Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Rothenburg o.d.Tauber


Rotheburg o.d. Tauber


Rothenburg o.d.Tauber


Rothenburg o.d. Tauber


Rothenburg o.d. Tauber

Fotos de Hermann Boll
em artigo de Ernst Deksey,
Velhagen & Klasings Monatshefte XXVI/12, 515-527


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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 146/10 (2013:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3052





As aquarelas do pintor e violinista Curt Agthe (1862-1943)
na valorização da arte indígena de Elisabeth Krickeberg (1861-1944)
Cores de um pintor do Norte fascinado pela Itália
em tons de Alemanidade schubertiana de Rothenburg ob der Tauber

 

No decorrer dos trabalhos dedicados a regiões da antiga Prússia do Leste e do espaço báltico em  geral nas suas referenciações com o Brasil . centro das atenções do ano Alemanha/Brasil da A.B.E. de 2013 - (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html), recordou-se do nome da escritora da antiga Silésia Elisabeth Krickeberg, nascida Lesske (1861-1944). (http://revista.brasil-europa.eu/146/Elisabeth-Krickeberg.html)


Embora caída hoje em esquecimento como romancista e novelista, considerar o seu nome assume significado para os estudos eurobrasileiros pelo interesse que demonstrou pela arte plumária indígena das Américas em artigo ignorado na sua biografia e em estudos etnológicos (Elisabeth Krickeberg, "Der Federschmuck der Naturvölker Amerikas", Mit fünfzehn Aquarellen von Curt Agthe", Velhagen & Klasings Monatshefte XXVI. Jahrgang 1911/12, 3. Band, Berlin, Bielefeld, Leipzig, Wien: Velhagen & Klasing, 229-240)


Aquarela de C. Agthe
Esse texto demonstra o interesse de Elisabeth Krickeberg por questões etnográficas dos indígenas americanos, e indica os estudos que desenvolveu da literatura especializada, mais particularmente no Museum für Völkerkunde de Berlim da passagem do século, cidade onde estudou e viveu.


Considerando que o seu filho foi etnólogo que alcançou renome como autor de publicações dedicadas a culturas americanas, em parte largamente popularizadas, e que desempenhou papel de influência naquela instituição, a revelação do interesse etnológico e do conhecimento da literatura referente a indígenas das Américas por parte de Elisabeth Krickeberg assume particular relevância para a compreensão do seu ambiente de formação e dos pressupostos do seu pensamento.


A lembrança do seu nome dirige a atenção também ao papel desempenhado pela mulher na valorização estética da arte indígena na Europa e que, no caso de Elisabeth Krickeberg, pode ser compreendida pela sua acurada formação em artes domésticas que possibilitou o aguçamento de sua sensibilidade na apreciação de trabalhos manuais e artísticos.


Tendo obtido essa formação no meio social cultivado e ao mesmo tempo de isolada auto-consciência, marcado por intentos de ascensão social através da cultura de famílias abastadas de regiões afastadas e limítrofes, e prosseguindo-a em Berlim, Elisabeth Krickeberg indica o papel desempenhado por personalidades assim formadas em Berlim da passagem do século.


O trabalho relativo à arte ornamental plumária indígena das Américas de Elisabeth Krickeberg não poderia ter sido feito sem a colaboração do
Aquarela de C. Agthe
pintor Curt Agthe (Kurt Friedrich Celestin Agthe), autor de 15 aquarelas que acompanham o texto.


Publicado em magazine ilustrado no qual se dava particular atenção à arte visual e imagens de alta qualidade de impressão, a inclusão de ilustrações surgia como uma exigência não apenas do tema como também da publicação. Agthe atuou como ilustrador durante muitos anos nessa publicação, produzindo imagens de esculturas, decorações, artesanatos e moda.


O próprio texto referencia-se continuamente às imagens, comentando-as e, ao mesmo tempo, oferencendo critérios para a sua apreciação. Somente um estreito trabalho em conjunto entre Elisabeth Krickeberg e Curt Agthe pode explicar esses elos, podendo-se supor, assim, que Curt Agthe também teve em mãos as publicações mencionadas de Elisabeth Krickeberg e que forneceram os materiais para as suas elaborações artísticas.


Karaja. Aquarela de C. Agthe

Curt Agthe, "pintor a ser descoberto" sob a perspectiva cultural


Assim como Krickeberg, também Curt Agthe é um nome hoje caído no esquecimento, tendo sido lembrado por ocasião da passagem de quarto de século do seu falecimento, em 1968 ((Franz Berndal, "Der Berliner Genremaler Curt Agthe. Zum 25. Todestag am 3. Juli 1968", Mitteilungen des Vereins für die Geschichte Berlins, ano 64/13, 1968,169-171).


Uma tentativa recente de seu redescobrimento deu-se por motivo da passagem dos seus 150 anos através de uma exposição especial no Reichstadtmuseum de Rothenburg o.d. Taube sob o título de "O pintor não-descoberto", levada a efeito de abril a junho de 2012. "Curt Agthe" im Reichsstadtmuseum Rothenburg ob der Tauber vom 31. März 2012 bis 7. Juni 2012)


Ainda que pouco estudado e lembrado, Curt Agthe surge como uma personalidade significativa para a consideração do ambiente cultural de círculos da média e alta burguesa da sociedade de Berlim, marcado por interesses artísticos e musicais que, no caso, levaram a uma iniciativa de valorização estética da arte plumária indígena.


Não pode ser suficientemente salientado o fato de Curt Agthe provir de uma família de interesses musicais e marcado por atividades relacionadas com o comércio de instrumentos. O seu pai, Oscar Agthe (1835-1909) era não apenas um fabricante de pianos como em geral mencionado, mas sim fazia parte da representação da casa Steinway, atuando em exportações e tendo o seu nome assim conhecido nos Estados Unidos.


Essas atividades do seu pai remontavam a tradição familiar já antiga e que justificava uma posição de influência de Agthe não só no comércio de instrumentos como também na vida musical em geral. Compreende-se, assim, que Curt Agthe tenha obtido formação musical, tornando-se violinista, ainda que o seu nome passasse a ser conhecido antes como pintor.


A. von Werner (1843-1915), de Frankfurt a.d.Oder e M. Michael (1823-1891)


A sua formação artística foi obtida na Academia de Berlim, tendo tido como professor e.o. Anton von Werner (1843-1915), originário de Frankfurt a. d. Oder, diretor da Academia e especializado em pintura histórica. Esse seu professor surge como uma das mais expressivas personalidades da vida artística e intelectual de um período da história social alemã dirigido ao aumento de prosperidade, de sucesso e brilho.


O principal professor de Agthe foi Max Michael (1823-1891). Na realidade de nome Isaac Mayer, esse artista é um dos muitos exemplos do papel influente exercido pela comunidade judaica na vida cultural de Berlim de fins do século XIX e XX. Era, desde 1875, membro da Academia Prussiana das Artes.


Considerar a sua formação e a sua orientação artística surge como de particular significado para a análise das obras de Curt Agthe, também de suas aquarelas da arte indígena. Somente através da influência que teria recebido do seu professor é que se explica mais plausivelmente os elos entre a pintura de Genre européia de fins do século XIX e início do XX e a produção de Agthe.


Importante considerar é que Max Michael, após ter estudado em Dresden e em Paris, aqui e.o. com Henri Lehmnann (1814-1882), pintor nascido em Kiel, especializado em pintura histórica, tendo tido vivido em Munique e viajado pela Itália, onde residiu em Roma até 1870.


Essa fascinação pela Itália parece ter determinado a atenção de Max Michael à pintura de cenas da vida popular italiana, ao modo de ser, de agir e às expressões do homem do povo. Assim, realizou quadros temáticos de títulos "Escola de meninas nas montanhas Sabinas", "Pescadores Napolitanos" e "Família de camponeses numa pobre cabana".


Desde o ano da morte do seu professor, em 1891, Curt Agthe tornou-se membro da Sociedade dos Artistas de Berlim (Verein Berliner Künstler), dela participando até 1939 e realizando várias exposições pela passagem do século. Também foi membro da Allgemeine Deutsche Kunstgenossenschaft e da sociedade de apoio a artes Künstler-Unterstüzungs-Verein. Obras suas foram apresentadas em exposições internacionais em Berlim (1891, 1896, 1904) e em Düsseldorf (1902, 1904). Recebeu uma medalha de ouro na Exposição Mundial em São Francisco, em 1913.


Ao mesmo tempo, porém, Agthe situa-se de forma singular e em parte não estudada no ambiente de uma das cidades alemãs que mais se destacam pelas suas qualidades pitorescas e histórico-ingênuas da vida do povo da pintura de Gênero: Rothenburg ob der Taube. Já em 1887 dedicou-se a uma representação dessa cidade em pintura a óleo.


O interesse pela Itália - ou pelo sul - de Curt Agthe - inserindo-o na tradição do seu professor, manifestou-se no fato de ter fundado, após a Guerra, em Rothenburg, um círculo italiano. Nos anos 20, o pintor passaria a visitar frequentemente essa cidade.


Entre as obras de Agthe encontram-se vários títulos que manifestam o seu fascínio pela esfera marítima do Báltico e pelo Nórdico em geral (p.e. An der Ostsee, 1897).


Também várias obras com motivos italianos representam ilhas e vida de pescadores (Blick auf Ischia, 1892; Blick auf San Vigilio am Gardasee; Vignentor in Torbole am Gardasee; Blick auf San Vigilio am Gardasee in der Abendröte; Herbstabend am Gardasee; Frühlingsnachmittag am Gardasee; Capri). O mesmo fascínio por lagos registra-se em obras de outras regiões (Am Scharzwaldsee; Regenstimmung in der sächsischen Schweiz).


Tons de Alemanidade e música - "Potências schubertianas", "doçura schubertiana"


As aquarelas de arte plumária indígena de Agthe correspondem à argumentação de Elisabeth Krickeberg com base em materiais do Museum für Völkerkunde de Berlim. Os objetos escolhidos são de diferentes épocas e regiões, tendo o pintor escolhido pinturas, arranjos de exposições, objetos etnográficos - como aro de penas Karajá - imagens da literatura de viagens e de documentos mais antigos. O conjunto dos trabalhos, assim, é desigual. Entre as aquarelas mais significativas encontram-se aquelas referentes a indígenas do Brasil.


A questão que sobretudo se levanta é a do tratamento colorístico das representações. Comparando-as com obras conhecidas de Agthe, pode-se constatar parelelos quanto a tonalidades e cores.  Estas correspondem antes a condições de luz e atmosfera européias, em particular daquelas preferidas por Agthe, assim como a tendências da pintura acadêmica de sua época, não àquelas dos trópicos.


No mesmo ano dos Velhagen & Klasings Monatshefte XXVI. Jahrgang 1911/12, publicou-se nesse periódico um artigo de títuto "A cidade do não me esqueça" que oferece impressões atmosféricas e sentimentais - "Stimmungen" - de Rothenburg ob der Tauber, a cidade preferida de Curt Agthe, a partir de fotografias coloridas de Hermann Boll. Esse fotógrafo de Berlim (Friedrichstr.176) era também um fascinado por Rügen como Agthe; o autor, Ernst Decksey, (1870-1941), foi um escritor e crítico musical nascido em Berlim e voltado ao mundo austríaco, vindo a falecer em Viena. ("Die Vergißmeinnichtstadt: Rotheburger Stimmungen, Mit zwölf farbigen Originalaufnahmen", op.cit. caderno 12, agosto de 1912, 515-527).


Essas fotografias  apresentam, nas suas cores, similaridades com o tratamento colorístico de obras de Curt Aghte recentemente expostas em Rothenburg ob der Tauber e que não foram apenas bem recebidas por críticos, que nelas não viram correspondência com a realidade, considerando-as escuras ou sinistras.


É essa tonalidade, porém, que também pode-se perceber na elaboração aquarelística de motivos indígenas de Curt Agthe, por exemplo no caso do índio do Uaupés segundo fotografia de Theodor Koch-Grünberg (Veja artigo nesta edição).


Tudo indica, assim, que Curt Aghte utilizava-se ou orientava-se na sua pintura segundo fotografias, o que não seria incomum em ambiente acadêmico, sendo assim a técnica colorística de filmes coloridos da época pelo menos co-responsável pela tonalidade de suas obras.


Uma leitura mais atenta do artigo com fotografias de Rothenburg ob der Tauber, porém, traz à consciência as conotações culturais e emocionais dessa cidade no sentido da "Alemanidade". O autor salienta que Rothenburg teria um renome mundial, sendo ainda mais bela do que o seu prestígia: a cidade possibilitava uma das maiores impressões de vida.


Assim como precisava-se ver na vida a Suíça a partir de Rigi, Roma a partir de S. Pedro, o sul da Itália a partir de Posilipp, assim seria necessário ver, do Engelsburg de Rothenburg, o que seria na realidade uma cidade natal alemã, compreendendo assim o Deutschtum naquilo que se via. (op.cit. 518)  O autor salienta que havia muitos pintores de Rothenburg , assim como poetas, cronistas e feuilletonistas que tinham decantado a cidade, necessitava-se porém de um músico que pintasse com sons a sinfonia de Rothenburg.


Desejar-se-ia um homem com a força de Schubert, com a doçura de Schubert para poder reproduzir a beleza da cidade em melodia encantadora. Ao sair da cidade, o visitante era tomado por uma tristeza, pois desejava ser imbuído dessa beleza.


O artigo termina lembrando que Rothenburg intensificava aos alemães a consciência alemã e dava ao estrangeiro uma imagem do agir e do ser alemão. Inspirava tantop o pensamento alemão, como a Nona Sinfonia ou, no sentido do trabalho, o porto de Hamburgo.


"Rothenburg stärkt das deutsche Bewußtsein des Deutschen und gibt dem Ausländer ein Bild der deutschen Leistung. Es hegt auf seine Weise den deutschen Gedanken, wie auf ihre Weise die Neunte Sinfonie oder im Arbeitssinn der Hafen von Homburg." (op.cit. 527)


Súmula de trabalhos de ciclo de estudos
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo







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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.) "As aquarelas do pintor e violinista Curt Agthe (1862-1943) na valorização da arte indígena de Elisabeth Krickeberg (1861-1944) - cores de um pintor do Norte fascinado pela Itália
em tons de Alemanidade schubertiana de Rothenburg ob der Tauber".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 146/10 (2013:6). http://revista.brasil-europa.eu/146/Curt-Agthe.html