Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Sopot. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©


Danzig. Foto A.A.Bispo©

Fotos.A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 146/7 (2013:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3049




O ar e a luz do Báltico no paisagismo alemão, Danzig/Gdańsk

e a imagem do Brasil em Eduard Hildebrandt (1817-1868)

 

Pouco pode parecer mais distante do que a paisagem do Mar Báltico e aquela de regiões do Brasil onde se fixaram emigrantes provindos da Pomerânea e de outras regiões desse espaço marcado pelo mar do Norte e do Leste da Europa.


Essa foi uma das reflexões que marcaram a viagem de estudos realizada por membros da A.B.E. ao Espírito Santo, em 2007, quando constatou-se a necessidade da consideração de pressupostos culturais de descendentes de antigos colonos. Essa nessidade resulta não apenas de intuitos de maior desenvolvimento dos estudos locais a serviço da consciência histórica de comunidades como também em resposta à necessidade de uma abertura de perspectivas na consideração de relações entre a Alemanha e o Brasil. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/143/Indice_143.html)


Estas relações Alemanha/Brasil estiveram por muitos anos - e em parte ainda permanecem - marcadas no trabalho de pesquisadores e de associações bilaterais por uma geografia mental determinada pela Alemanha Ocidental posterior à Segunda Guerra, esquecendo-se as vastas regiões que estiveram por detrás dos muros da ex-República Democrática Alemã.


Ainda mais sufocadas na memória encontravam-se - e encontram-se - antigas regiões marcadas pela presença alemã no passado que, após destruições da Guerra, expulsões e mudanças populacionais e culturais de incalculáveis dimensões, hoje pertencem a outros países.


Com esses objetivos de redescobrimento de espaços e contextos culturais ignorados, silenciados e velados, necessário porém para o estudo de processos culturais que tiveram consequências para o Brasil, realizou-se no mesmo ano de 2007 a uma viagem de estudos da membros da A.B.E. às regiões norte-alemãs costeiras do Mar Báltico, percorrendo a Pomerânea Anterior (Vorpommern), atingindo por fim os grandes centros portuários pomeranos de Stettin e Swienemünde na atual Polonia.


Nessa viagem, foram visitadas não não apenas cidades e instituições históricas de portos da antiga Hansa, monumentos da história religiosa e profana em aldeias do litoral e do interior, mas sim também os balneários e os locais de atrações marítimas que marcam esse litoral como dos mais procurados da Alemanha, alguns deles de antiga história e tradição, portadores de considerável patrimônio arquitetônico e histórico-cultural, decantados na literatura, entre êles a maior ilha alemã, Rügen.


Cultura/Natureza em aproximações ao espaço do Mar do Leste ou Báltico


Constatou-se, assim, que o intuito original de uma aproximação mais sensível a um universo que necessita ser desvendado para a compreensão de determinados processos culturais relacionados com o Brasil não pode deixar de considerar esse estreito relacionamento entre a Cultura e a Natureza do espaço do Mar do Leste ou Báltico.


Foram as condições geográficas que possibilitaram o desenvolvimento marítimo do comércio da antiga Hansa, o direcionamento da vida de suas cidades ao mundo externo, os contatos e intercâmbios humanos e culturais em rêde possibilitada pelos portos do Báltico, da Escandinávia, dos Países Baixos e mesmo das ilhas britânicas, e foi a luz e a atmosfera de suas costas, praias e ilhas que possibilitaram o descobrimento de valores naturais e o surgimento de cidades de veraneio que, também procuradas por homens da aristocracia, política, da intelectualidade e artes, tornaram-se centros de vida e irradiação cultural.


As relações entre Cultura e Natureza são assim múltiplas nesse espaço báltico: a paisagem determinou processos econômicos, dsenvolvimentos urbanos e a história cultural, e o homem desses portos levaram consigo ao mundo imagens e o viram com olhares impregnados da paisagem e da atmosfera do grande mar interno do Norte da Europa.


Das relações Cultura/Natureza à pintura paisagística no espaço do Mar Baltico


Compreende-se, assim, que a pintura paisagística mereça particular atenção nos estudos da cultura e das artes do Mar Báltico, também e sobretudo nas suas relações com paisagens marítimas regionais do Leste e do Norte, mas também de regiões distantes.


Não apenas a contemplação e a fixação sensível da paisagem natural e do mar, mas também a da vida do homem determinada pelo trabalho nos seus portos comerciais, marcada por inseguranças, pobreza e esperanças, do homem com os seus olhos dirigidos a mundos distantes, a ganhos e ascensões, á liberdade dos mares, deve ser vista como parte de um paisagismo mais amplo, incluidor do homem. Não se trata assim apenas de considerar relações entre uma pintura de Genre e o paisagismo, mas sim o de atentar às inserções do homem na natureza e da natureza vista pelo homem a parte das suas condições de existência.


A consideração das relações entre Cultura e Natureza neste sentido amplo não é estaticamente a-histórico, mas sujeito as transformações condicionadas tanto pela dinâmica da relações entre homens e povos, como por mudanças na forma de olhar, ler e interpretar o mundo envolvente.




Danzig sob o signo de Netuno - a tradição da pintura paisagística niederlandesa


A visita da A.B.E. a Danzig/Gdańsk, em 2013, trouxe de forma sensível à consciência essa historicidade, essa inserção marcada por reciprocidades da pintura em processos culturais. Como os museus de Danzig e representações pictóricas de interior testemunham, a cidade foi um centro excepcional de atividades artísticas e nelas a paisagem e o homem na paisagem encontram-se frequentemente tematizados.


Não só as obras conservadas no seu importante museu de artes, mas sim e sobretudo os materiais do grande museu marítimo que domina a sua face oferecem subsídios para reflexões sôbre essas relações entre o desenvolvimento artístico de Danzig e a sua vocação ao mar.


De referências mais antigas ao mundo natural de um passado católico encerrado com a Reformação, a recorrência posterior a imagens da antiga mitologia nas suas relações com a Natureza indicam a força do Humanismo e do cosmopolitismo nessas cidades portuárias, onde a abertura para o mundo de um centro portuário comercial atraiu pela tolerância religiosa e pelo florescimento econômico artistas e artesãos de diferentes regiões da Europa.


Esse desenvolvimento apenas se explica por ser Danzig/Gdańsk uma cidade de mar, voltada ao mar, que levantou significativamente a Netuno um de seus principais monumentos plásticos, o chafariz que domina o centro da cidade.


Danzig tornou-se sobretudo um centro do Niederlandismo que se propagou dos Países Baixos ao Norte e ao Báltico, determinando não apenas a paisagem arquitetônica de muitas de suas cidades, mas também transmitindo impulsos culturais e artísticos, e entre esses encontra-se a pintura paisagística que tanto caracteriza a contribuição holandesa à História das Artes.


É sob esse pano de fundo secular da tradição paisagística de um universo cultural marcado por anelos de liberdade em rêde de relações econômicas e político-culturais que interrelacionava o mar interno do Norte e Leste europeu com a mundial rêde de contatos dos Países Baixos, que devem ser considerados desenvolvimentos posteriores a essa época florescente, apesar de todas as transformações e convulsões que marcaram a história local dos séculos XVIII e início do XIX.


Paisagista como principal personalidade que vincula Danzig/Gdańsk ao Brasil


É à luz desse passado remoto que deve ser considerado também a principal personalidade que, nos estudos culturais, relaciona Danzig - e o Báltico em geral - com o Brasil, o do pintor paisagista Eduard von Hilderbrandt.


Não se pode esquecer, porém, que a Danzig de sua época muito diferente era daquela do período de apogeu dos séculos XVI e XVII.


A cidade havia experimentado um período de enfraquecimento do espírito de empreendimentos comerciais, diminuindo na sua população desde a época da primeira divisão da Polonia (1772), oprimida por restrições e taxas alfandegárias.


Integrada à Prússia (1793), conheceu sob as incursões francesas bonapartistas bloqueios e ataques britânicos e suecos, sendo que a sua população apoiou decisivamente a resistência, a libertação, chegando para isso a destruir e inundar partes da sua própria cidade, a demolir construções de fundamental importância para o porto e a passar fome. Após a capitulação, os seus habitantes sofreram com com os impostos de Guerra e a interrupção do comércio com a inglaterra devido ao Bloqueio Continental. Conheceu o cêrco russo que a isolou e assolou, as ações dos prussianos, alcançando por fim a saída dos franceses em 1814, deportados então à Rússia.



Ao nascer Eduard von Hilderbrandt, Danzig/Gdańsk encontrava-se já sob a soberania da Prússia, integrada no processo de reconstrução européia do Congresso de Viena, marcada pela consciência de restauração de liberdade, pela expectativa de recuperação do florescimento econômico e pelas novas perspectivas que se abriam com a sua referenciação segundo a florescente capital prussiana, um centro também de govêrno administrativo da Prússia Ocidental e de organização eclesial da Igreja Evangélica.


É nesse contexto impregnado de ímpetos de ascensão econômica e social, de superação de um passado marcado por miséria e sofrimentos da população, de renovação do ethos de liberdade da antiga cidade portuária na sua vocação a portos distantes e na sua abertura ao mundo que deve ser considerado o contexto de nascimento e de formação de Eduard von Hilderbrandt.


Significado de reconsiderações de Eduard von Hilderbrandt


A revelação do significado de Eduard von Hilderbrand para a História das Artes e para a imagem do Brasil - assim como de Portugal, Madeira de muitas outras partes do mundo - não é recente, tendo sido a sua obra considerada em publicações representativas e estudos especializados.


A permanente atualidade das imagens por êle deixadas do Brasil, reproduzidas em grande número e em parte reelaboradas - por vezes atingindo limites do Kitsch -, são meios de decoração interna privilegiados de representações, centros culturais e residências de brasileiros, sobretudo no Exterior.


Mantém-se, assim, não apenas imagens históricas, mas sim também olhares de paisagens e de tipos humanos que antes deveriam ser considerados nas suas relações com modos de ver a realidade do pintor a partir de sua própria experiência de vida, pressupostos culturais e no contexto amplo dos interesses científicos e mesmo político-culturais de sua época.


Esse transporte transepocal não se reduz a nostalgia ou saudosismo de paisagens e situações brasileiras já remoto passado, mas traz em si a potencialidade de transformar-se - sobretudo em situações de brasileiros no Exterior - em diretrizes visuais de compreensão e interpretação do país, do seu povo e de sua cultura.


Tem-se, assim, uma questão de atualidade que diz respeito a processos de identidade e a imagens condutoras, por vezes atuando através de ilustrações e imagens não explícitas ou subjacentes em estudos culturais, em particular naqueles de natureza etnológica e histórico-cultural.


Esse interesse por imagens de Eduard von Hilderbrand por parte de brasileiros, justificável e compreensível sob diferentes aspectos, sobretudo daqueles em situação marcada por instabilidade e impulsos de afirmação cultural no Exterior, não parece coadunar-se em intensidade com a relativa atenção a êle devotada na História das Artes na própria Alemanha do presente.


Essa discordância de apreciações representa um impasse prejudicial para ambos os lados. Ela impede que se deixe de considerar por parte do Brasil as imagens de Hildebrand quase que como fontes históricas que teriam registrado por assim dizer fotograficamente realidades independentemente das inserções do seu olhar no contexto cultural do pintor e sua época e, ao mesmo tempo, por parte da Alemanha, a análise e apreciação da sua vida e obra em processos culturais e contextos globais marcados pelo interesse por regiões extra-européias e pelo florescimento de Berlim como capital de cultura e artes.


Como poucos, Hilderbrand foi um artista representativo desse desenvolvimento político-cultural, apoiado que foi nas suas viagens e trabalhos pelo poder real, tendo grande parte de sua grande produção adquirida pela Corte.


Perspectivas de uma História das Artes de orientação teórico-cultural


Em ambos os sentidos assim esboçados, Eduard von Hilderbrand pode ser considerado como exemplo de uma orientação teórico-cultural da História das Artes, comparável àquela que se vem sentindo e defendida já há décadas na Musicologia a partir de esforços partidos do Brasil e representados pela A.B.E./I.S.M.P.S..


Essa reconsideração de Eduard von Hilderbrand sob a perspectiva do estudo de processos culturais em dimensões globais pode retomar apreciações da literatura mais antiga, de época na qual os autores sentiam de forma mais próxima as grandes transformações nas relações entre os povos ocorridas no século XIX e tinham uma visão da Alemanha marcada pela intensificação de seu interesses pelo mundo e por um processo de ascensão a poder marítimo que teria muito mais tarde outros centros portuários de irradiação.


No "Esboço de História da Arte" de Wilhelm Lübcke (1826-1893) (Grundriss der Kunstgeschichte, Stuttgart: Ebner & Seubert 1860), obra no passado muito divulgada através de várias edições, tratando da "pintura idealística alemã", o autor salienta o papel desempenhado pelo paisagismo no florescimento da arte alemã do século XIX. Este estava representado de forma diversificada em todos os graus da criação artística, das severas composições de paisagem ideal até "pálidas Vedute", o que poderia ser explicado por um sentimento sempre revivificado do alemão pela natureza.


Essa sempre revivificada sensibilidade de percepção e fruição da natureza dos alemães ocorreram e ganharam segundo Lübcke novas expressões em época marcada pela expansão do tráfego mundial e que possibilitou a ampliação da esfera de observação dos pintores de paisagens a todas as zonas da terra, levando a uma incomensurável plenitude de novas formas, a novas impressões e efeitos. (op.cit., 10 ed., Karlsruhe 1886, 461-463).


Tratando das diferenças entre as obras da paisagem idealística alemã do século XIX relativamente àquelas do século XVII, Lübcke salienta que as do seu século demonstravam maior agudez no detalhe e salientavam mais determinadamente a diversidade característica das formas da natureza. Este último fator, o da atenção a formas características ou caracterizadoras era mais acentuada em alguns artistas, mesmo estes, porém, não chegavam a sacrificar a atmosfera poética do todo.


Dos vários nomes de artistas representantes do paisagismo idealístico alemão considerados, Lübcke salienta Eduard Hildebrand. Embora sugerindo excessos na representação de efeitos de luz em suas obras a óleo, valoriza as suas aquarelas, sobretudo o fato de nelas representar cenários de países de muitas regiões do mundo.


"Uma menção especial merece Eduard Hildebrandt (1818-1868), cedo falecido, de Danzig, que com grande maestria dedicou-se às atmosferas de ar e luz, expressando-as com frequência com elevada força poética e colorística. Nos seus quadros a óieo, salientou por vezes demais altos efeitos de luz em fenômenos excepcionais, conseguiul porém, em excelentes aquarelas, representar fielmente o cenário de países de todas as zonas, do Cabo Norte até a India, Japão e China e das ilhas do Mar do Sul."(op.cit., 10 ed., Karlsruhe 1886, 462-463)


Já essas observações indicam que a consideração do artista não pode ser empreendida apenas sob a perspectiva dirigida exclusivamente à obra e a considerações de estilo, mas sim deve incluir necessariamente a sua vida de viajante e os seus muito divulgados escritos no contexto das intensificadas relações entre a Europa e o mundo extra-europeu possibilitadas pelo desenvolvimento técnico do século XIX.


Significativamente, o então cognominado de "pintor do cosmos" (Fanny Arndt, Eduard Hildebrandt, der Maler des Kosmos. Sein Leben und seine Werke, Berlim: Lesser 1869) foi mencionado no Grundriss der Kunstgeschichte a partir de suas imagens fixadas na sua grande viagem ao redor do mundo (Hildebrandt's Reise um die Erde in chromolith. Facsimile's, von Steinbock, ed. R. Wagner, Berlim 1870 ff.).


O Brasil no redescobrimento e revalorização de E. Hildebrandt no século XX


Como ponto de partida para a reconsideração de Eduard Hildebrand como principal personalidade da história de Danzig/Gdańsk e do Báltico que estabelece elos com o Brasil, oferece-se a obra dedicada a imagens do Brasil de Hildebrandt de Gilberto Ferrez (Die Brasilienbilder Eduard Hildebrandts, Berlim: Henschelverlag Kunst und Gesellschaft, 1988).


Para além de seu significado para a divulgação das obras, essa publicação adquire relevância como projeto editorial de grandes dimensões dedicado ao Brasil da ex-República Democrática Alemã e como documento do empenho de representantes diplomáticos do Brasil na revelação e valorização das imagens de Hildebrandt.


Como G. Ferraz menciona, esses documentos foram evacuados na Segunda Guerra e em parte levados em 1945 à União Soviética, sendo de lá trazidos de volta a Galeria Nacional de Berlim em 1958, realizando-se, já no ano seguinte uma exposição nos Museus Estatais da capital da ex-DDR. G. Ferraz, com o auxílio de Mário Calábria, Cônsul Geral em Munique, conseguiu obter uma lista oficial com dados de tamanho, técnica e números do museu, assim como uma série de fotografias em preto e branco, com a respectiva autorização para publicá-las, tornando assim possível a comemoração do centenário de Eduard Hildebrandt no Brasil.


Como G. Ferrez coloca em evidência, o estudo e a revelação da obra e do significado para o Brasil de Eduard Hildebrandt são mais antigos, anteriores à Segunda Guerra, remontando aos anos trinta. Coube esse pioneirismo ao Embaixador Joaquim de Souza Leão Filho, colecionador de documentos e estudioso destacado de obras relacionadas com o Brasil, que divulgou os seus conhecimentos aos leitores brasileiros em artigo publicado na Revista da Semana em 22 de maio de 1937. Em homenagem a esse diplomata, a publicação de G. Ferraz reproduz esse texto como introdução e que revela o alto empenho nas pesquisas, a sua elevada fomação e o seu domínio de assuntos históricos e artísticos referentes ao Brasil.


Das suas palavras, constata-se que o autor realizou à sua época estudos pormenorizados dos materiais guardados no departamento de desenhos e gráfica da Galeria de Berlim, um total de 170 documentos, dos quais mais do que 50 do Rio de Janeiro, 15 das circunvizinhas, ca. de 20 da Bahia, igual número de Pernambuco e do litoral, além daqueles que retratam africanos, vendedores de rua, canoeiros, nativos, plantas e frutas.


Dos estudos assim efetuados, sendo a maioria das obras datadas, o diplomata esteve em condições de reconstruir a estadia do autor no Rio, de fins de março a julho de 1844, de sua ida a São Paulo, do retorno com estação em Santa Cruz, visitando a seguir de novo o Rio, e depois a Bahia, onde permaneceu até fins de agosto, de onde passou a Pernambuco, encontrando-se já em outubro nos Estados Unidos. 


Em nota, G. Ferrez menciona que Joaquim de Sousa Leão encontrou mais tarde em antiquário de Londres outras aquarelas da mesma viagem, remontantes ao espólio de Sir William Gore Ouseley (1797-1866), encarregado de negócios inglêses no Rio de Janeiro entre 1838 e 1842 e autor de Views in South America (1852). O editor lembra que Hildebrandt esteve na Inglaterra entre 1847 e 1849, quando então teria havido provavelmente um contato entre ambos.


Nesse seu texto, Joaquim de Souza Leão revela de início uma perspectiva antes da história política e diplomática, quase que aristocrática na consideração de Hildebrandt, explicáveis pela sua posição e formação.


A sua primeira frase, significativamente, salienta o empenho pelas artes na família dos Hohenzollern. Lembra do livro de viagens do Príncipe Adalbert von Preußen (1811-1873), com o seu atlas de esboços a lápis, publicados em parte em litografias coloridas em 1847, em edição representativa com insígnias reais, passando então a salientar o papel desempenhado pelo seu irmão Friedrich Wilhelm IV (1795-1861) no seu empenho em transformar Berlim em centro cultural e artístico da Alemanha e como patrocinador das viagens pelo mundo de Eduard Hildebrandt.


Dando continuidade a essa uma visão histórico-política e diplomática de contextos, o autor lembra dos viajantes e expedições científicas que divulgaram o Brasil em publicações monumentais, apoiados e.o. pelo imperador da Áustria, pelo rei da Baviera, relacionados em parentesco com a dinastia brasileira. O ponto de partida de Joaquim de Souza Leão estabelece assim primordialmente um contexto marcado por relações entre famílias reinantes e o empenho de seus representantes como pressuposto para o entendimento da extraordinária difusão de conhecimentos da riqueza natural e de aspectos etnográficos do Brasil na Europa. Assim procedendo, porém, dirige a atenção antes ao apoio real recebido por Eduard Hildebrandt.


Apesar de possíveis reservas quanto a essa aproximação nobilitadora, o artigo de Joaquim de Souza Leão revela a profundidade de seus estudos biográficos e a sua capacidade de sistematização, tornando-o de tal forma modelar que G. Ferrez, no seu próprio texto sôbre "O Brasil de Hildebrandt" nele se baseia e mesmo, com alguns outros dados, o reproduz e sumariza.


Joaquim de Souza Leão salienta o papel desempenhado por Alexander von Humboldt (1769-1859) no apoio dado a Hildebrandt por Friedrich Wilhelm IV, lembra ter sido aluno em Paris de Eugène Isabey (1803-1886), apresentando-se com uma obra no Salon, chamando a atenção de von Humboldt após o seu retorno a Berlim.


A sua viagem ao Brasil e aos Estados Unidos de 1844 levou a tal produção que foi nomeado membro da Academia de Berlim e, em 1847, apoiado na realização de uma nova viagem, agora à Escócia, ás Ilhas Canárias, a Espanha e Portugal, ocasião em que criou o seu panorama da Madeira. Em 1851, viajou pela Itália, Egito e Grécia, em 1856 pintou o sol da meia-noite na Escandinávia. A sua grande viagem ao redor do mundo de 1862/63 levou-o a Trieste, Alexandria, Suez, India, China, Japão, Estados Unidos, Antilhas e Inglaterra, também aqui com grande produção de aquarelas.


Avaliações de Lübcke em Joaquim de Souza Leão


Uma releitura mais atenta do exemplar texto de Joaquim de Souza Leão revela que o diplomata estudou a obra de Lübcke acima mencionada ou que pelo menos assumiu apreciações nela expressas e que ter-se-iam tornado comumente aceitas na História da Arte.


Embora sem citar explicitamente Lübcke, encontra-se no texto do Embaixador a menção às fundamentais transformações nas relações entre os povos ocorridas no século XIX graças ao desenvolvimento dos transportes, ferroviários e da navegação a vapor, o que facilitou viagens e possibilitou aos pintores explorações so mundo. Souza Leão lembra que pintores alemães passaram a procurar em países nórdicos e em diferentes regiões do Oriente novos fenômenos naturais e contrastes exóticos de luz, a tal ponto que a pintura paisagística chegou até mesmo tomar traços de instrução geográfica e cosmopolitismo, o que nem sempre, segundo êle, seria bem visto nas artes.


A provável leitura da obra de Lübcke por Joaquim de Souza Leão manifesta-se também e sobretudo na sua apreciação relativamente aos trabalhos a óleo do artista, salientando o maior significado de suas aquarelas. salientando que estas revelam uma virtuosidade manual excepcional, capaz de solucionar problemas difíceis com simples traços do pincel, de modo que a luz vibraria. Joaquim de Sousa Leão via aqui uma provável inspiração de Joseph Mallord William Turner (1775-1851), principal representante do Romantismo inglês.


Intensificando ainda mais a apreciação já expressa por Lübcke, o diplomata afirmava que nada nas suas obras poderia alcançar a qualidade de suas aquarelas, mesmo as mais secundárias, o que para êle podia ser explicada pela natureza do material, melhor adequado a fixar as diferentes aparências da luz. Elas manteriam um caráter de esboço, apenas com sugestões de detalhes, registrando fielmente a tonalidade das paisagens, onde, com meios simples, os fenômenos atmosféricos refletem-se na água e nas florestas.


Assim como em Lübcke, essa valorização das aquarelas correspondeu a uma desvalorização dos trabalhos a óleo de Hildebrandt, criados posteriormente com base em esboços ganhos em viagem como a sua "imagem da colina da Glória" (1847), o que Souza Leão explicava em parte pelo excesso de diligência do artista. No exagero de representações de efeitos de luz, o diplomata via expressões de um Romantismo teatral no qual o artista deixara-se levar pela magia do cair do sol nos trópicos e noites de luar nórdico. Essa "decadência" já se manifestava segundo êle em pinturas do Rio de Janeiro de 1850 e 1851, na qual constatava uma perspectiva incerta e conturas indefinidas e uma atenção predominantemente dirigida a efeitos de luz do sol.


Apreciações de Souza Leão no contexto dos anos trinta e suas sobrevivências


Se a série mais apreciada pelo Embaixador era a do panorama de toda a baía da Guanabara, que, segundo êle, seria um verdadeiro canto de louvor ao Rio de Janeiro, com precisão quase que fotográfica de detalhes, os mais interessantes trabalhos de Hildebrandt não seriam os paisagísticos, mas aqueles que documentavam costumes e usos, imagens de ruas, largos e igrejas como locais da vida de seus habitantes.


Souza Leão lembra, entre essas imagens, a dos chafarizes da Rua do Conde, do Largo de Santa Rita e Largo da Carioca, das igrejas Candelária, Glória, Santa Luzia, Pena e Misericórdia, das capelas Santa Teresa, Boa Viagem e Saúde, das fortalezas Castelo, Villegaignon, Santa Cruz e Ilha das Cobras, as ruas da Misericórdia, Ouvidor, Direita, Comprido e São Cristóvão, Engenho Velho, Passeio Público, praia do Botafogo e lagoa Rodrigues de Freitas.


Para Souza Leão, as imagens coloridas irradiavam vida e ofereciam um quadro expressivo que seria realista com os seus tipos característicos de uma metrópole quase africana que teria sido o Rio de Janeiro em meados do século XIX.


Assim, para êle, os estudos de viagem de Hildebrandt não teriam perdido nem o seu valor artístico nem o seu valor documental. Eles serviam quase que como registros fotográficos de uma realidade e, assim, de fontes históricas e etnológicas, capazes de assim de fundamentar reconstruções do passado e suas interpretações.


Esse fascínio e essa atenção às representações de tipos humanos, de costumes, usos e da vida popular de ruas por Hildebrandt por parte de Souza Leão parecem corresponder à tendências geras da época em que desenvolveu os seus estudos, marcadas por nacionalismos em diferentes acepções, no caso especial da Alemanha, do "povismo" com as suas recorrências étnico-raciais, históricas e da vida popular tradicional de locais e regiões. Foi uma época, também, que, no Brasil, conheceu um especial interesse por estudos relacionados com africanos e seus descendentes.


Essa contextualização das interpretações do valor documental das obras de Hildebrandt por Souza Leão na década de trinta mereceria ser estudada de forma mais atenta, uma vez que ultrapassaram a sua época, tornando-se de aceitação geral, retomadas nem sempre de forma consciênte por outros autores.


O próprio G. Ferrez, no seu estudo, reproduz não apenas as apreciações de Souza Leão - já formuladas por Lübcke - de que a posição de Hildebrandt na História da Arte seria justificada apenas pelas suas aquarelas, não por quadros a óleo onde predominam efeitos teatrais, - p.e. o sempre citado cair do sol no Rio de Janeiro, de 1851.


G. Ferrez intensifica até mesmo a avaliação relativas à qualidade primordial das aquarelas estabelecendo uma ponte com outra posição de Souza Leão, a do seu valor documental, afirmando ter sido Hildebrandt, de todos os aquarelistas que visitaram o Brasil, não tendo sido superado por qualquer outro artista, não só pela sua capacidade de registrar contrastes de luz e cores, mas sim também pela escolha de motivos não percebidos por outros. Teria sido, assim, de todos os aquarelistas que visitaram o Brasil, indubitavelmente o mestre "do retrato realista dos trópicos".


Essa intensificação de avaliações de Souza Leão dos anos trinta diz respeito também em G. Ferrez sobretudo às imagens de Hildebrandt referentes a costumes, usos, às ruas e praças de frequência popular.


Para salientar o seu significado, considera-o numa longa lista de nomes de artistas que deixaram legados afins, partindo sobretudo de Jean--Baptiste Debret (1768-1848), assinalando ter sido o primeiro que deixou "a mais exata imagem" de acontecimentos hstóricos e religiosos, de costumes, de trajes, de vendedores de ruas, trabalhadores, brancos, mulatos e negros. Oferece, nesse sentido, até mesmo uma ordem de significado, o que não apenas documenta o seu extraordinário conhecimento da literatura e do repertório de imagens, mas sim também o predomínio de uma concepção marcada pela atenção ao valor documental retratístico e realista das representações, estabelecendo uma correspondência assim entre a exatidão topográfica e em alguns quase que fotográfica constatável ainda hoje nas paisagens com aquelas de tipos humanos e de aspectos da vida popular.


Retomando o ponto de partida de G. Ferrez em Danzig/Gdańsk sob novos aspectos


Se Souza Leão partiu das artes dos Hohenzollern, G. Ferrez em "O Brasil de Eduard Hildebrandts" inicia o seu texto lembrando da infância de Hildebrandt em Danzig/Gdańsk. Lembra ter sido o segundo de sete crianças de um pobre pintor. Êle teria desde cedo sido atraído pelo mar, tendo a intenção de servir como ajudante de marinheiro. Após a morte do pai, porém, de acordo com o desejo da mãe, seguiu a pintura.


Esse ponto de partida na consideração de Hildebrandt - ainda que sem consequências para a explanação posterior de G. Ferrez -, surge como de fundamental significado para uma reconsideração da obra do artista, merecendo ser mais atentamente aprofundado.


Situando-o na sua cidade natal portuária de Danzig/Gdańsk e em meios sociais modestos de um pintor, essa aproximação possibilita abrir perspectivas para a compreensão dos pressupostos culturais da sua formação em cidade marcada pelo mar, por marinheiros, trabalhadores, pescadores, pelos vendedores e pela população pobre de ambiente portuário e que teriam tanto chamado a sua atenção na sua obra posterior.


Esse ponto de partida em Danzig/Gdańsk sugere experiências de vida de infância e juventude em meio profundamente marcado pela vida do mar do homem simples de uma cidade de formação de marujos, de trabalhadores de cais, depósitos e sucatas, e o desejo de E. Hildebrandt de tornar-se ajudante de marinheiro não pode ser notado apenas como circunstancial intuito infantil não realizado.


Haveria uma coerência na vida e na obra de E. Hildebrandt que se explica através da tradição marítima de Danzig/Gdańsk e do meio simples em que nasceu. A atenção ao homem simples, do trabalhador, aos tipos populares, à vida das ruas que se manifestam nas suas aquarelas posteriores não teriam sido assim produtos posteriores de estudos na tradição do Genre, mas até mesmo anteriores à sua abertura de olhos à paisagem, próprios do meio em que viveu.


Essa intrpretação, porém, peca por não considerar a época de nascimento de Hildebrandt, quando Danzig, após um longo passado de empobrecimento, lutas, assolos e decadência, tomava novo desenvolvimento, impregnando-se de uma atmosfera de expectativas de liberdade, ascensão econômica e social e de abertura de novos horizontes.


Nesse sentido, a introdução à pintura que teria tido com o seu pai, ainda que modesto, não pode ser subestimada. Os talentos que aqui manifestou teriam justificado que a sua mãe, com as economias da família, promovesse o seu direcionamento á pintura. Tudo indica, assim, que Hilderbrandt deveria ser considerado na sua inserção em processos de ascensão social através da cultura e das artes de família modesta de uma sociedade que se revitalizava, e nesse sentido, oferece, com a sua vida posterior como pintor privilegiado da Côrte um exemplo altamente expressivo. Esse ímpeto de ascensão que teria marcado Hildebrandt leva porém a uma modificação da sua imagem quanto a artista que tanto se dedicou à representação de costumes, usos e locais de frequência popular.


Juventude em Berlim e o fascinio por Rügen de sua epoca


Com vinte anos em Berlim, o jovem Hildebrandt, em contato com o ambiente de ateliers, teve a oportunidade de conhecer e assimilar tendências e correntes da cultura, das artes e do pensamento da capital. É talvez neste sentido que possa ser explicado o fato de em 1838, um ano após a sua chegada, realizar uma viagem à ilha de Rügen.



Essa ilha havia passado desde o Congresso de Viena à Prússia e tornara-se alvo de aspirações em meios sociais privilegiados, artistas e intelectuaais pelas suas qualidades naturais, pela sua costa recortada, pelas suas muitas bacias, ilhas, praias, florestas e pelo branco do seu gêsso, o que contribuiu a ser considerada ilha de luz.


A vida de camponeses e as aldeias de pescadores foram decantadas por literatos, artistas, constituindo o fundo poético da estadia de visitantes em balneários e temas na literatura romântica alemã.


A estadia de Hildebrand em Rügen sugere um desenvolvimento que se desencadeava, o descobrimento ou o redescobrimento da natureza e da vida simples do homem - não das grandes cidades portuárias - da luz e do ar, dos fenômenos naturais.


Essa revelação da paisagem do Mar Báltico teria representado uma abertura à paisagem ao jovem socializado no meio impregnado de novos ares de Danzig, agora em estudos em Berlim à procura de ascensão pelo cultivo e pela participação em tendências da sociedade da capital.


É significativo, assim, que após o seu retorno a sua vida se relacione com o atelier de Wilhelm Krause (1803-1864), pintor e tenor, atuante em teatro, fascinado também por Rügen, pela natureza e pela paisagem marítima. Krause especializando-se em temas relacionados com o mar, valendo como introdutor de marinhas e principal promotor de sua apreciação em Berlim.


As viagens marítimas de Krause indicam significativas similaridades com aquelas de Hildebrand, em parte precedendo-as. Krause viajou não apenas por Rügen (1830), mas também pela Noruega (1830/31), Países Baixos (1834) e Normandia (1836), à Inglaterra e Escócia (1842); posteriormente viajou pelo litoral da França, da Itália e da Grécia.


Também Hildebrandt realizara em 1839 uma viagem de estudos à Inglaterra e à Escócia, dedicando-se também aqui sobretuo às regiões litorâneas de mar.


Essas estreitas relações com Wilhelm Krause indicam assim um comum fascínio pelos motivos marinhos e pelas viagens, que teriam pelo menos co-determinado o caminho posterior de Hildebrandt. A atenção quase que dramaticas de efeitos de luz em obras de Krause - homem de teatro - parece ressurgir nas obras posteriores a óleo de Hildebrandt posteriores e que foram alvo de apreciações críticas de Lübcke, Souza Leão e G. Ferrez.


Elas não seriam expressão de posterior "decadência" e Romantismo teatral à procura de efeitos dramáticos de luz, mas teriam os seus fundamentos em época muito anterior, nas relações com Krause, homem de teatro e cantor lírico, cujo ideal teria sido estudar com Caspar David Friedrich (1774-1840), o grande representante romântico do fascínio pela natureza, imbuído de religiosidade num mundo marcado pela temporalidade do fluir e do vir-a-ser, do passageiro, repleto de sentidos transcendentes e simbólicos, expressos em efeitos de luz, e que também se dedicara a Rügen pintando as suas rochas de giz (1818).


A crítica posterior dos poentes no Rio e das noites de luar em regiões nórdicas das obras de Hildebrandt surgem assim como anacrônicas, expressões da predileção de  críticos de arte, inadequadas para a compreensão adequada de processos culturais.


Uma consideração mais aprofundada do seu vir-a-ser poderia abrir perspectivas para novas leituras das obras de Hildebrandt, considerando-as no contexto  de concepções que viam a natureza nas suas relações com o artista imbuído do atmosférico, à luz de seus sentimentos. Ao contrário de exagerados retratos de paisagens nos seus efeitos dramáticos e emocionais de luz, essas obras poderiam ser vistas a partir dos sentimentos do artista perante a natureza que contemplava.


Ainda que no ambiente inspirador da capital e marcado pelo fascínio de meios culturais e artísticos por Rügen do Romantismo, Hildebrandt nunca perdeu o seu contato com o mundo marcado pelo ímpeto ao distante das cidades portuárias bálticas em novo desenvolvimento, em particular pelo fato do seu irmão viver em Stettin/Szczecin e que sempre o incentivou a percorrer o mundo.


Significativamente, é da vista do mar que as decorrências históricas de sua época foram vistas, como documenta uma sua imagem da partida do Czar Nicolau I de Swinemünde a caminho de Estocolmo, de 1840, e que se repetiria no registro de naves em acontecimentos históricos no Brasil.


Berlim-Paris-Berlim. Marinhas e aquarelas de Eugène Isabey (1803-1886)


Foi por recomendação de Krause que Hildebrandt dirigiu-se a Paris, em 1841, para ali estudar com Louis Gabriel Eugène Isabey . Manifestando nessa recomendação os elos culturais que marcaram a vida cultural e artística de Berlim com Paris, Krause o dirigiu ao principal representante da pintura de marinhas da época, um artista que vivenciara campanhas na África como pintor real de marinhas.


Não era apenas um retratista de batalhas, mas um pintor que fizera renome pela sua atenção a efeitos de luz e ar, ao diluir e transformar-se de elementos, ao atmosférico que chegou a alcançar limites na atenção ao desenho e a contornos, sobretudo em aquarelas que manifestam velocidade e fluidez na técnica. (F. Josenhans, "Hildebrandt, Eduard", B. Savoy, F. Nerlich (eds.) Pariser Lehrjahre. Ein Lexikon zur Ausbildung deutscher Maler in der französischen Hauptstadt. 1: 1793-1843, Berlim/Boston: De Gruyter 2013)


Teria sido assim com Isabey que Hildebrandt teria obtido a sua mestria como aquarelista tão apreciado pelos críticos, e foi em Paris que alcançou, com medalha obtida em exposição de obra no Salon, a consagração que lhe abriu portas a altos círculos da sociedade ao retornar a Berlim e para o qual Alexander von Humboldt foi protetor.


Uma consideração não anacrônica de obras de Hildebrandt, mas que atente a seu vir-a-ser exige assim estudos mais diferenciados de interrelações de diferentes correntes e tendências em relações entre Berlim e Paris e, sobretudo, das concepções do seu protetor, grande autor do Kosmos, publicado entre 1845 e 1862.


O motivo do mar e das costas, elucidáveis sob diversos aspectos a partir de contextos de nascimento e de formação de Hildebrandt, colocam as suas imagens do Brasil, em particular também aqui de cidades, ilhas, baías e regiões litorâneas em panorama mais amplo de uma vasta obra que é marcada em grande parte por marinhas.


Essas representações da paisagem marítima e do homem do mar no Brasil inserem-se em conjunto que inclui, entre muitas outras, costas da Normandia, pescadores de Capri, tarde na ilha da Madeira (premiada em 1850) e Câmara dos Lobos, noite no mar Maramara, o Mar Morto, o Cabo do Norte, praia à luz da tarde, tarde em Rügen, reflexos de mar, o mar sagrado de Birma e pescadores chineses.


A sua nomeação a Pintor da Corte Real Prussiana, ocorrida em 1848, após a sua viagem ao Brasil e a América do Norte patrocinada por Friedrich Wilhelm IV sob recomendação de A. von Humboldt, abriu-lhe as portas para as viagens que se seguiram.


Essa extraordinária ascensão social que se manifesta na vida de Hildebrandt exige reconsiderações sob perspectivas teórico-culturais mais adequadas que modificam a imagem que se tem do artista e da atenção que dedicou a costumes, usos, ao homem do povo e à vida nas ruas tão valorizadas como registros documentais na literatura. Subsídios para essa corretura oferece o próprio Hildebrandt nos seus escritos.


Das próprias palavras de E. Hildebrandt segundo Ernst Kossak


Expressivos testemunhos encontram-se por exemplo em "A viagem ao redor da terra" (Ernst Kossak, Professor Eduard Hildebrandt's Reise um die Erde, nach seinen Tagebüchern und mündlichen Berichten..., VI/1, Berlin 1879: Otto Janke). Como primeira frase do volume que se inicia com a sua partida de Berlim a Alexandria, Hildebrandt expõe explicitamente o objeto de suas viagens:


"Na atividade artística do pintor de paisagens todos podem ver fundamento o maior anelo de minha vida, de circumnavegar o globo da terra e conhecer com o próprio olhar os fenômenos, dos quais o mar, o ar e o continente produzem nas mais diferentes zonas do céu." (op.cit. 1)


"A maior parte de minhas horas livres foram dedicadas ao estudo da literatura inglesa de viagens. Também no sentido prático não poderia ser chamado de iniciante; as viagens que até agora realizei pareceram-me ser suficientes para ousar o grande empreendimento. Nos anos 1844-45 estive na América do Sul e do Norte, 1847-49 viajei pela Madeira, Ilhas Canárias, Espanha e Portugal, estive na Itália, Egito, Síria,Turquia e Grécia em 1851-52, em 1856 empreendi por fim uma viagem ao Cabo Norte." (loc.cit.)


Explicitamente salienta Hildebrandt não querer entrar em áreas de cientistas, e os seus informais relatos de viagem limitavam-se exclusivamente á área artística e histórico-cultural.


Se os seus conhecimentos de mar explicáveis pela sua origem manifestam-se na observação dos céus, utilizando-se aqui linguagem de soldados e marinheiros, os seus relatos denotam um homem que procurava e sabia apreciar sobretudo o conforto, a conversação em sociedade européia, hotéis e acomodações em navios de alta qualidade, procurando europeus, em particular alemães em diferentes locais percorridos.


O seu relato de estadia em Macau, no qual salienta a sua impressão de estar no Rio de Janeiro ou na Madeira, oferece-se como um exemplo de sua tendência à convivência com círculos europeus, a passeios em sua companhia, à apreciação de localidades mais amenas e privilegiadas, a concertos de bandas de música, e a sua quase que aversão à miséria e à decadência. Se sentia-se levado a procurar o diferente, o exótico, locais frequentados pelo povo, suas ruas, bairros e moradias, isso o fazia por motivo de sua profissão de pintor paisagista para realizar a maior produção possível de imagens que surgissem como características e interessantes na Côrte de Berlim.


As explanações finais desse volume, que descrevem o seu retorno à Alemanha, manifestam a sua personalidade de europeu que na realidade desejava estar entre os seus conterrâneos, de falar a lingua materna, que agradecia a Deus por estar de novo no seu país natal altamente civilizado e ter a salvo a copiosa produção de aquarelas, esboços e diários. Era um homem não livre de preconceitos, que considerava um estorvo do convívio social a presença de estrangeiros e judeus.


As próprias palavras de Hildebrandt indicam que o artista e viajante deve ser visto a partir de sua inserção em processos sociais e culturais alemães e que é inadequado considerá-lo como uma espécie de pesquisador cultural preocupado em retratar com empatia e neutralidade objetiva tipos populares, costumes e usos.


Contrariamente à apreciação do valor documental salientado nas suas imagens do Brasil, elas não deveriam ser vistas como registros quase que fotográficos que permitem conclusões mais amplas do panorama histórico-cultural, mas sim como resultados de visões seletivas a serviço das concepções paisaigísticas de sua formação e das expectativas daqueles dos quais dependia .


De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo







Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O ar e a luz do Báltico no paisagismo alemão, Danzig/Gdańsk e a imagem do Brasil em Eduard Hildebrandt (1817-1868)".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 146/7 (2013:6). http://revista.brasil-europa.eu/146/Eduard-Hildebrand.html