Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Königsberg

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Fotos em cor: Wannemunde/Rostock 2013. A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.














 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 143/12 (2013:3)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia e Conselho Científico
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3002




Cidades portuárias do Báltico como "portões ao mundo" e expansão colonizadora no Brasil
A inspeção de terras de São Paulo e Sul do Mato Grosso
à luz da tradição de estudos de solos e agroeconômicos da Prússia

Colonização alemã na região da Alta Sorocabana nos anos 30 nas suas inserções político-culturais
50 anos de falecimento de Paul Wilhelm Eduard Vageler (1882-1963)

Ciclos de estudos "O Báltico e as relações Alemanha-Brasil". Após 5 anos de viagens de estudos ao Espírito Santo, Mecklenburg-Pomerânia Ocidental e países bálticos. Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. pelos 30 anos do primeiro simpósio de atualização dos estudos da imigração e colonização alemãs nas Américas

 
Wannemunde/Rostock. Foto A.A.Bispo

Wannemunde/Rostock. Foto A.A.Bispo
No ciclo de estudos "O Báltico e as relações Alemanha-Brasil", levado a efeito em maio do corrente ano em diferentes cidades portuárias do Norte da Alemanha e em outros países da esfera do Mar do Leste, procurou-se trazer à luz, entre outros aspectos, nomes de naturais da antiga Prússia do Leste de significado para o Brasil, inserindo-se a sua vida e as suas atividades em contextos político-culturais adequados. (http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html)


Tratando-se também de regiões e cidades hoje já não pertencentes à Alemanha e sem presença alemã em dimensões comparáveis às do passado, são pouco conhecidas na sua história, tradições e na função que desempenharam em processos internos do antigo Império Alemão.


O estudo desses contextos regionais alemães, porém, ainda que hoje submersos e de difícil resgate, surge como necessários para a compreensão de ações de alemães que atuaram no Brasil provenientes do Leste ou marcados por correntes de pensamento que exigem a consideração de situações prussianas para a sua compreensão.


O estudo dessa complexa história regional alemã passa assim a relacionar-se com o da história regional e com os estudos culturais locais no Brasil.


Um dos nomes que exemplificam esses elos e o seu significado para a análise adequada de desenvolvimentos ocorridos no Brasil é o de Paul Wilhelm Eduard Vageler. A consideração de sua formação na Prússia do Leste permite o reconhecimento de elos entre essa região do antigo Império alemão e desenvolvimentos que ocorreram no Brasil e suas consequências.


Esses elos dizem respeito sobretudo a concepções relativas ao solo e à Agroeconomia e Agropolítica, com as suas múltiplas implicações para desenvolvimentos de abertura de terras à agricultura e à colonização.


Havendo a possibilidade que concepções do passado continuem a vigorar no presente, ainda que de forma subjacente, fundamentando teoricamente processos expansivos, de exploração e configuração de vastas regiões do Brasil, em particular na Amazonia, torna-se necessário dar atenção a contextos históricos nos quais se inseriram, trazendo à consciência a historicidade de modos de vista e procedimentos que surgiram e que, sem a necessária reflexão, passam a ser considerados como expressão de leis inquestionáveis de cunho científico-natural.


P. W. E. Vageler e a tradição de estudos universitários de Königsberg - a Albertina


Originário de Maeken, localidade próxima a Königsberg (hoje Kaliningrad, exclave russo), Paul Vageler obteve a sua formação na Universidade Albertus de Königsberg, o principal centro de formação universitária dos alemães do Báltico.


Fundada em 1544, essa universidade tinha a sua história e imagem marcada pela Reformação e o Iluminismo. Foi, depois de Marburg, a segunda universidade protestante da Alemanha e nela atuou, como um de seus principais vultos, Immanuel Kant (1724-1804).


O rei Friedrich I da Prússia (1657-1713), ali nascido e ali coroando-se (1688), marcou o estabelecimento e o início do apogeu da Prússia como Estado unificado entre as nações européias. Esse fato - e a prática da atuação de aristocratas locais no Exército prussiano - podem explicar certas características culturais ou de mentalidade, assim como também e sobretudo a situação em região de fronteiras, marcada por contatos, tensões e por impulsos de auto-afirmação.


Se hoje Königsberg encontra-se pouco presente no mundo latino, não o era no passado.


A clássica Geografia de Élisée Reclus, entre outras, fornecia pormenorizados dados sôbre a cidade e sua região, salientando o significado da sua universidade, uma das mais ricas instituições superiores da Alemanha, privilegiada pelo Estado por razões políticas, criando assim um centro de estudos de excelência em região de fronteira.


A universidade assim favorecida encontrava-se em cidade que era o centro do comércio de âmbar, vista como um dos grandes portões para o mundo do Báltico, marcada por preocupações econômicas e comerciais, pelo intercâmbio de mercadorias, sobretudo de produtos agrícolas e de madeira, ao mesmo tempo, porém, em cidade com grandes problemas sociais, de grande pobreza, uma miséria que favorecia a emigração.


"Königsberg (Krolewiec des Polonais, Karalauczius des Lithuaniens), formée de trois petites villes distinctes qui se sont fondues en une seule, possède dans son château royal quelques restes de l'ancienne forteresse; elle n'a guère d'autres édifices remarquables, si ce n'est l'université, où professèrent après Kant, le plus illustre des enfants de Königsberg, beaucoup d'autres maitres célèbres; c'es l'une des plus riches écoles supérieures de l'Allemagne, une de celles que le budget prussien favorise le plus, quoiqu'elle soit loin d'être parmi les plus fréquentées. De nombreuses sociétés savantes se sont fondées à Königsberg; toutefois la compagnie la plus nombreuse est la corporation du négoce, à laquelle on doit la construction de la bourse et d'une école de commerce. L'activité des échanges est trés-grande à Königsberg, presque double de celle de Danzig. (...) Marché de contrées agricoles et forestières, Königsberg exporte surtout des chauvres, du lin, des étoupes, du bois; c'est aussi là que s'est localisé le commerce de l'ambre. De nombreuses usines s'élèvent dans la ville même et dans les faubourges extérieurs, autor des fortifications puissantes qui font de Königsberg une place militaire de premier ordre. LA capitale de la Prusse orientale est malheureusement une des villes de l'Allemagne où la pauvreté fait le plus de victimes: un quart de la population totale compte 6 habitants par chambre. C'est la promiscuité de la misère." (E. Reclus, Nouvelle Géographie Universelle: La Terre et Les Hommes III, L'Europe Centrale, Paris: Hachette 1878, 881-882)


Estudos de Solos, Economia e Política Agrária na situação da Prússia do Leste


Paul Vageler realizou, a partir de 1900, estudos de Geologia, Química Agrícola e Ciências do Solo na Universidade de Königsberg. Em 1904, alcançou o doutorado com um trabalho sobre a influência dos períodos de vegetação e do estercamento do solo na constituição química de batatas.


Sendo a Prússia do Leste região de fronteira predominantemente agrícola, oferecia condições particularmente favoráveis para o tratamento de questões relacionadas com o solo e a agricultura no seu significado político-econômico.


A história dos estudos agrícolas locais relaciona-se com a personalidade e a obra de Theodor von der Goltz (1836-1905), um dos grandes vultos da história dos estudos agrícolas na Alemanha.


Embora originário de Koblenz, no Reno, von der Goltz desenvolveu as suas atividades de pós-doutoramento e de ensino no Leste, primeiramente na Academia de Economia Rural de Waldau (1862), a partir de 1869 como Professor de Ciência Agrícola da Universidade de Königsberg e diretor do Instituto de Economia Rural criado em 1876. Chegou a desempenhar o cargo de Pro-Reitor da Universidade, em 1885.


À época dos estudos de Vageler, von der Goltz encontrava-se já em Bonn, para o qual transferiu-se em 1895, após ter exercido vários anos atividades de docência e pesquisa na Universidade de Jena. Em Bonn, paralelamente a seu cargo de Professor de Economia Rural e Política Agrária na Universidade, dirigiu a Academia de Economia Rural de Bonn-Poppelsdorf.


A posição afastada e limítrofe de Königsberg, marcada pela proximidade e pelo confronto com outros povos e grupos culturais, assim como o seu passado relacionado com a expansão alemã, a pobreza predominante associada ao apoio estatal da universidade podem explicar em parte a intensidade que ali encontrou o movimento de afirmação da Alemanidade (Deutschtum). Essa tendência político-cultural manteve-se e mesmo acentuou-se após a Primeira Guerra Mundial, e nos anos 30 e 40 a universidade tornou-se um centro do Nacionalsocialismo.


Königsberg como grande cidade de fronteira, o Deutschtum e os Estudos Coloniais


Essa força de concepções político-culturais relacionadas com o Deutschtum em Königsberg oferece subsídios para elucidar o desenvolvimento da vida profissional de Vageler. Com os seus conhecimentos de solo e agro-econômicos, e tendo atuado em diferentes institutos, tornou-se conhecido como especialista através de obra de cunho básico largamente divulgada (Bodenkunde, Berlim 1909, 2a. ed. Berlim 1921).


Questões referentes às qualidades de terras e de técnicas agrícolas eram de atualidade sobretudo sob o ponto de vista dos empreendimentos coloniais alemães, primordialmente na África. Compreende-se, assim que a carreira de Vageler se desenvolveu sob o signo da políca colonial. Funcionário do Serviço Colonial do Império a partir de 1909 - cargo que ocupou até o início da Guerra - já em 1911 publicou livro sobre questões de adubamento da terra e da agricultura nas colonias (Über die Düngungsfrage in den Deutschen Kolonien, Berlim 1911).


Desses conhecimentos mais especificamente relacionados com a África, Vageler ampliou as suas pesquisas e atividades para a análise de terras em países tropicais em geral.


Estudos de solos tropicais e subtropicais e da prática econômico-florestal


Em época marcada pela perda das colonias após a Primeira Guerra - e pelo debates pela sua recuperação -  Vageler realizou várias viagens de pesquisas, elaborando com os seus conhecimentos um compêndio sôbre terras tropicais e subtropicais destinado a agricultores e estudantes, obra publicada em 1930 (Grundriß der tropischen und subtropischen Bodenkunde für Pflanzer und Studierende. Berlim 1930, 2. verm. Aufl. ebd. 1938).


Em 1932, publicou uma obra sôbre constituição de terrenos minerais (Der Kationen- und Wasserhaushalt des Mineralbodens vom Standpunkt der physikalischen Chemie und seine Bedeutung für die land- und forstwirtschaftliche Praxis, Berlim 1932).


Comissão "Vageler" para a inspeção de terras destinadas à colonização no Brasil


Foi nesse ano que Vageler viajou ao Brasil a serviço oficial. A sua missão era a de realizar estudos de terras em diferentes regiões climáticas no sentido de comprovar se eram adequadas para eventuais assentamentos.


Em 1933, a comissão que se tornou conhecida pelo seu nome - a "Comissão Vageler" - foi constituída para analisar possibilidades de colonização alemã no Brasil. Tratavam-se de terras da Companhia de Viação São Paulo-Matto Grosso que passavam então a ser destinadas à colonização. 


Essa companhia, fundada como uma sociedade de acionários em 1908, era uma empresa com decisiva participação alemã. Ela caracterizava-se por um diversificado espectro de atividades econômicas, mantendo, com concessão governamental, uma linha de navegação fluvial no rio Paraná e nos seus afluentes, numa extensão de 1380 km. Possuia uma grande fazenda de café e desenvolvia pecuária com ca. de 2000 vacas leiteiras, de engorda e comércio de gado.


A sociedade possuia, já livre de encargos, ca. de 400.000 hectares de terras nos Estados de São Paulo e do Mato Grosso, dos quais ca. de 100.000 hectares eram vistos como apropriados ao assentamento de colonos.



Os inspetores, assim como outros que visitaram as terras, confirmaram unânimamente que elas possuiam terreno de qualidade e apresentam as melhores condições para uma colonização alemã no Brasil.


O grupo de inspeção era constituído por Vageler e seus acompanhantes (Passow e Thurner), assim como pelo ex-consul geral alemão no Rio de Janeiro, Ministro Hubert Knipping, pelo cônsul-geral alemão e autor especializado em questões brasileiras Dr. Felix Speiser, pelo Coronel Gaelzer-Netto (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1923.html) e pelo Propst Erwin Huebbe. Este, proveniente da região colonial do Rio Grande do Sul, tomou parte da comissão antes com o interesse de estabelecer uma colonia alemã fechada na nova região. (A respeito: Paul Vageler 80 Jahre alt. In: Mitteilungen der Deutschen Landwirtschafts-Gesellschaft, Jg. 77, 1962, pág. 1459; "Prof. Dr. Paul Vageler zum Gedenken", Deutsche Nachrichten (Sao Paulo), 14. Dezember 1963, pág. 3.)


A constituição do grupo, em particular devido à participação de Felix Speiser e Gaelzer-Netto indica os elos do empreendimento com um personalidades que já de há muito vinham desenvolvendo atividades no sentido de fomentar a emigração alemã ao Brasil a partir da situação econômica crítica na Alemanha após a derrota na Primeira Guerra e o novo papel que passava então a ser desempenhado pelos teuto-brasileiros. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Teuto-brasileiros-e-economia.html; http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-politica-emigratoria.html)


Em livro publicado após muitas décadas desse empreendimento, Vageler transmite anotações de diário que registram momentos das atividades então realizadas. (Brasilien. Gigant der Zukunft. Streiflichter und Eindrücke aus Vergangenheit und Gegenwart, Gotha 1957)


"Tivemos um dia muito interessante. Visitamos as instalações de uma sociedade importante (Cia de Viação São Paulo-Matto Grosso), que mantém uma série de plantações e fazendas e que incluiu no seu programa de trabalho recentemente também a povoação sistemática.

Na plantação, cultiva-se apenas café, pelo menos no momento. Na fazenda, as reses são engordadas. Compradores do Mato Grosso as adquirem. Nesse Estado localizam-se ainda diferentes fazendas da sociedade, que paralelamente também possui vapores no Paraná e nos seus afluentes. A fazenda visitada por nós dispõe de amplos campos, ou seja, pastos naturais, ali  desenvolvendo pecuária em grandes dimensões." (op.cit..234 ss.)


Nessas suas anotações, Vageler transmite a principal razão pela qual a Companhia de Viação São Paulo-Matto Grosso passava a abrir as suas terras à colonização. Ela residia na crise do café de 1929 e, sobretudo, na técnica deficiente do tratamento da terra e das plantações. Como especialista no assunto, Vageler demonstrava a degradação sistemática das terras devido às práticas impróprias.


"A plantação de café foi sempre o núcleo de toda a atividade da sociedade. Com a crise do café, essa plantação foi por algum tempo um tanto abandonada. O único sistema até agora empregado de cultivo dos pés de café consiste em tirar-se todo o humus dos espaços de terrenos entre as filas de pés. Isso é por assim dizer uma degradação organizada tendo-se em vista o chão bastante bom mas leve da plantação, que tudo pode tolerar, menos esse procedimento. Pelo menos um novo administrador conseguiu suster a ruína total através de um tratamento de solo mais adequado e o seu cultivo, de modo que os complexos já fortemente deteriorados davam de novo uma boa impressão durante a nossa visita. De resto, os pés mais antigos ou enfraquecidos tinham sido substituídos por algodão, como em todo o país." (ibidem)


Atividades de Vageler na Alemanha durante a Segunda Guerra


A história de vida de Vageler em fins dos anos trinta e primeira metade dos 40 chama a atenção pelo fato de ter retornado e exercido cargos de influência na Alemanha em período da Segunda Guerra, o que apenas pode ser compreendido supondo-se uma estreita proximidade a concepções político-culturais do regime.


Assim em 1939, foi nomeado Professor e Diretor do do Instituto Colonial de Pesquisa de Solo e Técnica de Cultivo na Universidade de Hamburgo.


Em plena época de Guerra publica, sob o título "Mosaico africano", um livro com as suas experiências e viagens na África (Afrikanisches Mosaik: Fünfundzwanzig Jahre Wanderungen durch die afrikanische Wirklichkeit, Ed. Paul Parey, s/d), assim como obra sôbre a análise de terra tropical e o seu emprêgo na prática (Die Untersuchung tropischer Böden und ihre Auswertung für die Praxis. Berlin 1942).


O que chama porém mais a atenção é o fato de ter dirigido, com Franz Heske (1892-1963), a partir de 1943, o Departamento de Economia Florestal e Pesquisa de Solos do Instituto Alemão de Paris, então sob ocupação alemã.


Heske, um dos assinantes do manifesto de apoio de professores alemães a Hitler em 1933, defendia concepções relativas a uma Economia Florestal Colonial e desenvolveu a área disciplinar da Economia Florestal Mundial (Weltforstwirtschaft), dirigindo uma revista de mesmo nome a partir de 1932. Que as suas atividades inseriam-se em concepçoes mais amplas, isso demonstra a sua orientação filosófica, conhecida sob o nome de Orgânica e cuja apreciação justa  exigiria análises mais aprofundadas.


Após a Segunda Guerra, Vageler transferiu-se novamente para o Brasil, tornando-se conselheiro-chefe da Sociedade Rural Brasileira, com sede em São Paulo.


A insuficiente análise teórica e de contextos de concepções de Vageler


A carreira de Vageler na Alemanha à época da Segunda Guerra e o papel relevante que desempenhou no Brasil, influenciando desenvolvimentos de amplas consequências e fundamentando concepções que possivelmente permanecem vigentes impoem a necessidade de estudos mais diferenciados e contextualizados do seu pensamento.


A própria obra dos anos 50, que considera postumamente anotações de diário de 1933, exige uma leitura mais atenta, uma vez que apresenta, de forma complexa, interações de fatos históricos, conclusões nascidas de experiências próprias, convicções apresentadas como resultados de conhecimentos científicos e reflexões quanto a desenvolvimentos e imagens que sugerem Weltanschauungen.


Em capítulo de título "A margem da cultura", Vageler oferece um esboço de teoria cultural que pode permitir uma aproximação a seu modo de pensar.


Na sua argumentação, Vageler parte de uma imagem: como as ondas concêntricas criadas por uma pedra atirada à agua, que se se tornam cada vez mais fracas à medida em que se distanciam do centro. Nesse modêlo de pensamento, essa propagação de ondas a partir de um centro é comparada com a diminuição do grau de cultura, ou de civilização, assim como com a da intensidade de trabalho. Essa comparação do fenômeno científico-natural com aquele da diminuição do grau cultural com a distância do centro da chegada de colonizadores valia para países jovens com muito espaço e sem considerável população nativa. Nesse desenvolvimento tanto faria se a região fosse vazia originalmente ou esvaziada artificialmente.


Nas margens mais afastadas dos aneís vibratórios da civilização dominariam segundo Vageler não apenas condições primitivas de vida, como também ainda o tipo do assim-chamado "primeiro pioneiro". Este tipo prosperava enquanto durasse o fluxo humano do centro irradiador da cultura, decairia porém em estado letárgico se essa corrente fosse interrompida. Esse desenvolvimento ondulatório não teria simetria. A sua intensidade não seria apenas inversamente proporcional com relação à distância do centro, mas cresceria e diminuiria regionalmente com a ausência ou presença de obstáculos ou impulsos à ação econômica e às dificuldades do tráfego.


A altura cultural ou civilizatória seria resultado de todos esses fatores conjuntamente. Isso condicionaria uma assimetria espacial na ordenação das culturas, sem que isso, porém, diminuisse a vigência geral do enfraquecimento da intensidade em correspondência à distância do centro.


No Brasil Central e do Sul essa "margem da cultura", com poucas excessões, correspondia a um tipo especial de pântanos possivelmente repletos de petróleo e aos rios de ouro e diamentes do Oeste. Essa seria a terra das grandes oportunidades e dos sonhos de lucro rápido. O segundo tipo seria a região das grandes terras de campos do Leste e do Sul do Mato Grosso e as terras das grandes florestas no Oeste de São Paulo e do Paraná, ambas áreas do pioneirismo agrícola. (op. cit. 53)


Essa imagem do desenvolvimento de graus de cultura ou civilização - consideradas indiferenciadamente -, ainda que plausível numa primeira aproximação, apresenta-se não apenas como superada - sobretudo na época atual da comunicação - como também altamente problemática sob diferentes aspectos. Ela fundamenta-se numa posição fundamentalmente colonizatória e parte de "espaços vazios" ou vácuos, que até mesmo poderiam ser criados artificialmente, relacionando assim um pensamento difusor na imagem de círculos concêntricos com aquela de espaços vitais.


São Paulo e o Sul do Mato Grosso substituindo a África nos intuitos coloniais alemães


Vageler, ainda que tendo sido no passado sobretudo conhecido como especialista em questões africanas, coloca nas palavras de um velho conhecedor da África a convicção de que um dos principais espaços desse desenvolvimento encontrar-se-ia no Leste do Mato Grosso:


"Não sei se todos nós não supravalorizamos a África. Estou convencido que o futuro econômico pertence à América do Sul e muito em especial ao Brasil. Este último ultrapassará certamente um dia os Estados Unidos da América. Olhe um momento o mapa: a chave do centro da América do Sul encontra-se no Paraná ocidental e Mato Grosso, onde o Paraná e o Paraguai criam um segundo litoral marítimo! E tudo é quase que terra vazia, com bom clima e provavelmente incomensuráveis tesouros minerais. Talvez pense um dia nisso". (op.cit. pág. 76)


Nessas palavras, segundo o seu próprio depoimento, Vageler teria pensado ao ver as Sete Quedas, cujo aproveitamento seria capaz de suprir necessidades energéticas de toda a América do Sul. (Veja neste contexto http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Gulfoss.html)


Mudanças de concepções coloniais: da aclimatação ao "poder da Vontade"


A complexidade da leitura argumentação de Vageler, decorrente sobretudo da combinação de textos provenientes de diferentes épocas, demonstra-se nas suas diferenças relativamente a antigas concepções dos Estudos Coloniais na Europa.


Lembrando do problema sempre discutido a respeito do fator climático ou do fator das condições práticas para o sucesso de um empreendimento colonial (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Aclimatacao-do-europeu-nos-tropicos.html), levanta a questão se haveria realmente a necessidade de oferecer aos europeus terrenos de povoamento que se assemelhassem àqueles da terra natal ou mesmo condições climáticas incondicionalmente saudáveis.


Em casos de extraordinária energia e força vital de colonos devia-se dar segundo êle oportunidade a famílias em procurar outros caminhos à prosperidade, minimizando apenas os riscos à saúde. Dependendo da disposição e da tendência de colonos - e sobretudo dos desejos das mulheres - devia-se deixar decisões a cargo dos candidatos, apendas oferecendo-lhes uma exata descrição da situação que encontraria.


Não haveria assim garantias, apenas devendo-se partir do fundamento de que a colonização deveria ser feita em grupo e o assentamento mixto com brasileiros. Apenas assim poder-se-ia acatar a política governamental que preconizava cruzamento e nacionalização como medidas para o impedimento de grupos minoritários, fato compreensível para países soberanos de futuro. (op.cit. 187)


Ainda que terminando essa frase com inigmáticas reticências, essa afirmação de Vageler contrasta com convicções dos Estudos Coloniais na Europa, que partiam da permanência de modos de vida e da não-miscigenação numa aclimatação bem sucedida.


A mudança que se constata nas concepções coloniais indica um relativamento de critérios restritivos quanto a terras aptas à colonização e povoamento europeu na tradição dos Etudos Coloniais e Tropicais mais antigos. O novo posicionamento que se depreende dos textos de Vageler corresponde a um processo de expansão menos preparado e controlado, Justificado segundo conceitos relacionados com energia, decisão e força de vontade, ímpetos de empreendedorismo e outros fatores, exigem análises mais diferenciadas sobretudo sob o aspecto de sua fundamentação ainda que inconsciente em Weltanschauungen de implicações políticas.


Ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Cidades portuárias do Báltico como "portões ao mundo" e expansão colonizadora no Brasil.
A inspeção de terras de São Paulo e Sul do Mato Grosso à luz da tradição de estudos de solos e agroeconômicos da Prússia". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 143/12 (2013:3). http://revista.brasil-europa.eu/143/Paul-Vageler.html