Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos A.A.Bispo. Berlim (2012),

©Arquivo A.B.E

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 140/2 (2012:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2940


A.B.E.


O ideal do processo formativo em Wilhelm von Humboldt (1767-1835)
nos seus pressupostos teóricos em recepção do antigo pensamento filosófico

 
Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

A discussão universitária na Europa dos últimos anos vem sendo marcada pelo Processo de Bologna, pelas suas perspectivas e pelos problemas que acarreta.


Apesar de suas boas intenções, sobretudo no referente ao fomento de intercâmbio acadêmico através da compatibilidade de programas de ensino, de cursos e de equiparação de títulos, contribuindo para a integração do continente e internacionalização do ensino e pesquisa, evidenciam-se de forma cada vez mais intensa as implicações e consequências negativas do processo reformador.


Ainda que de modo distinto nas várias áreas do Conhecimento e em diferentes instituições e países, sobretudo nas Ciências Humanas constatam-se aspectos negativos resultantes de tendências uniformizantes e, sobretudo, escolarizadoras.


A perda de diversidade representa um empobrecimento na formação de acadêmicos, na ação de professores e na própria pesquisa. A sistematização estrita nos estudos rouba dos estudantes e docentes liberdade e motivação.


A escolarização do ensino superior através de grades mais estreitas de horários, de uma intensificação de controles de presença e de aproveitamento através de frequentes provas e exames, leva em muitos casos uma situação exaustiva e desgastante para universitários - e professores -, prejudicando o convívio acadêmico e favorecendo uma mentalidade antes mecânica de alcance de créditos e graus no mais curto possível espaço de tempo.


Apesar das intenções de fomento da internacionalidade da reforma, as universidades européias perdem assim muito do fascínio que exerciam nos estudantes de países não-europeus. Elas perderam muito das características peculiares que as diferenciavam entre si, ou seja empobreceram-se relativamente à própria cultura institucional fundamentada na respectiva história, nas rêdes acadêmicas e nas correspondentes correntes de pensamento, e que eram estreitamente vinculadas com os contextos culturais locais e regionais.


Talvez as consequências mais cruciais das reformas sintam-se na Alemanha, uma vez que foi um país que se salientou até passado recente por tradição universitária própria e que era conhecida internacionalmente pela grande liberdade que possibilitava a estudantes e professores na escolha de temas e na organização dos estudos.


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Sem dúvida havia na universidade alemã problemas resultantes de uma falta de sistemática mais estrita nos programas, currículos e organização de planos de estudos.


Professores podiam utilizar-se da liberdade para tratar apenas de questões altamente especializadas, da sua área particular de interesses, levando nas diferentes áreas a uma insuficiência de visões panorâmicas, a uma atomização sem sentido global de temas.


Estudantes podiam perder-se na escolha de disciplinas e de cursos, experimentar diversos caminhos, atrasando o término de estudos por muitos anos, até mesmo por décadas, com consequências pessoais e econômicas para a sociedade.


Entretanto, a transformação radical das universidades, em particular na área de Filosofia e Ciências Humanas, levou a uma gravissíma perda de liberdade e de condições necessárias para a formação ampla de personalidades.


A pressa para o término de estudos dentro de um período regular em sistema rigidamente estruturado põe obstáculos a uma vida universitária mais livre, necessária sobretudo para jovens que ainda se encontram em fase de procura e a necessitam para a aquisição de perspectivas. O amadurecimento de posições e a identificação de interesses particulares quanto ao Conhecimento leva tempo e exige leituras e reflexões que nem sempre podem ser dirigidas de forma rígida e controladas sistematicamente.


A perda fundamental trazida pelo processo reformador de Bologna diz respeito, assim, primordialmente à liberdade.


A liberdade era conceito fundamental do ideal de formação de Humboldt e que determinava o sistema universitário alemão, agora abalado, se não destruído em muitos casos pelo processo reformador.


Se a reforma de Bologna pretendia fomentar o intercâmbio através de fronteiras, a integração européia e mesmo a internacionalização dos estudos, o ideal de formação associado ao nome de Humboldt apresentava dimensões ainda muito mais amplas, universais.


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Não só Alexander von Humboldt (1769-1859) é de significado para os estudos americanos

Apesar das reformas das universidades, que substituem, impedem ou pelo menos colocam em risco a tradição do Ideal de Formação humboldtiana, a imagem e mesmo um ideal desse ideal permanecem vivos.

A razão dessa vitalidade é devido ao fato de que esse ideal relaciona-se estreitamente com as concepções e personalidades dos irmãos Humboldt, nomes dos quais a Alemanha com razão se orgulha e que surgem hoje como principais referenciais de grandes projetos que colocam as ciências e a cultura no centro das atenções de diálogos e cooperações internacionais.

Sob a perspectiva dos países americanos, é natural que sobretudo Alexander von Humboldt  encontre-se mais presente na consciência de universitários, pesquisadores, na literatura e em empreendimentos de intercâmbio.

Entretanto, devido ao significado fundamental do Ideal de Formação de Wilhelm von Humboldt (1767-1835) faz com que a atenção também se dirija a esse irmão mais velho do grande naturalista pesquisador do Novo Mundo.

Nesse sentido,
os estudos euro-brasileiros desenvolvidos em 2012 partiram da discussão do pensamento de W.von Humboldt sobretudo a partir de um "breviário" recentemente publicado. (Unter freien Menschen: Ein Wilhelm-von-Humboldt-Brevier, ed. Peer-Robin Paulus, Berna: Ott 2008)

O Ideal de Formação de W. v. Humboldt. "Bildungsideal" não é o mesmo que "Ideal Educativo"


A expressão "Bildungsideal" não pode ser compreendida no seu sentido pleno e nas suas implicações se traduzido para o português como ideal educativo, como muitas vezes ocorre.

A distinção entre o conceito de Educação (Erziehung) e o de Formação (Bildung) é mais do que mera questão terminológica. Ela representa uma exigência para a compreensão das concepções humboldtianas, de seus pressupostos e da tradição de pensamento delas decorrentes. Se ambas as expressões indicam não noções estáticas, mas dinâmicas, sugerindo desenvolvimentos ou processos, distinguem-se entre si por diferenças entre o educar e o formar ou auto-formar-se, e que não são apenas terminológicas.

Tratando-se em especial a expressão do Bildungsideal, deve-se salientar que o termo "Formação" exige de forma impreterível considerações relativas ao conceito de Forma, o que indica que a expressão "Ideal de Formação" diz respeito a um ideal de um desenvolvimento ou processo formativo.

Atualidade de estudos relativos a processos formadores nos Estudos Culturais

Não se trata, assim, de uma concepção estática de Forma, mas a de um desenvolvimento sob a ação de um princípio formador. Em sentido mais amplo, o termo alemão traz à consciência, mais do que a sua tradução para o português, que o conceito possui uma dimensão visual, relacionando-se com a noção de imagem, quadro ou figura (Bild).

A consideração diferenciada da concepção de Bildungsideal representa uma exigência sobretudo para reflexões encetadas sob a perspectiva dos Estudos Culturais, uma vez que as atenções têm sido voltadas nas últimas décadas e sob muitos aspectos a processos formativos, performativos e configurativos.

A preocupação por uma consideração apropriada do complexo de sentidos de uma concepção de Ideal de Formação surge como de ainda maior significado se os Estudos Culturais forem dedicados a processos culturais em contextos internacionais.

Também e sobretudo para os países europeus que procurem fomentar o intercâmbio científico-cultural e intensificar as relações internacionais sob o signo da cultura e das ciências, como é o caso em particular da Alemanha, a distinção entre processos de Bildung e Erziehung surge como fundamental.

Não seria aceitável - e não corresponderia às intenções - que a Alemanha surja como educadora de outras nações, como os grandes mestres-escola do mundo, o que seria visto como uma nova forma de colonialismo ou imperialismo.

Fundamentos teóricos do conceito. Recepção cultural da Antiguidade

Os textos de W. von Humboldt manifestam não apenas os seus vastos conhecimentos do pensamento e da cultura clássico-humanísticos, mas sim uma inserção profunda de suas concepções em correntes do pensamento que se fundamentavam no universo do mundo da Antiguidade helênica.

Considerando-se a sua admiração pela antiga cultura, que assume um papel modelar e condutor no edifício de suas concepções e vida, o seu pensamento pode ser considerado sob o aspecto de recepção de antigos conceitos e princípios, e que, como tal, processou-se a modo do receptor, segundo os seus pressupostos e nas condições e situações em que viveu.

Este também é o caso da sua noção de Formação e, consequentemente, do processo formador e do seu ideal.

Na consideração do conceito de Forma segundo os seus fundamentos no antigo edifício de pensamento, deve-se trazer à consciência que o mesmo pressupõe também o de Matéria, surgindo ambos em interações, inseridos em relações marcadas por dinamismo.

Esses conceitos e suas interações mantiveram-se através dos séculos na tradição filosófica, teológica e, de forma nem sempre consciente, em expressões culturais.

As suas bases se exprimem no conceito do hilemorfismo, que indica tratar-se de um processo morfológico experimentado pela matéria, sugerindo também os fundamentos empíricos de Conhecimentos que nele se manifestam.

Trata-se de um conceito da Filosofia Natural de remotas origens, decorrente não primordialmente de projeções teóricas na observação da Natureza, mas da procura de compreensão e elucidação do observável, de reconhecimento antes analítico de mecanismos, de esforços de abstração e de estabelecimento de princípios gerais, os quais, por sua vez, uma vez instituídos, passaram a conduzir a interpretação dos fatos.

Aproximações suscintas à compreensão do sistema de concepções nas suas bases

Segundo essa aproximação elucidativa, o Homem, tendo observado que no mundo tudo se transforma, teria chegado, em ascensão generalizante e de nível de abstração, ao estabelecimento de princípios de Forma e Matéria que, considerados como primordiais, explicam a dinâmica das transformações como um processo que não é apenas formativo, de conformação transformante da Matéria, mas diz também respeito à Forma nas suas manifestações materializadas a partir da matéria conformada.

A Forma, assim, é percebida no mundo existencial no seu processar individualizador, e o postular de sua pré-existência como princípio primordial - ao lado daquele da Matéria - pode ser visto como resultado de uma preocupação pela explicação de origens, inícios e causas.

Somente de forma abstrata distingue-se Forma e Matéria e esta, não sendo Forma, revela-se como amorfa nas suas bases.

Esta conclusão, porém, decorre a posteriori. Este foi sempre uma distinção de fundamental importância na tradição filosófico-teológica no decorrer dos séculos, pois seria impensável que um princípio original, do qual se gerasse o princípio da Forma, tivesse levado à criação da Matéria em estado amorfo, ou seja, marcada por uma deficiência. Qual seria então a causa de uma deficiência no princípio original?

O pensamento hilemórfico, portanto, apesar de diferenças nas diversas correntes de pensamento e, sobretudo, na linguagem visual e personificadora de conceitos em narratividades de tradições religiosas, caracteriza-se pelo postulado de uma situação primordial de íntimo relacionamento, estando a Matéria segundo os mais altos critérios subsumida ou mesmo criada na Forma imaterial.

Os processos que imediatamente se seguem surgem sob signo antes negativos ou de queda, de uma Forma material resultante da conformação da matéria e que assume papel condutor em processo com características negativas por ser acompanhado pela revelação dos fundamentos amorfos da Matéria.

Somente a nova ação do princípio imaterial da Forma coloca o novo processo formativo em ação e que corresponde à dinâmica das transformações observáveis no mundo natural.

Essas concepções do antigo Hilemorfismo dizem respeito não apenas ao mundo externo, perceptível pelos sentidos e reconhecido intelectualmente pelo Homem, mas sim ao próprio ser humano.

Também o Homem surge em antigas tradições do pensamento antigo e nas Escrituras como criado da terra molhada ou de barro, ou seja de matéria moldável, em situação primordialmente ideal de íntima união com a Forma, da qual surge como imagem. Também aqui segue-se a individuação do feminino assim configurado, o do surgimento de uma Forma material e de uma queda. Também vale, aqui, que é nessa situação decaída que deve agir o princípio imaterial da Forma, colocando novo processo formativo em ação.

Correspondente às bases empíricas de todo o edifício, ou seja, do Homem que se encontra em mundo onde tudo se movimenta, as concepções hilemórficas se relacionam necessáriamente com aquelas do movimento, surgindo aqui em antiga tradição filosófica e teológica a Forma como princípio que se move e tudo move, e a Matéria com o movível e movimentado. Individuações de Forma materiais surgem assim como o na realidade movimentado que se faz de agente motor.

Sendo a Forma na sua abstração última de natureza imaterial, corresponde, em compreensão baseada na própria experiência humana, à imaterialidade do pensamento, das idéias ou dos números, da razão, do raciocínio e de outras faculdades lógicas. Neste sentido, em estado ideal, o Homem é uma imagem da Forma, do princípio que se move e movimenta.

Momentos elucidativos de concepções antigas relativas à Forma em W. von Humboldt

O pensamento de Wilhelm von Humboldt revela de forma manifesta concepções e visões remontantes a esse edifício de concepções de remoto passado.

Esse fato manifesta-se de princípio na sua visão dirigida a desenvolvimentos ou a processos, a movimentos. Trata-se de um direcionamento da atenção ao que se desenrola e decorre, fundamentalmente dinâmica, não estática, e não também não a um objetivo final.

Na sua "Teoria da Formação", afirma expressamente que o Homem não pode ser pensado como destinado a um objetivo, tal como uma obra que é feita por um artista ou como uma prescrição que deva ser cumprida.

Êle está destinando a um processo, no qual não há um estágio final, um objetivo alcançado, uma ponto terminal de parada. Essa situação de estar inserido num desenvolvimento afasta toda e qualquer idéia de estática e estagnação - a sua situação é marcada fundamentalmente pela dinâmica.

Correspondentemente, também a Humanidade no seu todo não é dirigida no seu desenvolvimento a um ponto final, a um objetivo último, mas é determinada pela dinâmica em que se encontra.

A Formação do Homem, compreendida nesses termos, não pode partir de um estado ideal último ao qual o indivíduo e o todo devem ser dirigidos até constituirem uma obra completa, ou o qual devem alcançar por uma espécie de mandato pré-estabelecido.

Essa concepção, compreensível a partir dos pressupostos filosóficos de antiga proveniência relativos à Forma, determina de modo fundamental aquela de Formação. Não se trata, assim, de educação no sentido de condução do indivíduo ao alcance de um fim determinado, pré-estabelecido. Não pode ser, assim, tarefa de programas de formação instituir esse fim a ser alcançado.

Força interna que impele o processo formativo, Forma e vontade

O impeto que impele inexoravelmente esse processo é interno, em termos atuais imanente ao sistema, não proveniente de um agente exterior.

W. von Humboldt salienta expressamente que o anelo do Homem em aumentar os sues conhecimentos e a sua esfera de ação não resulta daquilo que êle adquire de outros, ou que produza a partir destes, mas sim em impulso interior ascensorial, de aperfeiçoamento e nobilitação, ou, pelo menos, de satisfação de uma intranquilidade interior que o consome. (Theorie der Bildung I, 235, cit. Peer-Robin Paulus, op.cit.)

A formação do Homem, sendo resultante de uma força interna, não pode ser entendida no sentido de um aprendizado de aptidões mecânicas. (Ideen I, 77, ibidem). Toda a formação tem a sua origem no íntimo da alma humana, podendo ser incentivadas por agentes externos, mas não podem por êle ser geradas (Ideen I, 121, ibidem). Tanto mais o Homem atue por si, tanto mais se forma. (Ideen I, 94, ibidem)

O desejo mais profundo e mais interno de um Homem é fazer com que se cumpra a disposição que que a Natureza nele colocou, e para isso está disposto a enfrentar as maiores dificuldades e sofrimentos. (Geschichte II, 75, ibidem)

O agente da formação, a Forma, é gerada pela força interna. É o seu pensamento, e esse é uma tentativa do seu espírito de compreender-se. (Theorie der Bildung I, 235, ibidem)

Para além do conceito da força interna e da Forma, W. von Humboldt considera a vontade do Homem, que se expressa na sua ação. Em si livre e independente, todos os seus afazeres eternos são impelidos pelo anelo de não ser ocioso em si. Trata-se, assim, de uma vontade de criar. (Theorie der Bildung I, 235)

O pensamento de W. v. Humboldt revela-se, com essas explanações, tanto na tradição das concepções filosófico-naturais como também naquela do pensamento teológico, no qual o Homem é criado à imagem e semelhança.

Força interna e criação do mundo no processo de formação - mundo como "matéria"

O seu pensamento do Homem, que é uma tentativa do espírito de compreender-se, e a sua ação, que é uma tentativa da livre vontade, apenas podem realizar-se por intermédio de um terceiro, apenas através do imaginar e elaborar algo. Como este tem como característica que o define e o diferencia o não-ser Homem, ou seja, ser mundo, o Homem procura  tanto quanto possível de mundo e vinculá-lo a si da forma mais estreita possível (Theorie der Bildung I, 235, ibidem)

O Homem não deve dirigir a sua atenção a particularidades, mas sim procurar fortalecer e elevar as forças da sua própria natureza e alcançar valor e perenidade para o seu ser. Como porém a força necessida de um objeto, no qual atue, e a Forma, uma matéria na qual se cunhe e possa permanecer, assim o Homem tem a necessidade de um mundo fora de si. (Theorie der Bildung I, 235, ibidem).

Êle tem a necessidade de um meio material ou objeto que permita interações recíprocas entre a receptividade da matéria e a sua própria atividade. Esse mundo a êle externo deve estar em condições de satisfazer plenamente o seu ser, no conjunto de suas forças e na sua unidade total. Esse é o mundo do Homem, ou melhor, aquilo que é por êle visto como mundo. (Theorie der Bildung I, 237 ss., ibidem)



A caminho em direção a uma Forma individual

Para W. v. Humboldt, o Homem encontra-se a caminho. Esse caminho é dirigido ao alcance de uma Forma individual. Para prosseguir nesse caminho, necessita, como pressuposto, ter alcançado um certo grau de cultura. A educação primária ou a sua primeira formação familiar é apenas capaz de fornecer-lhe formas muito rudimentares, pouco definidas nos seus traços.

A sua cultura já deve ter atingido um nível considerável para que o seu caráter apresente um grau de refinamento e a sua forma tão determinada de modo a poder revelar, ainda que em traços, o que se pode esperar de uma ampliação do conceito de Humanidade a caminho de seu aperfeiçoamento ou representar um caminho pelo qual o Homem possa aproximar-se desse aperfeiçoamento. (Plan I, 335, ibidem)

No decorrer das fases de sua vida, o Homem adquire diversas formas de ser. W. von Humboldt compara o todo da vida humana com uma ação teatral na qual várias figuras entram em cena, das quais uma delas surge como principal nas diferentes fases da vida. Na infância, a forma do seu ser é determinada pela fruição livre e feliz, a da juventude pelo entusiasmo pelo belo e pelo lazer, o da idade madura pelas preocupações e pela diligência decretada pela razão, a idade avançada pelo acostumar-se á idéia da temporalidade e pela satisfação do contemplar o que já foi e não mais é. Em cada período da sua vida, o Homem existe em totalidade, mas em cada uma delas apenas irradia um aspecto do seu ser.

Liberdade como pressuposto para a Formação

Pré-condição para a Formação do Homem é a liberdade, pois aquilo que o Homem não escolhe livremente, aquilo ao qual e dirigido ainda que de forma discreta e sugerida, isso não penetra no seu ser, permanece sempre estranho, isso êle não executa com força interior verdadeiramente humana, mas sim através de simples aptidões mecânicas. (Ideen I, 77, ibidem)

Liberdade de escolha e Unidade do ser

Os negócios externos que o Homem escolhe para dedicar-se emerge do íntimo do seu ser. Tanto mais unidade êle possuir, tanto mais livre essa escolha será feita. Nessas condições, poderá relacionar com mais facilidade o que escolheu livremente com o que não foi escolhido livremente. O Homem atrativo ou interessante é, nessas condições, atrativo em todas as situações e em todos os afazeres. Êle desenvolve-se em beleza num modo de vida que corresponde a seu caráter. (Ideen I, 76, ibidem)

Para uma coerente, ampla e mais pura expressão do seu ser,  o Homem necessita ter um caráter determinado, que lhe é particular. Um caráter individual surge somente através do direcionamento de todas os talentos e capacidades para um ponto. Todas as forças apenas desenvolvem-se livremente apenas em expressão livre, não coagida. (Jahrhundert I, 415, ibidem)

O caráter individual pode ser intensificado através da persistência. Se o Homem conseguiu encontrar a sua individualidade , não deve perdê-la, nela persistindo. Essa persistência não é só necessária para manter as qualidades do caráter alcançado, mas também para intensificá-las (Jahrhundert I, 415, ibidem)

Anelo de exploração do desconhecido e criação do novo em contínua atividade

Para W. v. Humboldt, a Filosofia deve gerar a Verdade e a vida ativa do Homem a grandeza de caráter, de forma similar à da arte que procura o belo ideal na esfera imaterial das idéias. O Homem, permanecendo sempre em ação e em ação criadora, deve dirigir toda a sua atenção à exploração do que lhe é desconhecido e à produção do que ainda não foi visto. Êle deve compreender-se sempre como estando num ponto que continuamente deve deixar para trás (Geschichte II, 119, ibidem)

Assim como a arte não se limita ao alcance do agradável, também a Filosofia não se restringe à compilação e ordenação de conceitos e o valor moral não se reduz à fruição de uma situação feliz bem ordenada ou a um estado pessoal e social satisfatório que possa ser alcançável mecanicamente. A beleza, a verdade e o caráter despontam de um anelo que é incompreensível na sua natureza e formas de atuação.(Geschichte II, 119, ibidem)

Objetivo existencial: a interação recíproca mais intensa e livre possível

O objetivo último da existência do Homem é o de dar tanto conteúdo quanto possível ao conceito de Humanidade na própria pessoa, tanto durante o período da sua vida como também nos vestígios que deixa de sua ação. Essa tarefa apenas pode ser resolvida através da ligação do seu eu com o mundo no sentido de uma reciprocidade da mais geral, intensa e livre. (Theorie der Bildung I, 235, ibidem)

Análise distanciada do edifício do pensamento de W. von Humboldt

O pensamento de W. von Humboldt, apesar do fascínio que emana de sua coerência e de suas proposições, que mantém sob muitos aspectos atualidade, necessita ser considerado à distância necessária a reflexões teórico-culturais preocupadas com uma perspectiva científica.

Essa necessidade resulta do fato de que o seu edifício de idéias, nos seus fundamentos remontantes à antiga Filosofia Natural, serem decorrências da observação empírica do homem e de sua visão do mundo a partir de sua própria posição.

É um sistema, assim, antropocêntrico e geocêntrico. Reflexões marcadas pela constatação de um mundo em constante movimentação, de uma transformação da matéria, elucidável através de um princípio de Forma que se move e movimenta, de um processo sem objetivo final mas impelido por uma força interna e outras idéias fundamentais do edifício de pensamento sugerem abstrações de observações da Natureza a partir da situação existencial do homem, dos ciclos do ano, das estações, dos ciclos da vida do homem, dos sinais a serem lidos no mundo.

O significado e mesmo a contribuição modelar e permanente de W. von Humboldt não reside no fato de ter revitalizado esse antigo edifício do pensar e visão do mundo, mas sim nas interpretações que dele fêz e no pêso dado a diferentes aspectos do edifício.

Essa sua contribuição, porém, não supera o edifício no seu todo, não demonstra a sua relatividade. Consequentemente, muitas das conclusões de W. von Humboldt necessitam ser questionadas e relativadas.

Em correspondência às bases antigas do edifício, resultantes da observação empírica a partir da situação existencial do Homem, o antropocentrismo das concepções de W. von Humboldt é manifesto. Para êle o Homem é o ponto de partida, referencial e objetivo.

Todo o edifício de concepções e imagens de antigas origens que se encontra à base do pensamento de von Humboldt é marcado por circularidade: partindo da observação empírica e da experiência pessoal do Homem de ter pensamentos, idéias e poder raciocinar, chega-se a uma compreensão do Homem como imagem da Forma.

O antropocentrismo manifesta-se na acepção de uma força geracional que se manifesta na vontade do Homem a criar. Manifesta-se também no conceito relativo à máteria, designada como mundo no qual o Homem dá o cunho, e, assim, em todo a compreensão do processo de formação.

Como um edifício de concepções e imagens fundamentalmente antropocêntrico, o Homem, a partir de suas próprias condições monta um sistema no qual adquire uma posição privilegiada. Na sua auto-reflexividade, o sistema herdado de séculos remotos surge como expressão de ausência de abstração da própria condição humana, de auto-valorização míope e mesmo pueril, assim como de projeção do Homem no mundo e, o que é mais questionável, nas causas últimas.

Uma perspectiva científica dos Estudos Culturais exige uma visão distanciada, em que o pesquisador se esforce em reconhecer os seus próprios condicionamentos e aqueles do edifício de idéias construído.

Trata-se da procura do alcance de um nível de abstração mais alto, o que traz consequências para a consideração dos conceitos tratados na ordenação tradicional de remotas origens e na procura ou reconhecimento de novos princípios elucidadores.

Este procedimento diz respeito também ao conceito de liberdade, surgindo esta sob este aspecto de liberdade relativamente ao sistema de idéias resultante dos condicionamentos existenciais e da sua natureza geocêntrica/antropocêntrica.

Trata-se, em consequência, da liberdade também relativamente à liberdade que pode ser lida nesse sistema, e que representa a liberdade que o próprio Homem se outorga na circularidade do todo.

A liberdade, neste sentido de procura de uma posição não-antropocêntrica na procura do Conhecimento, difere da liberdade que pode ser deduzida do edifício de concepções, e que, mesmo no discurso de W. von Humboldt, apresenta questionáveis expressões de egocentrismo.

Adquire-se, nesta perspectiva distanciada, a liberdade de evitar-se a arrogância de conclusões que falam de um auto-estabelecimento de normas, no entendimento de auto-realização e de procura de alcance de individualidade sem considerações mais sensíveis des solidariedade social e de respeito a outros seres viventes e, nesse sentido, de inaceitáveis conclusões relativamente à propriedade ou à economia que podem ser lidas em textos de W. von Humboldt.

Aspectos de discussões em grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:Bispo, A.A.(Ed.). "O ideal do processo formativo em Wilhelm von Humboldt (1767-1835) nos seus pressupostos teóricos em recepção do antigo pensamento filosófico". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 140/2 (2012:6). http://revista.brasil-europa.eu/140/Ideal-formativo.html




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.