Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©


Vittel.Foto A.A.Bispo©

Fotos.Coluna: Vittel. No texto: Bad Ems, 5-6; Caxambu 7-8; Aix-les-Bains 9; Budapest 10-11; Caxambu 12-13; Vittel 14-15. A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 145/6 (2013:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3028




A cultura na revitalização de estâncias hidrominerais e a museologia do termalismo
Retomada em Vittel de reflexões em Caxambú

Luz nas águas que correm I


Ciclo de estudos em regiões francesas pelo ano de Marseille como Capital Européia da Cultura 2013 e 300 anos de Denis Diderot (1713-1784)

 
Vittel.Foto A.A.Bispo©

No âmbito dos ciclos de estudos eurobrasileiros levados a efeito na França no verão de 2013, incluiu-se uma visita a Vittel, tradicional estância hidromineral na região de Vosges, nome conhecido internacionalmente pela água de suas fontes e que é comercializada em vasilhames.



Distinguindo-se de muitos outras cidades procuradas pelas suas águas e apesar de ser também balneário termal, assim como centro de turismo, vida social e de prática de esportes, em particular do hipismo, Vittel é conhecido no presente sobretudo como marca devido à difusão de sua água industrializada.


O seu nome continua a ser amplamente conhecido para além das fronteiras da França, ainda que a ciade como balneário, caiu em relatio esquecimento nas últimas décadas. Como em outros casos, a diminuição de interesses por tratamento termais no sentido convencional vem exigindo em Vittel a procura de novas soluções para a atualização dos serviços e revitalização da cidade.


Vittel oferece-se, assim, de forma sugestiva para cotejos com estâncias de águas brasileiras que também são conhecidas hoje sobretudo pela água proveniente de suas fontes, não sendo mais procuradas tão intensamente como no passado como cidades de banhos e de cura hidroterápica.


Essas considerações permitem estabelecer pontes com situações observadas e discutidas no contexto similar de Caxambú (MG) em ciclos de estudos realizados em fevereiro de 2013 e que foram dedicados às relações entre o Sul de Minas e a Europa. Vittel oferece-se como cidade particularmente adequada para esses estudos comparados e para diálogos a respeito de problemas e soluções similares por possuir um centro de conservação de documentos e pesquisas: o Museu do Termalismo.


Esse museu é uma das instituições que fazem de Vittel também um centro cultural dinâmico, com

diversificada programação musical, de espetáculos vários e de exposições, além de possuir um instituto dedicado ao patrimônio cultural, a Maison du Patrimoine, que conserva bens e fontes da vida dos habitantes da região de Vosges.


Estâncias hidroterápicas nos estudos eurobrasileiros


Os balneários brasileiros vem sendo considerados no seu significado para os estudos culturais e da vida social desde trabalhos levados a efeito em Poços de Caldas (Minas Gerais) e estâncias vizinhas logo após a fundação da sociedade voltada ao estudo de processos de difusão cultural (A.A.Bispo, "O papel da dança na História da Música no Brasil do século XIX - Conferência proferida no Conservatório Musical do Jardim América no dia 7 de setembro de 1971", Brasil-Europa & Musicologia: Aulas, Conferências e Discursos, Colonia: I.S.M.P.S., 1999, 110-113).


Esses trabalhos tiveram continuidade na Europa através de visitas e de pesquisas realizadas em estâncias hidroterápicas em diversos países a partir da segunda metade da década de 70. Esse interesse foi impulsionado pela reconscientização do século XIX nos estudos culturais e musicais  na Alemanha na época e que vieram de encontro ao empenho do editor desta revista em trazer a consciência a necessidade de uma valorização adequada de um século no qual a maioria dos países latinoamericanos alcançaram a sua independência. (A.A.Bispo, "O século XIX na pesquisa histórico-musical brasileira: Necessidade de sua reconsideração", Latin American Music Review (The University of Texas) 2/1,1981, 130-142).


O objetivo desses estudos em estâncias européias tem sido desde então sobretudo o de considerar balneários procurados por brasileiros no passado e analisar contextos que explicam a recepção de impulsos arquitetônicos, artísticos e musicais, correntes de pensamento e tendências no Brasil, possibilitando uma maior diferenciação no tratamento das diferentes estâncias brasileiras.


Como constantemente constatado e salientado em relatos de eventos, essas localidades foram em parte importantes centros cosmopolitas e de diplomacia cultural no século XIX, visitados por literatos, artistas, aristocratas e políticos. Nelas foram tomadas decisões politicas, de paz e guerra, difundidas correntes de pensamento, literárias e artísticas que tiveram repercussão para além de fronteiras nacionais (http://www.revista.brasil-europa.eu/133/O-Selvagem-de-Seume.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/133/Goncalves-Dias-na-Europa-Central.html).


Essas cidades, com perfís próprios definidos pelas características locais de águas e tratamentos, passaram por sensíveis transformações no decorrer do tempo. Se o sentido integral de cura manteve em vários casos uma presença de elos religiosos, que levou também à construção de igrejas ortodoxas e sinagogas - testemunhos das dimensões interreligiosas de cidades marcadas pela internacionalidade -, a tendência geral foi a da intensificação da vida secular e social, evidenciada sobretudo nos cassinos que passaram a marcar a fisionomia de muitas dessas cidades.

Também o Brasil participou desse desenvolvimento, uma vez que vários homens da história cultural e política do país realizaram estadas em balneários europeus, salientando-se aqui naturalmente a família imperial.


Em Bad Ems (2012) - vida cultural, música e inserções em contextos políticos


Vittel.FotoA.A.Bispo©
Recentes estudos neste sentido deram-se em Bad Ems, Alemanha, no encerramento da semana pelo 7 de setembro de 2012. Não distante de Wiesbaden, capital do estado de Hessen, relembrou-se essa visita a Bad Ems na abertura do ciclo de estudos de verão de 2013 dedicados a cidades francesas, iniciado que foi em Wiesbaden. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/145/Estudos-regionais-franceses-e-Brasil.html)


Por motivo da data, as atenções foram voltadas ao conhecimento e da prática do Hino Nacional Brasileiro na Europa do século XIX. Essa questão foi uma decorrência da atenção emprestada à execução do Hino da Independência de Pedro I° em Baden-Baden em 1887, por ocasião de uma estadia de tratamento balneário de Pedro II°. (Veja noticia http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2012_03.html)


O significado para os estudos culturais que adquirem hinos e música de conotações patrióticas em geral no Brasil do século XIX já foi há muito reconhecido. O período da Guerra do Paraguai e a época a que ela se seguiu foram particularmente consideradas nesses trabalhos, pois foram acompanhadas por uma intensificação da prática musical militar, de bandas de música e de repertório de cunho patriótico para piano.


A intensificação de sentimentos patrióticos no Brasil à época da Guerra do Paraguai correspondeu a um similar desenvolvimento na Europa marcada pela Guerra Franco-Prussiana e pela fundação do Império Alemão. Também na Alemanha esse período caracterizou-se por um florescimento da prática da música de banda e do cultivo de um repertório de conotações nacional-patrióticas.


Através das intensas atividades editoriais alemãs, esse desenvolvimento foi também recebido por outros países. Nos trabalhos desenvolvidos em Amsterdam, constatou-se, por exemplo, que ali era conhecida a Collection de Chants Patriotiques (Vaterlands-Lieder) pour le Piano (Mayence, B. Schott‘s Söhne) de Ferdinand Beyer (1803-1863), pianista e compositor que faleceu na Mogúncia/Mainz e cujo método de ensino do piano foi largamente utilizado no Brasil.


A página-rosto dessa edição, uma coroa ou brasão de bandeiras unidas pela imagem da música, revela a noção de uma união de nações, apresentando, em tamanho maior, entrelaçadas, as bandeiras dos EUA e outra negro-ouro, cores provavelmente representativas de Würtemberg/Hohenzollern e Baden. Anterior à Guerra Franco-Prussiana, essa coleção indica que a intensificação de sentimentos patrióticos expressos musicalmente deve ser considerada nas suas inserções em movimento já de décadas, em particular de aspirações políticas alemãs.


Dos 66 hinos e cantos patrióticos que a coleção inclui, aberta pela Marseillaise, cumpre salientar o Hymne constitutionelle portugaise/Portugiesische Constitutionshymne de Pedro I°, mencionado explicitamente como Kaiser von Brasilien, e o Hymne nationale de Brésil/Brasilianische Nationalhymne. Ferdinand Beyer oferece, sob o título eem português de Hymno Brasileiro Nacional, a composição de Francisco Manoel da Silva (1795-1865) sem menção de autor, em versão facilitada.


Transformações após a Primeira Guerra Mundial e a nostalgia de épocas passadas


A Primeira Guerra Mundial marcou o fim da antiga ordem européia, repercutindo nas cidades balneárias como importantes centros de intercâmbio internacional e da vida social da aristocracia e de personalidades influentes da cultura e das artes da era que se encerrou. Mantendo-se a função medicinal, essas estâncias perderam sob as novas condições politicas e econômicas gradualmente o ativo papel cultural que tinham exercido, lembrado agora sob o signo da nostalgia de uma época passada. Essa atmosfera nostálgica passou a caracterizar a vida cultural dessas cidades.


Na Alemanha, onde essa cultura das águas foi particularmente intensa, a densa rêde de balneários pôde ser mantida até meados do século XX devido a uma política que possibilitava financeiramente estadias de tratamento a amplos círculos sociais.


Com a modificação desse sistema, muitas dessas cidades entraram em crise, com o fechamento de consultórios, clínicas, termas e salas de espetáculos. Vários caminhos têm sido tentados para mudar essa tendência à decadência, entre outros o de mudanças de funções, o da acentuação do aspecto de diversão, o da modernização das ofertas no sentido atual de Wellness, caminhos que implicam sempre em questões de perfís e imagens.


Compreende-se, assim, que haja na atualidade uma reconscientização das características histórico-culturais que marcam a fisionomia dessas cidades, inclusive com a revitalização de antigas funções, naturalmente com as necessarias atualizações técnicas.


Apesar das diferenças nacionais, esse desenvolvimento das cidades de cultura de águas apresenta similaridades na Europa e em países como o Brasil, o que permite que seja analisado nas suas dimensões internacionais.


Reflexões em estâncias sul-mineiras em 2013 - o Hotel Bragança de Caxambú


Em viagem de estudos a balneários do Sul de Minas em fevereiro de 2013, considerou-se sob diversos aspectos o desenvolvimento no Brasil nos seus elos com os europeus. Salientou-se, de início, a diversa situação brasileira no período posterior à Primeira Guerra comparativamente aos países centro-europeus derrotados.


Essas circunstâncias favoráveis explicam que o apogeu dos anos anteriores à Guerra puderam ser retomados e mesmo intensificados nos anos vinte e trinta em várias cidades brasileiras.


Esse desenvolvimento foi considerado no caso de Caxambú a partir de uma exposição de documentos de família, recortes de jornais e fotografias no tradicional Hotel Bragança daquela cidade. (Veja http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html)


Essa exposição apresenta, a partir de uma significativa história de empreendedorismo relacionada com Antonio Miguel Arnaud, que o adquiriu em 1925, subsídios para o estudo das transformações, dos problemas e das perspectivas.


Antes da Guerra, o Club Bragança, junto ao hotel então existente, oferecia bailes e práticas de jogo; documentos testemunham o significado dos interesses culturais e intelectuais da sociedade. Uma livraria com substancial sortimento possibilitava o alcance a publicações européias.


Após a Guerra, quando a cidade chegou a possuir intensa vida social e cultural, contanto com vários conjuntos instrumentais para concertos em coretos e salas, registra-se também a continuidade dos jogos com o Cassino Bragança.


O empreendedorismo de Arnaud levou à expansão de atividades, inclusive com a fundação de hotel de mesmo nome no Rio de Janeiro.


Para além do cultivo do passado e da atmosfera de nostalgia também decorrente do desenvolvimento negativo posterior dos empreendimentos, consideraram-se nos diálogos os problemas atuais do balneário e os caminhos que se discutem para a sua revitalização.


Comparando-os com aqueles verificados na Europa, também ali se discutem transformações de funções, de concepções de tratamento e de lazer ou mesmo a sob muitos aspectos questionavel direcionamento a parque de divertimentos, como salientado por Therezinha Arnaud pela direção do hotel.


Salientou-se, no caso, o risco de desenvolvimentos que possam levar a descaracterizações e à perda de patrimônio histórico-cultural de Caxambú, com consequências irreversíveis. Lembrou-se, como exemplo, a descaracterização arquitetônica e urbanística, de imagem e sentidos que se observa em Poços de Caldas.


Em cotejo com situações européias, salientou-se que Caxambú, pela sua história, possui pressupostos para intentos revitalizadores que privilegiem concepções culturais. Esses devem ter uma orientação fundamentalmente ambiental, de recuperação do meio envolvente e de superação de tendências à degradação urbana, uma vez que o patrimônio natural consistui os fundamentos de uma cultura de águas.


Patrimônio arquitetônico nos seus elos com a Europa: dimensões religioso-culturais


Motivados sobretudo pela atenção despertada pela beatificação de Nhá Chica, esses trabalhos de fevereiro de 2013 retomaram a considerações de relações entre uma cultura de águas de estâncias da região com expressões marcadas pela religiosidade já tematizadas em outros contextos europeus e que remetem a épocas mais anteriores de processos históricos. (Veja http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html)


Numa primeira aproximação, a atenção tem sido dirigida sobretudo aos contrastes entre cidades que se desenvolveram como centros hidroterápicos sobretudo a partir de meados do século XIX com aquelas de história marcada pelo século XVIII.


Comparando-se fisionomias urbanas e formas de vida social e cultural que manifestam estreitos elos com a Europa com aquelas com características coloniais e com expressões culturais tradicionais no Brasil, levanta-se a questão se teria havido apenas uma transplantação de modêlos de balneários europeus com as suas termas, parques, quiosques, cassinos e hotéis em edificações representativas a uma região de formação histórico-cultural totalmente distinta.


Pergunta-se se este teria sido um desenvolvimento artificial que passaria a ser superado como anacronismo de uma época encerrada ou se a atenção deveria dirigir-se de forma mais aguçada a processos de interação e a pressupostos comuns que possibilitaram o surgimento de estâncias tão européias nas suas aparências mas que se apresentam com  características peculiares. Poderiam essas cidades ser consideradas sob a perspectiva de transformações secularizadoras de um complexo cultural de antiga formação e fundamentação religiosa?


Um ponto de partida para essas reflexões é a dimensão imaterial das águas consideradas como virtuosas no sistema de imagens culturais. Essa dimensão transcende aquela das qualidades hidroterápicas vistas hoje quase que exclusivamente sob um aspecto fisiológico e medicinal.


Em estâncias européias tem-se provas da antiguidad
e de concepções relacionadas com águas de fontes, como estudado em trabalhos euro-brasileiros referentes ao culto de Diana, por exemplo em Aix-les-Bains no âmbito de ciclos de estudos realizados nos Alpes Franceses, em 2005. (Veja e.o.http://www.revista.brasil-europa.eu/097/Indice097.htm )


A cristianização de antigas concepções vinculadas às águas com poderes curativos pode ser estudada em dedicações de fontes e capelas a Maria e outras santas.


No Brasil, importante exemplo dessas dimensões religiosas de fontes que deram origem a balneários pode ser visto em Caxambu. A história e mesmo a consciência cultural local é marcada pelo fato de terem sido as suas águas procuradas pela Princesa Isabel ao constatar que permanecia sem filhos após dois anos do seu casamento com Luis Felipe Gastão de Orléans, Conde d‘Eu (1842-1922), celebrado em 1864.


Foi o conhecimento da ação curativa de infertilidade registrada em fontes européias que a teria levado a procurar as águas minerais de Caxambu em 1868:  partindo de trem da Côrte, a comitiva alcançou Boa Vista, a atual estação de Engenheiro Passos, de onde subiu a serra em liteiras; chegando a São José do Picú (Itamonte) e passando por Pouso Alto, atingiu Caxambú depois de dois dias de viagem.


Que as expectativas de cura através das águas eram estreitamente relacionadas com a vida devocional da Princesa, isso testemunha o fato de ter feito a promessa de construção de uma igreja em dedicação a Santa Isabel da Hungria.


Caxambú e a padroeira de Hessen e Turíngia. Retomando reflexões em Marburg


A santa que passou a ser venerada em Caxambú é Elisabeth da Turingia, nascida na Hungria em 1207 e falecida em Marburg an der Lahn, na Alemanha, em 1231. É, por essa razão, celebrada como padroeira da Turíngia e de Hessen. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/104/MarburgOrgel.htm)


Sendo o seu dia de festa o 19 de novembro, compreende-se a promessa feita às vésperas pela Princesa que também tinha o nome de Isabel. A devoção a Santa Isabel da Turíngia é marcada pela sua proximidade a ideais franciscanos, a de caridade aos pobres e ao tratamento de necessitados.


O „poço de Elisabeth“, a leste de Marburg foi o local procurado por Elizabeth para distribuir esmolas aos pobres. Segundo a tradição, Elisabeth teria aqui batido no chão com um bastão, dele nascendo imediatamente uma fonte, que passou a ser procurada sobretudo por mulheres.


Acima da casa da fonte de Marburg existiu uma capela de romaria à Santa Cruz, assim como, em Caxambú, onde, na colina onde se ergueria a igreja, já existia um cruzeiro levantado no dia da Santa Cruz, 3 de maio de 1862.


Na tradição do culto a Santa Isabel da Turíngia associam-se diferentes nações, incluindo Portugal através de afinidades de narrativas e imagens com a Rainha Santa Isabel.


Caxambú e a cultura de águas da Hungria. Ciclo de estudos em Budapest 2013


Dando prosseguimento a essas reflexões encetadas em Caxambú, realizou-se, em março de 2013, um ciclo de estudos eurobrasileiros em Budapest. (Veja notícía em http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html)


Um dos principais aspectos considerados disse respeito ao complexo de sentidos das águas a partir da capela dedicada a Santa Isabel da Hungria em Caxambu. Nas reflexões em Minas Gerais, considerou-se que essa santa, que viveu e atuou grande parte de sua vida na Alemanha, é conhecida em vários países europeus sob a denominação de Sta. Isabel da Turíngia.


Estudos mais aprofundados, porém, remetem a atenção à história húngara e ao papel nela desempenhado pelas águas. Se os balneários europeus, apesar de seu significado na vida cultural internacional do século XIX são antes cidades de menores dimensões, Budapest, no Danúbio, é uma metrópole de fontes, marcada por suas muitas termas em edifícios de representativa arquitetura.


Na região de Buda, uma cidade de nome „Águas curativas“ (Felhéviz) já é mencionada em documento do século XII. A fonte de Isabel situa-se no monte Gellert, onde ainda hoje se localizam as termas dassim designadas.


A consideração das dimensões da cultura das águas na região remete a atencão à Antiguidade tardia, quando já existiam numerosas termas no então povoado romano de Aquincum.


Essa antiga cultura de águas passou por transformações de sentidos com a Cristianização, e é nesse contexto que deve ser considerada a imagem da água nas narrativas de Sta. Isabel e que tiveram repercussão no Brasil.


A ocupação turca da cidade levou a novos desenvolvimentos na função social das casas de banho, o que teria impulsionado a transformação das termas em pontos de encontro e intercâmbio de idéias.


Nesse sentido, ter-se-ia no extraordinário desenvolvimento dos balneários europeus do século XIX uma expressão da influência oriental no Ocidente, o que, então explicaria a frequência de motivos orientalizantes no historismo tardio das edificações.


Patrimônio arquitetônico nos seus elos com a Europa: Parque das águas de Caxambú


Para além das reflexões voltadas à recepção do historismo, em particular do neogótico da igreja de Sta. Isabel, a atenção dos estudos do patrimônio arquitetônico de Caxambú merece ser dirigida às construções do Parque das Águas.


Na diversidade estilística das várias dessas edificações - e que se inserem por ultimo na tradição dos templos de fontes existentes nos complexos balneários europeus nas suas referências à antigas concepções e divindades relacionadas com águas de propriedades curativas ou miraculosas  - destacam-se aquelas de ferro das fontes Duque de Saxe, Beleza a Dona Leopoldina.


Esses três „templos“ mereceram particular consideração pelas suas proporções, pela esbeltez de suas colunas e pela filigrana do trabalho ornamental em ferro, que a êles confere um sentido desmaterializador em direção às alturas e faz com que o espaço da fonte seja transpassado de luz.


A construção e a decoração do pavilhão da fonte Dona Leopoldina é orientalizante, o que se manifesta em particular nos seus arcos.


O motivo clássico do templo associa-se ou mesmo dá lugar aqui àquele orientalista de construções em parques e jardins que desde o século XVIII levou aos pagodes, mesquitas e a expressões mouriscas e moguls conhecidos do paisagismo e da arquitetura na Europa e nas colonias (http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Camoes-na-Filosofia-Intercultural.html).


O pavilhão da fonte Dona Leopoldina representa um exemplo significativo do exotismo oriental no Brasil.


Esse orientalismo exótico marcou a arquitetura de balneários europeus, tendo um de seus principais marcos o Royal Pavillon de Brighton (1815-1822) que, com as suas referências à cultura da Índia e da China, pode ser compreendido como expressão da crescente ação britânica no Oriente. Ao mesmo tempo, como tratado em Budapest, deve-se levar em consideração os elos com a tradição de banhos turca, de importância sobretudo no contexto do Império Áustro-Húngaro.


Cotejos com construções em Spa, Bélgica


A construção da fonte Dona Leopoldina dirige a atenção, porém, a uma fase mais tardia e a outros contextos do exotismo europeu. Projetada pela companhia belga S.A. des Aciéries D‘Angleur, indica elos com as localidades de Angleur e Tilleur, hoje integradas na cidade de Liège/Lüttich, situada na fronteira da Bélgica com a Alemanha. (Veja noticia em http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html)


Essa região, pelas suas minas e fundições, desempenhou papel de central importância na industrialização continental européia. A sociedade, fundada em 1871, experimentou extraordinário desenvolvimento sob a direção de Georges Nagelmaekers (1845-1905), intensificado com a fusão com o Sindicado alemão Deutsch-Oth (1882) e a aquisição da sociedade de altos fornos, usinas e oficinas de construção de Sclessin (1892).


Esse desenvolvimento econômico-industrial da região da Wallonie associou-se àquele do colonialismo belga, em particular no Congo, e que levou a uma intensificação do interesse por culturas extra-européias. Esse interesse manifestou-se sobretudo na internacionalidade das Exposições Mundiais (p.e. Bruxelas 1897, 1910), salientando-se aqui a Exposition Universelle et Internationale de Liège pelos 75 anos da independência da Bélgica, em 1905. Na arquitetura de balneários belgas, o uso de pavilhões de ferro tem um de seus principais exemplos na "Galeria Leopoldo II" em Spa, também marcado pela sua grande altura, verticalidade, leveza e esbeltas colunas.


Para além de produção industrializada de construções em ferro convencionais, exportadas para muitos países, a Bélgica distinguiu-se pelo papel que desempenhou na Belle Époque e como um dos principais centros do Art Nouveau,  cumprindo lembrar, quanto à arquitetura as obras exponenciais de Victor Horta (1861-1947).


As construções de ferro do Parque das Águas de Caxambú chamam a atenção pela decoração com motivos vegetais de suas colunas e do teto. Aqui, como também nas cornucópias do vitral do palácio das termas, de 1912, pode-se ver a continuidade de antigas imagens relacionadas com a saúde e expressas na iconografia de Hygieia.


Motivos mais claramente denotadores de modernidade no contexto da Belle Époque podem ser encontrados no coreto, um dos mais relevantes exemplos do gênero no Brasil (http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Jardins-e-coretos.html).


Os estudos culturais das relações entre a Bélgica e o Brasil salientam o significado da presença de brasileiros em Bruxelas pela passagem do século. Entre muitos outros, cumpre lembrar que ali atuou, como encarregado de Negócios, por ocasião da exposição de Liège, o diplomata Rafael de Mayrinck (1874-1931), sobrinho do Conselheiro Francisco de Paula Mayrink (1839-1907), responsável desde 1890 pela empresa de águas de Caxambu e hoje ali perpetuado na designação de uma fonte. (http://www.brasil-europa.eu/Paises/Belgica.html).


Caxambú e o culto a Santa Isabel no contexto político-cultural francês


Na consideração desse culto em Caxambú, uma particular atenção deve ser dedicada ao papel desempenhado pelo Conde d‘Eu. Luis Felipe Gastão de Orléans (1842-1922). (http://www.atualidades.brasil-europa.eu/Atualidades_2013_01.html, 5/03/2013)


A tradição da caridade na cultura francesa do marido da Princesa Isabel era representada sobretudo por S. Vincente de Paulo (1581-1660) e das instituições que seguem o seu exemplo. Esses elos evidenciam-se no hospital ao qual encontra-se agregada a igreja fundada pela Princesa Isabel e seu marido. No parque das águas, a memória do Conde D‘Eu e Princesa Isabel é lembrada na fonte que traz os seus nomes.


O Conde D'Eu não só esteve presente na cerimônia de lançamento da pedra fundamental do tempo no dia 22 de novembro dde 1868, como também foi presidente da primeira sessão da então criada Irmandade de Sta. Isabel da Hungria, no dia 29 de novembro. O seu empenho manifestou-se na determinação de que nenhuma festa seria realizada até o templo estar em condições de ser utilizado para culto. Decidiu-se de inicio que o templo devia ser coberto com telhas francesas, também conhecidas como de Marselha (http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Catedral-de-Saigon.html).


Digno de atenção é o fato do conde já trazer consigo desenhos de igrejas européias que podiam servir de modêlo e ter afirmado já ter escrito para a Europa solicitando planos de igrejas então de recente construção. Mesmo no momento difícil da viagem de exílio após a proclamação da República, o Conde escreveu da nave Parnaíba, a 17 de novembro de 1889, manifestando as suas esperanças de que a capela pudesse ser concluída.


Esse empenho chama a atenção para os elos do empreendimento com correntes culturais francesas e suas implicações religiosas e políticas. A arquitetura da capela, apesar da simplicidade da construção, indica que os modêlos seguidos eram neogóticos.


Embora não podendo ser comparada arquitetonicamente com igrejas de maiores proporções e mesmo catedrais neogóticas posteriores no Brasil, a capela de Caxambu assume significado especial pelo fato de indicar correntes religioso-culturais e suas correspondentes expressões artísticas.


À época do lançamento da pedra fundamental da igreja, a França encontrava-se no fim do Segundo Império de Bonaparte (1852-1870), seguindo-se a Terceira República. Eram anos marcados pelo anti-modernismo do Syllabus errorum (1864) e de preparação do Primeiro Concílio Vaticano, aberto em 1869.


Tendências do catolicismo político - ultramontanismo - relacionaram-se com o movimento de restauração litúrgico-musical, em particular com o movimento gregoriano e ceciliano, assim como com o historismo neo-gótico e com aspirações monárquicas na França (http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Cor-no-Gotico.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Ultramontanismo-e-arquitetura.html).


Considerando as tensões franco-alemãs que culminaram com a Guerra Franco-Prussiana de 1870/71, pode-se compreender que para a Santa Isabel da capela de Caxambu não se escolhesse a indicação de ter atuado na Turíngia, mas sim, seguindo a tradição francesa, a do seu nascimento na Hungria.


Vittel: "Cidade da Água" e do engarrafamento de água


Assim como Baependi/Caxambú, também Vittel tem a sua história marcada pela crescente emancipação de uma cidade anterior das proximidades: Contréxeville. No caso francês, porém, trata-se também de uma estância termal, procurada pelo Stanislas, o rei polonês que tornou-se duque da Lotríngia (Veja http://revista.brasil-europa.eu/145/Renaissance-Nancy-2013-Brasil.html) e estadistas de diversas nações.


Em 1854, a Bonne Source em Vittel, então ainda região erma de Vosges, foi adquirida pelo advogado Louis Boulomié (+1869. Doente, Bouloumié constatou a ação curativa da boa fonte, uma qualidade que já teria sido registrada pelos antigos romanos. Já no ano seguinte, a água foi reconhecida oficialmente como mineral.


O início da industrialização da água deu-se com o intento de possibilitar aos hóspedes o prosseguimento do tratamento em casa. O engarrafamento passou a dar-se num pavilhão construído em 1856.


Os seus filhos deram continuidade à promoção de Vittel, associando a cura com o lazer. Em 1882, fundaram a Sociedade de Água Mineral (Société Générale des Eaux Minérales de Vittel).


O sucesso econômico manifestou-se na configuração arquitetônica e paisagística de Vittel. Foi nada menos que Charles Garnier (1825-1898), o arquiteto da Ópera de Paris, o autor do projeto do edifício das termas e as grandes galerias que se tornaram o principal atrativo do Parque das Águas.


Luz nas águas - sentidos religiosos nos seus elos com a política francesa


Na consideração do vir-a-ser de Vittel não se pode deixar de considerar as conotações religiosas do passado da localidade. Separado pelo rio Petit Vair, esta havia sido até à Revolução Francesa separada politicamente em duas partes, correspondendo também ao culto de dois santos, festejados em diferentes datas, o padroeiro S. Remi e S. Privat.


Como em Caxambú, também a igreja local de St. Louis é estreitamente ligada à sua história cultural e à família daqueles que promoveram o seu desenvolvimento. Situada no Parque das Águas, a igreja, neogótica, apresenta semelhança na sua arquitetura com a de Santa Isabel de Caxambú, ainda que edificada em pedra.


Construída em 1913, a sua dedicação a St. Louis relaciona-se tanto com a história francesa na pessoa do santificado rei S. Luís como com a memória do proprietário da fonte Louis Bouloumié.


Esses duplos elos - historicistas com a nação francesa nas conotações políticas e familiares - manifestam-se no fato de representarem-se os santos nos vitrais da igreja com rostos de membros da família Bouloumié.


Se em Caxambu a santa venerada é Santa Isabel, tendo-se conhecimento do culto mais antigo a Nossa Senhora dos Remédios na região, também em Vittel foi no passado Nossa Senhora dos Bons Remédios, representada com o atributo de um jarro de água em capela lateral do coro.


Essa imagem traz à consciência os aspectos imagológicos do culto mariano relacionados com a água corrente de fontes e rios considerados em outros contextos e conhecidos do Brasil.


Como já estudado sob vários aspectos, é a luz (ou o fogo) relacionados com a vida da água corrente que deve estar no centro das atenções. O motivo da luz pode ser encontrado na decoração orientalizante da antiga configuração do Parque das Águas de Vittel, assim como em vitrais mais recentes de salas de fontes.


Os elos de Vittel com a América Latina são lembrados hoje com referência à época da Segunda Guerra Mundial, quando judeus franceses foram deportados para os campos de concentração alemães.


Alguns deles, em particular aqueles com passaportes de países latino-americanos, foram mantidos presos em edifícios de hotéis do balneário.


Os estudos agora desenvolvidos demonstram que a consideração de elos e relações não necessita ficar restrita a essa época da história do século XX, podendo-se ampliar sob diferentes aspectos e ser tratada sob múltiplas perspectivas. Essa surge como tarefa dos estudos do termalismo, para o qual Vittel, com o seu museu, oferece um exemplo.



De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo





Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "
A cultura na revitalização de estâncias hidrominerais e a museologia do termalismo". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 145/6 (2013:5). http://revista.brasil-europa.eu/145/Vittel-Caxambu.html