Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 142/18 (2013:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Dr. H. Hülskath (Dir. Adm.) e Conselho Científico

Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501



Doc. N° 2989


Publicações em revista

Alveno Figueiredo e Silva. Retalhos da música afro-luso-brasileira I:
Quejas, Tchufe e Lobo - Reis crioulos do samba, fado e morna dos anos 30

Praia: instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2009, 231 págs., ilustr., CD

 
Alveno Óscar Pereira Figueiredo e Silva, que atua na Rede Record de Cabo Verde, nasceu na cidade da Praia, ilha de Santiago, em 1966. Cresceu e formou-se na ilha do Sal. Em 1983, passou a atuar na Retransmissora do Sal, posteriormente Estúdios do Sal da Rádio Nacional de Cabo Verde.

Transferindo-se em 1985 a São Vicente, adquiriu experiência como animador cultural. Iniciou as suas atividades jornalísticas em 1987 na Televisão Experimental de Cabo Verde, posteriormente Televisão Nacional de Cabo Verde e hoje Radiotelevisão Cabo-verdiana.

Nessas suas atividades, preparou documentários sobre o Cabo Verde e sua música. Na Europa e nos Estados Unidos, realizou reportagens em comunidades cabo-verdianas e trabalhos para emissoras de Portugal, da Noruega e do Brasil. Foi vencedor de concurso de reportagem "População e Desenvolvimento"! do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em Cabo Verde, em 1990.

Em 1991, representou o seu pais no I° Festival Prix Futura e, em 1992, no I° En contro das Televisões Nacionais de Língua Portuguesa, na ilha do Sal. De 1995 a 1997, atuou como coordenador de emissões da Rádio Voz de Cabo Verde em Rotterdam, nos Países Baixos. Escreveu um ensaio de dedicado a aspectos político-sociais na música de Cabo Verde no século XX.

Nas suas palavras de abertura, o autor lembra que muitos artistas cabo-verdianos caíram no esquecimento, sobretudo pela falta de condições para preservar e publicar informações no passado ainda recente. Desses nomes, destaca os de Antonio Lobo, Pedro Alcântara (Tchufe) e Fernando Quejas.

O seu intuito, assim, foi de resgatar algo do que resta da memória desses três cantores. Para êle, foram antes cantadores, pois esse seria o termo que mais adequado seria no caso de intérpretes que procuravam cantar de modo "falado", preocupando-se com um tibre pessoal característico.

A trajetória desses artistas decorreu nos anos 30 do século XX, devendo ser considerada no contexto de desenvolvimentos na música popular do Cabo Verde, de Portugal e do Brasil, em particular da morna, do fado e do samba.

Com exceção de Fernando Quejas, que apresentou-se em Portugal, esses artistas permaneceram no arquipélago. Esse fato, porém, não impediu que participassem da interação de correntes músico-populares que relacionavam Portugal-Brasil e Cabo Verde, e que compara com uma espécie de "osmose musical". Para reconstruir esse passado, o autor realizou entrevistas com familiares, amigos e admiradores, coletando lembranças e documentos orais e escritos.

António de Sousa Lobo Júnior (1910-1991), nascido na Vila de Santa Maria, ilha do Sal, foi auxiliar e fiel da balança na Direção Geral das Alfândegas de Cabo Verde, na Praia, em São Vicente e, por fim, no Sal. Interpretava mornas de Eugénio Tavares, B. Léza e outros caboverdianos, alternando-as com sambas, modinhas, canções, fados e boleros.

Mostrou uma inclinação para o fado de Coimbra, o que o autor procura explicar pelo fato de, diferentemente de um fado de trabalhadores e das amarguras da vida proletária, voltava-se aos infortúnios do amor no espírito das serenatas, o que o aproximava da tradição caboverdiana.

Correspondentemente, apreciava sobretudo a música popular brasileira de cunho sentimental e romântico, interpretando canções de Francisco Alves, Sílvio Caldas e Orlando Silva, tendo sido particular admirador de Nélson Gonçalves. Esses e outros artistas do Brasil eram escutados e apreciados nas ilhas caboverdianas.

Durante a sua vida de trabalho na Alfândega da Praia, apresentou-se no Rádio Clube de Cabo Verde, sendo conhecido como "Antonio cantor". O contato com a música brasileira intensificou-se durante a sua estada em São Vicente, quando navios brasileiros que ali passavam ali deixavam revistas e discos que levaram à difusão da música e costumes brasileiros.

O autor salienta a parceria de Antoninho Lobo com o violeiro Ângelo Lima, aluno de Luiz Rendall, membro do conjunto Nocturno da Praia e, posteriormente, trabalhador das salinas da companhia Salins du Cap Vert. Um aspecto salientado no livro é o fato do artista não ter saído do Cabo Verde, apesar de ter recebido convites para ir a Portugal e à América do Norte. Foi para isso impedido por questões familiares - tinha um irmão doente na Madeira - e pela Segunda guerra Mundial.

Segundo depoimentos, o artista combinava meios expressivos da morna e do samba brasileiro, dando particular atenção a formas de apresentação pessoal, elegância e refinamento, o que o tornou numa espécie de "galã com presunção a estrela de cinema", que "nada ficava a dever a um Duke Oliver, cabo-verdiano nascido na América (antigo integrante do cape-verdean ultramarine band em New Bedford)" (...) (pág. 28). O autor salienta a continuidade da prática musical na família Lobo, em particular representada pelo seu filho Ildo Lobo, Mirri Lobo (Emilio Rito de Sousa Lobo) e Rita Lobo, entre outros.

Pedro Alcântara de Freitas Silva Ramos (Tschufe) (1913-1982), natural de São Vicente, foi funcionário da Administração da Câmara Municipal de São Vicente. De família de comerciantes e músicos, o seu pai, António Alcântara da Silva Ramos (Antône Tchitche) é considerado como criador da morna coladeira, de andamento mais rápido, participando como improvisador em festas de romaria nos anos 30. Formou-se na prática doméstica instrumental - piano, volino, violão e cavaquinho - tornando-se violonista autodidata.

Com a sua irmã, pianista, conhecida como Tututa, assim como com o violinista Mochinho de Monte apresentavam-se no Café Royal em Mindelo, um local considerado como um dos centros da prática da música popular crioula. Foi convidado a participar na Exposição Colonial Portuguesa de 1934, no Porto, sendo o responsável por S. Vicente Luiz Rendall. Voltou a Portugal em 1941 para participar, juntamente com B. Léza, Muxim de Monte e outros da Exposição Colonial Portuguesa em Lisboa.

Voltou ainda a Portugal com um trio de artistas para, a convite, apresentarem-se na Adega Machado, casa de fados no Bairro Alto, onde atuava também Amália Rodrigues. "A disposição do cabo-verdiano para assimilar a cultura dos outros, em resultado do contacto com povos que cruzam os mares das ilhas, podia ser vista em Tschufe. Um artista por vocação que aquilatou grandes saberes à custa do contacto com marinheiros de embarcações que atracavam ao Porto Grande de S. Vicente". (pág. 96)

Traduziu para o inglês, francês e grego algumas mornas e coladeiras, iniciativa vista de forma ambivalente, mas que, segundo o autor, pode ser vista como uma via para uma globalização da música crioula.  Distinguia-se aqui de Fernando Quejas, pois Tschufe traduzia literalmente a letra, sendo que Quejas preservava a melodia, adaptando a ela outros textos.

Ainda que de espírito aberto e entusiasta da "música universal", lamentou a perda de raízes na música caboverdiana dos anos 70. Segundo consenso geral, Tschufe foi o melhor intérprete do compositor san-vicentino Francisco Xavier da Cruz, conhecido como B. Léza, tendo sido este admirador do pai de Tschufe. Em época na qual Mindelo tornara-se capital da morna e B. Léza era o seu principal cultor, Tschufe registrava na sua memória grande número de suas composições. O reconhecimento do artista deu-se com a denominação de uma das ruas de S. Vicente com o seu nome.

Fernando Aguiar Quejas (1922- 2005), nascido na Cidade da Praia, estudou no liceu de S. Vicente. Retornou á Praia, onde dedicou-se ao aprendizado de instrumentos, entre eles de piano, foi membro do grupo Nocturno, denominado segundo obra para violão de Luiz Rendall, atuando, entre outros, no bar Estrêla. Foi amigo e admirador de Angelo Lima, com o qual passou a difundir a música caboverdiana em grupo de voz, violino e violão. 

Movido por audições radiofônicas da BBC de Londres, o seu sonho era o de apresentar-se com orquestra de salão. Pensando na emigração, cogitou em transferir-se para o Brasil, as circunstâncias levaram-no porém para Portugal em 1947.

Na sua carreira portuguesa, apresentou-se em espetáculos, programas radiofônicos, teatros, cassinos e encontros culturais caboverdianos. Além de compositor, foi escritor, publicando poemas em livro de título Andante Cantabile. Apresentou-se de início no Programa da Manhã da RDP como intérprete de música brasileira, introduzindo gradativamente mornas, alcançando consagração ao apresentar-se em cassino no Algarves.

Para difundir as mornas caboverdianas, decidiu aportuguesar os textos em crioulo, intercalando-as com modinhas, sambas e fados. Como o autor menciona, o seu procedimento em divulgar a música de Cabo Verde em Portugal foi criticado por espíritos conservadores.

Nos anos 50, essa difusão foi marcada pelo surgimento dos primeiros singles, pela popularização da coladeira e por mornas de teor romântico nacionalista. O patriotismo do artista manifestou-se no seu intento de traduzi-las para o português, esse intento, porém, em parte explicável por exigências da Censura, coincidindo com o movimento anti-colonial, foi mal-compreendido. Esteve no Cabo Verde nos anos 50 e 60, apresentou-se como artisto consagrado em Portugal apenas depois de 43 anos da sua emigração. representando uma "reconciliação" simbólica com o povo.

Fernando W. Ferreira


Indicação bibliográfica para citações e referências:
"Alveno Figueiredo e Silva. Retalhos da música afro-luso-brasileira I: Quejas, Tchufe e Lobo - Reis crioulos do samba, fado e morna dos anos 30". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 142/18 (2013:2). http://revista.brasil-europa.eu/142/Musica-afro-luso-brasileira.html