Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©


Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©

Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©

Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©


Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©


Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©


Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©


Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©


Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©


Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©


Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©

Fotos.A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 145/19 (2013:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3040






O Catolicismo de Lyon e suas consequências para a África, o Brasil e os estudos africanos
Ferdinand Terrien (1799-1862) no apoio do Brasil às atividades missionárias

Reflexões em Notre Dame de Fourvière


Ciclo de estudos em regiões francesas pelo ano de Marseille como Capital Européia da Cultura 2013 e 300 anos de Denis Diderot (1713-1784)

 
Notre-Dame-de-la-Fourviere, Lyon. Foto A.A.Bispo©

Como encerramento do ciclo de estudos eurobrasileiros realizado na França nos meses de verão de 2013 (http://revista.brasil-europa.eu/145/Estudos-regionais-franceses-e-Brasil.html) realizou-se uma visita à igreja de Notre Dame de Fourvières, localizada nos altos de Fourvière, monte que domina a cidade de Lyon.

Construída em 1872 e consagrada em 1896, essa igreja representa um marco emblemático dessa grande cidade francesa, um dos maiores centros de peregrinação da França, um dos monumentos do Historismo e da arquitetura sacra da Restauração Católica do Século XIX, sendo desde 1998 reconhecida pela UNESCO como parte do Patrimônio Cultural do Mundo.

Um motivo da escolha de Fourvières para o encerramento do ciclo realizado na França residiu em parte na atenção especial que se dirige no ano de 2013 à Alemanha nos estudos eurobrasileiros (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html).

O templo de Notre Dame de Fourvières relaciona-se estreitamente com o campo de tensões entre a França e a Alemanha que tanto marcou a história européia do século XIX. A ampliação em magnificência da igreja foi resultado de uma promessa de habitantes de Lyon por ocasião da Guerra Franco-Prussiano de 1870/71. Assim como Maria tinha livrado a cidade da peste no século XVII, devia agora impedir que Lyon fosse ocupada pelos prussianos. O cumprimento desse voto levou a que já em 1872 fosse lançada a pedra fundamental do edifício ao lado da antiga capela.

Essa igreja representa, antes de mais nada, um documento da força do Catolicismo, do Marianismo e do conservadorismo católico em Lyon, cidade que desempenhou em diferentes épocas papel de grande influência no movimento católico nas suas diferentes expressões e na política clerical e eclesial na França e mesmo em Roma.

A consideração desse papel desempenhado por Lyon no contexto de um amplo movimento de intensificação recatolizadora, fomento do culto mariano, da fé em milagres e da veneração de santos, de reestreitamente de vínculos com Roma, de empenho disciplinador e moralizador de sacerdotes, assim como o ímpeto missionário na França do século XIX surge como necessária para a análise contextual da influência exercida por Lyon no desenvolvimento das relações com outros povos.

A presenciação, no âmbito do ciclo de estudos, de uma celebração litúrgica tridentina na igreja de S. Jorge de Lyon - um monumento neogótico do arquiteto de Fourviére - serviu para trazer à consciência a intensidade da interiorização religiosa e o apêgo à tradição em espírito restauracionista - e mesmo reacionário - ainda vivos no presente, trazendo à consciência que também as tendências e correntes de pensamento desencadeadas pelo Catolicismo de Lyon no século XIX podem continuar vigentes nos estudos culturais do presente.


Notre Dame de Fourvières de Lyon e Notre Dame de la Garde de Marseille

Uma das razões da visita a Fourvières residiu na intenção de fechar o ciclo que se realizou no ano de Marseille como Capital Européia da Cultura 2013 com a consideração de um edifício repleto de significados que surge como pendant à igreja que domina Marseille, a Notre-Dame-de-la-Garde, visitada e estudada na abertura dos preparativos do ano festivo do porto francês, em 2012 (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Notre-Dame-de-la-Garde.html).

Ambas as cidades, Lyon (Lugdunum) e aquela do Golfe du Lion, possuem nas suas grandes igrejas dedicadas a Maria similares edifícios que marcam a fisionomia urbana, ambos dedicados ao culto hiperdúlico e, apesar de antiga história local dessa veneração nos dois casos, levantados no século XIX.

Ambos impressionam na riqueza de sua ornamentação interna, na profusão de mármores, ouro e mosaicos, na atmosfera de apoteose de luz e magnificência que oferecem. Comparar ambos os templos, procurar distinções nas similaridades exteriores permite aprofundar as reflexões e aguçar a sensibilidade para a percepção de diferenças ainda que sutís de concepções nas suas relações com os respectivos contextos e, assim, contribuir ao desenvolvimento dos estudos culturais em dimensões mais amplas.

Em ambos os casos tornaram-se esses montes alvo de peregrinação mariana já na Idade Média, tendo-se edificado em Lyon uma capela a Maria em 1168.


Paralelos - e diferenças - podem ser registrados também no recrudescimento do culto no século XVII e no surgimento do grande templo no século XIX. Ao século XVII, mais exatamente a 1643, remonta a prática ordenada pelo Conselho de Lyon de realização de uma procissão anual em ação de graças pelo término de uma epidemia de peste, e que se efetua até hoje no dia 8 de setembro.

Deteriorando-se o campanário da capela, foi êle demolido em 1830, quando então levantou-se uma torre de maiores dimensões, coroada com uma estátua de bronze dourada de Maria, o que também faz lembrar aquela de Marseille.

Similarmente à veneração no porto mediterrâneo, a atenção é aqui dirigida à glorificação da Imaculada Conceição. Assim como em Marseille, a festa de 8 de dezembro, já de remota celebração também em Lyon, passou a constituir uma das principais da cidade, marcada por profusão de luzes, fogos e velas acesas nas janelas das casas (Fête des Lumières).


Aproximações interpretativas de Fourvière

Na análise comparativa dos dois centros de culto mariano, o primeiro caminho a seguir reside na consideração de seus fundamentos antigos a partir do uso dos dois montes que dominam as respectivas urbes.

Se no caso da cidade portuária de Marseille a elevação sobranceira à frente do mar dirige a atenção a funções e imagens relacionadas com a orientação, aviso e proteção de navegantes e que adquirem uma ampliação de sentidos nas suas correspondências metafóricas com a vida humana no edifício de imagens, dirigindo a atenção à antiga Artemis ou Diana (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Notre-Dame-de-la-Garde.html), a colina de Lyon possuiu um outro significado nos séculos pré-cristãos.

Como o seu nome ainda indica - Fourvière, do latim forum vetus - abrigou na Antiguidade o forum, o próprio centro da urbe. Somente após muitos séculos marcados pela perda de sua antiga vitalidade é que se desenvolveu um novo centro, agora à base da colina, junto ao rio Saône.

Se a transformação de sentidos do antigo templo que dominava a colina na Antiguidade também se fêz com a sua dedicação a Maria - Nossa Senhora do Forum Velho -, a base tipológica da metamorfose de sentidos apresenta outras características do que aquela de Marseille, onde não houve uma cidade no cimo da montanha.

Como expressamente mencionado em inscrições à entrada da igreja de Fourvières, esta se eleva em local onde na Antiguidade se prestava culto a Venus. A transformação cristianizadora não pode ser compreendida, no caso, como simples mudança de referenciais históricos, onde Maria teria simplesmente substituído a Venus, a divindade associada à terra florida.


A análise da metamorfose ocorrida deve basear-se nas tensões entre luz/fogo e terra, de remotas origens filosófico-naturais. A consideração de um processo cristianizador a partir uma antítese de Venus poderia abrir perspectivas para a compreensão de um ímpeto de extremado distanciamento quanto ao terreno, espiritualizador, interiorizador, com expressões mesmo de fanatismo.

Expressão de ímpetos de processos conversionais subjacentes à pompa exterior

A apreciação da arquitetura de Notre Dame de Fourvières corre o risco de ser inadequada se considerada sem a necessaria atenção aos movimentos de revitalização religiosa do Romantismo restaurador da França e, sobretudo, à experiência espiritual do principal nome que se vincula ao projeto.

Uma perspectiva convencional da História da Arte favorece apreciações que se limitam a salientar exagêros ecleticistas na mistura de estilos, sobretudo românicos e neo-bizantinos, e a portentosidade sobrecarregada de sua decoração, marcada pelo emprêgo de materiais preciosos, mosaicos dourados, colunas de mármore, pinturas e vitrais. Nessa leitura superficial, a igreja seria um exemplo de questionável orientação estética, máxima expressão de pretencioso Kitsch religioso.

Uma consideração mais atenta dos processos religioso-culturais, político-eclesiásticos e pessoais em que se inseriu a construção e sua ornamentação possibilita a leitura mais profunda da sua linguagem visual, aguçando a sensibilidade para a percepção de correntes de pensamento e de convicções e situações sociais e pessoais marcadas ao mesmo tempo por instabilidade e ímpetos auto-afirmativos que explicam os exagêros expressivos de uma estética que tanto contraria a sempre reconhecida tendência francesa ao controle de meios, à clareza e simplicidade.


Pierre Bossan (1814-1888): do historismo à conversão sob a influência do Cura d'Ars

Os construtores da igreja de Fourvière - Pierre Bossan (1814-1888) e Louis Jean Sainte-Marie-Perrin (1835-1917), o fervoroso "arquiteto do Sacro" que a terminou sugerem caminhos para a compreensão da obra e de suas irradiações.

Essas são de significado também para os estudos voltados ao Brasil, uma vez que uma das filhas de Louis Jean Perrin desposou Paul Claudel (1868-1955) em Lyon, em 1906, escritor e diplomata que representou a França no Brasil (1917-1918), quando foi então acompanhado pelo compositor Darius Milhaud (1892-1974).

Pierre Bossan foi um dos principais nomes da eclosão construtiva da assim-chamada Renovação Católica francesa do século XIX, antes movimento restaurativo e retroativo de amplas consequências Bossan provinha, como muitos dos mais fervorosos representantes do movimento restaurador católico, de camadas mais simples da população.

A expressão artística de Bossan poderia ser assim considerada tanto a partir do apêgo às tradições e à religiosidade popular como relativamente a um processo de ascensão social que explicaria os problemas estéticos da sua obra tendente à monumentalidade e opulência.

Tendo estudado em Lyon, Bossan trabalhou em Paris no atelier de Henri Labrouste (1801-1875), autor de grandes obras como a Biblioteca de Santa Genoveva (1843-1850) e da Biblioteca Nacional (1862-1868), uma personalidade marcada na sua orientação pelo estudo da História da Arquitetura e que coadunava intentos historistas com o emprêgo de materiais e técnicas contemporâneas.

Bossan experimentou, ao retornar a Lyon, uma transformação nas suas concepções estéticas. Como responsável pela arquitetura da Arquidiocese, projetou entre outros a reconstrução da mencionada igreja de S. Jorge (1845), um dos principais exemplos do Neogótico na França.

Assim como o seu mentor Labrouste, realizou uma viagem de estudos à Itália, onde foi atraído sobretudo pelo passado bizantino. O plano para a construção de uma grande igreja no monte de Fourvières teria nascido durante uma estadia em Roma, em 1850.

Abalado por tragédia familiar, Bossan experimentou uma crise interior que o levou a a uma intensificação de seus sentimentos e concepções religiosas. Principal influência nessa conversão foi Jean-Marie Vianney (1786-1859), o pároco de Ars. Significativamente, Bossan seria o autor do projeto da igreja de romarias de Ars.

Com aura de santo e milagroso, Vianney, como Bossan proveniente de esfera mais simples da população, surgia como modêlo da santificação sacerdotal vista por muitos como necessária para a renovação do Catolicismo francês. O movimento dele partido acentuava o significado da contrição, confissão e penitência, assim como a devoção mariana através da prática do Rosário, a centralização da vida na Eucaristia e o ensino infantil e juvenil.

O fenômeno do culto a Santa Filomena (291-304) em época de fervor restauracionista

O significado que o cura d'Ars via na veneração de Santa Filomena indica a inserção de sua vida e obra, assim como Bossan em desenvolvimentos histórico-culturais de sua época que surgem hoje como surpreendentes e singulares, como fenômenos que, pelas suas conotações populares merecem a particular atenção dos estudos culturais.

Apenas em 1802 tinha sido descoberto o túmulo de uma jovem nas catacumbas de Sta. Priscila em Roma, encontrando-se uma inscrição que foi interpretada como indicativa da existência de uma mártir de nome Filumena, ornamentada com sinais lidos como ramo de palmeira, flecha, âncora e lília.

Apesar da insegurança e da fragilidade desses indícíos, a veneração de Santa Filomena difundiu-se rapidamente, um desenvolvimento que pode ser considerada como um singular fenômeno do século XIX.

A visita de Bossan à Itália coincidiu com a época dessa difusão, sobretudo em meios populares, entre sacerdotes de orientação restauradora e fascinados pelo passado bizantino e aqueles miraculosamente curados. Na Sicília, venerava-se tradicionalmente Santa Ágata e Santa Lúcia, cujas histórias se assemelham àquela do martírio de Filomena. Tudo indica tratar-se aqui da intensificação de um determinado tipo da antiga cultura, resignificado anti-tipologicamente em diferentes santas

Autorizada em 1834, a veneração de Santa Filomena foi prestigiada pelo Papa Pio IX (1792-1878), recebendo o título de protetora do Rosário. O culto a Santa Filomena em Lyon recebeu impulsos devido a uma cura experimentada por Pauline Marie Jaricot (1799-1862) no túmulo de Santa Filomena em Mugnano.

Filha de uma rica família de comerciantes de sêda da cidade, Pauline M. Jaricot dedicara-se desde o início da época da Restauração à missão e à ação educativo-social entre os pobres e trabalhadores, tendo fundado em 1822 a Société pour la Propagation de la foi, e que passou a ser conhecida como sociedade de missão lyonesa. Jaricot foi também a fundadora L'oeuvre du Rosario, destinada ao fomento da prática do rosário

A intensificação do culto à santa insere-se assim de forma coerente em processos religioso-culturais de uma época que levaria ao dogma da Imaculada Conceição (1859), ao antimodernismo do Syllabus Errorum (1864) e ao Primeiro Concílio Vaticano (1869/70) com a proclamação da Infalibilidade Papal. O apoio concedido por Pio IX também à fundação dos Salesianos por J. Bosco (1815-1888) é lembrada no instituto Oeuvres Missions Don Bosco à frente da igreja de Fourvières.

Intensificação do fervor religioso e Educação

O movimento de revitalização religiosa no espírito da Restauração exigia procedimentos educativos em diferentes sentidos, uma vez que se tratava de reformar o clero, criticado como por demais secularizado no passado, através de uma nova geração de sacerdotes a serem formados em seminários, assim como o da juventude em geral em escolas.

Um exemplo a ser mencionado é o dos Irmãos Maristas, fundados em 1817 pelo sacerdote Marcellin Joseph Benoît Champagnat (1789-1840) e que desde 1820 já ofereciam ensino religioso nas aldeias. Paralelamente, Jean-Claude Colin (1790-1875), imbuído desde o seu tempo de seminário de criar uma Sociedade de Maria (1836), desenvolveu missão popular e foi superior dos Padres Maristas. A ação missionária extra-européia dos Maristas foi estudada sobretudo relativamente às suas atividades no Pacífico francês, onde, na Nova Caledônia, dedicaram-se à transformação religioso-cultural da sociedade com profundas consequências para a cultura local (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Totens-e-Cristianismo.html).

A principal instituição missionária sediada em Lyon para os estudos conduzidos sob a perspectiva do Brasil é a Société des Missions Africaines, fundada por Melchior de Marion Bréssilac (1813-1838) e prosseguida sob a direção de Augustin Planque (1826-1907). (Veja )

Ferdinand Terrien (1799-1862) e o apoio do Brasil à missão na África

Dos missionários de influência da Société des Missions Africaines dirigida pelo Superior Augustin Planque há uma personalidade que merece particular consideração nos estudos referentes ao Brasil: Ferdinand Terrien, sacerdote da diocese de Nantes. (Ferdinand Terrien, Douze ans dans l'Amérique latine: Voyages, Souvenirs, Travaux apostoliques, Paris: Bloud, 1903)

Juntamente com outro missionário, P. Boutry, F. Terrien realizou entre 1882 e 1888, uma viagem de seis anos pela América do Sul, percorrendo o Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Chile.

O objetivo desse empreendimento, considerado como uma missão especial, foi o de procurar meios a favor das missões cristãs na África ocidental.

À época de seu retorno a Lyon, a L'Oeuvre de la Propagation de la Foi procurava meios para estabelecer a obra nos países católicos da América Latina. Considerando a experiência ganha por F. Terrien e o seu domínio do espanhol e do português, foi êle escolhido para dirigir o novo empreendimento.

Dessa forma, a introdução da Obra da Propagação da Fé nos países latino-americanos passou a ser imbuída do espírito dos missionários formados em Lyon e que, na tradicão de Bréssilac, tinham a sua atenção sobretudo dirigida à África.

Em carta de 1 de abril d 1889, os presidentes respectivamente dos conselhos centrais de Paris e Lyon da Obra a favor "das missões estrangeiras dos dois mundos", salientaram a experiência ganha por Terrien na África, onde constatou a penúria em que viviam os missionários e, na América do Sul, a prosperidade de países católicos que agora encontravam-se em condições de dar a sua contribuição à cristianização na África.

De resto, Terrien era conhecido como combatente da Santa Sé, pois havia sido zouave antes de tomar ordens religiosas. Esperava-se que Terrien pudesse levantar meios consideráveis na América do Sul a favor da Obra da Propagação da Fé, deixando-a bem organizada, com um diretor em cada diocese, de modo que os países americanos pudessem enviar à França anualmente esmolas dignas da sua fé e da sua brilhante civilização. (op.cit. 13)

No programa para as suas atividades, traçado pela Obra juntamente com o Giovanni Cardeal Simeoni (1816-1892), Prefeito da Propaganda Fide, salientou-se mais uma vez a questão econômica que se impunha para a realização das tarefas missionárias em todo o mundo.

Com exceção dos Estados Unidos, a Obra estava insuficientemente organizada nos vários países americanos, justamente esses países eram agora ricos, possuindo generosidade e fé ardorosa, sendo lamentável que as suas dioceses enviassem apenas esporadicamente algumas esmolas.

Assim, acompanhando cartas da Propaganda Fide, Terrien devia elucidar pessoalmente os fins e a grandiosidade da tarefa aos bispos e outras personalidades da América do Sul. Terrien foi convidado a ir a Roma para ser apresentado ao Papa Leão XIII (1810-1903), sendo o relato da audiência de 15 de abril de 1889  publicado (op.cit. 16-18)

Acompanhado por P. Léandre Gallen, também missionário da Société des Missions Africaines, Terrien partiu a bordo da nave La Bretagne em outubro de 1889.

Estadias de Ferdinand Terrien no Brasil em 1882-1884 e 1896-1897

No seu livro, Terrien relata a sua estadia na América do Sul ocorrida entre 1896 e 1897. Entretanto, inclui referências ao passado da sua presença no país, salientando a nostalgia que sentiu ao retornar ao Brasil. Juntamente com P. Louis Boutry havia percorrido várias regiões do país entre 1882 e 1884, lembrando-se das pregações, das viagens, da riqueza do país, da beleza da natureza e sobretudo do acolhimento que receberam e da caridade dos brasileiros, muitos dos quais tornaram-se amigos.

No seu relato, em texto que difere dos demais da sua obra pela sua expressão literária, salienta a indescritível entrada no porto do Rio de Janeiro. Após descrever as florestas brasileiras, trata da vida de uma fazenda de café, transcrevendo um texto de Marguerite Pereira Pinto sôbre a fazenda Santa Cruz no Estado de São Paulo.

À época da sua primeira estadia no Brasil, tendo tido a oportunidade de fazer uma exposição à frente de Pedro II e do corpo diplomático reunido na igreja paroquial de Petrópolis, Terrien havia mencionado que, como missionário africano, devotado à "reabilitação" dos negros do ponto de vista espiritual e material, não hesitara em defender a causa dos escravos brasileiros, cujos irmãos havia cristianizado na própria Costa dos Escravos.

O acolhimento recebido do casal imperial, assim como do Conde e da Condessa d'Eu, demonstrou que esses correspondiam a seus sentimentos, fazendo doações. Grandes famílias da Corte, de São Paulo e de Minas Gerais seguiram o exemplo imperial, e o livro de subscrições passou a contar com longas séries de nomes dos mais ilustres.

Terrien aproveitou, assim, os sentimentos anti-escravagistas da família imperial brasileira para obter apoios à missão na África.

O Museu Africano de Lyon

A história da Société des Missions Africaines, o fato de ter sido possível iniciar as atividades na costa ocidental da África com a "abertura" do Dahomey a missionários para os brasileiros que ali viviam (Veja ), e sobretudo os longos relatos de Terrien a respeito de suas experiências missionárias na África e suas atividades no Brasil a favor da missão africana demonstram o o papel exercido pelo Brasil no empenho missionário francês na África e as interações entre os dois países na sua referenciação por instituições e personalidades marcadas pelo ambiente católico de Lyon.

Desde os primeiros momentos, os missionários franceses foram levados a coletar objetos de todos os tipos das populações visitadas. Mal os primeiros missionários chegaram a Whydah, receberam recomendações do Superior para que enviassem brevemente objetos de uso que descobrissem e que fossem diferentes daqueles conhecidos na Europa. Na França, constituiram a base da rica coleção etnográfica que constitui o Museu Africano de Lyon, criado pela Société des Missions Africaines.

Esse museu recebeu medalhas na Exposição Universal de Lyon, em 1894, e na Exposição Colonial de 1900. Fechado por algum tempo, participou do entusiasmo pelas culturas africanas na França nos anos posteriores à Primeira Guerra Mundial.

Missionários residentes no Dahomey, em viagens pela França nos anos 20 e 30, contribuíram para o recrudescimento de interesses por tradições culturais africanas, marcando tipos de questionamentos e interpretações que, também assimiladas no Brasil, marcaram correntes de pensamento e de atividades de pesquisa, criaram modêlos elucidativos que passaram a ser considerados como de óbvia validade e de consenso geral.

Esses processos de alcance de conhecimentos e interpretações desencadeados pelos missionários exigem hoje profundas revisões para o próprio desenvolvimento das ciências. Essas revisões, porém, pressupõem a consideração do contexto cultural em que as atividades missionárias se desenvolveram, as pré-condições culturais dos seus agentes, as suas expectativas e visões, constituindo esse escopo a principal razão dos estudos eurobrasileiros desenvolvidos em Lyon.


De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "
O Catolicismo de Lyon e suas consequências para a África, o Brasil e os estudos africanos. Ferdinand Terrien (1799-1862) no apoio do Brasil às atividades missionárias". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 145/19 (2013:5). http://revista.brasil-europa.eu/145/Lyon-Comercio-e-Catolicismo.html