Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Santiago de Chile. Foto  A. A. Bispo

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Fotos A.A.Bispo. Santiago do Chile. Arquivo A.B.E.

No texto: retrato de E. von Treskow.





 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 141/15 (2013:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Dr. H. Hülskath e Comissão especializada

Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
e institutos integrados


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2961





Do espírito nacional de corps estudantis em aristocratismo diplomático
à política de conselheiros militares e representantes da indústria de armas


Chile-Alemanha-Brasil. Aproximações à história cultural de relações comerciais e da diplomacia
O livro
Weltreisen de Ernst Hengstenberg (1903) oferecido a Ernst von Treskow (1844-1915) I

Alemanha-Brasil
Diálogos de Berlin-Charlottenburg pelos 30 anos do simpósio euro-brasileiro de renovação dos estudos da emigração alemã ás Américas
no ano da Cumbre Unión Europea-CELAC 2013

 
Santiago de Chile. Foto  A. A. Bispo
Nas relações entre a Europa e a América Latina, o início do ano de 2013 foi marcado pela realização da Cúpula dos Povos da América Latina, Caribe e Europa em Santiago do Chile (Cumbre Unión Europea-CELAC). Esse encontro, que se realiza bi-anualmente desde 1999, foifoi levado a efeito entre os dias 25 e 28 de janeiro.

O principal centro de interesses do encontro foi o expresso no tema "Aliança para o Desenvolvimento Sustentável: Promovendo Inversões de Qualidade Social e Ambiental".

Entre os países europeus representados, a Alemanha merece por diversas razões particular atenção sob a perspectiva dos estudos euro-brasileiros.

O Chile e o Brasil possuem consideráveis parcelas populacionais de ascendência alemã e o tema - sobretudo questões relacionadas com a superação de barreiras comerciais - veio de encontro em particular a posições de livre comércio defendidas pela Alemanha através das décadas.

A situação atual é determinada pelo considerável desenvolvimento econômico no âmbito da comunidade dos países da América Latina e do Caribe, o que exige uma nova forma de diálogo e de procedimentos.

Santiago de Chile. Foto  A. A. Bispo

Esse evento político-econômico assume especial interesse para os estudos culturais euro-brasileiros, uma vez que o ano de 2013 é dedicado em especial às relações entre a Alemanha e o Brasil. Essa prioriedade dada às relações entre os dois países nos estudos de processos culturais internacionais justifica-se pelo fato de completar-se, no corrente ano, os 30 anos, do primeiro simpósio internacional pelos 300 anos da emigração alemã às Américas e de atualização de perspectivas interamericanas, um evento de iniciativa euro-brasileira realizado na Alemanha. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html)


As comemorações de 1983 trouxeram à consciência necessidade da renovação de perspectivas nos estudos de emigração/imigração e das relações transatlânticas sob as novas condições criadas com o processo de integração européia.


Santiago de Chile. Foto  A. A. Bispo

Atualização de estudos de relações teuto-latinoamericanas e interamericanas


Os estudos Alemanha-América Latina e, em geral, os estudos transatlânticos foram - e ainda são - por demais determinados por enfoques bilaterais segundo contextos nacionais, o que representa delimitações na consideração do complexo de emigrações européias e de relações transatlânticas, trazendo em si o risco de projeções anacrônicas de concepções do presente ao passado.


A essa atualização de perspectivas nos estudos transatlânticos motivada e exigida pelo processo de integração européia corresponde, do lado das Américas, a uma necessária renovação de enfoques nos estudos interamericanos.


Essa atualização exige, por sua vez, que se considere processos culturais em que se inserem tanto os países voltados ao Atlântico - como o Brasil - como aqueles voltados ao Pacífico do continente americano. Nesse sentido, rotas de viagens que uniram esses países no passado e os unem no presente e os elos culturais assim criados devem ser necessariamente considerados, e isso exige a superação de barreiras nos estudos de fontes, cooperações, intercâmbio de conhecimentos e consequente aproximação de culturas do saber.


No decorrer das reflexões nos anos seguintes, foi sobretudo o Prof. Dr. Samuel Claro-Valdés (1934-1994) aquele que, do lado chileno, mais salientou a necessidade de considerações conjuntas e de cooperações interamericanas. No congresso internacional realizado em São Paulo, em 1987, trouxe à lembrança que países como o Brasil, a Argentina, Chile e Paraguai não apenas apresentam expressões culturais afins remontantes ao período colonial ibérico como também similares situações culturais determinadas por imigrações européias a partir do século XIX.


Retomando trabalhos no Chile de 2008: estudos relacionados da imigração teuto-chileno-brasileiros


Seguindo as recomendações de Claro-Valdés a A.B.E. e seus institutos realizaram, há cinco anos, ciclos de euro-brasileiros no Chile, na Argentina e no Uruguai, quando considerou-se com especial atenção cidades e questões mais estreitamente relacionadas com a imigração alemã a esses países.


A consideração relacionada da imigração alemã ao Brasil e aos países do sul da América do Sul surge não apenas como necessária para a compreensão de processos históricos das regiões brasileiras marcadas pela imigração e colonização centro-européia. Estudar a história cultural dessas regiões e cidades sem considerar a sua inserção em processos imigratórios mais amplos representa um reducionismo de perspectivas que obscurece o reconhecimento de correntes e mecanismos de transformação cultural, necessários sob o aspecto das preocupações atuais marcadas pela conceito de Pós-Colonialismo em todos os países envolvidos.


Ernst von Treskow
Como havia sido salientado no Forum Rio Grande do Sul do congresso de encerramento do triênio pelos 500 anos do Brasil em 2002, a recuperação dessa visão mais ampla, inter- e transnacional da história da imigração e colonização centro-européia nos países do sul da América do Sul representa importante pressuposto para o desenvolvimento de uma visão histórica e de pesquisa cultural adequada para o processo de integração de paises sul-americanos no contexto do Mercosul (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/112/EspiritoCultural.htm)


Muitas são as perspectivas que se abrem a partir dessa consideração relacionada do passado e do presente de grupos populacionais nos diferentes países de similares origens, memórias, traços culturais e em parte ainda dominando o idioma dos seus antepassados, portadores de similares experiências quanto à integração e diferenciação cultural nos respectivos contextos.


Essas perspectivas, porém, apenas podem ser promissoras se a preocupação quanto à consideração inter-und transnacional não levar a uma retomada irrefletida de concepções do passado. A elas pertence o conceito de Deutschtum, de uma Germanidade compreendida essencialisticamente que marcou o pensamento colonial de uma unidade acima de fronteiras de círculos do passado imperial e da ideologia povística ("völkisch") da época nacional-socialista.


Assumir uma perspectiva distanciada quanto a essas concepções, não empregar inconscientemente vocabulário que traz em si conotações questionáveis surge como uma tarefa que apenas pode ser alcançada considerando a própria historicidade desses conceitos, as diferenças por que passaram em diferentes épocas, situações e correntes de pensamento.


Este intento deve evitar projeções inadequadas de concepções e visões posteriores a anteriores, causando distorções no quadro dos acontecimentos e de correntes do pensamento a serem considerados. A análise mais diferenciada das transformações quanto à consciência histórica das origens alemãs, à identidade, aos elos emocionais e intelectuais com a antiga pátria e a nova terra, consiste assim sensível tarefa a ser conduzida sob critérios mais recentes do debate teórico-cultural.


Uma fonte pouco considerada: Weltreisen de Ernst Hengstenberg


Há uma publicação, esquecida na Alemanha e pouco conhecida ou mesmo desconhecida nos estudos brasileiros que merece ser relembrada neste contexto por estabelecer pontes entre os vários países: as Weltreisen de Ernst Hengstenbeg. (Ernst Ernst Hengstenberg, Weltreisen, Berlin: Dietrich Reimer 1903)


Embora publicado apenas em 1903, esse livro condensa observações de vários anos do seu autor.


Segundo as suas próprias palavras, Ernst Hengstenberg realizara várias viagens, nas quais unia interesses comerciais, culturais e de conhecimento das belezas naturais das regiões visitadas. As razões desse surpreendente interesse pelos países sul-americanos, em particular pelas regiões colonizadas por alemães não são expostas no texto. Esse fato levanta questões quanto aos objetivos e mesmo à identidade do autor.


O nome Hengstenberg é conhecido na história cultural sobretudo devido ao teólogo Ernst Wilhelm Theodor Hengstenberg (1802-1869), relevante vulto do Protestantismo alemão. Somente pesquisas genealógico-culturais mais pormenorizadas poderão esclarecer elos com várias outras personalidades de mesmo sobrenome do século XIX.


Na situação atual da pesquisa, a atenção se concentra na imagem prateada em relêvo que se encontra na encadernação das Weltreisen e que revela possuir um sentido emblemático.



Nessa imagem, vê-se a figura de  Hermes/Mercúrio com os seus atributos conhecidos da mitologia, sentado sôbre uma caixa de mercadorias com as iniciais H& Co., indicando com o caduceus um farol que serve com a sua luz de orientação aos navios nos mares. Aos pés de Mercúrio, vêem-se um tonel e um odre de couro, o que sugere o comércio com líquidos.


Tudo indica tratar-se assim de uma alusão à firma Hengstenberg de vinagres e conservas, que alcançava um ponto alto de sua história à época das viagens descritas no livro. A mesma imagem seria utilizada - junto com outro emblema da firma, o cavalo que alça vôo - em placa comemortiva quando dos seus 25 anos de existência.


O seu fundador, Richard Alfried Hengstenberg (+1904), havia adquirido, em 1876,  uma participação em pequena fábrica de vinagre da cidade de Esslingen, levando a empresa a uma extraordinária expansão e criando o seu renome internacional com os critérios qualitativos que introduziu na produção de vinagre. O seu sucessor foi Carl August Ernst Hengstenberg.


Ainda que essas relações necessitem ser confirmadas através de pesquisas mais pormenorizadas, a menção de H & Co nessa obra adquire significado para os estudos culturais relativos à expansão de hábitos alimentícios em colonias alemãs da América do Sul, em particular do Sauerkraut ou „chucrute“ no Chile e no Brasil. A difusão comercial do repolho, do pepino ácido e de outros produtos considerados típicos alemães nos países da América do Sul insere-se assim singularmente em contexto de alta relevância política, diplomática e cultural.



Apesar de tratar preferencialmente do Brasil,  Ernst Hengstenberg manifesta na dedicação de seu livro a Ernst von Treskow os seus elos de amizade com um dos mais destacados vultos da história diplomático-cultural das relações entre a Alemanha, o Chile e a Argentina: Ernst von Treskow.


Significado de Ernst von Treskow para a história diplomático-cultural


À época da publicação da onra de Hengstenberg, Ernst von Treskow havia sido embaixador da Alemanha no Chile de 1891 a 1899 e em Buenos Aires de 1899 a 1900. Como conhecedor da política chilena e também das práticas por êle criticadas de conselheiros militares alemães quanto a intervenções em assuntos políticos, a sua atuação na Argentina foi de particular importância em época do "conflito Beagle" entre os dois países. A Escola Superior de Guerra em Buenos Aires, inaugurada em 1900, demonstrou a intensidade da cooperação militar entre a Alemanha e a Argentina pela passagem do século.


Pressupostos: a tradição de corps estudantís nas Américas: Saxo-Borussia


Von Treskow, nascido em Posen, possuia formação jurídica adquirida na Friedrich-Wilhelms-Universität da Silésia em Breslau e da Ruprecht-Kars-Universität em Heidelberg. Durante os seus estudos, pertenceu às corporações estudantís Saxo-Borussia e, a seguir, Vandalia.


Von Treskow tinha, assim, um passado de "Klaxe", termo sob o qual eram designados os membros da  liga de antigos estudantes da Ruprecht-Karls-Universität. Era, assim, um "saxo-prussiano" marcado pelos seus vínculos com aquela considerada como sendo a mais nobre das corporaçõesestudantís. Esse "corpo de barrete branco" ou "corpo prussiano", era um círculo ao qual pertenciam membros da aristocracia alemã e mesmo internacional, entre êles o rei Constantino I da Grécia (1868-1923), os príncipes Wilhelm (1882-1951) e Oskar (1888-1958) e o Príncipe Max von Baden, que seria o último chanceler imperial da Alemanha.


À Saxo-Borussia pertenceum entre outros, o compositor Robert Schumann (1819-1856). Entre os membros desse corpo encontra-se também um de sobrenome Hengstenberg: Wilhelm Hengstenberg (1853-1927), filho do renomado teólogo Ernst Wilhelm Hengstenberg (1802-1869), formado na Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität em Bonn.


Questões de identidade interno-alemãs, lealdades e elos comerciais: os "vândalos"


Pouco tempo após ter entrado à Saxo-Borussia, Ernst von Treskow vinculou-se ao Corps Vandalia Heidelberg, a quarta mais antiga organização naquela Universidade. Essa liga, fundada em 1842, unia-se de forma particularmente intensa aos ideais de 1848, tendo sido um de seus membros, Friedrich von Klinggräff (1825-1887), personalidade que deu impulso à fundação da organização--teto dos corpos estudantís, o Kösener Senioren-Convents-Verband KSCV.


O Vandalia era estreitamente associada com a tradição cultural de Mecklenburg, como o seu próprio nome designava (Wenden = Vandalo). Mesmo os grão-duques de Mecklenburg eram designados como "príncipes dos vandalos". Significativamente, altos membros da aristocracia de Mecklenburg visitariam mais tarde o Chile e seriam recebidos por Ernst Hengstenberg em Viña del Mar. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Fascinio-teuto-pelo-Rio-de-Janeiro.html)


Assim como o Borussia, também o Vandalia contava com membros da aristocracia no seu corpo, no caso em especial de Mecklenburg. Distinguia-se, porém, sobretudo pelos seus elos com os círculos do alto comércio de Hamburgo, tendo sido "vândalos" os fundadores do Club Acadêmico de Hamburgo de 1859 (Academischer Club zu Hamburg), um círculo sobretudo de juristas que tinha como um de seus objetivos manter viva a lembrança dos anos de estudos de seus membros e que se orientava segundo um clube constituído por acadêmicos de Heidelberg em Hamburgo da década de 40.


Carreira diplomática de Ernst von Treskow: Egito e América do Sul


Após atuar na câmara judiciária de Berlim, Ernst von Treskow tomou parte como coronel do segundo Regimento de Guarda Pedestre na Guerra Alemã de 1866 e na Guerra Franco-Prussiana de 1870/71. Após a vitória da Prússia e fundação do Império Alemão, passou a atuar desde 1874 como assessor de justiça no Ministério do Exterior.


Na sua carreira diplomática, teve a possibilidade de residir em vários países. Após ter servido no consulado geral de Londres, de 1876 a 1879, foi enviado como cônsul alemão ao Egito. Nessa sua atuação no Cairo, vivenciou o conturbado período do levantamento de Ahmad Urabi Pascha (1841-1911) e teve a oportunidade de receber o Príncipe Friedrich Karl Nikolaus(1828-1885) da Prússia em 1883, um ato que ficou perenizado na literatura através de Dreilinden, de Theodor Fontane (1819-1898).


Após serviços como cônsul-geral em Budapest, Constantinopla e Cidade do Cabo, entre 1888 e 1891, Ernst von Treskow foi enviado como embaixador alemão ao Chile, onde permaneceu até 1899. Foi nessa época, a partir de 1893, que parece terem-se intensificado os seus elos de amizade com Ernst von Hengstenberg, que passou a ter a sua residência em Valparaiso.


Interesse atual de estudos de tensões entre a diplomacia e os conselheiros militares


Da sua atuação no Chile sabe-se de tensões com os conselheiros militares alemães que passavam a interferir em conflitos políticos internos e possibilitavam a políticos chilenos a compra de armas de fabricação alemã e a prussianização da armada. (W. F. Sater u. H. Herwig, The Grand Illusion: The Prussianization of the Chilean Army, Lincoln/London 1999).


Ernst von Treskow já encontrara essa situação conflitante entre a diplomacia e os representantes dos interesses militares ao chegar ao Chile. O conselheiro militar Emilio Körner (1847-1920), destacado na Guerra Franco-Prussiana e docente de escola de artilharia e engenharia, tendo desempenhado importante papel na guerra contra a Bolívia e o Peru (1879-1884), tornara-se influente agente da modernização das forças armadas chilenas segundo modêlos prussianos. Participou de forma determinante na formação oferecida pela Escuela Militar del Libertador Bernardo O'Higgins, tendo-se para tal traduzido compêndios do alemão para o espanhol, e na criação da Academia de Guerra do Exército do Chile (1887). Na sua posição de influência política, contribuiu à aquisição em grandes dimensões de armamento alemão da firma Krupp por parte do Chile. Tendo tomado partido na Guerra Civil Chilena de 1891 ao lado dos "Congressistas", à revelia de proibição por parte do embaixador da Alemanha, foi nomeado posteriormente a General e Chefe de Estado Maior.


Dimensões da dedicação da obra de Ernst Hengstenberg a Ernst von Treskow


O fato de Ernst Hengstenberg ter dedicado a obra com os seus relatos de viagens a Ernst von Treskow indica a sua proximidade a determinados círculos e facções da sociedade alemã no Chile no contexto das tensões entre diplomatas e conselheiros militares e agentes de interesses de transações bélico-comerciais, em parte também entre círculos ligados à nobreza e aqueles da burguesia comercial e industrial da Alemanha. Situa-se, assim, em época marcada por interações  e tensões entre representantes de uma diplomacia de tradição aristocrática e aqueles de interesses econômico-pragmáticos e de negócíos de armas, apoiados por determinados círculos da imigração.


Assim considerando, essa dedicatória abre caminhos para a leitura em contexto mais amplo de seus relatos referentes ao Brasil, em particular daqueles das colonias alemãs, uma vez que as suas viagens decorreram também aqui em época tensa da transição da monarquia à república e dos conflitos dos primeiros anos sob o novo regime instaurado pelos militares.


Esteve, assim, em Curitiba pouco antes do assassinato do Barão do Serro Azul (1849-1894) e encontrava-se no Rio de Janeiro à época do segundo levantamento da armada contra o Marechal Floriano Peixoto (1839-1895), em 1893. A obra de Ernst von Hengstenberg adquire,sob essa perspectiva mais ampla, apesar de sua aparente  irrelevância como simples registro de impressões de viagens, um significado como testemunho da época da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul e das Revoltas da Armadas por parte de um viajante alemão que bem conhecia o campo de tensões chileno.


Ainda que não expressamente, a sua visão do Brasil exprime a vigência subliminar de uma compreensão dos acontecimentos que supera fronteiras nacionais. As suas simpatias político-culturais, ainda que percebíveis antes em entre-linhas na descrição de ocorrências, não eram voltadas nem às tendências de agitação pangermanizante da Alemanha que se refletiam também nas colonias sul-americanas nem às ações militares e militaristas da época no Chile e republicanas no Brasil.


A visão de Hengstenberg sugere antes uma proximidade a posições conservadoras, o que também se manifesta na sua compreensão de alemanidade das colonias alemãs no Brasil. Esta sua visão do Brasil e das comunidades de ascendência alemã no Brasil foi divulgada na Alemanha através de conferências que proferiu em sociedades geográficas, como Hengstenberg afirma na sua obra. Nessas palestras, o autor descreveu as experiências obtidas nas muitas viagens que realizou e que foram reunidas num só todo. Esta publicação tinha como objetivo explícito ganhar novos amigos para os países tratados, reavivar sentimentos na memória daqueles que os conheciam e, com as considerações do autor subjacentes ou dispersas entre as descrições, dar impulsos a reflexões mais amplas.


Ainda que muitas viagens tivessem sido repetidas várias vezes, Ernst Hengstenberg concentrou as impressões das várias visitas no texto publicado. Esse seu procedimento exige hoje que a leitura do livro seja feita com especial cuidado, pois inclui observações de diferentes épocas. Estas, com a devida atenção, podem ser identificadas.


Digno de menção é o fato de Ernst Hengstenberg salientar as suas viagens teriam sido sempre realizadas em atitude de receptividade de alma à beleza da natureza e seus fenômenos, assim como ao progresso do comércio e da cultura nas diferentes áreas. O conservadorismo e a tradição antes aristocrática da sua visão relacionam-se assim com uma particular sensibilidade por valores estéticos tanto relativamente à natureza quanto à cultura. A sua obra distingue-se neste sentido daquela de viajantes que dedicaram maior atenção a desenvolvimentos econômicos, comerciais e industriais.


A releitura do livro de Ernst Hengstenberg demonstra, assim, a necessidade de pesquisas mais aprofundadas não somente da sua personalidade e das suas atividades, ainda pouco conhecidas, como também a do tratamento mais diferenciado de posições politico-culturais de viajantes alemães que registraram as suas impressões e que apenas podem ser estudadas no contexto de processos culturais que se desenvolveram de forma relacionada na Alemanha e nas colonias alemãs nos vários países sulamericanos, em particular no Chile, Argentina, Paraguai e Brasil.


A sensibilidade e o manifesto direcionamento da atenção de Ernst Hengstenberg para as belezas naturais dos países sul-americanos, que podem ser constatados nos vários capítulos de sua obra, fazem com que os seus relatos adquiram um especial interesse sob o aspecto das reflexões conduzidas sob o signo do binômio Cultura/Natureza.


Como a Cúpula internacional realizada no Chile em 2013 disse respeito a uma aliança para o desenvolvimento sustentável, tematizando expressamente exigências ambientais, a reconsideração da obra de Ernst Hengstenberg adquire atualidade, pois dirige a atenção à necessidade de uma consideração mais diferenciada de correntes de pensamento político-culturais nos seus pressupostos históricos.


Ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Do espírito nacional de corps estudantis em aristocratismo diplomático
à política de conselheiros militares e representantes da indústria de armas. Chile-Alemanha-Brasil: Aproximações à história cultural de relações comerciais e da diplomacia
O livro Weltreisen de Ernst Hengstenberg (1903) oferecido a Ernst von Treskow (1844-1915) I". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 141/15 (2013:1). http://revista.brasil-europa.eu/141/Chile-Alemanha-Brasil-Ernst-Hengstenberg.html