Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Pavilhão Eremitage, S. Petersburg. Foto A.A.Bispo

Pavilhão Eremitage, S. Petersburg. Foto A.A.Bispo

Pavilhão Eremitage, S. Petersburg. Foto A.A.Bispo

Pavilhão Eremitage, S. Petersburg. Foto A.A.Bispo

Pavilhão Eremitage, S. Petersburg. Foto A.A.Bispo

Motivos inidgenas no Pavilhão Eremitage, Páalcio Catarina, Puschkin, S. Petersburgo 2013, . Fotos A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.









 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 143/3 (2013:3)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia e Conselho Científico
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N° 2993




Sim, sou Príncipe de Saxe-Coburg, mas em primeiro lugar brasileiro...

Crítica de oficial prussiano à família imperial brasileira pela sua distância ao Deutschtum


O Brasil no diário de Emanuel Karl Heinrich Schmysingk von Korff (1826-1903),
genro do compositor Giacomo Meyerbeer/Jakob Liebmann Meyer Beer (1791-1864) II


Ciclos de estudos "O Báltico e as relações Alemanha-Brasil", sessão de S.Petersburgo. Após 5 anos de viagens de estudos ao Espírito Santo, Mecklenburg-Pomerânia Ocidental e países bálticos. Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. pelos 30 anos do primeiro simpósio de atualização dos estudos da imigração e colonização alemãs nas Américas

 
Pavilhão Eremitage, S. Petersburg. Foto A.A.Bispo

No âmbito dos ciclos de estudos dedicados ao tema "O Báltico e as relações Alemanha-Brasil", realizado em diferentes cidades da esfera do Mar do Leste que surgem como "portões ao mundo", considerou-se, em S. Petersburgo, um nome de família alemã que surge em posição destacada na história cultural da Rússia e que é conhecido da literatura de viagens referente ao Brasil: von Korff. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html)


O maior representante dessa família na Rússia foi Modest Andrejewitsch von Korff (1800-1876), nascido em S. Petersburgo e que desempenhou influentes cargos públicos e confidente de Czares. Sob a perspectiva dos estudos culturais, assume particular significado o fato de ter sido presidente da Biblioteca Pública Imperial da Rússia, tendo sido o seu nome perenizado na denominação da sala dedicada à literatura estrangeira referente à Rússia. (http://revista.brasil-europa.eu/143/Emanuel-Korff.html)


Emanuel von Korff
Nos estudos brasileiros, a atenção é dirigida a Emanuel Karl Heinrich von Korff, oficial prussiano e autor de uma série de livros em forma de diários de viagens pelo mundo realizadas em fins do século XIX e que incluem também um capítulo dedicado ao Brasil. (Emanuel Korff, Weltreise-Tagebuch 1895/96, 8.Bd. Süd-Amerika, Magdeburg: Faber'sche Buchdruckerei s/d, 67 ss.).


Ainda que estudos mais aprofundados relativos a possíveis elos entre as duas personalidades não tenham sido realizados, essas duas personalidades, ambas próximas ao poder imperial da Rússia no primeiro caso, e da Alemanha e do Brasil no segundo, favoreceram reflexões relativas à questão do papel da consciência ou identidade alemã nos diferentes contextos.


Momentos de reflexões relativas à identidade alemã em diferentes contextos


O texto de Emanuel von Korff referente ao Brasil surge como mais um exemplo da distância crítica de observadores e de alemães residentes no Brasil e seus descendentes relativamente aos "luso-brasileiros". Essa visão negativa relativamente ao habitante do país hospedeiro e à sua cultura corresponde ao surgimento de um mundo à parte nas colonias com a consequente permanência de traços culturais alemães. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Alemaes-e-critica-da-sociedade.html )


Essa auto-diferenciação não pode ser apenas explicada pelo isolamento das colonias em regiões de florestas então abertas, distantes dos grandes centros, onde, compreensivelmente, a língua e modos de vida da terra natal mantiveram-se por mais longo tempo.


Deve-se considerar, também e sobretudo, a ação de correntes de pensamento que fomentaram reintensificações, reconscientizações e revitalizações de elos com o universo de origem dos imigrantes, tendências que poderiam ser hoje interpretados também como revertedoras de processos de assimilação e integração.


Não seria suficiente, porém, ver nessas correntes somente expressões de saudades, nostalgia dos imigrados ou evocações de origens culturais de antepassados pelas gerações já nascidas no Brasil com as suas correspondentes expressões tradicionalistas na dinâmica das diferentes fases de um processo integrativo.


Deve-se considerar, na análise desse desenvolvimento, as ações e implicações decorrentes de correntes político-culturais que procuraram divulgar, implantar ou acentuar um sentimento de pertencimento a um todo para além de fronteiras definidas segundo limites nacionais e mesmo continentais: o "Deutschtum" ou Alemanidade/Germanidade. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Joinville-e-alemanidade.html)


A noção - e em certos momentos doutrina - do Deutschtum necessitam ser consideradas muito mais diferenciadamente na sua historicidade e nas suas inserções em contextos políticos do que seria o caso se o termo fosse entendido inocuamente apenas como indicativo de apêgo a expressões tradicionais, de características próprias de comunidades delas derivadas ou de identidade cultural determinada por uma consciência histórica de origens.


Em termos atuais, a problemática do Deutschtum revela-se sobretudo sob a perspectiva da crítica à essencialização, à concepção do "ser alemão" que é própria de noções substantivadoras do gênero.


Se similares questões também podem ser levantadas em expressões correspondentes em outros contextos, entre elas as de Lusitanidade - o "ser português" no sentido do "Portugal inteiro" do discurso colonial do passado autoritário -, de Africanidade e a de Brasilidade, a do Deutschtum evidencia, pelas suas consequências, a potencialidade dos riscos inerentes a concepções essencializadoras de uma unidade nacional que extrapola limites geográficos e que tende a relativar o significado da transformabilidade histórica de processos culturais e mesmo identificatórios.


Problemas resultantes de compreensões essencializadoras de nacionalidade e identidade


Para os países que recebem imigrantes, e que esperam, apesar de todas as diferenças, a sua integração na sociedade e na cultura receptora - e não a criação de mundos paralelos através da identificação de grupos populacionais com universos virtuais de nacionalidade -, o revigorar de sentimentos, expressões e concepções com um Estado supra-nacional assim compreendido pode levar a complexas situações na vida cultural, educativa e político-cultural, de múltiplas implicações, entre outras referentes a elos de lealdade em ocasiões de conflitos.


Nesse contexto, surge como significativo nos estudos culturais referentes a relações Alemanha-Brasil considerar as reações na sociedade brasileira, em particular nas esferas de influência política perante a intensificação do Deutschtum nas colonias de alemães e seus descendentes no Brasil a partir das últimas décadas do século XIX.


Tem-se considerado a atitude de autoridades governamentais brasileiras perante esse desenvolvimento apenas sob a perspectiva das medidas restritivas quanto ao uso do idioma e às atividades de sociedades alemãs à época da Guerra.


Tanto o movimento de recrudescimento do Deutschtum como o desenvolvimento paralelo da reação por parte da sociedade brasileira necessitam, porém, ser analisados de forma mais diferenciada.


Considerações mais aprofundadas podem trazer à luz contextos e desenvolvimentos inesperados e que exigem correções de visões e avaliações históricas.


Necessária diferenciação no estudo de posições brasileiras relativas à cultura alemã


Uma conclusão precipitada e injustificada seria aquela que, partindo dos elos estreitos de Pedro II e de outros membros da família imperial brasileira com o mundo de língua alemã, estabelecesse uma posição de simpatia do Govêrno Imperial relativamente ao Deutschtum, sugerindo uma atitude contrastante por parte da República que se estabeleceu.


De fato, filho de D. Leopoldina (1797-1826), Arquiduquesa da Áustria, Pedro II° apresentava não só nos seus traços físicos a proximidade com os Habsburgs e com a cultura austríaco-alemã. Com o casamento de sua filha Leopoldina (1847-1871), os laços familiares com o mundo alemão estreitaram-se. Não só relações familiares, mas também conhecimentos e contatos realizados em viagens e estadias em cidades alemãs testemunham esses estreitos vínculos.


O número de personalidades da vida política, intelectual e artística alemã que estiveram em contato com o Imperador brasileiro é considerável. A colonização alemã no Brasil desenvolveu-se à época do Segundo Império, importantes fundações coloniais indicam nas suas denominações elos históricos e culturais com a família imperial, seja a Colonia D. Francisca ou Joinville em Santa Catarina (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Joinville-e-alemanidade.html , seja Santa Isabel ou Leopoldina no Espírito Santo (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Santa-Leopoldina-ES.html). Pedro II° apoiou os empreendimentos wagnerianos e esteve na Casa de Festivais de Bayreuth.


Apesar desses íntimos elos com o mundo de língua alemã e o promoção da colonização alemã no Brasil, seria incorreto estabelecer uma relação entre a posição do Govêrno Imperial e o fomento do Deutschtum e que era marcado por atitudes de distância crítica relativamente aos "luso-brasileiros".


Encontros de Emanuel von Korff com a família imperial brasileira

Segundo as suas palavras, Emanuel von Korff teve a possibilidade de conviver em duas ocasiões com a família imperial brasileira. Essa indicação em texto escrito em anos já sob o sistema republicano, sugere que o oficial prussiano esteve no Brasil antes da proclamação da República, a época em que a Princesa Isabel encontrava-se como Regente, quando teria tido contatos com altos círculos da sociedade.

Os encontros com familiares de Pedro II° foram sentidos por von Korff como altamente honrosos e instigantes.

O seu texto expressa, porém, a sua surprêsa e mesmo estranheza perante as concepções democráticas de Pedro II° e, sobretudo, a sua compreensão do papel do Trono. Essa indicação faz supor que von Korff já tivera contato com Pedro II° na Europa.

O autor diz recordar-se ter ouvido ca. de dez vezes (!) Pedro II afirmar que a forma de Govêrno do país pouco tinha a ver com a sua pessoa. Era então Imperador do Brasil; se, porém, o país achasse por bem proclamar a República, então seria o seu Presidente.

Von Korff via nessa posição de Pedro II° uma expressão de ingenuidade e uma visão por demais positiva da índole do povo brasileiro. Essa elevada opinião acerca do seu povo teria sido negada pelos fatos decorrentes da abolição da escravidão. Os proprietários, de tal modo prejudicados pecuniariamente com essa medida, e assim insatisfeitos, assistiram, sem intervenir, o golpe do pequeno partido radical que proclamou a República e que, a seguir, enviou a família imperial à Europa. Também aqui, portanto, como em outras partes da sua obra, o autor sugere que os brasileiros não possuiam convicções e virtudes mais profundas de lealdade.

Antes desses acontecimentos, von Korff teve a oportunidade de trocar idéias a respeito das colonias alemãs no Brasil com o príncipe que era o presuntivo herdeiro do trono.

Como não é mencionado por nome, coloca-se a questão da identidade do príncipe citado por E. von Korff. Poderia ter sido Pedro de Saxe-Coburg e Gotha e Bragança (1866-1934), príncipe de Saxe-Coburg da linha católica de Koháry, filho mais velho do Príncipe August (1845-1907) e da infanta Leopoldina, segunda filha de Pedro II, do qual era neto predileto. Tinha sido herdeiro do trono até o nascimento do primeiro filho da Princesa Isabel, em 1876. À época da queda da monarquia, pensara-se numa possível regência do Príncipe Pedro.

Emanuel von Korff

No ano em que Von Korff escreveu o seu texto,1895, porém, cogitava-se em círculos restauradores numa sucessão ao trono do seu irmão mais novo, Augusto Leopoldo de Saxe-Coburg e Gotha e Bragança (1867-1922). É possível, assim, que o Príncipe lembrado por Von Korff tenha sido Augusto Leopoldo, que mais tarde, na Europa, serviria à Marinha austríaca.

Para a indignação de E. Von Korff, o Príncipe lamentara que os alemães eram difíceis de deixar-se assimilar no Brasil. Por essa razão, o Govêrno imperial tudo fazia para extinguir o Deutschtum no Brasil (!). O Govêrno dava assim preferência a imigrantes de outras nações, oferecendo a elas condições privilegiadas.

"Vorher noch hatte ich Gelegenheit, mit dem präsumtiven Thronerben, dem Prinzen von Sachsen-Coburg, über die deutschen Colonien in Brasilien zu sprechen. Er beklagte sich, daß die Deutschen sich so schwer den Brasilianern assimilirten, und meinte, die Regierung thäte ja alles, um das Deutschthum als solches in Brasilien zu vernichten. Sie ertheile allen anderen Nationalitäten eher veborgzugende Concessionen als den Deutschen. Als ich ihm unumwunden meinen Unmuth zu erkennen gab, einen deutschen Prinzen so von seiner Nation reden zu hlren, entschuldigte er sich damit, daß er zwar Prinz von Sachsen, aber doch in erster Linie nun Brasilianer sei." (op.cit. 68-69)

Von Korff salienta que, ao ouvir essas declarações do Príncipe, manifestou claramente a sua insatisfação em ouvir tais palavras de um príncipe alemão. O Príncipe respondeu-lhe dizendo que era, de fato, Príncipe da Saxônia, mas, em primeiro lugar, um brasileiro. 

Sob essas condições de pressão exercida pelo Govêrno monárquico contra o Deutschtum, von Korff manifestou ser compreensível que os alemães no Brasil pouco interesse tivessem demonstrado em deixar-se bater pelo Príncipe de Coburg e, assim pela monarquia. Essa menção parece indicar que von Korff registrara um pouco entusiasmo por parte dos alemães pelo movimento restaurador monárquico de meados da década de 90.

A desconfiança do Govêrno Imperial para com o Deutschtum não pode ser compreendida como expressão de uma antipatia para com a cultura alemã, mas sim como contrária a um movimento de reintensificação de consciência "povística" (völkisch) do ser alemão acima de fronteiras nacionais e que prejudicava e mesmo revertia processos integrativos.

Crítica de von Korff do predomínio do intelecto sôbre a ação e da influência francesa

Von Korff, antigo combatente da Guerra Franco-Prussiana, registrou, também com insatisfação, o predomínio da cultura francesa na Côrte brasileira. Quando ali esteve nos últimos anos da monarquia, os funcionários imperiais eram franceses e à França dirigia-se a atenção dos intelectuais com os quais Pedro II° sobretudo convivía.

No seu texto, von Korff não esconde a sua antipatia por uma tendência à erudição do Imperador, que segundo êle apenas convivia com professores.

Para um militar como von Korff, era a ação, não o intelectualismo uma das causas da fraqueza das nações sulamericanas. Se as outras repúblicas eram países de doutores, o Brasil tinha tido uma monarquia professoral.

Governar povos exigia para von Korff, porém, pouca inteligência, e essa orientação ao Conhecimento do Imperador tinha sido prejudicial à manutenção do Poder.

Era, assim, uma pena que um país tão rico e grande como o Brasil, quinze vezes maior do que a Alemanha fosse governado de forma tão frouxa.

Mesmo assim, se tivessem deixado o "Professor imperial" no ápice da administração do país, a nação teria sido poupada de muitas agitações, perdas e custos. A República teria levado com uma "rapidez de símios" a dívidas de 3000 milhões de marcos.

O panorama traçado por von Korff indica assim uma complexa situação em processos culturais relacionados com a presença alemã no Brasil no fim do Império e início da República. As suas palavras trazem nova luz à posição da família imperial, possibilitando sensíveis diferenciações quanto a sentimentos de identidade cultural dos Príncipes brasileiros de Saxe-Coburg e Gotha, a sua antipatia para o movimento pangermânico e, do lado teuto-brasileiro, às causas de uma certa indiferença para com a queda da monarquia brasileira por parte dos alemães, apesar dos seus sentimentos monárquicos.

O testemunho de von Korff como amigo do Imperador Guilherme II (1859-1941) demonstra a necessidade de uma distinção maior de tendências político-culturais no estudo das relações entre a Alemanha e o Brasil. A animosidade relativamente à França, explicável ainda como remanescente da Guerra Franco-Prussiana no caso de um militar como Von Korff explica a desconfiança que se manifesta nas suas observações sobre a influência francesa na Corte e no Brasil em geral.

Ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Sim, sou Príncipe de Saxe-Coburg, mas em primeiro lugar brasileiro...Crítica de oficial prussiano à família imperial brasileira pela sua distância ao Deutschtum". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 143/3 (2013:3). http://revista.brasil-europa.eu/143/Principe-brasileiro-e-Deutschtum.html