqueles que seguem idéias e práticas de natureza psicológica e de arte de viver.

Paralelamente há círculos de livre-pensadores, agnósticos
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e ateus, ou grupos que se mantém à distância de questões religiosas, indiferentes ou céticos, em desconfiança quanto à compatibilidade de religiões com as tarefas científicas ou que nelas vêem questionáveis expressões de retrocesso e atraso, de desvios da Humanidade ou de insuportável charlatanismo.

Estes podem apoiar-se no exemplo de um dos nomes mais conhecidos entre os ex-estudantes, cientistas e professores da Universidade: o de Bertrand A. W. Russell (1872-1970).

Atualidade de uma reconsideração da crítica à religião de B. A. W. Russell

Os ciclos de estudos culturais euro-brasileiros desenvolvidos em 2012 foram marcados pela constatação de que as graves situações de conflitos e tensões em vários países do mundo que vêm caracterizando o século XXI são em grande parte causadas por motivos religiosos. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Estudos-e-Esclarecimento.html )

Também preocupantes movimentos políticos extremistas utilizam-se de ressentimentos contra religiões de grupos populacionais minoritários e de imigrantes não-europeus em países da Europa. (http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Luzes-nordicas.html)

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Por muitos lados levanta-se a questão se já não existe uma guerra cultural que seria um conflito de religiões e, dentro de religiões, entre tendências voltadas à tradição e aquelas abertas a desenvolvimentos que possibilitem uma aproximação ao patrimônio cultural representado pelas conquistas intelectuais, científicas, sociais e de Direitos Humanos do Ocidente.

Essa situação e esses desenvolvimentos representam necessariamente objetos de atenção para os Estudos Culturais que procurem analisar processos em vigência no presente e para o qual torna-se impreterível investigar os seus pressupostos e fundamentos.

Nesse sentido, a atenção vem sendo dirigida à análise de edifícios de concepções e visões do mundo e do homem, assim como de suas transformações no decorrer do tempo, considerando-se em particular mecanismos sistêmicos a êles inerentes que possam abrir caminhos à compreensão de atualizações vigentes em movimentos da atualidade.

O significado global das perdas culturais resultantes da intensificação de movimentos religiosos no presente manifesta-se da forma mais evidente na destruição de monumentos considerados como partes do patrimônio cultural da Humanidade pela UNESCO.

Há, porém, dimensões menos evidentes desse desenvolvimento que justificam de forma particular a exigência de sua maior atenção por parte dos Estudos Culturais. Por um lado, cumpre considerar que muitos desses movimentos se auto-justificam através de argumentos culturais, atuando em nome de tradições, patrimônios e identidades a serem conservados e revitalizados.

Essas justificativas não são constatadas apenas na esfera do Islão, mas também na do Cristianismo, registrando-se por vários lados vozes que proclamam a necessidade de uma defesa ou salvação do "Ocidente Cristão" ou de uma reconsciêntização de raízes cristãs da Europa. (http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Saint-Victor-de-Marseille.html)

Assim auto-justificadas, várias dessas iniciativas não apenas promovem a revitalização de formas de expressões relacionadas com o culto, por exemplo do Canto Gregoriano e da Polifonia, de obras de arte, de publicações, simpósios e congressos dedicados a assuntos artísticos e culturais; elas levam também à revitalização de correntes de pensamento, concepções e modos de compreensão do homem e da sociedade que são apresentadas expressamente como de combate a situações culturais do presente e que procuram reverter desenvolvimentos e processos esclarecedores, assim como de conquistas de Direitos Humanos ocorridos nos últimos séculos. 

Esses intentos dizem respeito assim por último aos Estudos Culturais de orientação científica, uma vez que estes dirigem a sua atenção a análises de processos culturais em estreito relacionamento com auto-análises da própria pesquisa, ou seja, inserem-se em desenvolvimento histórico relacionado com o Esclarecimento.


A Igreja como fator de atraso ao progresso da Humanidade segundo B. A. W. Russell

Uma das publicações que mais marcaram a crítica à Igreja e à religião em geral por parte de um cientista do século XX foi o "Why I am not a Christian", de B. A. W. Russell.

Esse texto, que alcançou há 55 anos ampla divulgação - também no Brasil - através de sua republicação no livro Why I Am Not a Christian: And Other Essays on Religion and Related Subjects, editado por Paul Edward (1923-2004), remonta a uma conferência proferida por  B. A. W. Russell para a National Secular Society no Battersea Town Hall, em Londres, em 1927.

Russel era da convicção que não significaria ir longe de mais afirmar que as igrejas atrasaram e continuam a atrasar o progresso da Humanidade.

Para justificar a sua afirmação, sentiu-se obrigado a dar um exemplo desagradável: o do casamento de uma jovem inexperiente com um homem sifilítico. A Igreja Católica, no caso, diria: o sacramento é indissolúvel e ambos devem permanecer juntos até o fim da vida. Assim, a mulher nada pode fazer para evitar que crianças sifilíticas venham ao mundo. Para Russell essa posição representava uma crueldade desumana. Ninguém cuja compaixão não tivesse ainda sido totalmente morta pelo dogma e cujo sentimento moral perante o sofrimento não estivesse já totalmente extinto afirmaria que devesse permanecer a situação da jovem. Para além desse e outros exemplos, haveria muitas formas pelas quais a Igreja, através da sua doutrina moral causava a todo tipo de pessoas sofrimentos imerecidos e desnecessários.

A Igreja surge para Russell como sendo opositora do progresso e de todos os melhoramentos capazes de diminuir o sofrimento no mundo, sobretudo devido a uma compreensão de moral como uma série de regras de comportamento que não consideram a felicidade humana.

Para exemplificar essa crítica, lembra que, quando se dizia que isso ou aquilo devia acontecer por contribuir à felicidade humana, a Igreja achava que uma coisa nada tinha a ver com a outra: "O que tem a ver a felicidade humana com a doutrina moral? Não é escopo da doutrina moral fazer homens felizes!".

O mêdo como fundamento da religião segundo B. A. W. Russell. Ciência e Liberdade

Para Russell, a religião apoia-se sobretudo e principalmente no mêdo. Trata-se aqui em parte do mêdo perante o desconhecido, e em parte do desejo do Homem em sentir que tem um grande Irmão que o apoia nas dificuldades e nas lutas. Em todo o caso, mêdo seria o fundamento de todo o edifício - mêdo do misterioso, mêdo de derrotas, mêdo da morte. Sendo o mêdo "a mãe das crueldades", não surpreenderia a Russell que crueldade e religião andassem de mãos dadas, já que ambas possuíam as mesmas raízes.

O Homem estaria agora apenas começando a compreender o mundo e a saber manejá-lo com a ajuda da Ciência. Esta, passo a passo, tinha aberto o seu caminho apesar da religião, das igrejas e em oposição a muitos dos ensinamentos transmitidos.

A Ciência poderia segundo B. A. W. Russell ajudar o homem a superar o mêdo covarde no qual a Humanidade vive há tantas gerações e que é indigno do Homem.

Não só a Ciência, mas também o próprio coração do Homem podem ensiná-lo a não mais procurar nenhuma imaginada ajuda, supondo correligionários no outro-mundo, mas sim a dirigir os seus próprios esforços em fazer com que o mundo se torne um lugar no qual valha a pena viver, não naquele que dele foi feito pela religião no decorrer dos séculos.

Essa convicção de B. A. W. Russell sôbre o mêdo como fundamento da religião unia-se àquela da dignidade do Homem, que deveria ter a coragem de encarar o mundo como é, com os seus lados bons e maus, procurando melhor conhecê-lo através da Ciência e dele fazer o melhor possível.

O seu pensamento era, assim, estreitamente vinculado à idéia de liberdade, aqui compreendida no sentido de uma libertação de grilhões representados por um conjunto de concepções de antiga proveniência e origens obscuras.

Esse caminho era, ao mesmo tempo, dirigido ao futuro, ao desenvolvimento dos conhecimentos. A religião ao contrário, procurava atá-lo ao passado, colocando obstáculos a esse progresso.

No seu pensamento, assim, a liberdade dizia respeito ao libertar-se de um sistema criado pelo mêdo e de natureza retrógrada. O seu conceito de liberdade relacionava-se com o do desenvolvimento do Homem e do progresso dos conhecimentos e da Ciência, implicando assim na falta de liberdade própria de tendências reacionárias. Essas concepções de B. A. W. Russell encontram-se expressamente formuladas nas suas palavra conclusivas, pronunciadas sob o título de "O que podemos fazer".

"Nós queremos levantar-nos sobre as nossas próprias pernas e olhar o mundo de forma aberta e sincera, os seus lados bons e maus, a sua beleza e a sua feiúra; nos queremos ver o mundo como êle é, e não ter dele mêdo. Nós queremos conquistar o mundo com a nossa inteligência e não nos deixarmos oprimir pelos horrores que dele emanam. Toda a idéia de religião é originada de antigos sistemas de violência orientais. É uma noção que não corresponde à dignidade de um homem livre. Quando se toma conhecimento como as pessoas se detrimem na igreja e se auto-denominam de ínfimos pecadores etc., isso é desprezível e não digno de um homem que se respeite a si próprio. Devemos levantar-nos e olhar livremente o mundo de face. Devemos fazer do mundo o melhor possível, e se não tão bom quanto desejaríamos, será sempre melhor do que o que dele foi feito em todas as épocas. Um mundo bom tem necessidade de bondade e coragem, não precisa de nenhum retorno doloroso ao passado, nenhuma prisão da inteligência livre por palavras pronunciadas há muito tempo atrás por homens sem conhecimento. Êle necessita de uma visão sem mêdo do futuro e uma inteligência livre. Precisa de esperança de futuro, não um permanente olhar para trás a um passado morto, que - disso estamos convictos - será de muito ultrapassado pelo futuro que pode ser criado pela nossa inteligência."


Compreensão irrefletida do "ser cristão" como obstáculo ao esclarecimento

Para chegar a essas conclusões, B. Russell parte da necessidade de se refletir acerca de uma questão que surge como crucial para o tratamento do tema: o da compreensão demasiadamente ampla, a-crítica da designação do ser cristão, cujo significado levou ao título da sua conferência.

Essa questão, tratada assim já de início da sua argumentação, serve para trazer ainda hoje à consciência que essa compreensão ampla da designação do "ser cristão" é expressão cultural, representando uma auto-imagem, uma visão do homem centralizada na própria cultura, o que explica o fato de parecer óbvia.

Como B. A. W. Russell salienta de início, para muitos a designação de "cristão" é entendida no sentido genérico de uma pessoa que se esforça em ser boa e conduzir bem a sua vida. Compreende-se esse ponto de partida da argumentação de Russell, pois, de fato, a expressão "não-cristão" é muitas vezes empregada no sentido do mau ou do inimigo, ou seja, aqueles que não procuram viver segundos princípios de bem de acordo com as suas possibilidades.

Para Russell, porém, se este fosse o sentido real do termo, então "cristãos" deveriam existir em todas as religiões e confissões, pois em todo o mundo há pesoas que se esforçam em bem conduzir a sua vida. Também não se pode supor que todos os budistas, confucianos, moametanos ou outros não façam esses esforços.

Russell lembra que esse sentido genérico do termo, constatado como expressão consciente ou inconsciente no presente, difere daquele próprio ou determinado. Exemplificando, menciona que na Idade Média, quando alguém dizia que era cristão, sabia-se o que queria dizer: êle conhecia uma série de artigos de fé definidos e neles acreditava com toda a força. Hoje, porém, este já não era o caso. O "ser cristão" adquiriu para além do seu significado próprio sentidos antes vagos ou indeterminados. Sem necessariamente pressupor identificação mais propriamente religiosa, passou a ser visto como designação de homem de bem. Essa situação necessita ser esclarecida, uma vez que leva à situação na qual a afirmação do não ser-se cristão surja como motivo de indignação.

Para B. Russell, há dois pontos que deveriam ser considerados por alguém que se auto-designasse de cristão. O primeiro, é de natureza fundamental - que deve acreditar em Deus e na vida eterna. Se o indivíduo não crê nessas concepções, ninguém pode afirmar ser cristão. O termo cristão presumiria também pela própria palavra o acreditar em Cristo, senão divino, pelo menos no fato de ter sido o melhor e mais sábio dos homens que jamais viveram. Se alguém não tivesse pelo menos essa convicção, então não teria nenhum direito de chamar-se cristão.

Russell lembra que há ainda um outro significado do termo, também genérico ou placativo, e que seria antes proveniente de uma visão geográfica indiferenciada. Em almanaques e livros poder-se-ia ver a população da terra dividida entre cristãos, maometanos, budistas, fetichistas etc.; neste sentido, todos os habitantes do Ocidente seriam cristãos. Esse uso do termo, que engloba em princípio dos os homens de uma determinada área em determinada esfera religiosa, é tão superficial que podia ser desprezado.

A partir dessa situação, tornava-se necessário para Russell considerar no início de sua argumentação as razões do título do seu discurso e do fato de não designar-se como cristão. Primeiro, porque não acreditva em Deus e na vida eterna. Em segundo lugar, porque não era da opinião que Jesus Cristo teria sido o melhor e o mais sábio dos homens, ainda que nele reconhecesse um alto grau de excelência moral.

Referência na argumentação à discussão relativa ao fogo do inferno no Anglicanismo

Há uma menção no discurso de B. Russell que sugere ter sido a sua especial preocupação pelo tema em parte resultado de ocorrências atuais na Grã-Bretanha.

O autor lembra que até um passado recente a fé cristã compreendia, na Inglaterra, a crença na existência do inferno, sendo este um ponto considerado como incondicional.

Este, porém, já não era mais o caso, e isso por força de uma decisão do Conselho de Estado e com a qual não estiveram de acordo os arcebispos de Canterbury e York.

Como, porém, no Reino Unido a religião era determinada por decisões do Parlamento, o Conselho de Estado havia podido passar por cima da opinião das autoridades eclesiásticas e a crença na existência do fogo do inferno passou a não ser mais necessária aos cristãos.


A questão de que a existência de Deus pode ser provada pela razão

Tratando da questão da existência de Deus, Russell lembra que não poderia considerá-la de forma correspondente a seu significado e suas dimensões nas dimensões de uma conferência. Desculpava-se, assim, por ter que resumir-se. Grande parte de seu discurso é dedicada à questão se a existência de Deus pode ser provada pela razão, discutindo várias de suas provas.

Russell lembra que a Igreja Católica teria elevado a dogma que a existência de Deus podia ser comprovada pela razão. Esse dogma seria singular, mas poderia ser compreendido considerando-se que a Igreja tinha tido a necessidade de colocar um ponto final na discussão causada por afirmações de livre-pensadores segundo as quais a razão pura podia levantar argumentos contra a existência de Deus. Dessa forma, a Igreja afirmou que a existencia de Deus pode ser comprovada pela razão humana e, para fundamentar tal afirmação, passou a apresentar argumentos que, para ela, surgiam como inquestionáveis.

Um dos argumentos colocados em dúvida por B. Russell diz respeito à prova da existência de Deus a partir da idéia de uma causa primeira.

Para B. Russell, este argumento seria o mais simples e fácil de ser compreendido. Êle lembra que sempre se afirma que tudo o que se possa ver no mundo tem uma causa e que, seguindo-se a corrente de causas, chega-se necessáriamente a uma causa original, o que então se designa como Deus.

Esse argumento, porém, para B. Russell, já não teria quase significado no presente, uma vez que o conceito de causa não possuiria mais a importância que teve no passado. Os filósofos e cientistas passaram a considerá-lo, e o conceito perdeu muito de seu antigo vigor. Independentemente disso, precisar-se-ia considerar que o argumento de que necessariamente deve haver uma causa primeira não teria nenhum significado.

Êle próprio, quando jovem, por muito tempo manteve a validade do argumento da causa primeira. Com dezoito anos, ao ler a auto-biografia de John Stuart Mill (1806-1873), encontrou a seguinte frase: "Meu pai ensinou-me que a questão 'quem foi que te criou' não tem resposta, pois ela imediatamente faz com que se siga a questão, 'quem foi que criou Deus". Russell acreditava que essa simples frase indicava a falsa conclusão a que levava a questão da causa primeira. Se tudo deve ter uma causa, então Deus também deveria ter uma. Se pode haver algo sem causa, então este pode ser tanto o mundo como Deus, de modo que o argumento não teria significado.

Esse argumento encontrar-se-ia na mesma linha lógica do que a opinião dos hindús de que o mundo se apoia num elefante, o elefante numa tartaruga e, quando se pergunta aonde se apoia a tartaruga, diz-se: vamos falar de outra coisa! Para Russell não há razão para não se supor que o mundo tenha-se iniciado sem causa, e também não há razão para não se supor que sempre tenha existido. Não há razão nem para supor que o mundo tenha tido um início. A idéia, de que tudo tenha tido um começo seria produto da incapacidade de compreensão do homem.

Necessidade de considerações mais diferenciadas das palavras de Russell

Ao reler-se essa argumentação de B. Russell, porém, ela surge como insuficiente para cumprir a sua intenção. O problema que levanta já foi reconhecido na história do pensamento desde remotas eras e justamente o postular uma causa última pode ser visto como resultado da necessidade de colocar-se um término na corrente indeterminada de procura de causas para causas.

Ainda que Russell lembrasse de início que não podia tratar pormenorizadamente do tema devido à exiguidade do tempo à disposição, a questão da causa primeira não pode ser considerada de forma tão indiferenciada, sem levar em conta reflexões de séculos.

Russell lembra, a seguir, do argumento da lei natural. Salienta que esse argumento foi muito difundido sobretudo no XVIII, em particular sob a influência de Isaac Newton (1642-1727) e sua doutrina da origem do mundo. Observando-se que os planetas se movem segundo a lei da gravitação ao redor do sol, e acreditando-se que Deus tenha ordenado que assim se movessem, a razão de tal comportamento seria divina.

Para B. Russell essa era uma explicação simples e confortável, que tirava dos homens o trabalho de procurar outras explicações para a lei da gravitação. Hoje, explica-se a lei da gravitação de forma mais complexa, desenvolvida por Einstein. Russell lembra que as leis naturais já não são para o homem as mesmas daquelas do sistema de Newton, onde a natureza se comportava de forma única por uma razão qualquer que ninguém podia compreender. Hoje se sabia que muito daquilo que era visto como lei natural na verdade é convenção humana.

Os homens sabem que até nas regiões mais longínquas do universo um metro tem 100 centímetros; embora este fato seja surpreendente, não se pode considerá-lo como sendo lei natural. Por outro lado, tanto quanto já se podia reconhecer do comportamento de átomos, constatava-se que seria muito pouco subordinado a uma lei. Muitas das supostas leis naturais seriam valores médios estatísticos que resultam da probabilidade, de modo que a questão das leis naturais surge como muito menos relevante do que no passado. Além do mais, a idéia de que as leis naturais pressupõem a existência de um legislador resulta de uma confusão entre leis naturais e leis humanas. Leis naturais estabelecem ao homem um comportamento, que êle pode ou não seguir; as leis naturais, porém, descrevem o comportamento real das coisas, e por isso não se pode dizer que haja alguém que as promulgue. Caso contrário, levanta-se a questão, porque Deus teria promulgaoa essas e não outras leis naturais. Se se disser que Êle o fez sem outro fundamento, pela sua vontade, então precisa-se aceitar que haja algo que não está subordinado à lei, quebrando-se a corrente de leis naturais. Se houvesse uma razão para que Deus colocasse uma lei, então Êle próprio seria subordinado a leis. Ter-se-ia assim uma lei fora e antes da lei divina, e Deus não seria o primeiro legislador. Assim, toda a discussão sôbre a lei natural não teria mais o significado que teve no passado.

Na releitura do texto de Russell, também neste ponto manifesta-se um cunho demasiadamente polêmîco na sua argumentação. Ainda que também aqui premido pelo espaço restrito da conferência, as suas elucidações surgem como por demais superficiais para realmente desativar o valor comprobatório do argumento. Seria necessário também aqui considerar diferenciadamente as concepções relativas ao conceito de lei e, sobretudo, a linguagem visual de expressões, analogias e suas personificações a serviço de esclarecimento, como é o caso da idéia do legislador.

Desejando considerar as provas da existência de Deus na sua sequência cronológica, Russell lembra que os argumentos transformaram-se quanto a seu teor no decorrer da histó´ría. De início eram argumentos intelectuais irrevogáveis, mas que possuiam incongruências. Tanto mais o observador se aproximava dos tempos atuais, tanto mais perderam em qualidades intelectuais, adoecendo cada vez mais numa espécie de falta de clareza moralizadora.

Passando para o argumento teleológico. Russell o compreende no sentido de uma afirmação de uma ordenação do mundo adequada a objetivos. Ironicamente, menciona a idéia de que coelhos possuem rabos brancos para que possam ser facilmente caçados; o que diriam os próprios coelhos de uma tal explicação? Lembra da expressão de Voltaire (1694-1778) de que o nariz possui a forma que tem para que possa servir de apoio para óculos. Já se compreendia agora melhor Darwin (1809-1882), e que não o meio circundante foi criado de modo a ser adequado para os seres viventes, mas sim os seres viventes se desenvolveram de forma a adaptarem-se ao meio ambiente. Este seria o fundamento da adaptação, e não se percebe aqui qualquer intencionalidade.

Russell surpreendia-se em ver como pôde-se acreditar que o mundo, com tudo que nele há, e com todos os seus defeitos pudesse ter sido o melhor que o poder divino pôde criar em milhões de anos. Russell perguntava-se se os seus ouvintes podiam crer que, se tivessem poder e sabedoria infinita e milhões de anos não podiam ter criado nada melhor do que a Ku-Klux-Klan ou os fascistas.

Aceitando a vigência das leis convencionais da ciências, deve-se supor que a vida humana e a vida em geral alguma vez desaparecerão do planeta e isso é apenas um estado de transição na decadência do sistema solar.


O argumento moral da existência de Deus representa para Russell um estágio já mais avançado da evolução intelectual dos teístas com as suas provas. Êle lembra que no passado houve três comprovações racionais para a existência de Deus, todos negados por Immanuel Kant (1724-1804) na sua "Crítica da Razão Pura" que, porém, criou uma prova moral.

Kant teria sido um cético em questões intelectuais, acreditava porém incondicionalmente em máximas morais. Russell cita também aqui ironicamente uma explicação psicoanalítica para o caso, mencionando associações que Kant teria recebido de sua mãe. Esse argumento moral, difundido no século XIX em diferentes versões, trazia à consciênia que, sem Deus, não haveria nem bem nem mal.

Russell não entrou na discussão da existência ou não de bem ou mal, limitando-se a uma só questão. Tendo-se certeza da existência de uma diferença entre o bem e o mal, coloca-se a questão se essa distinção existe por uma determinação de Deus ou não. Se existe por uma ordem de Deus, então não há para Deus em si nenhuma diferença entre o bem e o mal, e nada mais significa a idéia de que Deus é bom. Se os teólogos dizem que Deus é bom, então precisa-se dizer que o bem e o mal possuem um significado independente da ordem de Deus; sendo as ordens de Deus boas e não más, são independentes do fato de tê-las dado. Assim, o bem e o mal não surgiram através de Deus, mas existiam antes de Deus. Haveria uma divindade mais alta que teria dado ordens ao Deus que criou o universo, ou poder-se-ia adotar a idéia de gnósticos que diriam que o mundo foi criado pelo diabo.

Haveria para Russell ainda um argumento moral bastante singular, aquele que afirmava que Deus existia para trazer justiça ao mundo. Russel lembra, que na parte do universo que o Homem conhece, há uma grande injustiça, muitas vezes sofrendo os bons. Se, porém, em todo o universos domina a justiça, deve-se supor que uma vida futura compensará a vida atual. Assim, afirma-se que deve haver um Deus, céus e inferno, para que haja justiça no todo.

Para Russell, este seria um argumento muito singular. Considerando-o sob uma perspectiva científica, poder-se-ia dizer que, conhecendo-se apenas este mundo, e não se sabendo como é o resto do universo, pode-se  supor que provavelmente este mundo é um bom exemplo do universo, e se aqui há injustiça, também deve haver em outro lugar. Um homem que pense científicamente diria que neste mundo, havendo tanta injustiça, tem-se argumento para não se supor que justiça governe o mundo. É um argumento contra a existência de Deus, não pela sua existência.

Russell afirma ter consciência de que não são argumentos racionais que realmente movem o homem, mas sim devido ao fato de assim terem aprendido já em tenra infância. A segunda razão em importância é aquela do desejo de segurança, a sensação de se ter um Irmão que tome cuidado de nós. Este desejo muito contribuia a que o homem tivesse necessidade de Deus.


A questão de Jesus Cristo ter sido realmente o melhor e o mais sábio dos homens

Russell trata num ponto de sua conferência ousadamente do "Caráter de Cristo". Para êle, esse assunto não teria sido suficientemente considerado pelos racionalistas. Tratar-se-ia da questão de saber se Cristo teria sido realmente o melhor e o mais sábio dos homens.

Em geral, este fato era visto como óbvio, e que todos deviam concordar com isso. Êle próprio, porém, não era dessa opinião. Em muitos ponto, porém, estaria muito mais de acordo com os ensinamentos de Jesus do que aqueles que diziam ser cristãos. 

A lição de que o homem deve dar a outra face quando for numa batido, ou seja, o de não dar resistência ao mal não seria um mandamento ou um princípio novo, pois já tinha sido anunciado por Laotse e Buddha cinco séculos antes.

Não era, porém, um princípio que os cristãos seguiam. Êle duvidava, assim, que se alguém fosse ao primeiro-ministro da Inglaterra e batesse na sua face, este, apesar de muito religioso, oferecesse a outra.

Havia ainda um outro ponto, o de não julgar para não ser julgado. Não se poderia constatar ser esse princípio muito difundido em tribunais de justiça de países cristãos. Êle tinha conhecido um grande número de juízes que eram cristãos muito piedosos e nenhum deles julgava que a sua atividade contrariasse princípios cristãos.

Cristo também disse que se algum pedisse algo, dever-se-ia dar; este seria um bom princípio, mas dever-se-ia supor que então os liberais e os conservadores não concordassem com a máxima cristã. 

Tratando das deficiências na doutrina cristã e que justificavam a sua opinião de Cristo não ter sido o ápice da sabedoria e da bondade.

Em primeiro lugar, êle acreditara certamente que ainda antes da morte de seus contemporâneos voltaria em glória. Haveria muitos pontos em que se torna claro que era da opinião que voltaria em vida ainda no período de vida dos seus adeptos. Quando disse que não se deveria ter cuidado com o dia de amanhã, isso porque acreditaria que logo voltaria.

Russell tinha conhecido alguns cristãos que acreditavam que Cristo logo voltaria. Um religioso seu conhecido espalhava pavor na sua assembléia dizendo que a volta de Cristo seria em breve. Cristãos primitivos teriam deixado de pensar no futuro e plantar árvores por acreditarem que logo voltaria.

Para Russell, Jesus Cristo teria tido um defeito grave, ou seja, o de acreditar na existência do inferno. Russell não podia crer que alguém que seja realmente amigo dos homens pudesse crer numa punição eterna. Repetidamente encontram-se nos textos referências a uma cólera contra aqueles que não queriam ouvir as suas pregações, uma atitude não incomum entre pregadores, mas que coloca em questão uma suprema excelência.

Em Sócrates, por exemplo, não se encontra tal atitude. Êle era cordial e cortês para com aqueles que não queriam ouvir aquilo que queria dizer, e essa seria uma atitude mais adequada para um sábio.

Haveria várias expressões nos textos que teriam trazido incríveis sofrimentos para o mundo, entre êles o da afirmação de que aquele que fale contra o Espírito Santo, este não seria perdoado nem no mundo futuro. Russell não achava que um homem, cuja natureza tivesse uma certo grau de bondade pudesse ter colocado tanto mêdo e terror no mundo. A menção que o Filho do Homem enviará os seus anjos e ajuntará todos os maus para lançá-los ao fogo, onde haverá gemidos, surge em vários textos, de modo que o leitor ganharia a impressão que teria havido até mesmo prazer em pronunciá-las.

Mencionando outros exemplos, Russell salienta que toda a doutrina de fogo do inferno como punição para os pecados seria cruel e trouxe crueldade ao mundo, causando sofrimentos sem misericórdia por gerações.

O momento sentimental no apêgo às religiões

Russell acredita que a verdadeira razão por que as pessoas seguem uma religião não reside na questão da demonstração, mas sim no sentimento.

Constantemente ouvia-se a opinião que não era certo atacar a religião, pois esta faria os homens virtuosos. Êle, porém, nunca tinha constatado tal fato.

Exemplificando com a história de uma suposta ascensão aos céus, Russell considera a idéia de que os homens seriam piores se não houvesse a religião cristã. Para êle, porém, a grande maioria daqueles que seguiram o Cristianismo foi extraordinariamente má.

Constatava o fato singular de que a crueldade foi tanto maior e a situação geral pior tanto mais influente foi a religião na respectiva época. Na Idade Média, na assim-chamada era da fé, quando os homens realmente acreditavam na religião cristã no seu todo, houve a Inquisição e foram praticadas as piores crueldades.

Passando os olhos pelo mundo, registra-se, segundo Russel, que todo o progresso no sentimento humano, por menor que seja, toda a melhoria em leis, toda a medida para evitar-se guerras, todo o passo para um tratamento melhor dos homens de côr ou de arrefecimento da escravidão, todo o progresso moral sobre a terra foi sempre combatido pelas igrejas organizadas:

"Eu digo com a mais completa convicção, que a religião cristã organizada nas suas igrejas foi e é o pior inimigo do progresso moral no mundo."

(...)

Aspectos de reflexões sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A."Religiões na vida universitária em Cambridge do presente e a crítica de Bertrand Russell (1872-1970) da religião como fator de atraso no desenvolvimento do Homem e da Ciência". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 140/11 (2012:6). http://revista.brasil-europa.eu/140/Ciencia-e-religiao.html



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