Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Museu Dervis Evi


Museu Dervis Evi


Centro Dervis Evi


Centro Dervis Evi


Centro Dervis Evi


Centro Dervis Evi


Centro Dervis Evi


Fotos A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 144/11 (2013:4)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3015




O girar (Semazen) na ascensão mistica (Miraç) à Perfeição (Kemal)
Interpretações dos irmãos em amor de Dervis Evi
sob o pano de fundo das tradições místicas conhecidas no Brasil

Fundamentos antigos de concepções do Sufismo  considerados a partir da tradição religioso-cultural brasileira V


Turquia no Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. (III)

 

Os brasileiros que atualmente em grande número visitam a Capadócia têm (Veja http://revista.brasil-europa.eu/144/Turquia-Alemanha-Brasil.html), em geral, a oportunidade de vivenciar uma cerimônia sema no centro de cultivo dessa tradição Dervis Evi, mantido por uma fundação criada com o objetivo salvaguardá-la.

Centro Dervis Evi
Essa iniciativa foi resultado da preocupação pela deturpação dessa cerimônia nos seus sentidos mais profundos devido ao emprêgo da dança dos derviches dançantes em shows e apresentações turísticas.

A entidade apresenta-se como museu, com exposições de documentos e objetos, oferece objetos à venda para auxiliar a sua manutenção; o seu principal objetivo é, porém, apresentar aos visitantes das diferentes nações que vêm à Capadócia a possibilidade de vivência do cerimonial sema sob condições apropriadas às dimensões espirituais em anfiteatro subterrâneo. Ela não entende a realização da cerimônia como apresentação turística, mas como contribuição ao entendimento de povos e ao intercâmbio cultural.

Os participantes que giram e os músicos, membros da associação, realizam a cerimônia de forma idealística, compreendendo-a como exercício meditativo-místico. Correspondentemente, pede-se aos assistentes que não aplaudam durante a sua prática. Somente após a cerimônia, com o devido espaço de tempo, retornam alguns derviches para satisfazer desejos de visitantes em fotografá-los. Nesse momento, então, trata-se de fato de uma representação, não de uma prática de sentidos mais profundos.

Centro Dervis Evi

Essa fundação turca de cultivo, preservação e mesmo recuperação de uma expressão religioso-cultural merece particular atenção, pois distingue-se nas suas intenções, de outras iniciativas voltadas à defesa de patrimônio cultural e espiritual do mundo. Expressamente evita-se apresentá-la como folclore turco ou dança de shows. Procura-se relacionar o interesse de visitantes de outros contextos culturais com a necessidade sentida de salvaguardar e revitalizar uma prática místico-meditativa.

A co-participação interior dos assistentes serve, assim, a um escopo de reconscientização religioso-cultural interna e à valorização e propagação de um complexo de concepções e práticas de remota proveniência. A relevância do papel desempenhado pelos assistentes estrangeiros nesse escopo da entidade pode apenas ser avaliado considerando-se a proibição da ordem e outras medidas repressivas à época da instauração do Estado laico sob Atatürk e a atual tendência à intensificação religiosa que pode ser constatada na Turquia. Sob esse aspecto, o visitante do Exterior deve estar consciente que passa a inserir-se em desenvolvimento de implicações político-culturais, e que não deixa de ser questionável sob diferentes aspectos para além do interesse e do valor do patrimônio místico-cultural.


Exposição do centro cultural Dervis Evi sôbre a história de Rumi e do Sufismo

Na exposição, traz-se à consciência dos visitantes que estes presenciam uma expressão de secular história, remontante a uma inspiração do poeta, filósofo, teólogo, místico sufi e jurista persa do século XIII conhecido no Ocidente sobretudo sob o nome de Rumi (1207-1273), na Turquia em geral como Mevlānā (Mevlana Celaleddin-i Rumi), no Irã e no Afganistão como Mawlānā. O seu nome persa era Jalāl ad-Dīn Muḥammad Balkhī ou Jalāl ad-Dīn Muḥammad Rūmī .

Singularmente, a sua designação Rūmī significa Romano. A razão de ser assim chamado reside no fato de ter passado a maior parte de sua vida no território então sob a égida da dinastia Seljuq conhecido como romano no mundo árabe devido ao fato de ter pertencido ao Império Romano do Oriente. Essa designação chama a atenção do pesquisador atento a fundamentos antigos de expressões da mística islâmica.

O erudito era originário de uma pequena aldeia junto ao rio Wakhsh província Balkh no Afganistão, onde o seu pai Bahā ud-Dīn Walad destacava-se como erudito. Pela sua formação, inseria-se na esfera cultural de Khorasan, província mais a Oriente da Pérsia, parte do império Khwarezmian. Em época marcada por dissensões dinásticas em Khorasan e ameaçada pelos móngois, e devido à posição critica de seu pai quanto à orientação religiosa dos shahs de Khwarizmid, a família emigrou em direção ao Ocidente, alcançando Konya, capital do Sultanato de Rum da dinastia Seljuk.

Se o seu pai trazia o renome de grande erudição religiosa, foi nessa cidade, na qual viveu a maior parte de sua vida, que Rumi criou a sua obra, considerada como uma das mais altas expressões da cultura persa. Ela é escrita em novo-persa, remontante à renascença literária persa dos séculos VIII e IX, originada nas regiões de Korasan, Sistan e Transoxiana. Esse florescimento levara, nos séculos seguintes, a que o persa passasse a ser a língua literária e de erudição por excelência no mundo persa islâmico.

O prestígio de erudição de seu pai e da sua própria obra poética junto a círculos influentes da sociedade manifestou-se na doação do jardim de rosas para o sepultamento de seu pai e que, também sendo o seu em 1273, tornou-se centro de peregrinação e sede da Ordem Mevlevi criada sob o seu filho Sultan Walad, que atravessaria os séculos. As obras de Rumi foram traduzidas em outros idiomas, influenciado culturalmente não apenas a poesia persa como também as de idiomas do Paquistão de escrita perso-arábe.

























As 7 partes da jornada de ascensão espiritual através da mente e do amor à Perfeição


A definição da cerimônia sema oferecida pela entidade é a de que representa uma jornada mística da ascensão espiritual do homem através da mente e do amor à Perfeição. Direcionando-se à verdade, o derviche cresce através do amor, abandona o seu ego, encontra a verdade e alcança a perfeição. Depois, retorna da sua jornada espiritual como um homem que alcançou maturidade e maior perfeição, capaz de amar e estar a serviço de toda a criação e de todas as criaturas sem discriminação quanto a credo, classe ou raça.


Os chapéus dos derviches representam a tumba do ego. Os seus hábitos brancos - roupa mortuária do ego. Os derviches são assim nascidos espiritualmente para a verdade removendo os seus mantos negros.

Eles caminham à espiritualidade madura através das etapas da cerimônia, mantendo os seus braços entrecruzados, representando o número 1 e testemunhando assim a unidade de Deus. Quando giram, abrem os seus braços, direcionam a mão direita para o céu, pronta para receber as benesses de Deus; viram a sua mão esquerda em direção à terra e da direita para a esquerda, tendo como eixo o coração. Este é o caminho para redirigir o dom espiritual divino aos homens com a plenitude obtida da contemplação divina. Volvendo em torno do coração, da direita para a esquerda, abraçam toda a humanidade e toda a Criação com afeto e amor.

A viagem inicia-se com o louvor Nat-i serif dirigido ao profeta Moamé visto como representante do amor e, através dele, a todos os profetas anteriores. Assim, o fazendo, louvam por último a Deus, o criador dos profetas.

Segue-se um toque de tambor, simbolizando a ordem divina no ato da Criação: Seja ! (Kun)

A esse toque segue-se música instrumental (taksim'in) em improvisações, destacando-se o instrumento de sôpro ney. Este é visto como um símbolo do primeiro sópro divino que deu vida a toda a Criação.

Assim preparados, os derviches saúdam-se mutuamente e realizam o seu caminho circular chamado Devri Veledi e que é repetido três vezes. Acompanha esse movimento música designada como pershrev. Esses atos simbolizam a saudação de alma a alma por detrás de formas e corpos.


Após o pershrev segue-se o Sema, que consiste em quatro saudações (selams). Ao fim de cada saudação, como no início, os derviches dão testemunho da unidade de Deus. A primeira saudação é a do nascimento do homem na Verdade através do sentimento e da mente. Esse nascimento dá-se na êxtase de Deus como Criador e do Ser na sua plenitude. A segunda saudação manifesta o cair na santidade perante a grandeza e onipotência de Deus daquele que testemunha o esplendor da Criação. A terceira saudação indica a dissolução desse estado em amor e em sacríficio da mente em amar. Representa a submissão total, a anulação de si no Amado e na sua Unidade.

A quarta saudação manifesta que assim como o Profeta, após ter subido ao Trono divino retornara à sua tarefa na terra, os derviches girantes descendem para retornar as suas tarefas em estado de subserviência a Deus. Demonstram esssa atitude através da aparência, braços entrecruzados sobre o peito, representando a unida de Deus em consciência e sentimento.


Elucidações do centro da prática mística e a perspectiva dos Estudos Culturais

A aproximação à tradição dos derviches sob a perspectiva dos estudos culturais dirigidos a processos difere daquela que procura partir concepções científico-naturais do presente e que deve ser considerada antes como pseudo-científica.

A atenção deve ser dirigida a processos de islamização de tradições de remotas origens à época do Sultanato de Rum, conservadas em meio tradicionalista de região afastada e campônea, redescobertas e revalorizadas, subindo do popular ao erudito de círculos sociais influentes. Essas tradições, porém, mantendo antigas concepções e práticas gnósticas, levava nos seus fundamentos a uma visão do cosmos e do homem marcada pelo girar e pelo movimentar do Mitraísmo. Teria havido, assim, em visão transepocal, uma revitalização islamizada de antiga cultura persa helenizada.

Para os observadores brasileiros, a cerimônia parece referir-se apenas a uma cultura distante no tempo e no espaço, fascinante, porém sem maiores implicações para o Brasil. Essa impressão, porém, não corrresponde aos fatos, devendo ser corrigida.

Para isso, porém, torna-se necessário considerar a sua influência através de um complexo caminho que leva a contextos culturais alemães e, através deles, à sua transposição ao Brasil.

Os brasileiros podem, assim, contribuir ao intercâmbio cultural pretendido pela iniciativa turca pois chama a atenção a dimensões internacionais da prática não conhecidas, assim como à história multifacetada da difusão de correntes de pensamento a ela inerentes na Europa e no continente americano.

Para atingir o seu objetivo, os responsáveis pela iniciativa procuram preparar os visitantes ocidentais a partir de seus próprios pressupostos culturais e tendências racionalistas. Assim, iniciam as suas elucidações com argumentos de cunho científico-natural que procuram demonstrar uma validade universal do movimento giratório da cerimônia.

Ao invés de explicá-lo histórico-culturalmente como própria da visão do cosmos a partir da situação do homem na terra, que se encontra inserido num mundo onde tudo gira, se movimenta e flui, e assim demonstrar os fundamentos do edifício de concepções na Filosofia Natural de remotas origens, parte-se do movimento de revolução de electrons e protons nos átomos.

A argumentação abandona assim uma perspectiva teórico-cultural e, na procura de uma visão que evite relativações, assume concepções conhecidas de correntes antes esotéricas de cunho supostamente científico. Nessa argumentação, parte-se da idéia de que das menores partículas até às estrêlas dos céus tudo gira. O átomo surge nessa explicação como modêlo do fato de tudo girar e modificar-se na vida do homem, sendo a revolução nos seus átomos a causa da circulação do sangue, do seu revolver com a própria terra.

Essa perspectiva atomística, porém, não corresponde a antigas concepções filosófico-naturais a que a tradição se prende e cuja consideração surge como fundamental para o estudo adequado dos seus fundamentos e contextualização histórica. Trata-se antes de uma projeção de idéias do presente em expressão tradicional de secular existência para provavelmente facilitar a compreensão de observadores ocidentais, sugerindo, concomitantemente a sua permanente validade. A aproximação supostamente científica assume, assim, uma função propagadora ou subrepticioamente missionária.

Esse cunho afirmativo da validade perene das concepções diz respeito também ao declarado antropocentrismo das elucidações. O homem estaria inserido nessas revoluções naturais de forma inconsciente. Possuindo, porém, razão e intelecto que o distinguem de outros seres e o fazem superior, pode ascender espiritualmente através da mente e do amor à perfeição. Girando, os derviches fazem com que as suas mentes participem em similaridade na revolução com todas as outras coisas.

Segundo as elucidações da própria associação Dervis Evi, esse estado de êxtase, conhecido como Fenafillah no Islão corresponderia até certo ponto ao Nirvana do Budismo. Neste, porém, seria o estado máximo da êxtase, no Islão, porém o mais alto grau teria sido alcançado pelo profeta, passando a ser mensageiro de Deus. O escopo do sema não seria êxtase e perda do pensamento consciente, mas submissão a Deus.

Pesquisa de fundamentos antigos na compreensão transreligiosa de práticas do girar

A atuação de Rumi deu-se em época marcada pelo processo de islamização de uma cultura que até então se encontrava sob a égide cristã de Bizâncio mas que guardava, sobretudo no meio popular da vida camponesa, antigas tradições que remontavam à época de cristianização da antiga cultura e do Gnosticismo. Por essa razão, fragmentos do Gnosticismo cristão que indicam concepções de rodas e do girar relacionadas com concepções cósmicas vêm sendo há muito alvo de particular consideração nos estudos de fundamentos culturais sob a perpectiva de conhecimentos derivados de tradições brasileiras. (A.A.Bispo, Grundlagen Christlicher Musikkultur in der Aussereuropäischen Welt der Neuzeit: Der Raum des früheren portugiesischen Patronatsrechts I, Musices Aptatio 1987/88, Roma/Colonia 1989, 204 ss.)

Indo mais longe, vem à consciência que foi justamente em distantes regiões do Império romano que o Mitraísmo persa mais se propagara entre soldados e veteranos possibilitando com o seu edifício de concepções marcadas pelo ciclo do ano e pelas constelações a harmonização de referenciações de imagens com aquelas do mundo helênico e, a partir delas, segundo as Escrituras à época da Cristianização. (A.A.Bispo, "Antike und Christentum und die Traditio viva in der Musikkultur der Neuen Welt", Beiträge über christliche Volkstraditionen und synkretistische Erscheinungsformen religiöser Überlieferungen in Brasilien, Musices Aptatio 1989/90, Roma/Colonia 1996, 9-26)

A natureza cósmica do Mitraísmo indica as remotas proveniências de visões do mundo e do homem baseadas na constatação de que tudo gira e se movimenta no mundo da existência, mas que o homem pode orientar-se às alturas, direcionar-se ao polo da esfera imóvel e ascender. A própria linguagem das constelações do Mitraísmo - e dos mitos gregos na helenização - indica esse movimento de ascensão e posterior descensão.

De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O girar (Semazen) na ascensão mistica (Miraç) à Perfeição (Kemal). Interpretações dos irmãos em amor de Dervis Evi sob o pano de fundo de tradições místicas conhecidas no Brasil".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 144/11 (2013:4). http://revista.brasil-europa.eu/144/Girar-dos-derviches-e-o-Brasil.html