Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Casa da Cultura Domingos Martins ES

Fotos A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 143/10 (2013:3)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia e Conselho Científico
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3000






Usos e costumes de colonos alemães como expressões da permanência cultural
e resistência a mudanças em processos coloniais considerados como bem sucedidos

A aclimatação do europeu nos trópicos e os Pomeranos no Brasil
100 anos da viagem do economista teuto-chileno Ernst Wagemann (1884-1956) ao Espírito Santo V

Ciclos de estudos "O Báltico e as relações Alemanha-Brasil". Após 5 anos de viagens de estudos ao Espírito Santo, Meklenburg-Pomerânia Ocidental e países bálticos. Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. pelos 30 anos do primeiro simpósio de atualização dos estudos da imigração e colonização alemãs nas Américas


 
Casa da Cultura Domingos Martins ES

Os ciclos de estudos desenvolvidos em 2013 em várias cidades do Báltico retomaram questões levantadas há cinco anos em viagem a regiões colonizadas por alemães do Espírito Santo. (http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html)

Naquela ocasião, em particular em visita à Casa da Cultura de Domingos Martins, considerou-se a permanência de traços e expressões culturais de alemães ou a sua revitalização em tempos recentes como parte relevante dos estudos culturais regionais.

Casa da Cultura Domingos Martins ES
O Museu conserva, no seu valioso acervo, objetos que documentam usos e costumes dos antigos colonos, assim como fotografias que demonstram o uso de trajes típicos em coros e grupos de danças tradicionais.

Salientou-se, na visita, o empenho de estudiosos de tradições em procurar fontes escritas e ilustradas para a confecção desses trajes e para o estudo do repertório tradicional de danças e músicas. Esse empenho na manutenção e mesmo revitalização de expressões tradicionais no Espírito Santo pôde ser comparado com aquele constatado em 2002 antes em cidades de formação colonial alemã do Rio Grande do Sul.

Casa da Cultura Domingos Martins ES
Transcorridos 100 anos da viagem realizada ao Espírito Santo do economista e cientista social Ernst Wagemann, pareceu ser oportuno retomar as reflexões então encetadas a respeito da concepção de cultura tradicional e/ou folclore e da prática do seu fomento nas regiões de colonização alemã a partir do conceito motor que à época de Wagemann, determinava a conotação positiva de expressões de conservação de traços culturais: o da aclimatação.

Ainda que as suas observações manifestem interesse por questões tratadas na Volkskunde alemã, a consideração de usos e costumes de alemães no Brasil na obra de Wagemann decorre sob a perspectiva específica de seu trabalho, ou seja, o de coletar dados como subsídios para o debate a respeito da aclimatação do europeu nos trópicos.

Do vestuário do colono alemão no Espírito Santo

Casa da Cultura Domingos Martins ES
Wagemann registra que a roupa de trabalho dos homens nas terras altas do Espírito Santo era calça com suspensórios e blusa, cuecas e camisa; não usavam sapatos nem meias. Nas regiões mais distantes - do fundo da mata - usavam apenas calça e blusa.

A roupa de trabalho das mulheres e meninas no planalto consistia em uma ou mais saias, um ou mais casacos, avental, lenço de cabeça; também não usavam calças, nem sapatos ou meias. Em regiões mais distantes, de vanguarda da frente povoadora, as mulheres usavam casaco, saia, camisa, saia de baixo, avental e lenço de cabeça.

Quanto à roupa de domingo, Wagemann lembra que as crianças recebiam os seus primeiros sapatos e meias por ocasião da confirmação. As meninas recebiam nessa época sapatos laqueados e meias brancas, além de uma saia branca com muitas rendas e fitas vermelhas e azuis. Como enfeite de pescoço, ganhavam um colar de contas de vidro coloridas. Os meninos recebiam além de sapatos e meias, um terno preto, cinto e um chapéu de feltro.

A roupa de festa dos adultos era aquela do casamento. A noiva trajava frequentemente uma roupa preta em lugar de branca. Véus usavam apenas as noivas dos saxões e suíços. Nas mãos, traziam anéis de prata, em geral muito apreciados. A roupa de casamento dos homens diferenciava-se não muito daquela da confirmação, apenas dava-se aqui muito valor a um cinto profusamente ornamentado.

Expressões festivas de alemães no Espírito Santo: costumes de casamento

Para os fins de um trabalho voltado à questão da aclimatação dos alemães nos trópicos, surgia como significativo salientar que também as festas nas colonias eram celebradas segundo os costumes tradicionais de origem.

Quanto aos casamentos, o quadro modificava-se pelo fato de que o trajeto à igreja era feito a cavalo, tanto por homens como por mulheres, o que não acontecia na Alemanha. Os noivos dirigiam-se à igreja montados em burros ou cavalos enfeitados, acompanhados por pagens ou guias do noivo e meninas da noiva. Estes, a caminho, de quando em quando, entoavam um júbilo com voz alta ou gritada em coro e que ressoava pela mata e pelos campos, anunciando de longe o cortejo nupcial.

À frente do grupo ia aquele que convidava às núpcias, o solicitador (Hochzeitsbitter), frequentemente balançando na mão um estandarte com coroa de folhas e flores. Com o chapéu enfeitado com fitas coloridas, era quem que fazia os convites, indo de casa em casa montado em animal enfeitado de coroas. Onde pretendia convidar alguém, aproximava-se da casa batendo palmas, como era de uso no país, e, sem mais, entrava na casa, dava uma volta e apresentava a sua mensagem em versos. Aceitava comer algo, caso já não o tivesse feito antes.

Os jovens que assumiam esse encargo comportavam-se de forma que manifestava a consciência da dignidade do ato. Se a pessoa convidada era uma mulher, esta tomava um lenço colorido e prendia-o nos ombros do Hochzeitsbitter, de modo que caísse solto pelas costas. Com o seu capuz de abas caídas, preto, enfeitado de fitas coloridas e a quantidade de lenços de várias cores no seu burro enfeitado de ervas e flores, o jovem assumia uma aparência festiva e pictórica.

A refeição que segue ao casamento religioso, com o baile, realizava-se na casa dos pais da noiva. A casa era enfeitada para o dia com folhas de coqueiro e flores. Seguindo o costume brasileiro, soltavam-se de quando em quando foguetes, ainda que em pleno dia, o que fazia com que os animais de sela dos convidados se agitassem.

A formação de uma família significava em geral também a fundação de um novo sítio de colonos. Os filhos herdavam geralmente a sua terra já quando criança, que começava a ser cultivada pela família. Também ocorria que o pai comprasse para o filho adulto uma colonia já totalmente montada. Em todo o caso, dar terras aos filhos era visto como um dos principais deveres paternos.

A mulher contribuia - além da sua força de trabalho, que era o principal para os colonos -, também com uma vaca, que já tinha sido a ela dada nova, às vezes até mesmo com um cavalo com sela ou só a sela, além do mais uma cama com colchão de penas, uma arca com roupas e lençóis, uma máquina de costura, panelas e talheres. Só colonos de posses davam dinheiro às suas filhas.

Tradições fúnebres de alemães no Espírito Santo: enterros

Uma das características das expressões regionais das áreas de colonização alemã do Espírito Santo era o grande número de pequenos cemitérios situados no meio da floresta.

A quantidade desses cemitérios era um resultado natural do modo de assentamento, marcado pela grande distância de uma parcela à outra.

As condições climáticas tinham levado a modificações quanto à prática do enterramento. O enterro costumava dar-se já um dia após a morte. No verão, devido ao calor, precisava ser ainda mais rápido. O defunto era vestido com as suas roupas de festa. O caixão era apenas fechado depois que o pastor tinha feito as orações e os parentes tinham-se despedido do finado, apertando uma última vez as suas mãos.

Tendo à frente o caixão de madeira crua, levado aos ombros por parentes e amigos, o cortejo fúnebre procedia pelos caminhos estreitos entre as grandes árvores da escura e silenciosa floresta até à última moradia, um quadro que o autor descreve como uma das cenas mais impressionantes da vida colonial.

Da alimentação do colono alemão no Espírito Santo


Com a sua preocupação em dar particular atenção a aspectos econômicos, da vida doméstica e da saúde dos colonos para o propósito de seu trabalho, compreende-se o fato de Wagemann ter observado com cuidado os costumes alimentícios dos alemães no Espírito Santo.

Os colonos tinham o seu desjejum antes da saída para o trabalho entre seis e sete horas da manhã, constituído por café e pão com manteiga ou banha. Poucas horas mais tarde, tomava-se um segundo café, que agora, além de pão, incluia carne cozida ou frita e ovos. A principal refeição era o almoço. Comia-se então carne, tubérculos, arroz, verdura - sobretudo couve -, além de pão ou feijão com farinha de mandioca. À noite, entre as sete e oito horas, tinha-se novamente café, pão e ovos; consumia-se também os restos do almoço. Aos domingos, as refeições eram mais diversificadas, incluindo aves, sopa de galinha, caldo de pêssegos ou sopa de leite.

Wagemann registra um surpreendente consumo de carne, exagerado em comparação com usos alimentícios na Alemanha. Carne era consumida duas ou três vezes ao dia, sobretudo bovina, de porco ou de aves. Uma família com oito a dez crianças matava um porco de quatro a oito semanas. A carne era conservada em sal ou, mais raramente, em gordura. De tempos em tempos, mas não todos os anos, um boi era morto. A carne, se não misturada com carne de porco para a fabricação de linguiças, era defumada ou sêca. Esta, na maior parte dos casos, era importada. O seu consumo era maior nas regiões com pequena criação de gado, por exemplo em Campinho e em Santa Leopoldina. A carne sêca, à qual os europeus dificilmente se acostumavam, pelo menos na sua forma brasileira de preparação, era apenas um substituto em casos de falta de outra alimentação.

Nas zonas mais afastadas, pescava-se muito nos rios e o peixe era conservado defumado ou sêco. Ovos, queijo e manteira desempenhavam também um papel importante no regime alimentar das colonias.

Pão era consumido em todas as refeições, em parte com manteiga ou com banha. Em geral, consumia-se pão de milho, no qual se misturava cará ralado, batata, ou também  um pouco de farinha de trigo. Para o europeu, o pão de milho era por demais denso e de difícil digestão. Algo similar poder-se-ia dizer do pão de trigo dos colonos, para os quais utilizavam-se ovos em demasia. O consumo de pão de trigo era considerado luxo, sendo servido apenas em dias de festa. Uma mulher de colono de posses nada mais desejava do que os seus filhos pudessem receber um dia apenas pão de trigo. O autor cita a rosca, que compara com o pão sêco servido em navios. Para os colonos, era a rosca muitas vezes o único produto de alimentação quando se encontravam longe de casa, por exemplo na caça.

Feijão prêto com farinha de mandioca, a "alimentação nacional brasileira", tornara-se também para os colonos alemães uma comida diária. Os jovens colonos, que ainda não tinham tempo suficiente para fazer pão ou matar animais, alimentavam-se quase que só de feijão preto e farinha.

Dos tubérculos, o mais apreciodo, após a batata, era a raíz de mandioca, o aipim. Preferida era a taja branca, depois a amarela e por fim a batata-doce, à qual nem todos os colonos ainda tinham-se acostumados.

As bananas eram não apenas consumidas ao natural como também preparadas de diferentes formas. Alguns tipos de bananas eram particularmente adequados para serem cozidos com casca;  Wagemann registra também o consumo de bananas fritas, que, descascadas, fritas em gordura e com açúcar mascavo ofereciam uma boa sobremesa.

Pouca importância dava-se a frutas. Entre elas, sobressaía-se a laranja e a ameixa. Os pêssegos sêcos no forno eram consumidos como compota. Sopas de pêssegos com bolinhos de farinha eram muito apreciados.

O café era a principal bebida. Chá e vinho não eram praticamente consumidos. A cerveja e a aguardente, ao contrário, eram muito apreciadas. Nas regiões mais distantes tomava-se leite gordo.

O autor salienta que, com base nas observações feitas, podia-se constatar que os colonos tinham em geral uma alimentação forte, ainda que monótona. O modo de preparação era muito simples e pouco temperado. Sobretudo a alimentação quotidiana apresentava poucas variações.

Também os modos às refeições eram simples. Ainda não havia repugnância em comer e beber conjuntamente de um só recipiente. O uso de toalha de mesa, porém, era bastante difundido. Até mesmo os colonos mais pobres davam-se a esse luxo, e encontrar uma mesa coberta com toalhas não podia ser visto apenas como um ato de homenagem ao hóspede. 

Permanência de usos da terra natal como demonstrativo da aclimatação

Nas suas observações finais, o autor registra que os colonos, tanto no vestuário, na moradia como também nas refeições mantinham os hábitos da terra natal. (op.cit. 104)

Essa conclusão, que vêm de encontro ao escopo de seu trabalho, surge porém como singular, pois os dados transmitidos na sua publicação demonstram uma outra situação.

Se, de fato, nas roupas, na moradia e nas expressões festivas pode-se constatar de suas informações a permanência de usos e costumes alemães, o mesmo não pode afirmar-se relativamente à alimentação. Os seus dados indicam até mesmo uma extraordinária adaptação a modos alimentares brasileiros. Se em alguns casos havia ainda resistência quanto ao consumo de produtos da terra, como no caso da batata doce, fato também registrado em regiões de colonização do Sul do Brasil, o uso de feijão prêto e farinha de mandioca, da carne sêca ou de bananas fritas demonstram o alto grau de acomodação dos alemães quanto aos modos alimentícios e ao paladar.

Inexplicável é o fato do autor ter visto aqui uma permanência de costumes alemães - feijão prêto e farinha de mandioca na Alemanha?

O fator econômico na explicação de usos e costumes

É compreensível que, para um especialista em estudos sócio-econômicos e estatísticos como Ernst Wagemann, o tratamento de questões culturais nas regiões de imigração do Espírito Santo parta do "budget" doméstico.

A sua primeira frase, assim, informa que uma família de colonos com ca. de 8 a 10 pessoas gastava em média 600 a 800 Milréis por ano, o que era o lucro tirado da venda de 150 arrobas de café. Algumas famílias maiores precisavam viver com menos do que 500 Milreis, algumas até com apenas 300, havia, porém, outras que podiam gastar 1000 ou até mesmo mais de 2000.

A seguir, o autor oferece uma lista dos produtos da vida quotidiana consumidos por uma família de colonos com 6 crianças: roupas, sapatos, carne sêca, açúcar, farminha, sal, petróleo, ferramentas, taxas para escola e igreja, fumo, álcool, cerveja, arroz, sela e artigos de luxo, num total de 1000 Milreis.

Os mais altos gastos eram aqueles para carne sêca, consumida de 5 a sete quilos e meio por semana, roupas e farinha, da qual eram necessários seis sacos por ano. Se apenas pudessem gastar 600 Milreis por ano, então essa soma se dividia em 300 para alimentação, 200 para roupas e 100 para ferramentas e outras necessidades. Para além das entradas de dinheiro, o colono tirava proveito daquilo que plantava ou criava.

Ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Usos e costumes de colonos alemães como expressões da permanência cultural
e resistência a mudanças em processos coloniais considerados como bem sucedidos". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 143/10 (2013:3). http://revista.brasil-europa.eu/143/Usos-e-costumes-de-colonos.html