Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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Fotos.A.A.Bispo.
Coluna: Vichy. Fotos no texto: Lambari
©Arquivo A.B.E.
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 145/7 (2013:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 3029
Aquae calidae na França e Águas Virtuosas de Minas
A capital hidroterápica francesa nas suas inserções políticas e suas irradiações no Brasil
Retomada em Vichy de reflexões em Lambari
Programa Luz nas águas que correm II
Ciclo de estudos em regiões francesas pelo ano de Marseille como Capital Européia da Cultura 2013 e 300 anos de Denis Diderot (1713-1784)
Esses trabalhos inseriram-se em já longa história de estudos culturais de cidades termais iniciados em fins da década de sessenta no Brasil e que tiveram o seu prosseguimento em vários centros europeus. (Veja e.o. http://www.revista.brasil-europa.eu/133/Goncalves-Dias-na-Europa-Central.html)
Salientou-se no ciclo que, entre os problemas teóricos a serem superados, encontra-se aquele da consideração por demais unilateral do patrimônio cultural de Minas Gerais. A visão quase que exclusivamente voltada à época da mineração, ao período do ouro, e assim à história colonial, tem ofuscado a apreciação adequada de desenvolvimentos posteriores nas suas diferentes expressões, em particular também aquele marcada por uma outra riqueza do solo: a das águas.
Uma visão dirigida antes a processos do que a épocas contribui à percepção e valorização de testemunhos e expressões artístico-culturals do Brasil nas suas inserções em desenvolvimentos internacionais mesmo após a Independência (1822).
Essa perspectiva possibilita uma maior sensibilidade na apreciação da arquitetura, da música e artes plásticas do século XIX e das primeiras décadas do XX, pré-condição para a valorização do patrimônio de várias cidades.
Esse patrimônio revela-se da forma mais evidente sobretudo nos grandes edifícios representativos de balneários e hotéis de um passado não muito remoto. Essa arquitetura tem sido injustamente tratada pela vigência de posicionamentos estéticos e ideológico-culturais do século XX, desvalorizadores de expressões de cunho historista e eclético; esses posicionamentos por demais puristas podem ser vistos hoje êles próprios como expressões históricas.
Se quanto à apreciação de edificações já se registram mudanças com uma crescente orientação cultural dos estudos de arquitetura, o mesmo não tem acontecido com a necessária intensidade nos estudos do urbanismo e paisagismo.
Os parques e os jardins, a ordenação urbana e a inserção ambiental dessas cidades e seus edifícios representam também êles realidades construídas da história cultural, expressões de processos em parte ainda vigentes e elementos de primeira grandeza sob o aspecto de um patrimônio cultural compreendido nas suas relações com a natureza.
A atualidade de um direcionamento privilegiado da atenção ao urbanismo e paisagismo reside no fato de valorizar necessariamente o meio ambiente nos Estudos Culturais. De nada adianta conservar e valorizar edifícios representativos de termas e hotéis se o contexto é descaracterizado e desvalorizado por deflorestamentos, arruamentos, assentamentos e construções não planejadas sob uma perspectiva de conjunto.
A valorização do patrimônio ambiental e cultural das águas: diálogos em Lambari
As reflexões dirigem-se nesse contexto à superação de uma passividade marcada pela nostalgia de épocas passadas à atividade fundamentada na consciência do patrimônio natural e cultural.
Se nos diálogos no Hotel Bragança de Caxambu a atenção foi mais dirigida à continuidade da tradição representada por um empreendimento familiar que foi parte de um desenvolvimento marcado por florescimento e decadência (http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html, 9 de Março), em Lambari as reflexões foram dirigidas a posições e estrategias com diferentes características relativamente a valores ambientais e culturais. (http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html, 12 de Março)
A Pousada do Duque em Lambari oferece um exemplo de como questões culturais são tratadas por meios de uma arquitetura de interiores que procura reconstruir ambientes a partir de um jogo criativo de elementos do passado.
Entre esses valores regionais contam-se sobretudo, para além do Parque das Águas, a Serra das Águas Virtuosas, as várias Cachoeiras, o Parque Estadual de Nova Baden e o Lago Guanabara, significativo exemplo de projeto paisagístico da história cultural do Sul de Minas e mesmo do Brasil.
A partir de pesquisas histórico-culturais e da tradição oral, procura-se criar um perfil voltado à cultura nas suas relações com a paisagem, promovendo-se eventos e visando um público com interesses antes voltados à fruição de valores ambientais e culturais e ao aumento de conhecimentos. A estrategia privada, valorizando os elos entre valores culturais e ambientais, vem assim de encontro a tendências locais que se manifestam no projeto de revitalização do palácio do antigo Cassino para ser usado como centro cultural.
Lambari surge como um projeto urbano de consideráveis dimensões e abrangência na sua concepção cultural e político-cultural como capital de um idealizado Estado da região das águas, um projeto estreitamente vinculado com o nome de Américo Werneck (1855-1927). Em particular o conjunto constituído pelo lago artificial Guanabara com o seu palácio-Cassino merece particular atenção nos estudos urbanológicos.
Essa revalorização do patrimônio representado por Lambari exige estudos das relações do projeto com balneários europeus nas suas dimensões culturais cosmopolitas e internacionais.
Lambari e Vichy - Lago Guanabara e Lac d'Alliers
Aquele que compara as duas cidades - Lambari e Vichy - constata de imediato similaridades que indicam os reflexos, em Minas, de impressões obtidas no grande balneário francês.
Entre elas contam-se as construções em ferro com ornamentação vegetal das galerias no Parc des Sources e no parque das fontes de Lambari, lamentando-se que aqui já não exista as antigas instalações para as águas, o que permitiria cotejos mais precisos.
Também na arquitetura dos cassinos de ambas as cidades podem ser percebidos traços comuns.
Um estudo mais aprofundado de elos e paralelos entre Vichy em Lambari não podem, porém, restringir-se à constatação de elementos perceptíveis na arquitetura e mesmo na disposição dos lagos que caracterizam as duas cidades. Torna-se necessário dirigir a atenção a imagens, ideais, conscientes ou inconscientes que, mesmo que adaptados às condições em Minas e modificados pelas circunstâncias, inseriram-se processos culturais da cidade francesa.
A consideração da história e das transformações experimentadas por Vichy até a sua configuração como uma das principais cidades procuradas pela aristocracia e nobreza financeira francesa, com vida social e cultural de características próprias, surge como pressuposto para análises culturais adequadas do projeto das Águas Virtuosas de Minas.
História de Vichy como pressuposto: Antiguidade e Beneditinos na Idade Média
As remotas origens do aproveitamento das águas termais quentes de Vichy - Aquae Calidae - explicam o seu nome, indicativo de um de seus proprietários na Antiguidade, de nome Vipius, sendo designado por Vipiacus ou Vichacus. Como em várias outras localidades nascidas ao redor de fontes, também em Vichy constata-se uma relação estreita com o proprietário das respectivas terras e possivelmente o promotor do seu uso.
O desenvolvimento medieval da localidade insere-se na história da presença dos Beneditinos nessa parte da França. Como em outros locais afastados, próprios ao retiro, à concentração e a uma vida de oração e trabalho, de cultivo da terra e de suas riquezas, um mosteiro de nome Célestin marcou essa fase medieval das águas e perpetuou-se na denominação de uma de suas fontes. Sabe-se que no século XVI o local era procurado pelas suas águas, consideradas como virtuosas ou mesmo miraculosas.
Papel da mulher no desenvolvimento de Vichy como estância aristocrática
O fato de ser uma de suas avós Jeanne Françoise Frémyot de Chantal (1572-1641), co-fundadora da Ordem das Visitantes ou Salesianas, indica a proximidade com a esfera religioso-cultural que marcou o vizinho local de Paray-le Monial, também de origens beneditinas medievais e que se tornou centro da veneração do Sagrado Coração na França. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/145/Paray-le-Monial-Cordiburgo-Diamantina.html)
A vida e a obra da Marquesa de Sevigné foram porém totalmente distintas daquela que introduziu, com as suas visões, a veneração que transformou Paray-le Monial num dos mais procurados centros de peregrinação da França. Tendo recebido cuidada formação intelectual, artística e musical, tornou-se conhecida pelas suas qualidades literárias. Pertencendo ao círculo de escritores e nobres de interesses culturais, participou do movimento literário e de sociabilidade de sua época. Tornou-se sobretudo conhecida pelas suas cartas. Juntamente com a sua filha Françoise, teve acesso à Côrte de Luís XIV (1638-1715), participando de bailados e festas, entre outras da inauguração dos jardins de Versailles.
O vulto da Marquesa de Sevigné, lembrado ainda hoje em Vichy, surge, assim, como de especial interesse para os estudos voltados à mulher nos Estudos Culturais, como tratados em seminário dedicado a estudos de Gender realizados com a participação de brasileiros na Universidade de Bonn, em 2004.
Desde então, o renome de Vichy difundiu-se em círculos aristocráticos, sendo visitado sobretudo por damas da nobreza, entre elas duas filhas de Luís XV (1710-1774). Esse prestígio intensificou-se à época de Luís XVI (1754-1793), quando este ordenou, em 1787, que ali se construíssem novas instalações balneárias.
A principal figura feminina que desencadeou o movimento que levou ao florescimento de Vichy no século XIX foi Laetitia Bonaparte (1750-1836), a mãe de Napoleão (1769-1821), que ali realizou estação de águas em 1799. Sob a sua influência, Napoleão mandou que ali se instalasse o Parque das Fontes, em 1812, marcando decisivamente a aura imperial bonapartista que passou a caracterizar Vichy.
Essa aura acentuou-se em meados do século XIX, quando Napoleão III passou a ali residir nos meses de verão. A presença imperial foi um dos principais fatores que fizeram com que Vichy se transformasse em balneário procurado por homens da nobreza financeira, banqueiros e famílias enriquecidas da França e de outros países.
Acentuou-se assim a atmosfera mundana de Vichy, na qual integravam-se tratamento de águas e dietético, vida social intensa, concertos e apresentações teatrais, bailes e o jôgo. Essas condições sociais e econômicas possibilitadas pela presença da residência de verão imperial explicam as bases do extraordinário patrimônio arquitetônico de Vichy.
Para além dos hotéis representativos e do cassino, fundado em 1865, surgiram em grande número mansões e chalés em diferentes estilos e que até hoje marcam a fisionomia de quarteirões da cidade.
Esses vínculos com círculos da aristocracia francesa e, assim, com determinadas esferas político-culturais, sobretudo daquelas voltadas à restauração monárquica após a instauração da República, relacionaram-se também com determinadas correntes religiosas da época do Romantismo e Historismo restaurador católico.
Restauração Católica e Histórismo em Vichy - construções de ferro
Assim como em Vittel anos mais tarde (http://revista.brasil-europa.eu/145/Vittel-Caxambu.html), Vichy apresenta uma igreja em estilo neogótico dedicada a S. Luís, rei da França, e também aqui os principais vultos da estância - no caso a família Bonaparte - encontram-se representados em pinturas do interior da igreja e inseridos na história religiosa.
O edifício, em estilo neo-medieval, combina referências da arte romana da Auvergne, com o estilo românico da Burgúndia. Os vitrais do coro representam a família imperial em imagem de santos: santa Eugênia, santa Hortência e S. Napoleão de ambos os lado de Cristo. A igreja é ligada ao Parque das águas atraves de uma galeria coberta em construção de ferro.
Também em Vichy - como em outros balneários europeus e brasileiros - constata-se o interesse por construções orientalizantes. Esse fenômeno, como estudado em visita a Budapest, em 2013, pode ser sobretudo explicado por associações com a tradição de banhos turcos. (Veja http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html, 25.03)
A igreja de S. Blásio, remontante ao sécúlo XV, relacionou-se com o intenso culto mariano que marcou a história da cidade, o que a aproxima de muitas outras estâncias européias. Esses elos manifestam-se na proximidade da festa de Nossa Senhora da Luz (2 de fevereiro), com a de S. Blásio (3 de fevereiro), ambas relacionadas com água, luz e, como a tradicional benção de S. Blásio indica, êle próprio antigo médico, com processos curativos.
A igreja de Notre-Dame des-Malades, ampliada no século XX, representa hoje um significativo exemplo de art-déco em construção sacral. Construída em 1925, possui um interior ricamente ornamentado com materiais valiosos e pelos seus vitrais, mosaicos e pinturas. Entre êles, encontram-se representados os grandes centros de culto mariano e de águas da França.
De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo
Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Aquae calidae na França e Águas Virtuosas de Minas. A capital hidroterápica francesa nas suas inserções políticas e suas irradiações no Brasil". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 145/7 (2013:5). http://revista.brasil-europa.eu/145/Vichy-Lambari.html