Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke

Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke

Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke

Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke

Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke

Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke

Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke

Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke




 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 141/14 (2013:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Dr. H. Hülskath e Comissão especializada

Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
e institutos integrados


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2970


A.B.E.


O São Francisco caindo entre as rochas de Paulo Afonso
fotografias brasileiras e o paisagismo romântico alemão
Do Rio Grande do Sul a Alagoas:
o diário de engenheiro alemão no São Francisco em narração de Hermann Ferschke (1835-1903) III


Alemanha-Brasil
Diálogos de Berlin-Charlottenburg pelos 30 anos do simpósio euro-brasileiro de renovação dos estudos da emigração alemã ás Américas
no ano da Cumbre Unión Europea-CELAC 2013

 

As relações entre a Alemanha e o Brasil são consideradas com particular atenção em 2013, ano em que se comemora, entre outras datas, a do bicentenário de Richard Wagner (1813-1883). (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html)

Há 30 anos, centenário do seu falecimento, realizou-se um simpósio pelos 300 anos da emigração alemã à América, um evento que marcou o direcionamento dos estudos e reflexões da A.B.E. das décadas seguintes.

Nele salientou-se a necessidade de uma atualização dos estudos atlânticos e interamericanos sob as novas condições trazidas pelo processo de integração européia. Esse objetivo exige a releitura de fontes históricas à luz das novas perspectivas que aqui se abrem, assumindo nessa reconsideração de textos do século XIX particular significado.

Complexo século do Romantismo, do Historismo, do desenvolvimento das ciências e da teoria da evolução, do progresso técnico-industrial e de empreendimentos globais em contextos do imperialismo e colonialismo europeu, foi também aquele no qual se encontram os fundamentos da emigração alemã ao Brasil, da colonização européia de vastas regiões do país que realizara no mesmo século a sua independência e se consolidava em união nacional no Império.

A reconsideração de processos que se desenrolaram no século XIX surge, assim, nos seus múltiplos aspectos, como tarefa para análises de fundamentos culturais de relações Alemanha-Brasil.

Nesse intento, questões relativas a imagens - da Alemanha no Brasil e do Brasil na Alemanha - merecem ser consideradas com maior atenção, como tematizado no Congresso Internacional "Música e Visões" de abertura do triênio pelos 500 anos do Descobrimento do Brasil. (Brasil-Europa 500 Jahre: Musik und Visionen/Brasil-Europa 500 anos: Música e Visões, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S./I.B.E.M. 2000 )

Que a imagem do Brasil na Alemanha desempenhou papel de relevância na história da imigração alemã, com graves consequências para as relações entre os dois países, isso revela-se nas medidas restritivas e mesmo proibitivas da emigração na Alemanha a partir das imagens negativas resultantes de descrições de colonos alemães sob as condições que encontraram no Brasil. Se essa imagem negativa e suas implicações são reconhecidas e já consideradas, pouco se tem dado atenção às imagens positivas do Brasil na Alemanha que justificam apesar de tudo o intenso movimento emigratório.

Para além das informações escritas, transmitidas por cartas e em relatos de viagens e publicações geográficas, representações visuais de paisagens, de costumes e da vida no Brasil não devem ser subestimadas na criação de imagens do país.

Esse papel do visual e da visualização na motivação à aventura migratória e de viagens é documentado já para as primeiras décadas do século XIX pelas palavras de Carl Seidler, soldado profissional que atuou como oficial a serviço do Império brasileiro que, pelo teor negativo de suas experiências, levou a críticas de teor polêmico quanto à imagem que oferece do país por parte de prefaciadores brasileiros (Carl Seidler, Zehn Jahre in Brasilien während der Reigerung Don Pedro's und nach dessen Entthronung. Mit besonderer Hinsicht auf das Schicksal der Ausländischen Truppen und der deutschen Colonisten, Quedlinburg e Leipzig: Gottfr. Basse 1835; port. Dez anos no Brasil, trad. Gen. Bertoldo Klinger, prefácio Cor. F. de Paula Cidade, São Paulo: Martins, 1951):

"Sentia-me impelido para fora da pátria, rumo ao novo mundo (...). Não me atraíam as minas com veios de prata, nem os rios com areias auríferas, nem as fabulosas lavras de diamantes: tudo isso se encontra hoje nas enciclopédias baratas e nas revistas de carregação, mas não estava no meu livro. Nêle eu via palmeiras, florestas virgens, de bananeiras, pau de tinturaria e mahagoni, com que eu podia a vontade fabricar e colorir os pequenos utensílios domésticos para minha vida de fantasia; via ainda latadas e cabanas, onde apetecia morar, papagaios e macacos, rouxinóis e colibrís, tagarelar e cantar atrás das folhagens; morros e penedos, para os quais o Brocken podia servir de degrau e a Virgem de braço de cadeira; negros brancos e europeus negros; belas damas, que conjugavam a grandeza espanhola com o ardor amoroso da italiana (...)

Isso não haveria de seduzir o jovem? Para ver semelhantes raridades eu teria circumnavegado dez vêzes o mundo (...)". (op.cit. 20)

Uma observação mais atenta de descrições visualizadoras e ilustrações em publicações européias referentes ao Brasil chama a atenção à variedade de imagens oferecidas, a transformações quanto a olhares da realidade e à apreciação de paisagens e costumes no decorrer do século.

Fotografias e ilustrações do artigo de Hermann Ferschke sôbre o Nordeste

Um exemplo de imagens fornecidas do Brasil que vinham de encontro a tendências na apreciação estética dos leitores alemães da segunda metade do século XIX é o artigo de Hermann Ferschke (1835-1903) sobre o Nordeste do Brasil com base em diário de um oficial emigrado contratado como engenheiro à época da construção de ferrovia no Rio São Francisco e que inclui várias ilustrações (Hermann Ferschke, "Im Nordosten Brasiliens. Aus dem Tagebuche eines ausgewanderten Offiziers",  Vom Fels zum Meer, Spemann's Illustrirte Zeitschrift für das Deutsche Haus I, Oktober 1888 bis März 1889, Stuttgart: Verlag v. W. Spemann 478-336). (http://revista.brasil-europa.eu/141/Alemaes-e-critica-da-sociedade.html)

As imagens oferecidas nesse  artigo baseiam-se em fotografias mais ou menos reelaboradas tiradas por um artista brasileiro de sobrenome Mende. Esse fotógrafo, que acompanhou o engenheiro nos seus trabalhos e nas suas excursões na região, em particular à cachoeira de Paulo Afonso, é mencionado elogiosamente no diário do engenheiro alemão como artista particularmente sensível às belezas naturais, no qual se distinguiria relativamente à maior parte de seus conterrâneos.

Descrito como pessoa de formação intelectual e sentimentos patrióticos, Mende empenhava-se em descobrir e registrar fotograficamente a natureza da região. Sempre atento na procura de pontos de significado paisagístico e cultural, procurava valorizar o que descobria e revelar o que percebia como belo ao estrangeiro e seus colaboradores.

As suas fotografias indicam, pelo ângulo escolhido no registrar a natureza e salientar os seus aspectos expressivos, que o artista tinha o seu olhar formado pela apreciação da pintura paisagística do Romantismo mais tardio. Essas imagens diferem assim significativamente de ilustrações de obras mais antigas referentes ao Brasil de autores alemães.

Vom Fels zum Meer: Rocha e água correndo ao mar nas fotografias de Paulo Afonso

O predomínio de rochas e águas nas fotografias vinha de encontro ao título da revista onde foram publicadas: Vom Fels zum Meer. O Rio São Francisco, correndo entre rochedos em Paulo Afonso no seu trajeto ao mar correspondia à imagem do fluir e do correr transmitida pelo órgão alemão e ao universo cultural de seus leitores. Esses eram explicitamente aqueles de "lares alemães", de conservadoras famílias marcadas por consciência cultural de uma alemanidade na sua forma de expressão do império resultado da vitória na Guerra Franco-Prussiana de 1870/71.

O próprio diário do engenheiro alemão que serviu de base ao texto de Ferschke refere-se à história da revelação e valorização das belezas naturais da cachoeira de Paulo Afonso.

O autor lembra que a região, devido à vegetação, rala porém espessa, não apenas colocava grandes dificuldades à visita da cachoeira como também impedia vistas amplas para a sua contemplação. Por esse motivo, alguns anos antes, quando da visita de Pedro II°, chegara-se a fazer cortes nas matas para permitir vistas da paisagem.

O autor lembra também que a natureza da região não correspondia às imagens que os leitores alemães faziam dos trópicos. Ali não existiam florestas tropicais, mas sim, apesar do calor tórrido, apenas capoeiras com arbustos de espinhos, o que impedia avanços e causava sempre grandes dificuldades para os caminhantes.

Se ali houvesse floresta, uma real floresta tropical que emoldurasse as cachoeiras, estas marcariam de fato uma das regiões mais maravilhosas da terra. Entretanto, como o texto exprime, devia-se contentar com a realidade, e essa era já por si digna da maior admiração. Tratava-se, assim, de contemplar as cachoeiras na sua própria beleza, do rio correndo entre rochas ao mar. A beleza de Paulo Afonso assim apreciada vinha de encontro aos valores estéticos na contemplação da natureza que podem ser percebidos em outras ilustrações de "Vom Fels zum Meer".

As quedas d'água dos vários braços em que se dividia o São Francisco, das quais as principais eram Paulo Afonso, Tapeira e Cascarra, possuiam formas próprias e qualidades estéticas que deviam ser apreciadas na sua própria individualidade.

Paulo Afonso em texto de Hermann Ferschke

Vai e vem

Uma das mais belas imagens baseadas em fotos de Mande publicadas no texto de Ferschke é a das correideiras Vai e vem. Como o autor salienta, o próprio nome indicava que essa cachoeira caracterizava-se pelo um ir e vir de correntezas. Ainda que não de grande altura, as diferentes direções dos fluxos e o retornar de cursos faziam com que surgisse como uma das mais interessantes do São Francisco.

A moldura constituida pelos rochedos e as grandes árvores, em parte sem folhas sob a ação do calor e dos ventos faz com que a fotografia publicada surja como um quadro de paisagem de dramaticidade romântica.

Devido ao ir e vir de suas águas, a cachoeira serviu como uma imagem metafórica da vida de aventuras de um emigrado no Brasil. Assim, é comparada no conjunto do texto à vida do aventureiro em terra estranha, sempre levado pelas circunstâncias, necessidades e desejos de aventuras, sempre procurando um local onde possa lançar âncoras.


Imperador

Diferentemente da Vai e vem, a fotografia designada como Simpo do Imperador tem a sua expressividade decorrente do alto salto das águas, em dois lances, através de estreitas gargantas nas rochas. Recebendo águas de um outro braço do rio, pela esquerda, a correnteza, agora unida, após o segundo salto, dobra-se em grandes redemoinhos quase que em ângulo reto . Esse conjunto de cachoeiras que caem de grande altura em diferentes sentidos por entre rochedos e que se unem em garganta no trajeto do rio ao mar também transmite um quadro natural de grande expressividade romântica e apto a sugerir múltiplas associações.

Cascarra

Também a fotografia da Cascarra demonstra o olhar romântico do fotógrafo, preocupado em fixar a alta queda principal e das secundárias, embora mais estreitas. As águas caem de grande altura em patamares rochosos, abrindo-se em ampla superfície encascatada. O céu com nuvens carregadas e mesmo a chuva caindo à distância servem à intensificação da dramaticidade do quadro registrado por Mende.

Tapeira

A imagem do salto de Tapeira demonstra a preocupação do fotógrafo em, também aqui, colocar uma grande formação rochosa em
primeiro plano, deixando que a queda d´água surja emoldurada no centro da tela. A solidez da rocha e o fluir em correnteza das águas antepõe-se como o movimento ascendente das formações pétreas e o descendente do cair d'água, criando um conjunto marcado por dinâmica interna de direções e movimentos.

Paulo Afonso

A maior imagem do texto publicado na Alemanha é compreensivelmente aquela do grande salto de Paulo Afonso. Não representa o melhor registro fotográfico, tendo sido retocada pelo desenhista, o que prejudica o reconhecimento de pormenores, transmite, porém, ao leitor a força impressionante do jogo
das águas que correm em diversas regiões.

Para os leitores alemães, à valorização dessas cachoeiras contribuia o fato de serem romanticamente recônditas, isoladas, de difícil acesso. O próprio autor aviva a imaginação de seus leitores salientando a inalcançabilidade desses magníficos espetáculos naturais. Se estivessem na Europa ou em alguma região mais cultivada da América do Norte, a êles levariam boas estradas e os visitantes poderiam abrigar-se em bons hotéis. Êles seriam visitados por muitos turistas. No São Francisco, porém, a sua contemplação era acompanhada por sofrimentos indescritíveis.

Uma visita apenas podia ser feita a cavalo. Esses animais tinham de padecer grandes sofrimentos. Ainda que patas e pernas fossem envolvidas com tiras de couro devido aos espinhos dos cactos, estas achavam-se esfarrapadas ao término da viagem, e os animais ensanguentados. Como não se podia envolver todo o animal em couro, os espinhaços cortavam os seus corpos, sobretudo os ventres, fazendo com que perdessem muito sangue.

A viagem também não era agradável para os viajantes, pois como o cavalo dava saltos toda a vez que era ferido, sendo o cavaleiro obrigado a manter-se sempre atento para não ser atirado da sela. Essa contínua atenção durante o trajeto era muito fatigante, sobretudo sob sol tórrido de 40° .

Chegando-se às cataratas, porém, todo o sacrifício e o sangue dos cavalos eram certamente recompensados pelo espetáculo. Apesar da maravilha ali contemplada, não se pensava em repetir a viagem devido às dificuldades e sofrimentos. A visita a Paulo Afonso era única, não repetível, podendo apenas ser recapitulada na memória.

Sem essa distância, ali vivendo, os brasileiros que habitavam na região viam as cachoeiras de Paulo Afonso com outros olhos. Nelas viam apenas obstáculos à navegação, pois impediam a navegação entre o interior e o litoral, e, por isso, as odiavam. Para o autor, tratava-se de uma falta de sensibilidade e compreensão para com uma beleza solene que emanava dessas magníficas e incomparáveis cachoeiras.

Paulo Afonso em obra alemã básica de Geografia

As cachoeiras de Paulo Afonso, sob a denominação variável de cataratas ou de salto, encontram-se pormenorizadamente descritas na fundamental obra sobre o Brasil de J. G. Wappäus, parte do Manual de Geografia e Estatística, publicado em Leipzig, em 1871 ((J. G. Wappäus, Brasilien in Handbuch der Geographie und Statistik, Leipzig: Hinrichs'schen Buchhandlung 1871, pág. 1238-1239) (http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM15-02.htm).

Após tratar do trajeto do São Francisco, Wappäus passa a considerar o trecho das cataratas, baseando-se sobretudo na descrição de Avé-Lallemant:

"Abaixo do Rio das Velhas recebe o mesmo ainda muitos afluentes consideráveis de ambos os lados, entre êles os Rio Paracatú e o Rio Grande, ambos vindo do Oeste, e que são os maiores. Após a afluência deste último, a largura do São Francisco chega a 1800 metros. Ca. de 300 quilômetros acima das grandes quedas de Paulo Afonso começam novamente corredeiras e bancos rochosos na correte, que continuam até o grande salto que coloca um obstáculo intransponível à navegação. Esse famoso Salto de Paulo Afonso situa-se apenas à distância de 42 milhas alemãs do mar e o São Francisco, atingindo esse ponto, já recebeu todos os seus grandes afluentes, tendo percorrido um trajeto de 360 milhas alemãs. Encerrado entre dois enormes muros de granito, a água corre primeiramente como uma corrente de montanha em superfície inclinada e cai então repentinamente, em três quedas consecutivas, um total de 84 metros segundo Liais. Lallemant supõe 230 pés, sendo que as medições e apreciações variam entre 210 e 250 pés. À época de cheia, como o viu Lallemant, o salto forma quatro braços principais separados entre si por belos grupos rochosos. O braço ao norte, com ca. 60 a 80 pés de largura, existe apenas em época de águas altas. A queda propriamente dita forma uma meia curva; de início, a massa de água cai diretamente, é desviada porém a meia profundidade mais a norte pelo íngrime canal de rochas através do qual cai. Justamente aqui cai nela, a meio caminho, uma outra queda. Ambas penetram-se e literalmente amassam-se. Não se reconhece mais uma massa de água compacta; tudo é espuma, vapor, nuvens densas de água. Em queda em conjunto, o caos cai completamente nas profundezas. Essa queda em si tem de 50 a 60 pés de largura e é considerável não apenas pela sua largura como pela sua imensa força. A densidade dessa massa de água deve ser realmente enorme. Todo o São Francisco é o que se despeja nessa fenda na rocha. Disso resulta que o Salto de Paulo Afonso, embora seja comparável em altura e em massa de água com a queda de Niagara, possui uma aparência totalmente diversa deste, no qual a massa de água que cai se espraia amplamente. Vista à distância, a cachoeira de Niagara supera inquestionavelmente a de Paulo Afonso an grandiosidade, vista de perto, porém, segundo Liais, esta encontra-se em situação privilegiada, uma vez que a massa de água que cai é imprensada num canal estreito e se dilui quase que totalmente em vapor que se eleva em enorme coluna. Esta, iluminada pelo sol, pode ser vista há quase 4 milhas de distância. Nisso, a força de expansão do ar carregado e imprensado pela água nesse estreito canal é tão grande que aos pés da queda sopra um constante vendaval, cuja força contribui à formação da enorme coluna de partículas de água e que faz com que uma pedra atirada com grande força não vença mais do que 6 ou 7 metros contra este vento e uma pedra lançada do alto após longa queda não caia na Caldeira, a concavidade abaixo da queda, mas que retorne em arco à parede rochosa e caia nas pedras abaixo. "Sem poder decidir a respeito", conclui Lallemant a sua descrição, "quando a cachoeira do São Francisco é mais bela, se em cheia ou em rasante, como muitos afirmam - sempre o salto de Paulo Afonso será o segundo do mundo em grandeza e força. Ainda que a massa unida, compacta das águas que turbilhando se despejam do Niagara seja muito mais significativa, como me contou um viajante que viu as duas cachoeiras, nenhuma outra queda d'água de similares dimensões colossais podem ser mais ricas em formas, em disposições multifacetadas, an diversidade de oposições do que o Salto do São Francisco." - Sob a garganta rochosa, o rio apertado entre as rochas prossegue sem trégua entre paredes verticais e forma mais tarde ainda algumas quedas menores, das quais a mais importante é a Cachoeira dos Veados. Somente após um percurso de 4 léguas, já acima do povoado de Piranhas, onde o nível de água é de 55 pés sobre o nível do mar, é que as suas costas se afastam de modo que a corrente encontre de novo espaço suficiente entre os muros íngrimes, podendo ser navegada com cuidado. A partir daqui as costas do S. Francisco se abaixam, que corre do Salto ao mar (...), e aumentando-se o leito cada vez mai, a água espraia-se gradualmente na forma de um lago, cercando muitas ilhas pequenas, que, como as margens do rio, são cobertas de rica vegetação. Nessa parte do Baixo São Francisco, que tem uma extensão de ca. 30 milhas alemãs, o mesmo é sempre navegável. Até a cidade de Penedo, o principal porto no Baixo São Francisco, ca. de 22 milhas marítimas da barra, podem chegar Schooner e Briggs." (op.cit. 1254-1255)

Paradoxos de desenvolvimentos: alemães no "melhoramento" de Paulo Afonso

Relendo-se esse texto que transmitia aos leitores alemães a grandiosidade única e as qualidades incomparáveis de beleza de Paulo Afonso e que permite hoje reconhecer o seu significado no contexto da cultura visual do Romantismo, o pesquisador surpreende-se em constatar o papel desempenhado por alemães na transformação dessas cachoeiras para o seu aproveitamento pragmático.

As informações escritas e visuais transmitidas por Ferschke na Alemanha remontavam às observações do oficial alemão emigrado que trabalhara na construção de uma ferrovia que tinha como objetivo justamente superar a barreira representada pelas cachoeiras quanto ao transporte de pessoas e mercadorias no São Francisco.

A atitude de falta de sensibilidade pelos valores da natureza dos habitantes locais criticada nesse artigo, que teriam visto nas cachoeiras apenas um obstáculo ao desenvolvimento, passou a ser paradoxalmente ideário de firma alemã - a Bromberg & Cia - que propagou como poucas a necessidade do "carvão branco" representado pelos rios e quedas d'água para o desenvolvimento de países como o Brasil.

Difundindo esse ideário, grandes concessões concedidas pelo govêrno, agora já republicano, possibilitaram uma grande atividade de "melhoramentos" de rios e cachoeiras brasileiras, entre as quais salientou-se Paulo Afonso, importante fator da extraordinária expansão da empresa hamburguesa. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-tecnica-e-ecologia.html)

Cíclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O São Francisco caindo entre as rochas de Paulo Afonso - fotografias brasileiras e o paisagismo romântico alemão. Do Rio Grande do Sul a Alagoas: o diário de engenheiro alemão no São Francisco em narração de Hermann Ferschke (1835-1903) III". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 141/14 (2013:1). http://revista.brasil-europa.eu/141/Rio-Sao-Francisco-e-paisagismo-alemao.html