Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Montanhas Taurus.Foto A.A.Bispo©


Montanhas Taurus.Foto A.A.Bispo©


Montanhas Taurus.Foto A.A.Bispo©


Montanhas Taurus.Foto A.A.Bispo©


Montanhas Taurus.Foto A.A.Bispo©


Montanhas Taurus.Foto A.A.Bispo©


Montanhas Taurus.Foto A.A.Bispo©


Fotos das montanhas do Taurus, A.A.Bispo..
Fotos no texto: H. Harms, Erdkunde, op.cit.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 144/18 (2013:4)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3022




Expansão alemã "ao interior" nas suas relações com a política colonial
e seu significado para os estudos da colonização alemã no Brasil
A Estrada de Ferro de Bagdad e suas estações como nódulos de projetada rêde cultural

Elos entre o Império Guilhermino e o Império Osmano sob a perspectiva dos estudos coloniais referentes ao Brasil II


Turquia no Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. (III)

 

Dirigir a atenção a questões culturais referentes à Turquia sob a perspectiva das relações Alemanha/Brasil parece ser, à primeira vista, uma tarefa sem maior significado.

Os muitos brasileiros que visitam atualmente a Turquia - um fenômeno cultural desencadeado sobretudo pela mídia - (Veja http://revista.brasil-europa.eu/144/Turquia-Alemanha-Brasil.html), registram a presença de grandes firmas alemãs no país, entre elas de representações e produções de veículos que também são conhecidos das estradas do Brasil, recebendo informações a respeito do significado da participação alemã na economia e no mercado de trabalho turco.

Antalya.Foto A.A.Bispo©
Por todo o lado encontram alemães e ouvem o idioma, e em algumas das principais cidades da Turquia trafegam hoje bondes usados adquiridos não há muito de diferentes cidades alemãs e que marcam a fisionomia urbana.

Os visitantes constatam que muitos turcos dominam o alemão, viveram na Alemanha ou até mesmo nela nasceram, possuindo familiares e amigos residentes no país.

Das palavras de seus guias turcos, podem chegar a perceber até mesmo intentos de demonstrar que o país não deve ser visto com a imagem que dele se tem no Exterior, em particular na Alemanha. A sociedade turca ter-se-ia desenvolvido sob vários aspectos nas últimas décadas, enquanto que os turcos na Alemanha, para ali atraídos como mão-de-obra a partir da década de 60, vieram de regiões rurais, criando no meio estrangeiro um universo cultural próprio, - até mesmo um "Islão de Kreuzberg" -, em parte mais conservador ou até mesmo reacionário, em todo o caso nas características diversas e na sua dinâmica distinto daquele marcados por processos sócio-culturais ocorridos na própria Turquia e com os quais interage de forma complexa.

A visita de brasileiros à Turquia transforma-se, assim, de forma inesperada, em fonte de conhecimentos sôbre estreitos elos entre a Alemanha e a Turquia no passado e no presente, sôbre a emigração turca à Alemanha, sôbre o significado da parcela turca e de ascendência turca na população alemã, de seus problemas de identidade, integração e diferenciação, de intensificação do islamismo e sôbre a "parceria privilegiada" concedida à Turquia em desapontamento a seus desejos de completa aceitação como integrante da Europa.

É possível que muitos brasileiros que realizaram a longa viagem à Turquia movidos sobretudo pelo fascínio despertado pela terra natal de S. Jorge, se surpreendam e mesmo se irritem em serem confrontados com essa tão forte presença da Alemanha e de questões teuto-turcas durante a sua estadia.

São obrigados a constatar que para conhecerem o país que visitam de forma mais abrangente, necessitam considerar complexos que ultrapassam fronteiras geográficas, de uma Turquia ou turquismo no Exterior, em particular na Alemanha, e daqueles desencadeados pela ação de profissionais e empreendedores alemães na Turquia.

Essa irritação desaparece quando se reconhece que é justamente uma visão ampla da Turquia nas suas relações com a Europa, em particular com a Alemanha, que abrem portas para o descobrimento de inesperados contextos e elos culturais que relacionam a Turquia e o Brasil.

Alemães no Império Osmano e os estudos culturais da imigração e colonização

Se a expansão turca na Europa em séculos passados e as guerras desencadeadas que marcaram a história do Ocidente são em maior ou menor escala consideradas em panoramas históricos e mesmo nas suas consequências culturais, há um aspecto da história das relações turco-européias que, caído no esquecimento, deve ser recordado: o dos empreendimentos alemães na Turquia à época do Império Guilhermino de fins do século XIX à Primeira Guerra.

Em décadas de florescimento de colonias alemãs na América do Sul e de intensificação de intuitos e empreendimentos coloniais na África, também houve comunidades e empreendimentos alemães na Ásia Menor que não podem ser ignorados.

Se a atualização dos estudos da imigração e da colonização alemã no Brasil não pode ser feito sem a ampliação de visões de contextos para além de delimitações nacionais, considerando-se elos e interações entre desenvolvimentos ocorridos em diferentes países da América do Sul e desses com colonias e empreendimentos alemães na África, em particular do seu Sudoeste Alemão (Namíbia) (http://revista.brasil-europa.eu/143/Karl-Alexander-Wettstein.html), não se pode deixar de considerar que era o Império Osmano que obtia uma atenção particularmente privilegiada em círculos voltados à expansão econômica, do trabalho e da presença da Alemanha no mundo.


100 anos dos acordos decisivos para a construção alemã da estrada de ferro de Bagdad

A abertura de vias de comunicação, em particular a implantação de ferrovias não representaram apenas para as regiões colonizadas pelos alemães no Brasil empreendimentos vistos como fundamentais para o intercâmbio comercial, o desenvolvimento econômico e a interligação de colonias separadas entre si.

Empreendimentos ferroviários em Santa Catarina ou na Namíbia surgem como de relativo significado considerando-se as dimensões do projeto da Estrada de Ferro de Bagdad quanto às distâncias a serem vencidas e nas suas implicações econômicas e políticas internacionais.

Transcorrendo entre 2011 e 2014 um século de importantes marcos nesse projeto, cumpre recordá-lo, considerando-se sobretudo aspectos de maior relevância para a análise de processos culturais globais.

Nesse sentido, surge como significativo reler textos mais antigos referentes à ferrovia de Bagdad  publicados em obras de Geografia e Etnografia na Alemanha. Considera-se aqui o texto sôbre a ferrovia de Bagdad no volume dedicado à Ásia da Geografia de H. Harms (H. Harms, Erdkunde in entwickelnder, anschaulicher Darstellung III, 1, 4a. ed., Leipzig: List & von Bressensdorf 1928,  § 29, pág. 77). Os dados relativos à história da ferrovia foram aqui aproveitados do artigo "Der Bagdad-Friede" de Ernst Jäckh no semanário Das Größere Deutschland I,1 (op.cit. 78)

Um acordo com a Rússia, fechado em Potsdam por ocasião da visita do Czar a Guilherme II°, em 1911, foi o ponto de partida para os acordos de 1914 com a Inglaterra e a França e que, pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial, encerravam mais de vinte anos de empenho alemão por um projeto que encontrou resistência por parte da Rússia, Inglaterra e França.

Sem a participação financeira dessas nações no projeto, este passou a ser de responsabilidade alemã tanto no trajeto de Constantinopla a Bagdad e sua extensão ao Golfo Persa, como nas suas ligações com o Mediterrâneo e com o interior da Pérsia.

A intensidade do empenho alemão pela ferrovia tivera até mesmo a sua expressão em publicações parodísticas, tendo um jornal inglês (Punch) publicado uma caricatura de Guilherme II (1859-1941) como novo hârun al Rashîd (76 -809 DC), o califa de época de brilho de Bagdad, com turbante e Tschibuk, sentado sobre uma locomotiva da ferrovia de Bagdad, tendo por detrás o ministro Alfred von Kiderlen-Waechter (1852-1912) como maquinista em direção ao Golfo Persa com o subtítulo de "Um sonho de ferrovia - made in Germany".

A. von Kiderlen-Waechter, diplomata que desde 1910 dirigia o Serviço do Exterior, era perito em questões referentes ao Oriente nesse Ministério. Tinha entrado a seu serviço em 1877, ocupado cargos em Kopenhagen, S. Petersburgo e Paris, e, a partir de 1886, em Constantinopla como Conselheiro de Legação. Com o adoecimento do embaixador alemão em Constantinopla, passou a dirigir os acordos relativos à construção da ferrovia de Bagdad, em 1907.

A estrada de ferro, ligando o Bosporus ao Golfo Persa em Basra. devia ser segundo os planos ser a espinha dorsal de um todo turco-asiático, prevendo-se extraordinárias consequências econômicas, políticas, estratégicas para o Império Osmano e para a Alemanha.

Expansão econômica alemã ao "interior" da Europa em opção à aquisição de colonias

O projeto de construção da ferrovia de Bagdad revela o seu significado mais amplo se considerado no desenvolvimento do pensamento econômico nas suas relações com questões coloniais na Alemanha.

Sob esse aspecto, merece ser lembrado o economista Daniel Friedrich List (1789-1846), um dos pioneiros das ferrovias alemãs. Como teórico do Liberalismo, o seu pensamento exerceu influência também fora da Alemanha, em particular no Oriente.

A sua atuação cai em época na qual um empenho colonialista alemão fora da Europa não parecia viável, uma vez que este era dominado pelos grandes impérios coloniais da Inglaterra e da França.

Para pensadores como List, seria mais recomendável que se pensasse numa expansão alemã no próprio continente europeu, em particular na região balcânica. Essa região do Sudoeste europeu surgia sob essa perspectiva como uma espécie de interior que devia ser explorado e colonizado, similarmente como acontecia nos países americanos. Houve, assim, um paralelo de perspectivas entre os defensores de expansão econômica na Alemanha e no Novo Mundo: o do caminho ao interior ou a um interior como tal compreendido. Se na América esse caminho era aquele ao Oeste, na Alemanha era ao Leste ou Oriente.

Inserindo-se assim em visão de natureza fundamentalmente econômica, compreende-se que o projeto da ferrovia fosse desde o início marcada pela atividade capitalista de bancos, salientando-se aqui sobretudo Georg von Siemens (1839-1901), diretor do banco alemão - Deutsche Bank -, também um político representante do Liberalismo.

Em época na qual a Alemanha ainda não contava com os recursos econômicos e o poder político que alcançaria em fins do século, pensou-se de princípio na realização de um empreendimento ferroviário internacional europeu através da Ásia Menor até o Golfo Persa, com a participação de capitais da Inglaterra e de Paris.

Essas negociações, para as quais von Siemens dirigiu-se a Londres e Paris, tornavam-se necessárias também pelo fato de uma parte do trajeto, aquele inicial a partir Haidarpasch-Ismid - defronte a Constantinopla - pertencer a uma sociedade francesa e a ligação ao Mediterrâneo (Adana-Mersina) a um consórcio inglês.

Em 1888, a Deutsche Bank obteve a concessão turca para a construção de uma ferrovia de Constantinopla (Haider-Pascha) até Ancara. Em 1893, essa concessão foi ampliada até Konya.

Viagem ao Oriente de Guilherme II e planos ferroviário-marítimos

Após a viagem ao Oriente de Guilherme II, em 1898, o govêrno turco deu concessão à Sociedade Ferroviária de Anatolia para a ampliação do porto de Haidar Pascha e para a continuação da ferrovia até Bagdad. O primeiro trecho da linha foi inaugurado em 1904. 

A ferrovia de Bagdad iniciava oficialmente em Konya, dando continuidade à ferrovia da Anatólia (Constantinopla-Konya). Ela devia atravessar o Taurus, levando à planície silícica, passando por Adana, não distante de Tarsus), atravessaria o Eufrates, o extremo norte, chegando em Mosul (Ninive) ao Tigris, e seguindo-o a seu lado direito até Bagdad e, de lá, a Basra.

A construção, porém, passou a ser vista de forma crescente como expressão do imperialismo alemão por parte da Inglaterra e da Rússia.

O acordo de março de 1911 fechado por ocasião da visita do Czar Nicolau II (1868-1918) em Potsdam possibilitou assegurar que a ferrovia tivesse a entrada à Pérsia central e à economia perso-russa (Bagdad-Hanekin-Teheran).

No Ocidente, a ferrovia permitia a ligação com o Mediterrâneo (Aleppo-Osmanjue-Alexandrette).

Questão aberta permanecia a parte final da ferrovia: Bagdad-Basra-Golfo Persa. Essa questão levantava-se sobretudo devido à Inglaterra, que tinha o interesse em conservar o domínio do Golfo Persa conquistado através de gerações.

Uma dos problemas que puderam ser solucionados com os acordos de 1914 com a Inglaterra e a França disse respeito às delimitações do território da ferrovia em direção da Armênia e à Síria. Na fronteira síria, a França predominava desde a época napoleônica, e no território armênio gozava de concessão obtida da Rússia.

Enquanto que em 1911 ainda tinha-se combinado uma internacionalização da parte final Bagdad-Basra-Golfo Persa, também esse trajeto passou à responsabilidade única da Alemanha, sem participação financeira da França e da Inglaterra.

Pelo fim da guerra, a ferrovia tinha alcançado a cidade de Nisibin (Nusaybin). Após a Guerra, o projeto teve continuidade nos países resultantes da divisão do império otomano, sendo terminando apenas em 1940.

Porto de Basra e porto de Hamburgo - elos com a Linha Hamburgo-América

A concessão alemã alcançava Bara e em Basra também o Golfo Persa, pois o Schatt el Arab deveria ser ampliado e aprofundado de Basra até o Golfo Persa.  Basra passava a ter uma situação similar àquela de Hamburgo e do Mar do Norte.

No porto de Basra participarariam capital alemão e inglês.  Nesse plano, Kuwait não era incluido, nunca o tendo sido oficialmente. A ligação Basra-Kuwait não parecia ser mais necessária e, se se fizesse posteriormente um ramal, este seria internacionalizado.

O acordo previu que para a navegação ao sul de Basra ficava garantida a independência do mar livre, de modo que nenhuma potência podia colocar barreiras econômicas. A ferrovia de Bagdad poderia dar mãos em Basra à Hamburg-Amerika-Linie.

Na navegação pelo Tigris, que procedia paralelamente à ferrovia, o capital inglês permanecia dominante, passando o monopólio a uma sociedade anglo-teuto-turca. O acordo teuto-britânico a favor da ferrovia alemã de Bagdad tornavam obsoletos planos ingleses de uma ferrovia que deveria ligar Bagdad ao Mediterrâneo, passando por Palmyra.

A Inglaterra, com a sua esfera de influência, tiraria vantagens da ligação mais rápida de ser realizada do Golfo Persa com o Mediterrânea por Basra-Bagdad-Alexandrette.

Esse acordo teuto-inglês seguiu-se o acordo teuto-francês. Um plano de ferrovia francesa da Armenia e da Síria através da área da ferrovia Bagdad nunca chegou a ser realizado. Assim, a área do Tigris e Eufrates permaneciam fora do alcance competitivo de futuras ferrovias francesas a partir da costa da Siria. Assim como a Alemanha renunciava à construção de ferrovias e instalações portuárias na Palestina e na Síria central, a França renunciava a tais empreendimentos ao Norte.

Papel cultural da Sociedade da Ferrovia Bagdad e colonias alemãs no Oriente Próximo

Mais do que um instrumento do capital bancário alemão, coluna dorsal de um contexto puramente financeiro, a estrada de ferro de Bagdad surgia como a diagonal de um quadrilátero no qual o empreendedorismo alemão podia operar.

Nesse território podiam extender-se instalações de irrigação, plantações de algodão, pecuária para lã, plantações de cereais, exploração de ferro e fontes de petróleo, ou seja, de matéria prima para a economia da Alemanha.

Pouco presente em considerações referentes à ferrovia de Bagdad é a função cultural que se pretendia dar ao empreendimento. Ela devia não apenas contribuir em geral ao estabelecimento de elos entre a capital e o interior, entre o cosmopolitismo de Constantinopla e o mundo rural até então isolado de aldeias da Anatólia e outras regiões, mas sim também ao estabelecimento de rêdes entre os europeus residentes no país.

Um plano cultural desenvolvido pela Sociedade incluia a construção de escolas ao longo da ferrovia e centros agrícolas modelares.

Esse plano inspirava-se no papel cultural desempenhado pelos alemães na expansão ao interior em direção ao Leste e ao Norte na Idade Média.

As escolas e os empreendimentos modelares deviam representar uma espécie de edição moderna, secular, dos conventos da época da Ordem Alemã nas suas atividades missionárias e colonizadoras do Báltico na Idade Média.

Chegou-se a instalar sistemas de irrigações para a transformação de áreas áridas em terras produtivas ao longo da ferrovia e, assim, surgiram colonias de váriaveis dimensões no seu percurso e na área de sua influência, como em Haidar-Pascha, Alexandrette, Alleppo, Andana, Damasco e Beirute.

As colonias alemãs maiores desenvolveram-se nos centros comerciais e políticos no litoral do Mediterrâneo. As principais colonias alemãs no Império Otomano eram a de Constantinopla, com comunidades católicas e evangélicas de língua alemã, com grande e representativo hospital, escola e sociedades, e a de Smyrna, que contava com 350 alemães por ocasião do início da Guerra.

O Panislamismo em recepção alemã antes da Primeira Guerra

O estudo diferenciado da presença européia, em particular alemã no mundo muçulmano não pode deixar de ser feito sem a consideração de desenvolvimentos político-culturais e religiosos por parte dos povos islâmicos.

Nesse sentido, cumpre considerar a literatura da época para poder-se constatar a recepção do movimento na Europa Central e, assim, avaliar adequadamente as suas consequências. Um dos estudos de maior difusão dedicado ao Panislamismo foi o de Max Rolof, publicado em revista ilustrada de grande divulgação na Alemanha pouco antes da eclosão da Primeira Guerra (Max Roloff, "Der Panislamismus", Velhagen & Klasings Monatshefte XXVI, 1911/12, 3 vol., Berlin, Bielefeld, Leipzig, Wien: Velhjagen & Klasing, 365-370).

O termo Panislamismo compreendia os anelos dos muçulmanos de alcance de uma unidade de Estado, o desejo que as diferenças étnicas, as divisões de seitas e outras pudessem ser subsumidas como diversidade na unidade.

O movimento iniciou-se nas últimas décadas do século XIX e desde então os povos maometanos passaram a aproximar-se de forma intensa; um dos fundamentos dessa arregimentação era a da futura luta a ser travada com a Cristandade, com a cultura cristã.

Para além da visão de um domínio mundial do Islão, a principal atenção era a de conservar o território do Islão, preparando a época de vingança. As bases do Panislamismo era a doutrina de que todos os muçulmanos, independentemente de nação, língua, pertencem a um mesmo Estado, ainda que virtual, e devem estar sob a égide de um soberano legítimo. Não seria necessário que todas as nações fossem governadas por esse soberano, mas sim que todos devessem nele reconhecer o representante do Islão na política exterior com referência aos infiéis, submetendo-se como vassalos e a êle dando poderes no julgamento de conflitos.

Esses fundamentos baseavam-se no direito islâmico referente à distinção entre território do Islão (dâr ul-islam) e o dos infiéis ou de guerra (dâr ul-harb). O pensamento fundamental da unidade de Estado dos muçulmanos de todos os países encontrava-se em escritos de juristas árabes do passado, cujas obras eram continuamente estudadas. Apenas haveria dois tipos de guerra: contra os infiéis e para a recuperação da paz interna.

O governante desse Estado era o único legítimo de todos os fiéis, ou seja, não poderia haver um soberano não-muçulmano, e aquele muçulmano considerado como não legítimo apenas podia governar  pontualmente e temporariamente, caso fosse o mais forte e quando a situação viesse de encontro ao interesse dos muçulmanos.

O Panislamismo possuia assim características totalmente diversas de outros movimentos que defendiam situações supra-nacionais de identidade, como o Paneslavismo e mesmo o Pangermanismo. O Paneslavismo desenvolvia a sua propaganda entre povos eslavos no sentido que se unissem, mas não se voltavam aos alemães e latinos. O Paneslavismo e outros movimentos similares baseava-se antes em fundamentos etnológicos e limitavam-se a um território geográfico.

O Panislamismo, porém, tinha um fundamento religioso, o da expansão do Islão, voltando-se a todos que ainda não eram membros do estado unitário, também àqueles que residiam em países cristãos. Alguns eram assim da opinião que nos estados cristãos não haveria solucionar até que os moslems se tiveesem convertido; favores materiais poderiam ajudar nesse sentido, tornando menos agudos os cantos, sem, porém, superar o abismo.

Situação conflitante do sultão turco nas relações - pragmatismo econômico e militar

Os sultões turcos consideravam-se como sucessores dos califas do grande império maometano da Idade Média e, assim, como legítimo soberano de todos os maometanos. Não podiam recusar publicamente a essa pretensão de governar sobre todos os maometanos.

As potências ocidentais que dominavam de fato maometanos, não podiam permitir que uma parte de seus súditos se submetessem a um outro soberano, estrangeiro.

Todos os fiéis deviam ter um líder, Imam, que sobre êles dominasse em tempos de paz e que os comandasse em tempos de guerra. Este seria o soberano de todos os fiéis, a êle cabendo o título de calife (sucessor ou governante). Esse Imam obedecia à Scharia, ou seja estava preso a todos os regulamentos do Corão e da tradição. Ainda que devesse escutar a opinião de peritos, a decisão sempre era apenas sua.

Dessa forma, um parlamento no sentido ocidental não podia ser instituído. Êle era a cabeça da administração, o supremo juiz, comandante e sacerdote. Enquanto obedecesse à Scharia, os súditos devem obedecê-lo, caso contrário, estariam libertos dessa obediência. O imanato surgia como um contrato, entre o Imam com direitos a êle concedidos pela comunidade, e com aquele que designar como sucessor, ou entre a comunidade e este. O Imam, há séculos, devia ser do grupo dos Koraischitas. No cso de não haver um Imam legítimo, valia o direito do mais forte, sendo a situação aceita como "fait accompli", desde que o usurpador possa se manter no poder.

O Imanato dos califas desde a Idade Média e a posição dos maometanos perante o de Constantinopla.  O poder do Imanato dos sultões turcos remontavam ao ano 1517, quanto o sultão turco Selim I combateu os reinos mamelucos, conquistou o Egito e obrigou ao califa que entregasse as insígnias e relíquias. Assim, o Califato dos sultões turcos foi frequentemente questionado por cristãos e mamoetanos. O califa do Egito não tinha sido êle próprio legítimo.

Aém do mais, os turcos não eram árabes, nem Koraischitas, a sucessão ocorria não com a nomeação de um sucessor ou eleição, mas o mais velho Agnat masculino era o sucessor. O único fundamento da soberania do sultão turco era a do direito do mais forte. Era questionado pelos ortodoxos, em particular pelos de Marocos, que se consideravam como sucessores dos Califas de Córdoba.

O sultão turco não era aceito pela maioria das tribos árabes como Imam, mas que reconheciam que era o mais poderoso entre os soberanos moametanos e o único em condições de protegê-los. Por isso o chamavam de Kami, o seu padroeiro. Os mamometanos que residiam em estados europeus reconheciam em geral o sultão de Istambul, desde que não estivessem sob a influência do movimento panislâmico.

Uma das questões mais difíceis relativamente ao Oriente residia assim nos seus pressupostos religioso-culturais: o sultão necessitava do apoio econômico e militar para justificar o seu poder "de fato" perante aqueles que defendiam a supremacia de outros potentados, não podia recusar a pretensão de governar a todos os muçulmanos, e esta não podia ser aceita pelas nações européias. Assim, esses problemas fundamentais eram antes silenciados nas relações para bem de ambos os partidos. Os propagandistas do Panislamismo prejudicavam com a tematização a situação do sultão, colocando-o em possíveis conflitos com outras nações.

Entre os agentes da propaganda panislâmica destacavam-se os missionários e as ordens, a seguir a imprensa e as coleções de antigos escritos. Essas ordens moametanas baseavam-se em fundamento místico, cada uma com as suas práticas próprias. Em algumas, os membros moravam em conventos, em outras encontravam-se difundidos entre a população. Algumas eram mendicantes, outras, de bens. Essas associações que exigiam uma obediência total de seus membros, surgiam como perigosas aos olhos europeus. Mesmo que não fossem originalmente de fins políticos, podiam transformar-se em sociedade secretas, surgindo aos olhos de conservadores europeus como socialistas.

Nos anos anteriores à Primeira Guerra, os "Jovens Turcos" dedicaram-se intensamente à continuidade da propaganda do Panislamismo, apoiados pela imprensa. Essas atividades criavam uma situação difícil para a sociedade européia ou turco-européia e para a sua vida cultural. Compreende-se, assim, as dificuldades experimentadas pelo músico alemão Paul Lange - principal personalidade da vida turco-européia de Constantinopla - a ser nomeado mestre-capela da Corte, uma posição que apenas pôde ser assegurada com o apoio de Guilherme II e do sultão e sua família. (http://revista.brasil-europa.eu/144/Hans-Lange-e-Guiomar-Novaes.html)

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Momentos de ciclo de estudos sob a direção
de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Expansão alemã "ao interior" nas suas relações com a política colonial e seu significado para os estudos de colonização alemã no Brasil. A Estrada de Ferro de Bagdad e suas estações como nódulos de projetada rêde cultural".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 144/18 (2013:4). http://revista.brasil-europa.eu/144/Alemaes-na-Turquia-e-politica-colonial.html