Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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Fotos. Hyelzas. Fotos no texto 3-5: Ecomuseo Alcogida. A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 145/10 (2013:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 3032
Ecomuseus em diferentes contextos
Alcogida em Fuerteventura e La Ferme Caussenarde d'Autrefois
- o Parque Nacional das Cévennes como Patrimônio Mundial/UNESCO -
Ciclo de estudos em regiões francesas pelo ano de Marseille como Capital Européia da Cultura 2013 e 300 anos de Denis Diderot (1713-1784)
Visita ao Ecomuseu de Hyelzas em prosseguimento à visita ao Ecomuseo la Alcogida, Fuerteventura, 2013
A visita de museus ao ar-livre nas suas diferentes funções e características - e.o. regionais, de Etnografia e Folclore, da História da Imigração, da Colonização, de Cultura Indígena de diferentes partes do mundo - tem sido uma constante preocupação dos trabalhos eurobrasileiros.
Com o objetivo de conhecer concepções, práticas e métodos nos diferentes contextos, receber impulsos e estabelecer paralelos com instituições similares no Brasil tem-se visitado museus e áreas museológicas em vários países da Europa e de outros países da América e do Pacífico.
Um marco nessa série de trabalhos foi a visita realizada por um grupo de pesquisadores culturais do Brasil ao museu ao ar livre de Kiedrich, Alemanha, por ocasião de colóquio internacional realizado em 1989 e no qual foram tematizadas algumas questões de natureza básica nas relações entre Museologia e Folclore (Volkskunde) (http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM02-05.htm).
As instituições desde então visitadas demonstram a diversidade no tratamento de contextos culturais nas suas relações com o meio ambiente, similaridades e diferenças em concepções e métodos.
Alguns desses museus apresentam-se primordialmente como aldeias ou conjuntos de construções preservadas transformadas em área museológica (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Akranes.html), outros como parques ou museus-aldeia formados artificialmente com casas transferidas de outros locais para salvaguardá-las, ainda que em contexto ambiental estranho (http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Bucareste-Museu-Aldeias.html), outros simplesmente grandes ou pequenas moradias com terrenos em derredor transformadas em museus (http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Chineses-do-Estreito.html). Alguns procuram salientar as relações entre o patrimônio construído e o natural segundo uma visão ampla de paisagismo (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Skogar.html), outros transformam o próprio meio ambiente em espaço museal (http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Floresta-e-museu.html). Às vezes torna-se difícil em definir se áreas ao ar-livre com construções e objetos são extensões de um museu e se encenações de áreas externas no próprio espaço interno de um museu podem ou não ser considerados como museus ao ar livre.
Em todos os casos levantam-se questões especiais e apresentam-se novas propostas relativas à conservação adequada do patrimônio, a noções de salvaguarda, proteção e manutenção, a suas funções e fins, aos enfoques das diferentes áreas disciplinares, estes sempre também em contínuas transformações. Um exemplo dos problemas que aqui se levantam é aquele que se observa na Alemanha, quando um edifício pode perder o seu reconhecimento como bem patrimonial se for deslocado do seu local original para ser reconstruído em outro, mesmo que isso ocorra para impedir a sua demolição e, assim, perda definitiva.
Nesses museus e áreas museológicas refletem-se diferentes preocupações - a do nascido no local que registra transformações e perdas, e que nem sempre são historiadores e pesquisadores de tradições regionais - a do historiador, a do folclorista, a do educador, a do paisagista, do ambientalista e outras que exigem compromissos quanto às soluções a serem encontradas.
Os resultados finais - o museu ou a área museal - representam assim não apenas repositórios para a conservação de espaços, edifícios e objetos, para a ilustração de formas de vida e técnicas do passado, mas sim também exemplos de uma determinada situação cultural da época em que foram criados, das orientações que os justificaram e marcaram, ou seja, tornam-se objetos altamente significativos também para análises culturais dirigidas ao presente, oferecendo impulsos para reflexões teóricas e contribuindo ao desenvolvimento dos estudos de processos culturais.
Os estudos desenvolvidos na França pelo ano de Marseille como Capital Européia da Cultura 2013, coincidindo com as Journées européennes du patrimoine 2013, celebradas em numerosas cidades e instituições de todo o país e dando motivo a múltiplas e diversificadas iniciativas, tiveram a sua atenção dirigida de forma particularmente intensa às tendências do pensamento e da política patrimonial no presente da França em várias de suas regiões.
Entre os casos de interesse para as reflexões patrimoniais considerados uma particular atenção merece ser dada à La Ferme Caussenarde d'Autrefois no pequeno povoado de Hyelzas, na Causse Méjean, entre Gorges du Tarn e La Jonte, uma vez que, apesar dsa diferenças de contextos, representa idéias e soluções aplicáveis e mesmo já realizadas de forma similar no Brasil, possibilitando troca-de-idéias e experiências.
Do Ecomuseo la Alcogida em Fuerteventura à Ferme Caussenarde d'Autrefois de Hielzas
Designado explicitamente como Ecomuseu, a visita à Ferme Caussenarde d'Autrefois decorreu sob o pano de fundo das impressões ganhas durante a visita, em janeiro de 2013, ao Ecomuseo la Alcogida, nas redondezas de Tefia, em Fuerteventura. (Veja notícia de 10.3.2013 em http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html)
O Ecomuseo la Alcogida procura expressamente orientar ambientologicamente a concepção e prática de museus etnográficos e regionais, colocando as interações entre Cultura e Ecologia no centro das atenções. A região árida em que se situa, de fisionomia desértica, aguça a sensibilidade dos observadores às consequências da ação degradadora do homem e, vice-versa, àquelas resultantes de um meio ambiente inóspito e difícil para a qualidade de vida.
Evitando generalizações, o cuidado analítico levou à diferenciação de modos de vida e de moradia do homem da terra, insularizado no seu interior, o que se manifesta na tentativa de percepção e exposição de uma tipologia habitacionaldo trabalhador pobre do campo na diversidade de organização de espaços, de uso da terra e nos diversos graus de modesta ascensão quanto à qualidade de vida material.
Para isso, a área foi dividida em sete sub-áreas, cada um considerada como um memorial agrícola e de suas implicações naturais. Nelas levantaram-se casas campesinas, restauradas, mobiliadas e nas quais se apresentam técnicas tradicionais de trabalho e de artesanato.
Trabalhos em cerâmica, tecelagem, cestaria e rendas das Canárias, assim como modos tradicionais de produção de pães e queijos são cultivados e demonstrados em parte por especialistas que as aprenderam em própria tradição familiar.
Procura-se, entre outros motivos, salvar do esquecimento a história cultural dos campôneos das ilhas - em parte errôneamente compreendidos como nativos - em época de mudanças de modos de vida causadas pela decadência da agricultura e êxodo rural com as novas possibilidades oferecidas pelo turismo.
Sob a perspectiva dos estudos brasileiros, esse intuito do museu adquiriu significado também por fornecer subsídios a reconstruções mais sensíveis relativas a processos culturais de passado remoto, atuais no presente sobretudo no contexto das preocupações pelos pressupostos culturais de José de Anchieta e consideradas nos problemas em encenações histórico-arquitetônicas dos primeiros tempos, discutidos no exemplo da aldeia de S. Vicente/SP (Veja notícia de 18.2.2013 emhttp://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html).
Como a sua designação indica, trata-se de um sítio ou propriedade rural qualificada como característica ou típica de sua região - a das Grandes Causses - e já pertencente ao passado. Alguns critérios que se revelam nessa designação podem orientar as reflexões: aquele que diz respeito à ruralidade, aquele que indica propriedade particular, o regional definido pela configuração geográfico-topográfica e o museal no sentido histórico ou memorialista. Este último, indicando aquilo que foi, o de uma época anterior à atual, traz conotações poéticas e nostálgicas, o que se revela até mesmo na expressão "de antanho".
Um dos principais distintivos dessa área museal - e que a distingue da maior parte dos museus ao ar livre até agora considerados - é que representa uma iniciativa particular de conservação patrimonial, destinada a salvaguardar a memória de uma família para as novas gerações, colocando a propriedade como museu à visitação pública, generalizando os seus objetivos e possibilitando dessa forma a sua manutenção.
Armand e Marie Pratlong, constatando o interesse de seus filhos e netos em saber como era a vida "antes da água encanada e da luz elétrica", tomaram a si a tarefa de guardar traços do que fora a sua vida durante a juventude, assim como de seus familiares, também estes camponeses no Causse Méjean.
As construções centrais da propriedade, desabitadas desde fins da Segunda Guerrra Mundial, corriam os riscos do abandono. Aprendendo a ver com outros olhos aquilo que lhes parecia comum e sem utilidade, necessitado de reformas, reconheceram que essas construções remontavam aos séculos XVII, XVIII e XIX, devendo ser conservadas sem modificações.
Com a ajuda de seus filhos e graças ao apoio da Fédération Nationale de l'Habitat Rural e do Parc National des Cévennes, o núcleo central da propriedade foi recuperado, sendo a Ferme Caussenarde d'Autrefois inaugurada a 4 de julho de 1973 pelo prefeito da Lozère. Trata-se de uma área de ca. de 3000 m2, incluindo, além da casa principal, estalagens para animais, cozinha, grande forno de pão e outros anexos. O patrimônio é gerenciado pela família de Armand e Marie Pratlong, que convidam os visitantes a dar uma contribuição á manutenção da área e de seus objetos.
Em 1983, recebeu a designação de "Maison de pays" por parte do Ministro do Meio Ambiente. Essa distinção foi concedida em reconhecimento à autenticidade e às características típicas da sua arquitetura, feita de pedras calcáreas da região.
O mobiliário, os utensílios, as roupas, aparelhos e máquinas agrícolas foram ali encontradas ou coletadas em meio familiar ou de outras famílias da região e usadas para formar ambientes que representam contextos de trabalho e moradia, contando a sua própria história.
Se a intenção original foi a de guardar a memória da família para as novas gerações, podendo ser considerada como didática, esse cunho didático ampliou-se com a transformação da área a ecomuseu, pretendendo agora mostrar à juventude da região em geral o modo de vida a engenhosidade de seus antepassados. Esse intuito didático, que se utiliza de meios recreativos, manifesta-se da forma evidente na apresentação de uma paisagem em miniatura que, tal como maquete ou presépio, representa as habitações e as aldeias na região.
Questões relativas ao familiar na discussão patrimonial
Trata-se, assim, no caso da Ferme Caussenarde d'Autrefois de um exemplo de conservacionismo estreitamente vinculado a uma família e a concepções de família como portadora de heranças culturais passadas de geração em geração e que contribui a toda a sociedade colocando à disposição o seu patrimônio particular.
Confrontado com essas tendências político-partidárias francesas, o visitante da modelar iniciativa familiar em Hyelzas sente-se levado a refletir entre problemas de distinções entre conservacionismo e conservadorismo ou mesmo reacionarismo, vindo à consciência a necessidade de uma atenção especial a possíveis instrumentalizações do pensamento patrimonial e o dever daqueles que se empenham na preservação de bens de o fazerem no espírito progressista de um transepocal Renascimento e Luzes exemplarmente tematizado no projeto Renaissance Nancy 2013. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/145/Renaissance-Nancy-2013-Brasil.html)
Inserções em contextos mais amplos de patrimônio: o Parque Nacional de Cévennes
O ecomuseu de Hyelzas situa-se na Causse Méjean, um altiplano calcáreo no Sul da França, o maior e mais alto no maciço central francês. Pouco povoado, delimitado pelas gargantas da Jonte, do Tarn e do seu afluente Tarnon, vinculando-se com a Causse de Sauveterre, pela Causse Noir e pela cadeia de montanhas da Cévennes, insere-se em grande parte no Parque Nacional das Cévennes.
As Cévennes, marcadas pelos montes Lozère e Aigoual, caracteriza-se pela alternância de maciços montanhosos e altiplanos sêcos, cortados por profundas gargantas de rios.
Considerável parte das Cévennes foi declarada Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO, em 2011. A área inclui regiões que já eram protegidas: já em 1970 criara-se o Parque Nacional de Cévennes, em 1985 a reserva de biosfera da UNESCO e, em 1995, o Parque Regional Natural das Grandes Causses desde 1995.
Uma singularidade do reconhecimento das Cévennes como Patrimônio Mundial do Homem reside no fato de considerar-se o meio ambiente em estreita relação com a paisagem configurada pelo homem. Além do mais, levaram-se em conta critérios antes próprios dos estudos culturais empíricos, como aquele da permanência de práticas de pastoreio de remotas origens e o emprêgo de determinadas raças, o que marcou a paisagem, a sociedade e a sua cultura. Como os pesquisadores empíricos salientam, traços dessa conformação da paisagem podem ser estudados na forma de ordenação de terras, de implantações de sítios, de construções, no uso da água, nas trilhas de rebanhos e nos caminhos.
O que deveria ser porém considerado com mais atenção, porém, é que essa concepção patrimonial de paisagem conformada pelo homem que se manifesta nas Cévennes e que revela elos entre o patrimônio natural e o cultural considerado antes na ótica dos estudos empíricos, retoma uma questão que já há muito marcou a historiografia, sobretudo também na França do século XIX.
Trata-se aqui sumariamente do problema se as atenções devem ser dirigidas antes à natureza que ofere condições que determinam configurações culturais ou à ação do homem que conforma o meio ambiente. Nas reflexões levadas a efeito em Lyon, considerou-se que, embora modernas para o século XIX, uma orientação centralizada na ação do homem sobre a natureza e não na prioridade da natureza sôbre o homem correspondeu antes a tendências de um conservadorismo historicista e restauracionista da época Romântica e que deveriam ser hoje questionadas por uma ciência que procure a superação de antropocentrismos. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/145/Lyon-Comercio-e-Geografia.html)
Ainda que diferenciações mais acuradas se tornem aqui necessárias, essas conjecturas trazem à consciência a necessidade de considerações de processos históricos não apenas relativamente à configuração do meio ambiente e cultural, mas sim também no desenvolvimento das reflexões teóricas que determinam ações de defesa patrimonial.
Sob o ponto de vista histórico-cultural, justamente as Cévennes foram marcadas por um passado de tensões e conflitos religiosos, o que determinou também distinções culturais e mesmo comunitárias na população. Esses fatos também configuraram paisagens, uma vez que católicos e protestantes localizaram-se separadamente em vales e altiplanos, o que também até hoje pode ser observado.
Essa região francesa foi marcada como poucas outras pela Reformação, sendo que a perseguição religiosa dos protestantes foi intensa no século XVII. Grupos evangélicos conseguiram porém sobreviver devido à situação isolada da região e as possibilidades que oferecia para que se refugiassem.
Essa situação geográfica recôndita possibilitou também no século XX que ali se refugiassem grupos de alemães que tinham combatido na Guerra Civil Espanhola, os Maquisards. À época da Segunda Guerra, alí também procuraram refúgio jovens franceses que procuravam não servir em trabalhos forçados. O significado da resistência aos invasores alemães também por parte de alemães inimigos do regime refugiados nas montanhas evidenciou-se no fato de que, por ocasião da libertação de Nîmes, três de seus representantes abriram o cortejo na celebração.
Também aqui vale, portanto, lembrar do dever daqueles que se empenham na preservação de bens de manutenção de um espírito orientado por uma transepocal Renascimento e Esclarecimento exemplarmente tematizado no projeto Renaissance Nancy 2013. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/145/Estudos-regionais-franceses-e-Brasil.html)
De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo
Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Ecomuseus em diferentes contextos. Algogida em Fuerteventura e La Ferme Caussenarde d'Autrefois". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 145/10 (2013:5). http://revista.brasil-europa.eu/145/Hyelzas-ecomuseu.html