Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Cia. de Viacão SP-Matto Grosso

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Fotos no texto.A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 143/14 (2013:3)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia e Conselho Científico
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3004


ABE



Estrategia colonizadora da Companhia de Viação São Paulo-Matto Grosso no seu impacto ambiental
- a destruição das florestas de São Paulo e do sul do Mato Grosso -


Colonização alemã na região da Alta Sorocabana
nos anos 30 nas suas inserções político-culturais III
Nos 50 anos de falecimento de Paul Wilhelm Eduard Vageler (1882-1963)

Ciclos de estudos em cidades do Báltico após 5 anos de viagens de estudos ao Espírito Santo, Mecklenburg-Pomerânia Ocidental e outros países do Mar do Leste. Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. pelos 30 anos do primeiro simpósio de atualização dos estudos da imigração e colonização alemãs nas Américas


 
Cia. de Viacão SP-Matto Grosso

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Os estudos históricos e culturais em geral de regiões e cidades que remontam à colonização alemã no passado ou que foram por ela marcadas não podem ser desenvolvidos sem a consideração de suas relações com processos históricos e político-culturais na Alemanha. Estudos regionais em diferentes partes do Brasil relacionam-se, assim, com estudos alemães.


Se várias cidades e regiões do Brasil remontantes a fluxos imigratórios do século XIX, sobretudo no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e, em menor escala, Espírito Santo, já foram alvo de estudos assim desenvolvidos, o mesmo não pode ser dito relativamente a outras regiões abertas apenas no século XX.


Entre elas destacam-se as de São Paulo e Mato Grosso, inseridas em processo de ocupação de terras e de fundação de cidades que recebeu os seus principais impulsos na década de 30 e que foram de grandes consequências econômicas, urbanas e de graves impactos no meio ambiente.


O estudo da presença e da ação de alemães nesse vasto território da Alta Sorocabana, tendo como eixo fluvial o Rio Paraná, apresenta-se em parte mais complexo do que aqueles das antigas colonias do Sul.


Estabelecidas em outra época histórica, já não mais remontantes á época do antigo Império alemão, mas sim inseridas em problemático processo decorrente da derrota alemã na Primeira Guerra e caindo no período de tomada de poder dos nacionalsocialistas na Alemanha, essas colonias necessitam ser consideradas a partir de outras situações no país de origem e de um passado já relativamente longo de experiências de colonização no Brasil.


Essa diferença quanto à época e contextos manifesta-se no fato das cidades então surgidas não apresentarem de forma tão acentuada fisionomias de conotações culturais identificadoras, não estando assim em geral presentes na consciência geral como regiões marcadas pela colonização alemã.


Pouco tem-se considerado essas relações no estudo das grandes transformações por que passou parte considerável do Estado de São Paulo à época dessa corrida expansionista a seu mais extremo Oeste da primeira metade do século XIX.


Pouco tem-se presente que até então grandes áreas do seu território ainda encontravam-se cobertas de matas, que o Estado de São Paulo surgia assim aos olhos do estrangeiro como um Estado de florestas, que nessa época acentuou-se, portanto, não apenas um desenvolvimento econômico e urbano cuja espetacularidade é sempre lembrada e valorizada, mas sim também um questionável processo de destruição do patrimônio natural em grandes dimensões.


Foto A.A.Bispo
A derrubada de florestas como elemento calculado no empreendimento colonial


Como demonstra a publicação-reclame da Cia de Viação São Paulo-Matto Grosso (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Colonos-alemaes-em-SP-e-MS.html), as madeiras das florestas existentes e que iriam ser derrubadas eram vistas como importante capital a ser considerado pelos colonos. (Siedlung in Brasilien der Cia. de Viação São Paulo-Matto Grosso, São Paulo 1934)


Quanto ao valor das matas, podia-se dar apenas estimativas aproximadas, uma vez que a ocorrência de árvores variava em cada região florestal. A Companhia calculava para as florestas do território a ser povoado 25 a 80 metros cúbicos pro alqueire de madeira apta a ser cortada, delas ca. 10% de cedro, 5% de madeira dura - em particular cabreúva e ipé - e o restante de peroba. Para além do mais, havia muita madeira de lenha e aquelas que podiam ser utilizadas para dormentes.


Para troncos, oferecia-se uma lista de preços baseada no posto Indiana, localidade salientada como um dos centros do Nacionalsocialismo no Estado (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Colonos-alemaes-em-SP-e-MS.html).


Para madeira de corte, no caso de haver interesse de montagem de uma serraria, a Companhia fornecia os valores do posto Indiana para peroba de primeira qualidade. para segunda qualidade, havia uma redução de 20%, para 3a. qualidade de 40%.


Quanto ao comércio de dormentes, este representava uma parte importante para o uso de outras madeira. A Companhia estimava por alquere ca. de 30 a 50 dúzias de dormentes e ca. de 150 metros cúbicos de lenha.


Pagava-se para uma dúzia de dormentes de peroba de primeira qualidade segundo os preços de estações da Sorocabana, havendo diferenças para dormentes de madeira dura e para madeira de segunda categoria. As medidas dos dormentes da Sorocabana eram: comprimento 2000 mm, largura 220 mm e altura 160 mm.


Desses dados, os futuros colonos podiam tomar conhecimento, na Alemanha, que a venda da madeira cobria grande parte dos gastos da construção da colonia, pressuposto, porém, que não houvesse pagamento de salários para os colonos que derrubassem as matas.


A Companhia oferecia aos colonos adquirir as madeiras enviadas ao posto da estação pelo preço do dia, sendo a metade do preço entregue ao colono em dinheiro vivo e a outra metade sendo descontada das últimas parcelas da compra do terreno.


Ela estava disposta a comprar também outros produtos a preço do dia, sob a condição que fossem mercadorias comercializáveis, ou seja, na medida do possível tipos estandartizados. Para isso, ela se dispunha a colocar à aquisição sementes que obtinha a melhor preço do Ministério da Agricultura. Os colonos, porém eram livres para negociar os seus produtos, podendo vendê-los onde quisessem.


Ambivalências na consideração da devastação ambiental em visão desenvolvimentista


Significativo testemunho da devastação do patrimônio florestal do Paraná, de São Paulo e do Mato Grosso ocorrido no século XX e decorrente da expansão colonizadora oferece os registros de diários de Paul Vageler, especialista em solos e questões agrícolas formado em Königsberg, Prússia do Leste, e que foi um dos principais agentes na inspeção de terras previstas à colonização alemã no início da década de 30.


Os registros do diário assim preparados e interpretados referentes aos empreendimentos inspecionados em São Paulo e Sul do Mato Grosso são tratados no capítulo de título "Terra do ouro verde e branco: São Paulo". (Brasilien. Gigant der Zukunft. Streiflichter und Eindrücke aus Vergangenheit und Gegenwart, Gotha 1957, 233)


Publicadas muito posteriormente na Alemanha, já depois da Segunda Guerra, essas anotações de diário são emolduradas e intercaladas com comentários, sendo assim inseridas em contexto geral de texto montado já após a Segunda Guerra, o que exige particular cuidado na sua leitura. O leitor constata na argumentação de Vageler uma ambivalência no tratamento de processos agroeconômicos e de colonização que foram acompanhados por destruições do patrimônio natural. Se por um lado repetidamente aponta as graves consequências da devastação das florestas, em particular também para o solo - objeto de sua especialidade -, lamentando-a, por outro lado descreve essa destruição como um desenvolvimento inexorável, como um processo resultante de determinantes e mecanismos de natureza por assim dizer naturais. Uma certa incoerência que se percebe na publicação parece refletir não apenas uma tensão entre sentimentos e razão, mas sim também entre reconhecimentos póstumos de consequências negativas de ações em que o autor esteve ativamente envolvido a partir de 1933 e intuitos justificadores dessas atividades registradas em diário.


Assim, antes de apresentar as anotações referentes às terras colocadas à disposição da colonização pela Cia de Viação São Paulo-Matto Grosso, oferece a descrição de
um desenvolvimento histórico devastador de florestas que, apesar de ser qualificado como lamentável, é preparado por uma afirmação apresentada como verdade com natureza de lei.


"Tornar livre o solo de áreas de floresta é pré-condição de toda cultura agrícola. Somente após o desaparecimento das florestas é que o arado pode assumir o comando, os grandes empresários e colonos podem entrar com plantações e pecuária intensiva no interior dos países novos tropicais. No Brasil Crentral, isso deu-se em duas ondas. O desenvolvimento mais antigo limitou-se à exploração dos territórios próximos à costa; canaviais e plantações de café, assim como atividades intensivas de fazendas entraram apenas pouco no interior. Só relativamente há pouco tempo, com o extensão da construção de ferrovias, o homem deu início à marcha ao Oeste, sobretudo das grandes empresas, quando constatou-se que os solos das grandes propriedades pertencentes a tradicionais famílias lusobrasileiras não apenas eram equivlentes àquelas das empresas que avançavam, como também até mesmo as superavam em qualidade.


O resultado desse descobrimento foi uma transferência abrupta primeiramente da cultura do "ouro verde", ou seja, do café, das montanhas da Serra do Mar e seu interior à linha de Bauru e mais a Oeste, até que a superprodução de café levou ao contrário a rentabilidade da sua plantação. Em tempo recente resultaram por isso obrigatoriamente dois desenvolvimentos interessantes: a substituição ampla do "ouro verde" pelo "ouro branco", o algodão, e, motivado pela entrada no cinturão de florestas ainda existente a Oeste, ainda que lamentavelmente já muito dilapidado pelas serrarias, a fundação de sociedades colonizadoras. Essas surgiram em parte das empresas plantadoras, em parte foram e são criadas em áreas adquiridas com a finalidade específica de parcelamento" (op.cit. 233)


Esse desenvolvimento devastador assim justificado como que resultante de mecanismos de um processo inevitável e constatável através da realidade de fatos históricos, é inserido por Vageler em contexto ainda mais amplo de um desenvolvimento histórico que alcançava uma nova fase em continuidade a um movimento expansivo iniciado pelas colonias do Sul do Brasil. A colonização dessas grandes áreas marcada sobretudo por uma irradiação de ondas centralizadas no Sul tinha sido precedida e preparada por um processo difusor provindo de São Paulo. O quadro histórico oferecido por Vageler sugere uma imagem subjacente de superposição e interferência de ondas. A "conquista" das florestas ocidentais, apresentada como um processo que não encontrava equivallência em outras regiões do mundo, é reconhecida como resultante da ação dos sucessores dos antigos Bandeirantes à procura de solo fértil na expansão da agricultura cafeeira paulista.


"Selvas intermináveis cobriam ainda em fins do século passado a margem oriental do Rio Paraná e o território percorrido pelos seus afluentes: Rio Grande, Tietê, Paranapanema, Ivaí até o Iguaçu. As possibilidades que escondiam eram se muito apenas conhecidas em seus esboços grosseiros de antigos relatos de Bandeirantes. (...) Pelo menos já se sabia que as florestas do Oeste levantavam-se na sua maior parte na famosa Terra roxa, uma dos tipos de solos mais férteis do mundo. Além do mais, que nela fervilhavam indígenas guerreiros. Quando a "onda verde" do cultivo do café rolou em fins do século XIX por São Paulo, Terra roxa demonstrou-se particularmente adequada para tal.


Que o fato dos netos dos Bandeirantes, quando a terra tornou-se rara a Leste de São Paulo e Paraná não dormiram, não precisa ser explicado levando-se em conta a mentalidade empreendedora dos paulistas. Assim começou então a conquista das florestas ocidentais, logicamente em progressão prática, mas sem comparação no mundo." (op.cit. 169 ss.)


No quadro assim traçado, a principal responsabilidade nas atrocidades cometidas para tornar livres as matas de indígenas e disponibilizá-las para a colonização posterior é atribuída aos paulistas, aos "netos" de Bandeirantes. Estes se distinguiriam dos antigos Bandeirantes pela falta absoluta de intuitos ideais ou de coragem nobre. Para Vageler, esses precursores dos colonos seriam degenerados, responsáveis pelo exterminío de todo um povo.


"Os seu precursores dividiam-se em dois grupos: bugreiros e grilleiros, os verdadeiros conquistadores das florestas, aos quais se seguiam os colonos propriamente ditos.

Os bugreiros eram uma nova edição dos antigos mamelucos das Bandeiras, elementos intranquilos, que se sentiam bem apenas nos limites extremos da civilização e que tinham como objeto de vida a extinção e o roubo dos indígenas. Faltavam a êles todo o impulso motor ideal e qualquer traço de coragem nobre, o que não se pode negar aos antigos Bandeirantes. O que os netos degenerados apenas herdaram foram uma crueldade desumana e uma ambição que se tornava duplamente perigosa com o armamento moderno, contra o qual os nativos não tinham a contrapor. Apesar disso, temiam a luta sincera. A sua especialidade era a de atacar aldeias que dormiam pela manhã. Nessas aldeias não ficava ninguém com vida, uma vez que indígenas presos com vida já não podiam ser objeto de venda como escravos. A extinção quase que total da população nativa - sobrando apenas restos diminutos - foi o resultado da atividade dos bugreiros em poucas décadas, fora de toda e qualquer lei (Relato do Ministério da Agricultura 1991, II, 316)." (op.cit. 171)


Atribuindo assim a culpa dos crimes cometidos para o esvaziamento e disponibilização do espaço aos paulistas, Vageler reconhece, porém, de forma dúbia, que essas ações representaram uma pré-condição para a colonização propriamente dita e a derrubada das florestas para as plantações.


"Mas as florestas estavam pacificadas e prontas para os colonos. (...) Só na década de 1890 a 1900 plantaram-se mais do que um milhão de hectares de solo de floresta com mais de 700 milhões de cafeeiros. E o Brasil tornou-se o maior produtor de café do mercado mundial." (op.cit. 171)


Apesar de reconhecer as atrocidades cometidas pelos precursores, Vageler enaltece a ação dos colonos paulistas, que por sua vez precederam a fase da colonização no Oeste de São Paulo e Sul do Mato Grosso que trata, considerando-a, em tom épico, como um empreendimento fenomenal, superior mesmo àquele da marcha ao Oeste norte-americana.


"Um trabalho imenso dos colonos, em geral então paulistanos, mas apenas uma introdução ao desenvolvimento atual dessa região, de um desenvolvimento que põem à sombra até mesmo os grandes empreendimentos dos pioneiros do Oeste na América do Norte." (op.cit. 171)


Reconhecimento dos resultados da devastação sob a perspectiva da deterioração de solos


Compreende-se, devido à especialização de P. Vageler, que a sua crítica à destruição das florestas ocidentais se baseasse sobretudo na constatável deterioração de solos, fato que já se observava no Paraná.


"À época da nossa viagem, essas florestas ainda não tinham sido tocadas pelo machado. Em 230 quilômetros apenas encontramos um caboclo que tinha roçado talvez 100 metros quadrados. O pobre vivia da produção desse pequeno pedaço de terra e talvez ainda de um pouco de pesca com a sua família de cinco cabeças em um cabana de bambús miserável, empedrecida de sujeira." (op.cit. 102)


A crítica mais manifesta de P. Vageler a respeito das dimensões e da gravidade da devastação florestal do Paraná foi resultado sobretudo do impacto que lhe causou a destruição das florestas de araucárias. Também aqui, porém, a sua crítica é dirigida sobretudo à ação não-alemã, no caso norteamericana.


"As proximidades de Três Barras, onde a Lumber Company americana tem a sua sede já há mais de 30 anos, anuncia-se através das lacunas cada vez maiores e mais frequentes nos pinheirais. À direita e à esquerda da ferrovia e do seu ramal implantado pela sociedade foi retirado tudo o que podia ser cortado de pinheiros. Grandes complexos mostram apenas vegetação de samambaias e que foi a única que pôde-se manter após o desaparecimento das árvores protetoras. A propagação em parte imensa também da vegetação Lageana indica claramente que o solo se encontra em rápida deterioração, nomeadamente nos terrenos planos.


Ainda que justamente o corte permita que se descortine panoramas altamente pictóricos, não há dúvida que as consequências prejudiciais dessa devastação florestal, à qual em grande parte não é contaposta por reflorestamentos, superam em muito os lucros dela tirados pelo comércio particular de madeira. As superfícies carecas pelo corte ficam abandonadas devido ao reduzido número de cologos, o que já em si pré-condiciona uma deterioração do solo. A isso se junta a lavagem cada vez maior dos ingredientes do solo. E, por fim, a consequência impreterível será ou já é uma distribuição desfavorável das chuvas e da sua quantidade." (op.,cit. 176)


Razões teórico-culturais de incoerências argumentativas


Como essas citações demonstram, o reconhecimento e a crítica das consequências da devastação do meio ambiente por parte de P. Vageler não poderiam ser, assim, mais explícitas. Ainda que partindo sobretudo da sua especial atenção à qualidade do solo, P. Vageler aponta os ricos para todo o país e para o patrimônio do povo, pondo em perigo o futuro de gerações vindouras e de muitas regiões.


"O Govêrno brasileiro tem consciência plena dos perigos que resultam da devastação das florestas. A legislação atual já seria suficiente para impedir esse crime à Economia do Brasil. Um Brasil que foi no passado tão rico em florestas torna-se em sequência cada vez mais rápida um país que nem pode mais em muitas regiões conseguir material para dormentes de suas ferrovias. Milhões e milhões do patrimônio do povo é assim perdido e o futuro econômico de Estados é posto em risco, apenas para encher os bolsos de alguns caçadores de lucros de influência, além do mais estrangeiros." (op.cit. 177)


Constatando-se esses posicionamentos manifestos de P. Vageler, o leitor indaga a razão última das incoerências na apresentação e análise de desenvolvimentos que se depreendem de um texto que enaltece processos desenvolvimentistas e colonizadores e, ao mesmo tempo, lamenta as devastações ambientais que os acompanharam.


Um caminho para a compreensão dessa situação de ambivalência oferece o modêlo de pensamento teórico-cultural que o próprio Vageler oferece. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Paul-Vageler.html)


As suas concepções de desenvolvimento de graus de civilização ou cultura - considerados por êle indiferenciadamente - obedeciam a uma imagem de difusão a partir de um centro irradiador em similaridade aos círculos concêntricos criados na água por uma pedra que nela se lançasse.


Nessa imagem emprestada das ciências naturais - da teoria das vibrações e acústica - baseia-se também a compreensão de processos ocorridos no Paraná e em São Paulo como intercessões e interferências de círculos irradiadores de diferentes centros.


Nessa visualização de processos culturais/civilizatórios segundo o modêlo de ondas que se propagam a partir de um impulso inicial manifesta-se um pensamento fundamentalmente colonial.


Como Vageler explicitamente indica, supõe um espaço vazio ou "esvaziado", o que teria acontecido com o extermínio de populações indígenas nas florestas que foram disponibilizadas à colonização, reconhecido como ato criminoso, mas aceito como pré-condição ao desenvolvimento.


Além do mais, a manutenção ou a elevação do grau cultural/civilizatório nas zonas afastadas do centro exigiria constantes fluxos a essas zonas periféricas, ou seja, a expansão do processo povoador e colonizador.


Esse modêlo relaciona assim o espaço vazio ou esvaziado de população nativa com a retirada de florestas para a implantação da agricultura e da pecuária e com o grau de cultura/civilização, de modo que as constatações de crítica e pesar de P. Vageler relativas à devastação do patrimônio florestal do Brasil surgem como pouco coerentes.


O problema dessa incoerência argumentativa pode ser visto no próprio modêlo visual da sua compreensão de grau de cultura/civilização. A solução parece residir na distinção entre o nível cultural e civilizatório e um processo expansivo de ocupação e exploração de terras. Já numa aproximação superficial surge como evidente que também em zonas afastadas de um centro irradiador existem homens que se dedicam à reflexão, ao aumento de conhecimentos em geral, à ciência e se preocupam pela responsabilidade para com o meio ambiente e compaixão para com outros seres viventes.


Também parece ser imediatamente compreensível que centros irradiadores de impulsos culturais não necessitam ser obrigatoriamente aqueles centros irradiadores de empreendimentos econômicos, comerciais e industriais.


Por muitas outras razões poder-se-ia colocar em questão o modêlo empregado por Vageler como insuficientemente diferenciado e inadequado para análises mais profundas de processos culturais. Esse modêlo teórico-cultural mostra-se por fim totalmente ultrapassado sob as condições atuais criadas pelos meios de comunicação eletrônica, que permitem, mesmo nas "frentes" de expansão o contato e a interação em rêdes virtuais de informações e intercâmbios de conhecimentos.


Há o risco, porém, que o modêlo de pensamento e interpretação expresso no texto de Vageler continue a manter-se em vigência, ainda que subjacente em posicionamentos prioritariamente desenvolvimentistas que, como o de Vageler, foram marcados por formação técnica, sobretudo agroeconômica. Permaneceria, assim, a incoerência derivada de uma idéia da inevitabilidade de desenvolvimentos e da constatação da gravidade da destruição do patrimônio natural e de suas expressões em sentimentos contraditórios de empolgamento épico e lamentação pelo destruído.


A análise crítica a um modêlo que coloca o grau de cultura/civilização como epifenômeno de um processo colonizador sugere a possibilidade de uma inversão dessa imagem, ou seja, que o desenvolvimento material passe a ser antes um resultado de impulsos culturais em alto grau de reflexividade e nível de informações, o que já ocorre hoje com o desenvolvimento da comunicação eletrônica e de rêdes virtuais.


Ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A."Estrategia colonizadora da Companhia de Viação São Paulo-Matto Grosso no seu impacto ambiental: a destruição das florestas de São Paulo e do sul do Mato Grosso." Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 143/14 (2013:3). http://revista.brasil-europa.eu/143/Destruicao-de-Florestas-de-SP-e-MS