Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Foto A.A.Bispo. Direitos reservados


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Konya. Foto A.A.Bispo




Fotos A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 144/9 (2013:4)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3013





O que há de embaraçante e surpreendente em girar e iniciar o semah com batidas do kudüm e def? Nós somos irmãos do amor e orgulhosos do ritual Mevlana

Estudos interculturais da mística e pesquisa (etno-)musicológica

Fundamentos antigos de concepções do Sufismo considerados a partir da tradição religioso-cultural brasileira III


Turquia no Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. (III)

 

Os muitos brasileiros que atualmente visitam a Turquia, em particular a Capadócia (Veja http://revista.brasil-europa.eu/144/Turquia-Alemanha-Brasil.html), confrontam-se em diversas oportunidades com a música, instrumentos musicais e músicos turcos, tendo a oportunidade de aproximar-se mais de perto à cultura musical do país.


Essas ocasiões dão-se em geral  através da audição circunstancial de programas musicais durante viagens, apresentações musicais em hotéis e restaurantes, assim como de gravações que são oferecidas nessas oportunidades e em lojas de souvenirs. Na quantidade e diversidade de CDs que encontram podem constatar a vitalidade da vida musical turca nas suas diferentes correntes, o seu significado econômico na promoção turística e o papel cultural que desempenha quanto à imagem do país.

Se a Turquia surge nesses primeiros contatos como um país que surpreende pelo significado por vezes inesperado da música na sua vida social e cultural do presente, os visitantes têm em geral a oportunidade de uma aproximação mais aprofundada ao patrimônio musical turco ao percorrerem o museu-mausoléu da Ordem Mevlana em Konya.

Nesse museu, confrontam-se com uma tradição religiosa secular que surge até mesmo como intrínsecamente musical pelo papel que desempenha a música instrumental e a dança na prática mística.

Mesmo que os visitantes já conheçam de apresentações culturais os "derviches dançantes", é no centro e nos espaços históricos da irmandade - ao mesmo tempo mausoléu com a tumba do poeta místico reverenciado por inúmeros peregrinos - que são levados a reconhecer mais profundamente as dimensões abrangentes e transcendentes da música e da dança em conjunto de concepções, imagens e exercícios espirituais de remota proveniência e ainda de atual vitalidade.

Em celas dos antigos membros, hoje transformadas em câmaras de exposições de objetos e documentos da história da Ordem, organizadas tematicamente, o museu-mausoléu apresenta a visitantes e peregrinos instrumentos musicais históricos ou vinculados a membros de renome da irmandade.

Museu de Konya. Foto A.A.Bispo
Esses instrumentos são distribuídos segundo critérios organológicos convencionais - corda, sôpro e percussão. O visitante aprende que a flauta nây/ney, o pequeno tambor dobule, o rebab e o halilah foram sempre essenciais para a música Mevlevi, a êles podendo se juntar posteriormente também o ud, o kemanch, o kanun e tambur.

Esses instrumentos podem surgir em diversas formas e dimensões, como é o caso, sobretudo, dos vários exemplares da flauta de cana utilizada na prática mística (nây, ney).

Museu de Konya. Foto A.A.Bispo. Direitos reservados
Variando de comprimento e largura, apresentam-se vários tipos do instrumento com as suas diferentes designações (mansur, shah, davud, blahengf, mustahsen, kiz neyi e.o.). Os objetos expostos indicam que a peça na ponta do Ney que tem contato com os lábios (bashpare) - oposta à peça na outra ponta da cana, parazvana, é feita de marfim, âmber, queratose, casco de tartaruga ou jacarandá.

Além dos instrumentistas - chamados de nayi ou nayzan, havia o regente dos tocadores de Ney dentro do conjunto musical mutrib heyeti era chamado neyzenbashi ou sernayi e o melhor tocador era chamado kutbu'n-nayi.

As informações referentes ao rebab da exposição lembra que esse é nome comum para instrumentos de corda tocados com plectro ou arco e usados em forma similar na Turquia, no Irão, na Arábia, no Norte da África, no Afganistão, Paquistão e na Índia.

O instrumento teria sido trazido para a Anatólia no século XIII com a imigração do erudito pai de Mevlana e seus seguidores, vindos do Khorasan. O instrumento, assim, remonta aos fundamentos históricos e conceituais da Ordem, traz à consciência as suas origens mais orientais, sugere que os seus sentidos espirituais já eram conhecidos nas terras de origem ou em correntes da erudição muçulmana que se encontra à base da fundação.

De forma similar, os visitantes recebem algumas informações sobre o significado de instrumentos de percussão que, à primeira vista, não poderia supor. Para além do def, instrumento rítmico constituído por um arco de madeira coberto de couro de ambos os lados e executado com os dedos, o museu salienta o significado religioso do halile, címbalo que os ocidentais antes conhecem da música dos janissares e de suas influências na música ocidental.

Na sequência das câmaras, o museu também oferece, em cenas plásticas em tamanho natural, representações de músicos na execução desses instrumentos, de modo que o visitante pode constatar pormenores quanto a posições de corpo, disposições dos instrumentistas ou grupos de músicos, modos e técnicas de execução.


Pode, nessas encenações, constatar p.e. o singular modo de assoprar lateralmente o ney, cujos instrumentistas mantém-se em pé, a percussão com palmas de mãos, dedos ou baquetas de instrumentos de percussão ou o modo de segurar o plectro ou arco no vibrar as cordas do rebab, cujos músicos, como os percussionistas, conservam-se de joelhos e sentados. Pode constatar que o duplo tambor coberto de couro - nara na linguagem coloquial -, executado pelo kudumzen, conduzidos, se em grupo, pelo kudumzenbasi, tinha um apoio circular para apoiá-lo quando no chão.

Essas câmaras apresentam grupos de músicos Mevlevi chamados de mutrib (plural mutriban) e que tinham o seu lugar no mutribhane. O visitante é informado que o santo ritual (Ayin-i Sharifs) cultivado pelo mutrib representa uma fonte de inspiração e manifestação de capacidade e desenvolvimento espiritual e criativo de compositores.

Compor um Ayin-i Sharifs é sentido como um privilégio, e compositores com mais profundos conhecimentos da cultura Mevlevi costumam tomar textos apropriados para as suas composições de obras de Mevlana e de poemas de outros poetas Mevlevi.

Os visitantes que - juntamente com os fiéis -, também peregrinam de câmara em câmara, são levados a compreender a inserção desses instrumentos no todo abrangente do universo das concepções místicas e poéticas da Ordem. Passam a perceber que os instrumentos não podem ser considerados apenas superficialmente segundo as suas classificações quanto a material e técnicas de produção de som ou à sua difusão geográfica, mas antes segundo o seu sentido velado ou místico. A percepção desse sentido é que se apresenta como principal tarefa para a leitura de seus sentidos e esclarecimento de suas funções.


O semah - a "audição" que é a prática da ascensão à Perfeição - era executado após a oração de Sexta Feira, a leitura do Corão e do Masnavi. As leituras do Masnavi começavam com o verso "Nunca pense que as paixões/sofrimentos para Deus são difíceis de serem transportos; trabalhar com santidade nunca é difícil." Quando a elucidação termina, lê-se o verso Fatiha do Corão, terminando-se com o gulbang de Mevlevi. Dentro do antigo Império osmano, fundações foram estabelecidas para a leitura Masnavi em outros lojas e mosteiros, mesquitas e aldeias com Mevlevihanes, sendo que aqueles não afiliados a uma ordem encontravam a possibilidade de beneficiar-se com os saberes transmitidos.

Na visita ao museu/mausoléu de Konya pôde-se salientar a necessária orientação teórico-cultural dos estudos relativos à cultura musical turca que vem sendo defendida desde a instituição do curso de Etnomusicologia nos cursos da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo em 1972.

Além da orientação dirigida ao estudo de processos culturais defendida pela sociedade fundada em 1968 e que marcou o debate relativo à inclusão da área disciplinar de forma adequada ao Brasil, a participação de Martin Braunwieser (1901-1991) nos debates, com a sua experiência de juventude da cultura mística oriental, chamou a atenção à necessidade de um tratamento sistemático do papel da música em práticas místicas e que ultrapassa fronteiras nacionais, culturais e religiosas.

Foi essa orientação desenvolvida no Brasil relativamente ao estudo da cultura musical turca que determinou estudos posteriores na esfera da Etnomusicologia e da História da Música em contextos globais na Alemanha, diferenciando-a sob muitos aspectos de concepções da pesquisa representada por outros autores.

A discussão intercultural e interreligiosa dessas concepções da pesquisa levou à realização de trabalhos na Turquia e a uma conferência em Izmir como uma das primeiras iniciativas do Instituto de Estudos de Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa, em 1985. (http://www.brasil-europa.eu/Paises/Turquia.html)

De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O que há de embaraçante e surpreendente em girar e iniciar o semah com batidas do kudüm e def? Nós somos irmãos do amor e orgulhosos do ritual Mevlana. Estudos interculturais da mística e pesquisa (etno-)musicológica".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 144/9 (2013:4). http://revista.brasil-europa.eu/144/Mistica-islamica-e-Etnomusicologia.html