Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©


igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©


igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©


igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©


igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©


igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©


igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©


Fotos.A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 144/6 (2013:4)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3010




São Jorge e o Báltico nas relações Alemanha/Brasil
O combate ao dragão do pomerano Bernd Notke na igreja real de S. Nicolau de Estocolmo
como monumento do paradigma do combate iluminado às ameaças à liberdade


Turquia no Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. (III)

 

Os estudos eurobrasileiros referentes à Capadócia, motivados pelo atual fascínio de brasileiros por essa região - resultado da influência de telenovela - (Veja http://revista.brasil-europa.eu/144/Turquia-Alemanha-Brasil.html), foram preparados através das impressões ganhas in loco por participantes de excursões culturais organizadas por alemães e orientadas por guias turcos.

O particular interesse de brasileiros em melhor conhecer a terra natal de São Jorge, que ao contrário passaria praticamente despercebido nas visitas feitas, trouxe à consciência de participantes alemães o significado do santo capadócio para a própria Alemanha.

O diálogo desenvolvido pôde contribuir à conexão de dois complexos temáticos que vêm sendo considerados presentemente nos trabalhos eurobrasileiros: aquele voltado aos fundamentos de processos culturais no Mediterrâneo nas suas relações com o Atlântico (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Estudos-e-Esclarecimento.html) e aqueles voltados ao Norte da Europa, em particular ao Báltico (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html).

Os estudos relativos à Capadócia puderam assim dar continuidade a esses ciclos de trabalhos, em especial àqueles levados a efeito recentemente em várias cidades da esfera do Mar do Leste. Observações feitas e conhecimentos ganhos nessas capitais de países bálticos puderam ser reconsiderados a partir dos fundamentos do edifício cultural analisado a partir do Cristianismo e Paleo-Cristianismo capadócio.

Reciprocamente, o emprêgo de imagens assim fundamentadas em contextos históricos totalmente diversos da esfera báltica possibilita o reconhecimento de mecanismos de atualização de paradigmas em diferentes situações e circunstâncias através dos séculos.

A tradição de interpretação de sentidos de imagens em épocas mais próximas do observador atual pode retroativamente abrir perspectivas para a compreensão do seu significado e implicações histórico-contextuais em passado mais remoto.

As reflexões voltadas à Turquia passam neste sentido a ser conduzidas a partir de uma perspectiva dirigida às relações Alemanha/Brasil, principal centro das atenções de 2013 (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html).

Monumental conjunto plástico na igreja de São Nicolau em Estocolmo

igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©
Nos diálogos, lembrou-se sobretudo da visita realizada à igreja de S. Nicolau em Estocolmo no âmbito dos estudos de contextos bálticos, uma vez que o seu interior é dominado por monumental conjunto plástico representando S. Jorge combatendo o dragão.

Em extrema dramaticidade de expressão, a fera é representada caída em estremecimentos de morte, tendo por detrás a princesa orante ameaçada e a cabra de imolação.

Nessa "grande igreja" (Storkyrkan), próxima do palácio real, realizava-se a coroação dos reis suecos no passado e ali se celebram casamentos reais até o presente. Remontante à Idade Média, ao início da história da cidade, a sua forma atual reflete sobretudo a configuração que adquiriu em fins do século XV.

igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©
Esses elos do templo com a realeza evidenciam-se na magnificência barroca dos camarotes reais que ladeiam a parte central das cinco naves da grande sala que constitui essa igreja (Hallenkirche).

Esses espaços reais são emoldurados com drapeados que se abrem como em cena teatral e dos quais transcende, pairando nos ares, a coroa elevada por anjos, ou melhor, trazida por êles das alturas.

Todo o interior irradia a luminosidade do ouro dessa insígnia e dos tons purpúreos dos conjuntos, envolvidos no calor rubro da arquitetura gótica de tijolos vermelhos norte-européia. (http://www.revista.brasil-europa.eu/107/Wismar-Gotico-Vermelho.htm)

A luz não apenas resplandece do dourado dessas obras do Barroco, mas também do ouro da armadura de S. Jorge e dos arreios do seu cavalo do conjunto plástico do combate ao dragão da Idade Média tardia e Renascença.

A irradiação dessa luz surge ainda mais intensa devido ao contraste com o negro da besta que, com os seus espinhos e língua em forma de lança, também por assim dizer emite raios de trevas. Esse contraste entre a luz e as trevas caracteriza todo o interior do templo, uma vez que a irradiação da luminosidade se intensifica com o negro da madeira do altar-mór.


Obra de artista pomerano de significado transcendente

igreja S. Nicolau de Estocolmo. Foto A.A.Bispo©

A grandiosa plástica do combate ao dragão é não apenas a mais impressionante e significativa das muitas representações de S. Jorge dos países nórdicos, do Leste e da Alemanha, mas sim também provavelmente a mais monumental e valiosa do ponto de vista histórico-artístico da iconografia do santo em geral.
Ainda que localizada na igreja de Estocolmo e relacionada com fatos históricos do passado político sueco, a obra é atribuída a um artista pomerano, nascido em Lassen, ou à oficina por êle criada: Bernt Notke.

Uma vez que os pomeranos e seus descendentes constituem importante grupo de imigrantes e colonos no Brasil, tendo sido sobretudo a necessidade de estudos mais aprofundados de seus pressupostos culturais a principal razão de viagens a países bálticos e da realização do atual "Projeto Âmbar" (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html), essa representação de S. Jorge pelo pomerano Bernt Notke adquire especial interesse.

Esse interesse acentua-se pelo fato de ser um artista da época dos grandes Descobrimentos, testemunhando, com a sua monumental obra, o significado da imagem do santo - e da sua veneração - em contexto histórico-cultural diverso daquele em geral considerado nos estudos históricos da perspectiva luso- e luso-brasileira.

Basta que se mencione o Castelo de S. Jorge em Lisboa para que venha à consciência o fundamental papel da imagem e do culto ao santo da Capadócia na história de Portugal e que permite o reconhecimento de sintonias imagológicas com outras grandes nações geórgicas, das quais se salienta sobretudo a Inglaterra.

A irradiação da imagem de S. Jorge em regiões extra-européias a partir da época dos Descobrimentos tem o seu principal testemunho na designação do forte da Mina, marco histórico que necessita ser sempre lembrado na consideração do extraordinário significado que assumiu e assume o culto a S. Jorge na esfera atlântica das relações entre a África e o Novo Mundo.

A atenção ao contexto geo-cultural diverso no qual se insere o conjunto plástico do artista pomerano da igreja sueca possibilita o reconhecimento de interpretações de sentidos que ultrapassam fronteiras nacionais e continentais e cuja análise abre novos caminhos à compreensão de fundamentos de processos culturais em contextos globais.

Inserção da obra no contexto político-econômico e cultural hanseático

A consideração da obra de Bernt Notke ou de seu atelier traz à consciência a rêde de contatos culturais que abrangia o mundo báltico.

Se a sua arte pode em parte ser analizada a partir dos elos com a vida artística de Flandres através da formação que obteve em Tournai, inserindo-se assim em amplo contexto internacional franco-flamengo, a sua atuação deu-se sobretudo dentro da rêde da Hansa (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-em-debate.html).

Em Lübeck, sabe-se que Bernt Noltke desenvolveu intensas atividades que podem documentadas a partir de 1467, quando foi admitido em cargo de pintor e fabricante de vidros.

A partir da década de 40 do século XV, Noltke realizou várias viagens pela Suécia, passando a residir em Estocolmo a partir de 1491, onde viveu alguns anos, sendo a sua estadia em Lübeck de novo documentada em 1498.

A partir de 1505 foi mestre de obras na Igreja de S. Petri de Lübeck. Das obras que são atribuidas a Notke e à sua oficina contam-se a cruz triunfal da parede do coro da catedral de Lübeck,  as laterais do altar de S. João no Convento Santa Ana, uma representação da Missa de S. Gregório na igreja de Santa Maria, assim como o painél da Dança da Morte na mesma igreja.

Esse tema - a Dança da Morte - preocupou o artista e a sua época, pois dele também há uma réplica em Reval/Tallin. Nessa cidade da Estonia há também um retábulo a êle atribúido na igreja do Espírito Santo. De sua lavra é também um altar na catedral de Arhus.

As suas obras coincidem assim com um período de irradiação de obras pelo Norte e Leste da Europa a partir de Lübeck, centro do comércio artístico do Báltico, posto intermediário também da difusão de obras de outras regiões da Europa. Correspondentemente, essa cidade da Hansa obteve uma cópia da obra magna de Estocolmo, conservada desde 1924 na Igreja-museu de Santa Catarina de Lübeck.

A obra no contexto político sueco-dinamarquês - a batalha no monte Brunke

A obra monumental de S. Jorge indica os elos com círculos sociais influentes da sua estadia na Suécia. Ali atuou como mestre de cunhar moedas do país sob égide do administrador do império, Sten Sture I, o Velho (Sten Gustavsson (ca. 1440-1503). Este foi também aquele que encomendou a realização da obra para relíquias e para tumba, sendo o conjunto inaugurado em 1489.

Essa encomenda relaciona-se com a situação política da época e do papel nela exercido por Sten Sture no garantir a independência da Suécia. Este conseguira bater as tropas do rei dinamarquês na batalha de Brunkeberg de 10 de outubro de 1471, salvando assim Estocolmo de ser tomado. Os combates tiveram lugar numa colina Brunkeberg no atual bairro de Estocolmo Normalm. O objetivo do rei dinamarquês era o de depor Sten Sture devido a seu poder resultante dos estreitos elos com a Hansa e afimar-se como rei dos suecos.

Salvando a cidade, a emancipação sueca e a sua liberdade - também a do livre comércio na esfera hanseática - o grande combatente do inimigo ameaçador tornou-se uma figura de herói da terra irradiador de luz que chegou a ter aura de santidade e cujo brilho foi ressaltado na consciência histórica idealizadora através dos séculos.

A essa luminosidade do seu vulto contribuiu o fato de basear-se no seu governar como regente ou preceptor do Império nas camadas mais simples da população, não nas mais privilegiadas da aristocracia, surgindo como defensor dos pobres e oprimidos,

A essa luz contribuiu também o seu empenho pelas ciências e artes, sendo que sob a sua égide fundou-se a Universidade de Uppsala, em 1477, hoje a mais antiga das universidades da Escandinávia. Sten Sture surge assim figurativamente como um astro, como um luminar que irradiou luz no período de quarto de século marcado pela emancipação que garantiu à Suécia.

São Jorge no combate ao dragão surge como exemplo modelar e como alegoria da ação de Sten Sture no combate ao poder inimigo ameaçador de Estocolmo na sua liberdade. Como exemplo, pois teria conduzido o principal vulto sueco nas suas ações, oferecendo-lhe fé na vitória a partir da autoridade garantida pela tradição religiosa, como alegoria por permitir a interpretação mais profunda dos seus atos, elevando-os a uma esfera generalizante e de validade transcendente.

Sob a perspectiva dos estudos culturais, ter-se-ia a atualização, no contexto sueco, de uma imagem de remotas origens, inserida no conjunto da ordenação de concepções e visões do mundo e do homem.

Interpretação de acontecimentos históricos segundo o paradigma visual

Os fundamentos da interpretação do conjunto de imagens que tem a sua mais extraordinária expressão na monumental plástica de Estocolmo encontram-se na própria tradição narrativa hagiográfica.

Recorde-se que, segundo essa tradição, teria havido um dragão que, vivendo em região pantanosa próxima à cidade de Silene, na Líbia, representava uma constante ameaça a seus habitantes. Para satisfazê-lo, evitando que tomasse a cidade, ofereciam-lhe capríneos. Os sacrifícios passaram a ser humanos, alcançando também a filha do soberano, aquela que foi então libertada por Jorge. Segundo exegeses, este teria realizado o seu ato sob as condições que os habitantes se tornassem cristãos.

A presentificação desse modêlo no contexto sueco levou à projeção de Silene à Suécia, a da região pantanosa próxima à Dinamarca, ao dragão à ameaça representada pelo seu rei. O período negro experimentado pelos suecos nessa sujeição ao poder ameaçador torna compreensível a sua comparação com a Líbia.

No paralelo assim criado, a filha do rei a ser tomada pela fera que já não podia ser satisfeita com um óbulo animal surge relacionada com Estocolmo.

Assim como o dragão morto por S. Jorge representou a salvação da princesa e a  superação da situação de dependência de Silene, ou seja, de sua libertação, a derrota dinamarquesa sob Sten Sture evitou que Estocolmo fosse tomada e que a Suécia passasse a ser governada pelo rei dinamarquês. A liberdade alcançada por Silene surge assim em correspondência à liberdade sueca e à liberdade do comércio no âmbito da Hanse.

A princesa, assim, surge como uma alegoria da cidade, o pântano como alegoria da região de onde provém as ameaças contra a liberdade e S. Jorge como paladino da liberdade . A cristianização de Silene após esse ato narrada pela tradição surge aqui como imagem do período do cultivo do espírito, de conhecimentos e das artes que se abre sob condições de liberdade e sob a regência de um luminar. Assim como Sten Sture não era o rei nem primordialmente homem de guerra, mas de espírito, o mesmo pode ser visto em S. Jorge.

A linguagem visual relacionada com os raios de luz de uma imagem solar como a de Sten Sture contribui à leitura mais aprofundada de sentidos da grande igreja de Estocolmo. S. Jorge não se situa na nave central, marcada pelo trono e as insígnias reais, mas sim numa lateral junto ao altar. Êle não é o rei, a êle não cabendo a coroa, mas o luminar que combate o poder ameaçador da livre soberania.

Esse significado irradiador de luz permite também novas leituras da situação urbana em que se insere a grande igreja. Segundo a tradição, o local onde o templo se levanta remonta a Birger Jarl, o fundador de Estocolmo, tendo sido construída em meados do século XIII no ponto mais elevado da ilha Stadsholmen. A liberdade garantida diz respeito a essa terra que se eleva das águas e Sten Sture é filho dessa terra.

Interpretação do conjunto a partir dos fundamentos pré-cristãos do combate ao dragão

Considerando-se os resultados dos estudos que vem sendo desenvolvidos há décadas no âmbito da A.B.E. a respeito dos fundamentos imagológicos de S. Jorge, pode-se ler a monumental plástica de Estocolmo a partir de processos de cristianização de imagens já existentes da Antiguidade e que ocorreram nos primeiros séculos da atual era.

O grande modêlo do combatente do dragão da antiga cultura é Apolo, cujo primordial ato foi o de ter atacado a grande serpente Python que ameaçava a sua mãe, Leto. Python era filho de Gaia, uma potência das profundidades da terra e cujo oráculo passou a ser assumido por Apolo. O seu ato marca uma fase de um desenvolvimento criador expresso através de gerações na narrativa mítica, dos filhos gerados por Zeus.

Apolo é filho de mulher terrena, excepcional nas suas qualidades, amada por Zeus, sendo, assim, relacionado com a terra numa nova fase, combatendo uma potência ameaçadora provinda de uma fase anterior da terra, vigente nas profundezas e cujas forças assume, transmudando-as.

Assim como Apolo passou a ser chamado Apolo Pythios, ou seja, com o cognome do filho da terra na sua fase anterior, também Jorge sugere na sua denominação os elos com a terra, o geórgico. O combate a Python significa a libertação de Leto, da terra da qual Apolo era filho, possibilitando a era de cultivo que se vincula ao nome de Apolo. Seria nesse sentido figurado que os elos de Jorge com a agricultura poderiam ser estudados.

A aplicação do conjunto imagológico ao contexto sueco indica que Sten Sture surge numa posição de Apolo, abrindo-se aqui possibilidades para o estudo de outras implicações resultantes de concepções apolínicas para a história sueca.

São Jorge como luminar no combate a forças ameaçadoras da liberdade

Como os fundamentos antigos da linguagem visual nas suas relações com a interpretação alegórica contextualizada indicam, a personificação do sol, das profundezas ou baixios da terra e do país ou cidade a serem libertados tem relações com a terra, com situações e poderes terrenos.

As imagens devem ser diferenciadas de outras que parecem similares à primeira vista. Assim como os demais corpos celestes, também o sol, com o qual Apolo se identifica, é filho da terra mas exerce a sua função de luminar irradiando no ar durante o dia. Não pode ser confundido com os filhos do ar, nem com a própria luz do dia. Assim como Apolo não é Hephaistos/Vulcano, nem Ares/Marte, também S. Jorge não deve ser relacionado indiferentemente com outros santos que apresentam características militares e até mesmo como combatentes de dragões na linguagem visual.

Uma particular distinção deve ser feita entre S. Jorge e S. Miguel, um homem, outro anjo. Se o arcanjo surge na cultura cristã como combatente do demônio, ou seja, do poder espiritual do mal, do dia contra a noite, S. Jorge é o combatente de potências ou prepotências dos fundos da terra, ameaçadoras de uma cidade da cultura do espírito.

Essa distinção é de significado para o reconhecimento da potencialidade da imagem do combate ao dragão na atualidade.

O ato de S. Jorge, interpretado muitas vezes como combate ao mal no sentido de forças espirituais demoníacas, ou seja, no sentido mais genérico e abstrato, surge, na lógica intrínseca ao sistema de concepções e imagens, antes como relacionado com a luta contra poderes terrenos ameaçadores da liberdade.

Esses poderes não precisam ser demoníacos, podendo até mesmo ser conduzidos em nome do bem e da religião. A imagem de S. Jorge surge, assim, como apta para catalisar visualmente os anelos daqueles que hoje se preocupam com a liberdade ameaçada pelo dragão tenebroso do fundamentalismo religioso nas suas diferentes formas de expressão. A luta contra esse dragão em defesa da liberdade é um combate de características apolíneas, do intelecto, dos conhecimentos e das artes. Representa uma luta que procura irradiar luz e salvaguardar a possibilidade de sua irradiação através do Esclarecimento no combate ao obscurantismo.

Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "São Jorge e o Báltico nas relações Alemanha/Brasil (Projeto Âmbar). O combate ao dragão do pomerano Bernd Notke na igreja real de S. Nicolau de Estocolmo como monumento do paradigma do combate iluminado às ameaças à liberdade".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 144/6 (2013:4). http://revista.brasil-europa.eu/144/Sao-Jorge-em-Estocolmo.html