Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Avignon. Foto A.A.Bispo©


Avignon. Foto A.A.Bispo©


Avignon. Foto A.A.Bispo©


Avignon. Foto A.A.Bispo©


Avignon. Foto A.A.Bispo©


Avignon. Foto A.A.Bispo©



Fotos.A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 145/15 (2013:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3037




Sur le pont d'Avignon em reflexões relativas à Educação
nos seus elos com os estudos culturais e musicológicos
Pelos 30 anos da Semana de Música França-Alemanha em iniciativa brasileira


Ciclo de estudos em regiões francesas pelo ano de Marseille como Capital Européia da Cultura 2013 e 300 anos de Denis Diderot (1713-1784)

 
Avignon. Foto A.A.Bispo©

Com uma visita a Avignon no âmbito do ciclo de estudos eurobrasileiros de verão de 2013 realizado na França foram retomadas algumas das questões tratadas na Semana de Música Teuto-Francesa realizada há 30 anos em iniciativa e com participação de pesquisadores e professores de música brasileiros em Leichlingen, cidade alemã geminada com a cidade francesa Marly-le-Roi.

Esse evento de 1983 seguiu-se à Semana de Música Teuto-Brasileira levada a efeito no âmbito do Forum de Leichlingen dedicado a questões de Pedagogia Musical Comparada ou Educação Musical de orientação músico-cultural. Com a criação desse Forum procurou-se dar prosseguimento, na Europa, a um debate e a esforços iniciados no Brasil em fins da década de 60 e início dos anos 70.

Avignon. Foto A.A.Bispo©

Cooperações internacionais no desenvolvimento de reflexões iniciadas no Brasil

O objetivo era, em instituição filiada à organização das escolas de música alemãs (Verband deutscher Musikschulen), ampliar internacionalmente as discussões renovadoras músico-educativas originadas no complexo cultural brasileiro, em especial na situação de diversidade e dinâmica transformatória que marcava sobretudo São Paulo com o seu grande número de imigrantes e migrantes à crescente diversidade cultural que se fazia sentir de forma crescente em cidades européias.

Esse desenvolvimento no Brasil inseria-se em determinado contexto político-cultural e político-educativo que se manifestava na substituição de cursos de formação de professores de Canto Orfeônico por aqueles de Licenciatura em Educação Musical e Artística.

As concepções que tinham fundamentado o Canto Orfeônico, um movimento que, embora já de antiga tradição recebido sobretudo da França havia sido fomentado e marcado por desenvolvimentos e ideários políticos nacionalistas dos anos 30 e 40, deviam ser repensadas e atualizadas à luz das novas tendências do pensamento nas esferas da Educação, das disciplinas de cunho cultural e da pesquisa musical.

Esses esforços renovadores levaram, entre outros aspectos, à introdução da Etnomusicologia nos cursos de Licenciatura na Faculdade de Música e Educação Artística do antigo Instituto Musical de São Paulo em substituição ou ao lado dos estudos do Folclore, área disciplinar que havia adquirido quase que significado condutor no antecedente Conservatório Paulista de Canto Orfeônico e outras instituições.

O desenvolvimento das reflexões músico-educativas relacionou-se com as preocupaões renovadoras tanto na área designada como Folclore - também marcado até então por similares concepções de conotações político-culturais - como na da então introduzida Etnomusicologia. Esta não desejava representar uma simples implantação, no Brasil, de concepções, métodos e questionamentos dos grandes centros da disciplina dos Estados Unidos ou da antiga Musicologia Comparada de tradição alemã.

A orientação das atenções a processos culturais - e não a esferas marcadas por concepções do erudito, popular e folclórico -, discutido já desde meados dos anos 60 e que levou à fundação de sociedade para a sua promoção e exercício experimental na prática em 1968, determinou assim os esforços renovadores na Educação Musical e que tinham como pressuposto a mudança renovadora em áreas disciplinares voltadas à pesquisa e aos estudos culturais, em particular musicológicos, fossem es sistemáticos, históricos ou empíricos.

Da "influência francesa" nas concepções de Folclore: Sur le pont d'Avignon

A atenção a processos era compreendida por aqueles marcados pelas concepções então correntes nas áreas do Folclore e mesmo da História da Música no Brasil como correspondente à consideração maior de "influências" numa cultura musical brasileira. Motivado por Festival de Música Francesa realizado na Alliance Française de São Paulo, lembrou-se, em diálogos com folcloristas, em particular do Museu do Folclore sob a direção de Rossini Tavares de Lima, da "influência" francesa na música folclórica do Brasil, frequentemente exemplificada pela cantiga Sur le pont d'Avignon.

A sua difusão era explicada como resultado da intensa atuação de ordens religiosas francesas no ensino a partir de meados ou fins do século XIX e que a teriam propagado juntamente com correspondentes danças de roda. O Sur le pont d'Avignon dava testemunho de um processo de "folclorização", de adoção de impulsos da esfera do erudito e da transmissão formal de cultura pelo povo segundo critérios da aceitação coletiva, do anônimo e tradicional.

Tratando das diversas contribuições ao Folclore, Rossini Tavares de Lima afirmava que

"o francês integrou traços culturais seus no nosso folclore, através, principalmente, da atividade dos colégios de freiras dessa origem. As crianças brasileiras cantam o 'Irmão Jaque', que não passa de tradução do famoso 'Frère Jacques, Dormez vous', Se bem que com música diferente, também é conhecido no Brasil o 'Sur le pont d'Avignon', traduzido como 'Lá na ponte da Vinhaça, da Vingança etc" Outras rodas infantís francesas conhecidas entre nós são: 'Fui passar no Jardim Celeste, Giroflé, giroflá', onde 'Bois Seulette' deu em 'jardim celesteÄ; 'A mão direita tem uma roseira', que corresponde ao francês 'A ma main droite y a-t-un rosier'; 'Margarida está no castelo, o quê, o quê, o quê', originalmente 'Où est la Marguerite? Oh gai, oh gai, oh gai!'; e por último, 'Vamos passear na floresta, enquanto seu lobo não vem', que procede ou pelo menos tem correspondente em 'Promenon-nous dans les bois tandis que le loup n'y est pas'. (....)" ABECE do Folclore, São Paulo: Ricordi, 5a. ed., 1972 142)

Sur le pont d'Avignon e adaptações de termos e imagens: a corda da viola

Essas menções de R. Tavares de Lima correspondem àquelas anteriores de Renato Almeida, salientando-se neste a referência a versões nas quais Avignon surge substituída por um instrumento de corda, no caso a viola, e a ponte pela corda, uma troca de imagens que mereceria particular atenção em estudos de linguagem visual de remotas proveniências: 

"É digna de registo a influência francesa nas cantigas de roda. De Sur le pont d'Avignon vieram Na ponte da Vinhaça e suas variantes Na ponte da Viola e A Corda da viola." (Renato Almeida, História da Música Brasileira, 2a. ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet 1942, 108)

Sur le pont d'Avignon - Pedagogia Musical Comparada e Estudos de Lúdica

As reflexões iniciadas no Brasil, revelando-se como de relevância também no contexto europeu, mantiveram-se atuais na segunda metade da década de 70, levando à instituição do mencionado Forum de Pedagogia Musical Comparada.

Nele procurava-se em, sentido mais amplo dar continuidade, em cooperação internacional, à discussão das possibilidades de uma orientação musicológica da Educação Musical. Pré-condição para esse desideratum, porém, residia numa orientação teórico-cultural da própria Musicologia, marcada sobretudo na Alemanha por extremo conservadorismo de concepções e questionamentos tanto na Musicologia Histórica como na Etnomusicologia.

Compreensivelmente, um dos temas primeiramente lembrados e tratados no âmbito da Semana Musical Teuto-Francesa de 1983 disse respeito ao Sur le pont d'Avignon, uma vez que essa cantiga também é amplamente conhecida na Alemanha e considerada na prática de ensino em compêndios didáticos do passado.

Tratou-se, assim, de início, comparar o fenômeno representado por essa difusão, as respectivas práticas escolares e na lúdica infantil - respectivamente expressão de adultos conservada no meio infantil - assim como as explicações oferecidas pela pesquisa musical e de tradições culturais em diferentes contextos.

Transcorridos agora 30 anos desse evento, pareceu ser conveniente retomar a questão do Sur le pont d'Avignon à luz do desenvolvimento das reflexões das décadas posteriores in loco, considerando sobretudo a repercussão local nos seus múltiplos significados de tão ampla propagação da cantiga e da respectiva dança de roda.

Esse objetivo corresponde à necessidade de demonstrar a necessidade de uma condução dos estudos musicológicos segundo contextos globais para o desenvolvimento mais amplo e adequado da própria pesquisa musical na Europa, o que ainda enfrenta obstáculos reticentes sobretudo por representantes de uma musicologia histórica eurocêntrica na Alemanha.

Avignon. Foto A.A.Bispo©

Significado atual de Sur le pont d'Avignon para Avignon

Ponto de partida das reflexões foi a constatação do grande número de visitantes de todo o mundo que se dirigem a Avignon movidos pelo Sur le pont d'Avignon. Pode-se supor que muitos deles pouco mais conhecem a respeito da cidade francesa do que a sua menção na popular cantiga.

Uma simples canção teve assim a capacidade de fazer ou manter conhecida, atráves dos séculos e de países, europeus e extra-europeus, uma cidade que por muitas outras razões poderia ser lembrada, sobretudo por ter sido nada menos do que cidade de Papas na Idade Média.

Não sendo um hino ou melodia patriótica, mas canto lúdico e referente a dança popular, transmitida sobretudo no repertório infantil, o seu significado como portadora do nome de Avignon no mundo representa um fenômeno de interesse para os Estudos Culturais voltados ao presente e conduzidos em relações internacionais.

Vindo de encontro a esse interesse, a ponte, ou melhor, a parte que dela resta, é salientada como atrativo de primeira grandeza pelas instâncias de cultura e turismo de Avignon. Os visitantes da cidade são a ela conduzidos e informados a respeito do significado do texto da melodia. Muitos desejam experimentar a sensação de terem estado sôbre a ponte de Avignon, cujo acesso é sujeito a ingresso pago.


O monumento arquitetônico em si, na sua história, construção e função é menos considerado do que o fato de ser decantado. Apenas de passagem o visitante toma consciência que o nome da ponte é na realidade St. Bénézet e que representou originalmente obra considerável de interligação de terras e ilhas, de longa distância e muitos arcos. Repetidamente destruída, não foi mais reconstruída no seu todo, permanecendo apenas o torso ainda existente.

O acesso à via elevada da ponte, desejado pelos turistas, nem mesmo parece corresponder às práticas festivas descritas no texto cantado. Pelo que se supõe, não se trataria de "sôbre a ponte", mas "sob a ponte" ("Sous le pont d'Avignon"). O texto descreveria danças populares que seriam praticadas sob os seus arcos que cruzavam um bairro de divertimentos existente na ilha de Barthelasse, atravessada no passado pela ponte. A cantiga teria mantido viva através dos séculos a lembrança numa ilha de diversões e feiras populares e as danças tradicionais que ali se praticavam.

Tratar-se-ia, segundo essa hipótese, da memória da atmosfera marcada pelo encontro de diferentes grupos sociais, profissionais, de idade, de sexo e de origem por ocasião de mercados e feiras e, do ponto de vista da história do urbanismo, do fato particularmente significativo da existência de zona de diversões numa "ilha de prazeres" que permitia tais aproximações e interações. Nesse sentido, o dansar em roda salientado no texto da cantiga merece especial atenção.

A roda surge nessa cantiga como dansa por excelência e ato do agir lúdico em conjunto, coletivo ou comunitário, o que possibilita interpretações em diversos sentidos. O dansar todo em roda pode ser compreendido como indicativo de uma unidade na diversidade daqueles que entram na roda e que manifestam as suas diferenças nos gestos pantomímicos reveladores de idade, sexo e profissões.

A roda, o rodar, o dar mãos e a forma do círculo nos Estudos Culturais

A releitura do texto do Sur le pont d'Avignon traz assim à memória os muitos aspectos de um debate já de décadas a respeito do significado da roda na pesquisa cultural dirigida à análise de imagens.

Já no simpósio internacional de 1981 realizado em São Paulo, dedicado a questões de diversidade na unidade nos estudos culturais referentes ao Brasil, considerou-se a gama de significados no exemplo da roda em expressões tradicionais brasileiras, entre outras encerrando práticas religioso-culturais como aquelas do culto de S. Gonçalo do Amarante (A.A.Bispo, "Der Sankt Gonçalo-Tanz in Brasilien: Ein Beitrag zur Tanzethnologie".A.A. Bispo et alii, Collectanea Musicae Sacrae Brasiliensis. Liber Annuarius 1981, Rom, 1981, 225-235).

A questão unidade na diversidade e da diversidade na unidade tratada aqui exemplarmente foi retomada e discutida nos simpósios internacionais dedicados às influências recíprocas entre a América Latina e a Europa das Comissões Européias em Bruxelas, em 1983, por trazer problemas teóricos e de coerência de perspectivas relacionados com concepções monopluralistas. (A.A.Bispo, "Monopluralisme dans la Musique Sacrée de l'Amérique Latine". R. de Maeyer (Ed.), The Brussels Museum of Musical Instruments Bulletin XVI (1986): Musique et Influences Culturelles Réciproques entre l'Europe et l'Amérique Latine du XVIème au XXème Siècle, Tutzing: H. Schneider 1986, 305-312)

Os estudos dos fundamentos da cultura cristã transmitida aos povos extra-europeus alcançados pelos europeus à época dos Descobrimentos, em particular no âmbito dos empreendimentos portugueses ressaltaram o significado de práticas coreológicas em processos de transformação cultural em diferentes regiões. O Brasil oferece o principal exemplo do papel desempenhado pelo "tomar de mãos" em roda por ter um documento do emprêgo desse procedimento já nos primeiros momentos de interações entre portugueses e indígenas na Carta de Pero Vaz de Caminha. (Veja A.A.Bispo, "Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens: Stand und Aufgaben der Forschung IV: Zur Geschichte der Forschung", Die Musikkultur der Indianer Brasiliens, Musices Aptatio 2000/2001, Roma/Colonia 2002, 20)

As distinções de sentidos figurados e associações em "fazer roda" e "entrar na roda" vêm sendo discutidas em relação à frase do "L'on y danse tout en rond", também registrada em diferentes formas no folclore, p. e. no Canadá francês.

Do erudito ao popular ou do popular ao erudito? Questionamento de uma questão

Como mencionado acima relativamente a textos de folcloristas do Brasil também na Europa as considerações sobre o Le Pont d'Avignon são marcadas pela preocupação em nela constatar ou uma adoção de canção tradicional no repertório erudito ou, ao contrário, uma popularização ou "folclorização" de composição erudita, tornada anônima.

Essas questões relacionam-se com diferentes interpretações de sua difusão. Repetidamente lembra-se de obra de Adolphe Adam (1803-1856), uma vez que a melodia surge como ária na sua opereta l'Auberge Pleine, em 1853 e, em 1876, em opereta denominada de Sur le Pont d'Avignon. Teria sido, assim, a popularidade internacional alcançada por essas obras de um compositor de óperas e bailados que explicaria a sua ampla difusão no mundo.

Essa explicação da popularização de uma canção que seria de um compositor categorizado antes como erudito não parece, porém, ser totalmente plausível. O seu uso no ensino e na recreação infantil no século XIX indica antes que uma antiga canção, mantida viva em expressões lúdicas infantís - fenômeno constatável em diferentes casos - passou a ser considerada por educadores em época de conscientização romântica pelas tradições populares. Um exemplo significativo desse uso educacional e recreativo de material tradicional são as adaptações de F. de Gramon (Sur le Pont d'Avignon, Strasbourg: Biblothèque d'education et de recreation, J. Hetzel, 1883).

Aqueles que acentuam o caminho do popular ao erudito, lembram que em fins da Idade Média várias canções populares, sobretudo relacionadas com festas nupciais, citavam o Pont d' Avignon, as assim-chamadas "chansons de oreillers". Esse repertório tradicional explicaria que Pierre Certon (ca. 1510-1572), desde 1542 regente de coro de meninos e, assim familiarizado com expressões tradicionais infantís, tenha composto a missa Sus le Pont d'Avignon, registrando-se aqui o "sous", não o "sur" do texto.

Essa obra de Certon, compositor tanto de chansons como de música sacra, indicaria não apenas a "subida" de material popular ao erudito como também do profano ao sacro. O fato, porém, que a melodia dessa composição diferencia-se consideravelmente das versões hoje conhecidas da tradição, levanta-se a questão se não foram antes imagens associadas à ponte de Avignon que explicam a sua consideração na missa.

Orientação da atenção à imagem da ponte e do construtor de pontes no sentido espiritual

A ponte de Avignon foi a maior da Europa na Idade Média e, assim, ponte por excelência. Um direcionamento da atenção à imagem da ponte de Avignon - até hoje não considerada na discussão - implica na consideração da sua história e no contexto religioso em que essa se insere. Esquece-se em geral que a expressão indicadora da cidade no Sur le pont d'Avignon não corresponde à designação da ponte esta relacionada com o núcleo da história e veneração de St. Bénézet (1165-1184), um dos padroeiros de Avignon.

Na realidade de nome Bento, já a versão Bénézet d'Avignon chama a atenção ao cunho popular de sua veneração e as suas conotações com o homem dos campos, à vida pastoral e a juventude.

Segundo a narrativa, o jovem pastor teria tido uma visão durante uma eclipse solar em 1177, na qual recebeu a tarefa de construir uma ponte sobre o Rhone em Avignon. Confrontando-se com muitas dificuldades para convencer o clero e o povo da necessidade e viabilidade da construção, conseguiu-o após levantar sem esforços uma grande pedra que serviu de fundamento à ponte. A imagem do santo com a pedra aos ombros é hoje venerada na catedral de Avignon.

Essa narrativa indica a vigência de antigas imagens relacionadas com travessias de rios, pontes e tradições de barqueiros e marujos em geral. Significativamente, o culto de S. Bénézet é estreitamente vinculado ao de S. Nicolau, venerado por navegantes e ao qual levantou-se no século XIX uma capela de dois andares na parte norte da ponte.


Sobre a terceira das colunas da ponte conserva-se ainda hoje uma capela dupla, sendo a superior dedicada a S. Nicolau e a inferior a S. Bénézet. Ali se conservaram as suas relíquias até uma grande inundação em 1660, quando foram transferidas à catedral e a outras igrejas.

O culto de S. Bénézet foi mantido pela irmandade que tem a tradição de ter sido por êle fundada e que se designa como os "irmãos construtores de pontes" (Fratres pontifices ou Frères pontifes).

Essa irmandade, que incluia cavaleiros, monges e trabalhadores, confirmada em 1189 e suspensa no século XV, dedicava-se não apenas à construção de pontes e de outras formas de travessia, mas sim também de pontes no sentido figurado do termo, servindo a viajantes e peregrinos.

A designação dos Frères pontifes sugere a permanência de antigas concepções do termo pontifex e assume particular significado numa cidade que se tornou sede dos Pontífices na França. No sentido eclesial, também remontante a antiga tradição, os Pontífices e os bispos são construtores de pontes no seu sentido mais amplo, ou seja entre Deus e os homens.

As relações de S. Bénézet com S. Nicolau de Myra parece poder explicar também a menção às várias profissões e esferas sociais no texto do Sur le pont d'Avignon.

São Nicolau, devido à profusão de referências nas narrativas, surge como protetor de crianças, de jovens e de idosos, de viajantes e peregrinos, assim como de numerosas profissões, não só de barqueiros, mas e.o. de plantadores, moedores, padeiros ou costureiras, o que elucida a imitação pantomímica de pessoas em diferentes idades e de várias profissões na roda decantada no Sur le pont d'Avignon

De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "
«Sur le pont d'Avignon» em reflexões relativas à Educação nos seus elos com os estudos culturais e musicológicos". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 145/15 (2013:5). http://revista.brasil-europa.eu/145/Avignon-Sur-le-pont.html