Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Avignon. Foto A.A.Bispo©


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Fotos.A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 145/16 (2013:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3038




Revisões do discurso teológico-musical do passado recente
nas suas relações com a Musicologia
no início de novo Pontificado
relembrando a
Constitutio Docta Sanctorum Patrum de João XXII (1245/9-1334)


Ciclo de estudos em regiões francesas pelo ano de Marseille como Capital Européia da Cultura 2013 e 300 anos de Denis Diderot (1713-1784)

 

Avignon entrou na história sobretudo por ter sido centro da Igreja como cidade de residência de Papas na Idade Média, passado cuja memória encontra-se sempre viva nos seus monumentos, entre os quais se destaca o palácio pontifício.

Avignon. Foto A.A.Bispo©

Nela relembrou-se, no âmbito de estudos eurobrasileiros realizados na França no verão de 2013, um documento de extraordinária importância para os estudos históríco-musicológicos em geral e, em particular, para aqueles relativos à música sacra: a bula Docta SS. Patrum do Papa João XXII (1245/9-1334).

Esse documento desempenhou papel significativo também no passado mais recente de estudos e iniciativas no âmbito da musicologia e da música sacra da era pós-Conciliar e nas quais também pesquisadores brasileiros estiveram envolvidos.

Essa ponte entre o remoto medieval e o passado mais recente dos estudos e reflexões nas suas dimensões mais amplas e implicações político-culturais e eclesiais é apenas conhecida por aqueles que participaram mais de perto nas atividades musicológicas voltadas à música sacra nas últimas décadas em centros de estudos europeus.

Análisar esse recente passado, porém, surge como necessário para esclarecer contextos e concepções que marcaram desenvolvimentos em contextos globais, também no Brasil.

Avignon. Foto A.A.Bispo©

Atualidade de revisões de perspectivas nos estudos relativos à música sacra

Iniciativas e correntes de pensamento de três décadas e que se desenrolaram em contextos acadêmicos contaram também com a contribuição teológico-musical do J. Cardeal Ratzinger, o posterior Papa Bento XVI.

No atual pontificado tem-se percebido uma mudança no direcionamento das atenções, de prioridades, de estilo na forma de comunicação e de configuração de celebrações litúrgicas e outros atos de culto que, mesmo que ainda não possam ser ainda delineadas e analisadas nas suas relações com fundamentos doutrinários, tornam oportuna uma reconsideração de caminhos percorridos e de correntes de pensamento que marcaram as reflexões e as iniciativas no âmbito da música sacra nas últimas décadas.

Relembrar o documento sacro-musical da época dos Papas em Avignon serve também para trazer à consciência que fontes do passado apresentam relevância não apenas pelo seu conteúdo e sentidos intrínsecos, mas sim também pela sua recepção em séculos posteriores, pela sua lembrança e valorização a serviço de determinados objetivos e ideais.

Não basta, assim, numa aproximação musicológica preocupada com contextos culturais, considerar situações do passado, da época do documento, mas sim também as circunstâncias em que fontes e desenvolvimentos passaram a ser reconsiderados pelos especialistas, em particular no contexto de anelos restaurativos nas suas diferentes fases nos séculos XIX e XX.

Neste intento, a análise músico-cultural relaciona-se com aquela de rêdes de personalidades e instituições envolvidas, o que vem de encontro aos objetivos dos estudos eurobrasileiros que procuram relacionar a pesquisa cultural e os estudos da própria ciência e do trabalho acadêmico.

Avignon. Foto A.A.Bispo©

Significado para os estudos direcionados ao mundo de língua portuguesa

A atenção ao documento por parte da pesquisa voltada a contextos relevantes para o estudo de fundamentos músico-culturais do mundo de língua portuguesa foi despertada em meados da decada de 70 pelo fato de João XXII apresentar na sua vida elos com Portugal.

Após estudos em Montpellier e Paris, e nomeação a bispo de Fréjus e Avignon, o futuro João XXII foi Cardeal do Porto e Santa Rufina em 1310. Como Papa em Avignon, concedeu autorização para a fundação da Ordem de Cristo em Portugal através da Bula Ad ea ex quibus cultus (1319), uma instituição que desempenhou posteriormente papel fundamental na história dos Descobrimentos.

O seu significado sob a perspectiva dos estudos relativos a Portugal e ao mundo extra-europeu de formação portuguesa foi considerado nos encontros que tiveram o escopo de preparar a introdução dos estudos musicológicos em Portugal e que se estiveram sob a direção de Maria Augusta Alves Barbosa.

Esse interesse pelo estudo mais aprofundado do documento foi impulsionado pelo fato de dois dos mais renomados especialistas em estudos teórico-musicais da Idade Média serem professores na Universidade de Colonia: Karl Gustav Fellerer e Heinrich Hüschen.

A tomada de consciência do significado desses elos com Portugal constituiu relevante fator para a decisão de fundar-se o Instituto de Estudos da Cultura Musical no Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS), em 1985, criando-se, assim, na Europa, uma instituição que dava continuidade ao Centro de Pesquisas em Musicologia fundado no Brasil, em 1968.

Há ainda uma outra razão do interesse de estudos de João XXII e sua é sua época sob a perspectiva dos estudos culturais em contextos globais. A consideração da vida e da obra desse papa residente em Avignon revela não apenas relações entre diversas nações européias e respectivas inserções em configurações políticas, mas sim também extensões ao mundo extra-europeu, em particular da missão medieval no Oriente muçulmano, fato pouco considerados nos estudos missionários e de relações culturais.

João XXII adquire, assim, particular interesse para estudos voltados a processos culturais, tendo sido assim considerado em cursos e seminários dedicados à música no encontro de culturas e de musicologia em contextos globais realizados nas universidades de Colonia e Bonn.

Docta SS. Patrum do Papa João XXII na consideração da Polifonia nos anos 80 e 90

A bula dedicada à música sacra de João XXII, ainda que já mencionada e considerada por outros historiadores da música e teólogos dedicados à legislação sacro-musical, foi sobretudo estudada e salientada no seu significado por Karl Gustav Fellerer.

No levantamento de seus escritos pelo editor desta revista, então conservados em Maria Laach no Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos da organização pontifícia de música sacra, revelou-se, em 1983/4, que seria oportuno reeditar um de seus trabalhos especificamente dedicado ao tema, publicado em italiano, no âmbito de obra voltada aos fundamentos espirituais e artísticos da cultura musical européia então em preparação.

Essa publicação devia ser lançada por motivo do Ano Europeu da Música 1985, e Fellerer tratava nesse texto de concepções consideradas como fundamentais para o desenvolvimento da Polifonia e das concepções e posições teologico-musicais respectivas.

Devido a essa importância crucial vista no documento também pelo Preside do Istituto Pontificio di Musica Sacra, editor da obra em preparação, o estudo de K. G. Fellerer serviu de abertura ao volume dedicado à Polifonia.  ("La 'Constitutio Docta Sanctorum Patrum' di Giovanni XXII e la Musica Nuova del suo tempo", Beiträge über die geistigen und künstlerischen Grundlagen der europäischen Musikkultur, Liber Annuarius 1984/85, II, Roma 1991,11-16)

A releitura desse texto no presente exige não tanto que se considere as informações que transmite, mas sim a argumentação do autor, a sua perspectiva do desenvolvimento litúrgico-musical, o pêso que confere a determinados aspectos do texto e o seu escopo ou intenções.

Tratando da relação entre a Constitutio Docta Sanctorum Patrum e a música nova do seu tempo, K.G.Fellerer lembra em primeiro lugar que na Idade Média a autoridade eclesiástica pronunciou-se repetidamente a respeito da música sacra. Recorda, por exemplo, que já no século X as Instituta Patrum tinham salientado a natureza, as exigências e as funções do canto. Salienta que os requisitos essenciais sempre acentuados residiam no canto como forma de oração e na clareza do texto.

Assim, Clemente V (1264-1314) exigiu, em 1312, que o canto sacro não fosse deformado e que elementos profanos fossem banidos da igreja, p.e. o que se via como sobrevivências de antigos ritos em expressões religiosas, tais como em danças e em cantos em cemitérios. Ainda que não considerado pelo autor, essas disposições indicam o impulso restaurador, de retorno a uma suposta pureza e autenticidade e do combate a abusos na época, o que permite situar o documento em determindas correntes do pensamento e de anelos de natureza conservadora.

Para Fellerer, nessas disposições tornava-se evidente não apenas o ideal da música sacra, como também o modo com que o ideal devia orientar a prática musical.

Como salientou no seu texto, o desenvolvimento da Polifonia no século XIII nas esferas sacra e profana, novos e mais sensíveis problemas se colocaram. Traçando um panorama desse desenvolvimento, expõe a sua concepção que primordialmente a polifonia teria sido uma ampliação da execução do canto gregoriano, permanecendo estreitamente a êle ligada tanto do ponto de vista rítmico como declamatório.

Entre outros aspectos, o desenvolvimento contrapontístico independente das vozes e a nova configuração sonora trouxeram consequências para o movimento do tempo de base gregoriana. Com isso, teria surgido um novo problema para a Igreja, uma vez que o Gregoriano tinha sido a única expressão sacra em contraposição à profana. As novas formas de canto polifônico "vindas em moda" no século XIII utilizavam-se de meios expressivos conhecidos da música profana e afastavam-se do canto firmus. (op.cit. 11)

O autor procura corrigir a repetida afirmação segundo a qual o documento de João XII teria representado uma simples proibição da polifonia. Para êle, seria mais correto dizer que o pontífice tentou manter a posição central do canto gregoriano no âmbito da música sacra, limitando as inovações relativamente à música profana, colocando a nova arte na medida das possibilidades a serviço da Igreja.

Entre os problemas que deviam ser enfrentados encontravam-se aqueles referentes ao rítmo e à modalidade. A antiga estética e a expressão modal teriam caído em crise com um desenvolvimento que conduzia à disposição harmônica do maior/menor. A tradição estética modal, porém, era estreitamente vinculada à ética, e esse significado ético da expressão sacro-musical não era mais considerado na ars nova.

A sua ação expressiva decorria fora das leis éticas e influenciaria o homem através dos sentidos, tal como fazia a música profana.

O documento de João XXII deixava perceber, segundo o autor, que a ars nova não se baseava mais sobre a liturgia e sua linguagem expressiva, mas procurava atuar na pessoa através dos sentidos.

A música sacra teria a sua própria forma expressiva, e esta dependia do caráter da solenidade religiosa, do lento proceder das melodias litúrgicas. Assim, para K.G.Fellerer, o documento não representava uma proibição da polifonia em si, mas sim teria sido "o violentamento da estrutura-base gregoriana" o que suscitara retiscências contra a nova arte. (op.cit. pág. 13)

Fellerer, com a sua análise, procura oferecer bases musicológicas para a concepção de que a polifonia, se ligada ao canto gregoriano, pode até mesmo intensificar a expressão religiosa a favor da solenidade e da profundidade da oração, manifestando-se o gregoriano de forma adequada às diferentes gradações de solenidade. 

Para o autor, o desenvolvimento histórico demonstraria um abandono da base gregoriana dos motetos polifônicos da ars antiqua, abrindo caminhos para uma nova arte fundamentada em leis puramente musicais e de possibilidades de expressão subjetiva. A missa polifônica como forma cíclica seria resultado de uma nova concepção que colocaria em primeiro plano a edificação do homem através da delectatio, iniciando-se o desenvolvimento da devotio moderna.

Apesar do fato da arte nova ter-se imposto, K.G. Fellerer procurou acentuar no seu texto que a idéia-base do vínculo da música sacra permaneceu válida através dos séculos. Muitos teóricos procuraram salvar o espírito e a tradição do gregoriano e este voltou repetidamente a servir de base à composição sacra. A música sacra dos séculos XV e XVI é em grande parte determinada pelas relações da estrutura contrapontística com o cantus firmus.

Esse desenvolvimento na Idade Média, que levou à transformação das formas de expressão musical no sentimento do homem, teria criado segundo Fellerer um novo sentimento musical que poderia ser considerado em paralelo com a mudança do desenvolvimento musical ocorrida ao redor do século XVII. A emancipação quanto ao Ordo do pensamento medieval surge na argumentação do autor como fato na orientação voltada ao sentimento pessoal do homem; a delectatio, tornando-se atuante na formação musical, teria colocado os problemas que foram tratados pelo papa João XXII.

Posicionamentos teológico-musicais de cunho fundamental e a perspectiva cultural

Essa interpretação do desenvolvimento histórico-musical nas suas fundamentações em concepções teológico-musicais marcou sessões dedicadas ao canto gregoriano e à música polifônica em trabalhos e conferências que trataram do Brasil e em simpósios internacionais realizados no país.

A posição que Fellerer procurou fundamentar musicológicamente, porem, estava sendo porém já há anos questionada sob o aspecto dos estudos culturais pelo editor desta revista. Já no primeiro dos simpósios da serie "Música Sacra e Cultura Brasileira", em 1981, tematizaram-se os problemas resultantes dessa visão histórica e músico-teológica sob a perspectiva de países de formação missionária da era moderna.

Já desde fins da década de 60, no âmbito das iniciativas voltadas à renovação teórico-cultural através do direcionamento das atenções a processos, tormou-se consciência, no Brasil, dos graves problemas resultantes do ponto de vista cultural da desvalorização de todo um passado sacro-musical constituído sobretudo por música religiosa com acompanhamento orquestral.

Esta, combatida por representantes do movimento restaurativo que preconizou o cultivo do gregoriano e da polifonia clássica e que teve o seu marco no Motu proprio (1903) de Pio X (1876-1958), tinha sido banida há muito das igrejas, apenas mantendo-se em raros centros mais conscientes das tradições locais, entre êles S. João del-Rei.

Salientado esses problemas para uma musicologia de orientação cultural em dissertação de doutoramento, o editor desta revista decidiu-se tematizá-lo em simpósio internacional que, realizado no Brasil, chamasse a atenção dos especialistas voltados à música sacra na Europa à necessidade de uma consideração do patrimônio cultural sacro-musical nas suas inserções em processos históricos.

Países como o Brasil não poderiam e deveriam entregar-se ao extraordinário empobrecimento cultural que representava a desvalorização e mesmo o combate de grande parte do seu patrimônio histórico-musical através da recepção indiferenciada de concepções teológico-musicais de cunho fundamentalista.

Para trazer à consciência o reconhecimento que merece a cultura musical de acompanhamento instrumental originada de impulsos missionários nas regiões extra-européias e mesmo centro-européias recatolizadas, o autor desta revista salientou no âmbito da coletânea aberta pelo texto de K.G. Fellerer o significado da encíclica Annus qui de Bento XIV (1749) para uma musicologia histórica em contextos globais e para a argumentação teológico-musical. (A.A.Bispo, Kirchenmusik und die Klassik: einige Überlegungen aus der Sicht des Südens, op.cit., 103-125)

A relevância da encíclica Annus qui para a América Latina e a Europa foi tratada pela primeira vez em conferências em eventos da organização pontifícia de música sacra no início da década de 80 e em publicações, tendo-se posteriormente a preocupação de difundir o proprio documento no Brasil, até então desconhecido no seu significado (A.A.Bispo,. A Encíclica Annus qui de Bento XIV (1749): Do Redescobrimento de um documento", Correspondência Euro-Brasileira 17 (1992:3).

Os dois tipos de visões e as respectivas argumentações continuaram, porém, a ser defendidas paralelamente, causando incoerências nem sempre bem esclarecidas e mesmo tensões profissionais e humanas que se manifestariam posteriormente.

Para o Brasil, não se trata no caso apenas de perda patrimonial, mas sim também da dificultação de análises adequadas de processos culturais.

Os estudos que se desenvolveram a seguir salientaram o fato de que países de formação cultural marcada pela atividade missionária, em particular da Companhia de Jesus, foram alvo de um outro direcionamento das concepções fundamentadoras de métodos, voltados estes antes à atração e à conquista religioso-cultural, à criação e fomento de sentimentos comunitários no processo integrativo e transformador de identidades.

Para isso, o emprêgo de meios vistos como justificados pelos fins levou ao desenvolvimento de uma cultura marcada por expressões que, no sentido da argumentação de Fellerer, falam mais próximo aos sentidos e sentimentos do homem por assim dizer no sentido da delectatio.

Situação similar pode ser constatada também em países centro-europeus que foram alvo da ação contra-reformatória jesuítica e foram marcadas pelo Barroco e pelo desenvolvimento da música sacra de acompanhamento orquestral que alcançaria o seu ápice nas grandes obras dos clássicos.

Ainda que tendo sido alvos da propaganda, de princípios e meios que poderiam ser questionados, os procedimentos missionários criaram fatos, marcaram formas de expressão, desenvolvimentos posteriores e mentalidades, não podendo ser desconsiderados nos estudos voltados a processos culturais.

Não se trata, assim, apenas do extraordinário empobrecimento que se dá com a perda de todo um patrimônio músico-cultural, mas sim também do despertar da consciência para os problemas teóricos resultantes de distintas visões e argumentações, de um direcionamento das atenções antes à fundamentação teológica, ao culto, à forma, à por muitos preconizada "objetividade", ou às atividades missionárias e sociais, à atração, à propaganda, à conquista espiritual.

Procurando-se trazer à consciência a perda patrimonial e os problemas teórico-culturais resultantes de posições que acentuam fundamentos teológico-musicais, não se deveria, porém, favorecer uma outra forma de perda patrimonial que seria causada pela desvalorização de todo um repertório originado de ideais restauradores do gregoriano e da polifonia nele baseada.

Também aqui criaram-se fatos, formas de expressão e desencadearam-se desenvolvimentos que não podem deixar de ser considerados nos estudos culturais. Uma apreciação adequada apenas pode ser alcançada considerando também aqui inserções em processos culturais, o que significa relativar posicionamentos marcados por concepções teológico-musicais como sendo expressões êles próprios de situações e desenvolvimentos históricos e, assim, mutáveis.

Revisões sob a perspectiva de uma musicologia histórica de orientação cultural

Nas reflexões encetadas em Avignon, chamou-se a atenção ao fato de que, numa musicologia histórica de orientação teórico-cultural dever-se-ia dar maior atenção à situação político-cultural do Papado naquela cidade nas suas relações com a complexa dinâmica das relações internas francesas e internacionais.

Lembrou-se, entre outros aspectos, da oposição de João XXII relativamente ao ideal franciscano da pobreza e que levava por fim à questão da propriedade ou da posse de bens por Jesus e à exigência de uma igreja dos pobres. Outro aspecto considerado disse respeito ao campo de tensões com o rei da França, em parte relacionado com a discussão a respeito da pobreza.

Na consideração desse campo de tensões, lembrou-se que a difusão do Gótico no sul da França, em particular de suas catedrais, poderia ser analisado em função da recepção de tendências artístico-culturais do Norte, e que, na sua complexidade estrutural denotava concepções numéricas, rítmicas e de combinação de linhas que podem ser analisadas em paralelos com desenvolvimentos musicais.

Seria, assim, tarefa para estudos histórico-musicais orientados interdisciplinarmente dedicar-se a uma interpretação de fatos e desenvolvimentos que se diferencia sob vários aspectos daquela que se revela no estudo exemplar de K. G. Fellerer.

De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "
Revisões do discurso teológico-musical do passado recente nas suas relações com a Musicologia no início de novo Pontificado relembrando a Constitutio Docta Sanctorum Patrum de João XXII (1245/9-1334)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 145/16 (2013:5). http://revista.brasil-europa.eu/145/Avignon-Docta-Santorum-Patrum.html