Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Hedy Iracema-Bruegelmann


Hedy Iracema-Bruegelmann





















Imagens em branco e preto de fotos em Peter Fuchs, Köln so wie es war... Düsseldorf: Droste,s/d


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 146/13 (2013:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3055





A cantora teuto-brasileira Hedy Iracema-Brügelmann (Hänsel) (1881-1941)
a sua formação em Colonia e atuação em Stuttgart
no contexto de questões relacionadas com a mulher na vida cultural alemã

35 anos de atividade de docente do editor na Rheinische Musikschule de Colonia, 10 anos de seminário dedicado a questões de Gênero na musicologia de orientação cultural
na Universidade de Bonn. Ano comemorativo de Max Bruch 2013


 

Os estudos voltados a relações Alemanha/Brasil desenvolvidos em 2013 pela Academia Brasil-Europa (A.B.E.) e pelo Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Lingua Portuguesa (I.S.M.P.S.) dedicaram particular atenção ao papel da mulher na vida cultural, artística em geral e musical alemã anterior à Primeira Guerra Mundial nas suas relações com o Brasil.


Essas aproximações foram motivadas sobretudo pela revelação e consideração de artigo sôbre enfeites de penas na arte indígena das Américas da escritora Elisabeth Krickeberg (1861-1944), nascida na Silésia e atuante posteriormente em Berlim. Esse interesse até agora desconhecido de mãe do grande etnólogo e americanista Walter Krickeberg (1885-1962) pela cultura indígena, a conotação feminina do tema do seu trabalho - enfeites de corpo - e a sua participação em sociedades de escritoras da época trouxeram à consciência a intensidade da participação da mulher na vida cultural e artística alemã de fins do século XIX e início do XX. (Veja outros artigos nessa edição)


O mesmo periódico que publicou o trabalho de Elisabeth Krickeberg incluiu um artigo dedicado ás artistas teatrais e cantoras líricas de Stuttgart, cuja primeira página apresenta uma fotografia da cantora teuto-brasileira Hedy Iracema-Brügelmann als "Tosca" segundo um retrato de Th. Andersen, fotógrafo da  Côrte de Stuttgart:


Wittko, Paul, "Stuttgarter Bühnenkünstlerinnen", Velhagen & Klasings Monatshefte XXVI. Jahrgang 1911/12, 3. Band, Berlin, Bielefeld, Leipzig, Wien: Velhagen & Klasing, 401-407).


Esse artigo traz à memória um nome que documenta a participação relevante de uma brasileira na vida artística da Alemanha da época. A atenção não deve ser dirigida assim apenas às alemãs que se interessaram por assuntos de relevância para estudos brasileiros, mas sim, também, em sentido recíproco, à presença brasileira no próprio meio cultural e artístico alemão em época marcada por intensidade de atividades femininas e mesmo de reconhecimento do papel da mulher na cultura e nas artes.


Atualidade da lembrança de Hedy Iracema-Brügelmann


Relembrar o nome de Hedy Iracema-Brügelmann adquire particular atualidade em 2013, ano em que se comemora os 175 anos de nascimento do compositor e regente Max Bruch (1838-1920). Essas comemorações, que incluem concertos, conferências e seminários sobretudo em cidades e regiões mais relacionadas com a vida do compositor, sobretudo em Colonia, cidade de seu nascimento, e em Berlim, onde faleceu, levam também à consideração da literatura referente à sua vida e obra.


Essas leituras incluem necessariamente um artigo publicado em 2006 dedicado à correspondência entre a cantora brasileira e o compositor, publicado pela revista do Arquivo do Estado de Baden-Württemberg (Maria Magdalena Rückert, "Ihre, des Schöpfers, Anerkennung soll mir der schönste Lohn sein; unbekannter Briefwechsel zwischen dem Komponisten Max Bruch und der Sopranistin Hedwig Iracema-Brügelmann im Nachlass Adelmann", Archiv Nachrichten 32, 2006, 29-30).


Devido a seus estreitos elos de vida e formação com Colonia, a consideração de Hedy Iracema-Brügelmann representa sobretudo uma tarefa para pesquisadores e instituições sediadas nessa cidade ou na região, como é o caso do I.S.M.P.S..


Entre essas instituições, salienta-se sobretudo a Escola de Música Renana (Rheinische Musikschule), uma vez que foi com professores desse conservatório que Hedy Iracema-Brügelmann aperfeiçoou-se ao vir do Brasil.


Quando da atuação do editor desta revista como docente da Rheinische Musikschule, a partir de 1977/78, Hedy Iracema-Brügelmann foi um dos vários nomes levantados e considerados no intento de revelação dos estreitos elos do antigo Conservatório da Cidade de Colonia com o Brasil. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Nepomuceno-Arno-Kleffel.html).


Desde então, a cantora voltou a ser considerada em cursos de institutos de musicologia das universidades de Colonia e Bonn, em particular no seminário dedicado a estudos de Gênero realizado em Bonn, também sob a direção do editor desta revista, em 2003, quando a atenção foi dirigida ao papel da mulher na história da música sob a perspectiva de processos culturais em contextos globais.


Transcorridos 10 anos desse seminário, surge como oportuno retomar algumas das questões então discutidas sob novos aspectos a partir do artigo de Paul Wittko nos Velhagen & Klasings Monatshefte XXVI. Jahrgang 1911/12.


Amália e Hedy Hänsel: exemplos do cultivo do canto em famílias alemãs no Brasil


Hedy e sua irmã Amélia surgem sob a perspectiva dos estudos culturais relacionados com a imigração e a colonização no Brasil como cantoras que, alcançando renome internacional, testemunham o papel e o alto nível alcançado pela prática do canto em famílias de origem alemã no Brasil.


Ao mesmo tempo, documentam a influência da difusão de música de compositores alemães na educação feminina em meios teuto-brasileiros e a recepção de compositores alemães à época de sua formação no Rio Grande do Sul.


Paul Wittko lembra de início, que Hedy, nascida em Porto Alegre, era filha de Fr. Hänsel, um político de Frankfurt a. M., assassinado no Brasil. Com 15 anos teria Hedy ali ouvido pela primeira vez em concerto Schubert, Schumann e Brahms. Da impressão que ganhou, foi tomada do desejo de estudar na Alemanha.


Embora não citando a sua irmã Amélia, ambas devem ser consideradas conjuntamente sob uma perspectiva dirigida à educação feminina em famílias alemãs no Brasil.


Significativamente, Vincenzo Cernicchiaro, considerando o canto e os cantores nacionais, artistas e diletantes na sua História da Música no Brasil, menciona Amélia Iracema e, a seguir Hedy Iracema. Lembra que ambas cantaram em importantes teatros da Alemanha para, em seguida, receberem reconhecimento também no Brasil.


"Un'altra notevole cantante brasiliana, Amelia Iracema, nata in Porto Alegre, educata alla scuola tedesca, si fece onore nell'arte lirica, cotla sua eccelente voce di soprano, cantando nei primari teatri di Germania, per poi trovare in patria i migliori applausi, secundo altrove si disse.


Anche Hedy Iracema, sorella della precedente, raggiunse un grado di bella rinomanza nell'arte del canto, massime in Germania, dove studiò sotto la direzione del professore Paul Haase, insegnante al Conservatorio di Colonia, e quindi colla celebre cantante Wally Schanseil. In Colonia, debuttò come soprano, nel grande Oratorio di J.S. Bach "La passione secundo S. Matteo"; percorse poscia le principali città dell'Impero tedesco come concertista, e quindi, scritturata per cantare al teatro dell'Opera di detta città. Al suo ritorno in patria, si faceva udire nello Stato natale e in Rio de Janeiro (1897), ove i suoi meriti artistici, rivelati con una calda e flessibile voce e un bello stile interpretativo, trovarono lodi ed applausi". (Storia della Musica nel Brasile dai tempi coloniali sino ai nostri giorni 1549-1925, Milão: Fratelli Riccioni 1926, 535-536)


É digno de atenção ter Cernicchiaro mencionado em primeiro lugar Amélia, e a seguir Hedy, dedicando, porém, a essa última maior atenção a partir do renome que alcançou sobretudo na Alemanha.


Em Porto Alegre, teria sido Amélia que despertara primeiramente o entusiasmo do público. Há muito tem-se conhecimento do concerto que a cantora ofereceu em despedida de Porto Alegre antes de partir para a Europa, onde estudara, através de publicação de Athos Damasceno. (Athos Damasceno, Palco, Salão e Picadeiro em Porto Alegre no século XIX. Contribuição para o estudo do processo cultural do Rio Grande do Sul, Porto Alegre: Globo, 1956, 333-334)


Os concertos oferecidos em outubro e dezembro respectivamente pela pianista Maria de Amoroso e por Amália Iracema teriam sido o ponto alto da temporada musical de 1900. A cantora apresentou-se juntamente com o barítono Luís Garbini, o violinista e compositor Murilo Furtado e Araújo Viana.


"Amália Iracema, tanto ou mais que Maria de Amoroso, registra retumbante êxito com o sarau que anunciara como sendo de despedida da cidade. Resolvendo partir para a Europa, onde prosseguiria na carreira triunfal que lá tivera início, não queria deixar a terra natal, sem lhe expressar, com a sua presença no palco, a gratidão que lhe devia por tantas provas de aprêço aqui recebidas".


Apesar do mau tempo, o concêrto se realiza com extraordinário êxito, tendo Amália Iracema, secundada por Araújo Viana, Murilo Furtado e Luís Garbini, dado cumprimento irreprochável ao extenso programa que organizara e assim estava distribuído: - I - Saint-Saens - Ária da ópera Samsão e Dalila (Iracema); II - Rossini - Cavatina do Barbeiro de Sevilha (Iracema); III - Araújo Viana - Alegro apassionato (Murilo); IV - Flotow - Esser Mesto, de Marta, Tomás, Styrienne, de Mignon (Iracema); V - Leoncavallo - Dueto dos Palhaços (Iracema e Garbini); Vi - Faulhaber - Valsa para piano (Araújo Viena); VII - Carlos Gomes - Ciel di Paraíba, do Schiavo (Iracema); VIII - Massenet - Aria do Re di Lahore (Garbini); IX - Beethoven - Adagio e Presto da Sonata a Kreutzer (Murilo e Araújo Viana); X - Bizet - Habanera dia Carmen (Iracema); XI - Yradier - Juanita (Iracema).


Ao fim de cada número desse programa - claro! - muitas palmas. E nos intervalos do concêrto - discursos! Discursos, flores e até...lágrimas.


Verdade. No palco, caprichosamente ornamentado de festões e guirlandas e no fundo do qual se destacava um soberbo retrato da artista - primoroso trabalho d D. Luísa Ferrari, pelo sistema radio-tinte - Amália Iracema, emocionadíssima com os aplausos da platéia, chorou....


Não sei se algum noticiarista da época teve a feliz, oportuna e....original idéia de comparar a pérolas as lágrimas da eminente cantora. Se o houvesse feito, certamente não estaria fora do seu tempo, isto é, distanciado das imagens poéticas em voga e nas quais essas caras e estimadas esferinhas do Oriente apareciam em frequência..." .


Esse texto, baseado em artigos da imprensa, oferece um sugestivo quadro do entusiasmo e orgulho de círculos musicais de Porto Alegre sobre o sucesso alcançado na Europa de Amália Iracema e o nível artístico que alcançara, demonstrado em vários concertos. De particular interesse é a reprodução do programa apresentado, uma vez que indica o repertório cultivado por Amália. Constata-se, assim, que a cantora ofereceu um programa variado, convencional, incluindo árias de conhecidas óperas, italianas ou não, estando os compositores brasileiros representados, no canto, por A. Carlos Gomes. A música alemã, com movimentos de sonata de L. v. Beethoven, esteve presente através de Murilo Furtado (1873-1958) e Araújo Viana (1872-1916).


Os dados que se conhecem a respeito de sua irmã Hedy sugerem um diferente direcionamento artístico do que aquele de Amália documentado nese programa, uma proximidade a correntes estéticas e do pensamento marcadas por intuitos de maior severidade e introspecção.


É significativo, assim, que V. Cernicchiaro mencione que o seu debut na Alemanha tenha-se dado como soprano na execução da Paixão Segundo S. Mateus de J. S. Bach, o que indica os seus elos com o movimento Bach, então em crescente intensidade em determinados círculos que procuravam a recuperação de uma maior profundidade espiritual na vida cultural e no sentido da prática musical. (Veja e.o.http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Nepomuceno-Christian-Capellen.html)


Mãe de Hermann Brügelmann (1899-1972)


As atividades de Hedy Iracema em Colonia não pode ser estudada sem levar em consideração o seu casamento com o comerciante Theodor Brügelmann (1865-1940) - neto do comerciante Johann Gottfried Brügelmann (1750-1802), um dos maiores nomes da história de fabricantes na Alemanha -, e que seria posteriormente influente diretor de banco e personalidade da vida pública da Alemanha. Como Hedy Iracema Brügelmann, passou a pertencer a família de grande influência na vida de Colonia, transferindo-se para esta cidade em 1900.


Se no caso de Elisabeth Krickeberg considerou-se o fato de ter sido mãe de renomado etnólogo e americanista, ela própria, porém, caída em esquecimento ou tendo a sua obra silenciada, similarmente deve-se mencionar ter sido Hedy Iracema mãe de um filho que, nascido no Brasil, durante todo o século XX marcou de forma relevante desenvolvimentos na Alemanha, sobretudo na área pública relacionada com o empresariado comunal e a legislação urbana.


O filho do casal, Hermann Brügelmann, nascido em Porto Alegre, tendo vindo com os pais para Colonia, onde frequentou a escola e, posteriormente, em Stuttgart, onde terminou os estudos secundários e foi convocado para o exército em fins da Primeira Guerra, também dedicou-se primeiramente à música.


Estudou música durante cinco anos em Stuttgart e em Munique após a Guerra, passando porém à área da Economia e do Direito, desenvolvendo estudos na Basiléia, Berna e Hamburgo. Alcançou o doutorado na Basiléia, em 1928. Hermann Brügelmann esteve à frente da Fundação de Estudos do Povo Alemão, entre 1932 e 1934, atuando a seguir na Sociedade Friedrich List, na Economia em Berlim e em meios militares. Tornou-se examinador da adequação psicológica das Forças militares, trabalhou na área da estatístca da Ostlandfaser AG e no Ministério do Armamento em Berlim. Após a Guerra, distinguiu-se sobretudo como gerente da obra caritativa da igreja evangélica de Berlim, posteriormente na gerência da Sociedade de Empresas Comunais em Colonia (Verband kommunaler Unternehmen).


Nas décadas de cinquenta e sessenta do século XX, exerceu posições de influência como deputado do Deutscher Städtetag em Colonia, contribuiu de forma relevante ao planejamento regional e urbano da cidade e da região e publicou comentários sobre a legislação federal de construções e da ordem do espaço urbano.


Hedy Iracema Brügelmann e o Conservatório da Cidade de Colonia



A formação ou o aperfeiçoamento de Hedy Iracema no Conservatório da Cidade de Colonia - hoje Rheinische Musikschule - decorreu em época de florescimento e de esforços de melhoramento de nível artístico, teórico e de dignificação da instituição. Mais do que simples escola de música de tradicional histórica, a instituição relacionava-se estreitamente com a vida musical da cidade, nela ensinando renomados e influentes músicos e regentes.


Os intentos de desenvolvimento de nível e do prestígio do Conservatório levavam a uma escolha mais seletiva do repertório, à superação de programas convencionais marcados pelas inclusão de fantasias de óperas, peças brilhantes de virtuosismo e de salão, e a uma intensificação das matérias teóricas, histórico-musicais e estéticas.


Esses intentos distinguiam-se sobretudo por esforços de uma maior profundidade espiritual nos estudos teóricos, em particular da harmonia, o que correspondia a uma procura de sentidos de intervalos e acordes segundo remotas concepções e de bases harmonicais. Os seus professores inseriram-se, assim, no início de um movimento teórico que marcaria o século XX e que teve a sua expressão em compêndios e obras teóricas de autores posteriores.


Principal personalidade a ser aqui salientada é a de Franz Wüllner (1832-1902), diretor do Conservatório à época de sua vinda, regente, compositor e, sobretudo, autor de obras teóricas que marcaram a formação de centenas de estudantes de música por décadas na Alemanha. (A respeito: Dietrich Kämper, Franz Wüllner: Leben, Wirken und kompositoriischjes Schaffen, Colonia: Arno Volk 1963 = Beiträge zur Rheinischen Musikgeschichte 55).


Sendo grande estudioso da obra de L. v. Beethoven e seu ativo promotor, Wüllner, que era também ligado por elos de amizade com J. Brahms, vinha de encontro ao fascínio por esses compositores que Hedy Iracema ganhara em Porto Alegre.


Apesar dessa orientação, Wüllner salientava-se também pelo seu conhecimento da obra de R. Wagner, uma vez que havia regido "O Ouro do Reno" e "As Valquírias" no Teatro Nacional de Munique, onde tornou-se primeiro Mestre de Capela da Corte. Havia sido na Baviera também que Wüllner passou a exercer influência relevante no desenvolvimento do ensino musical sistematizado, também aqui em estreita relação com a vida musical. Como inspetor da escola de música real bávara, foi um de seus anelos introduzir aulas de coral e orquestra, contribuindo com um compêndio de exercícios corais que foi utilizado por décadas na Alemanha. As atividades de Wüllner em Berlim em fins da década de 70 e na de 80 não podem deixar de ser mencionadas, uma vez que foi regente dos concertos filarmônicos e atuou como cantor na Academia de Canto.


Quando Hedy Iracema Brügelmann chegou a Colonia, Wüllner já ali atuava desde 1884. O seu renome baseava-se sobretudo no seu trabalho de renovação da tradicional orquestra Gürzenich, transformando-a em orquestra municipal, e na direção das Festas de Música da Baixa Renânia, realizadas em Colonia e nas cidades próximas de Aachen e Düsseldorf.


No ano da vinda de Hedy Iracema Brügelmann, Wüllner fundava a Nova Sociedade Bach, na qual participava, entre outros, Gustav Schreck (1849-1918), Cantor de S. Tomás em Leipzig. Nessa iniciativa, salientava-se também, sob o aspecto musicológico, Hermann Kretzschmar (1848-1924). Compreende-se, assim, o contexto no qual Hedy Iracema Brügelmann teria realizado a sua primeira grande apresentação pública na Alemanha com a Paixão Segundo S. Mateus de J.S.Bach.


Falecendo logo após a sua chegada, Hedy Iracema Brügelmann não pôde ter longo período de estudos com Wüllner. Passou a ser orientada por Fritz Steinbach (1855-1916), também regente, compositor, pedagogo, professor de matérias teóricas e influente organizador da vida musical. Steinbach merece uma especial atenção na consideração de Hedy Iracema Brügelmann, uma vez que marcou mais profundamente a sua orientação e a motivado no prosseguimento da sua carreira artística.


Tendo trabalhado estreitamente com J. Brahms quando à frente da Capela de Corte em Meiningen, cidade da Turíngia, Steinbach gozava do renome de ser um dos mais profundos conhecedores da obra de Brahms e dos mais capazes regentes de sua obra. Como mestre-capela da Corte em Meiningen, foi um dos principais responsáveis pela intensificação da antiga tradição musical dessa cidade em centro musical de extraordinário nível que, segundo os anelos da época, deveria estar, como "cidade de Brahms" - à altura do papel desempenhado por Bayreuth na esfera do movimento wagneriano.


Sob o pano de fundo dessas suas atividades em Meiningen é que a sua atuação em Colonia deve ser compreendida, cidade para a qual transferiu-se em 1903 como regente da Orquestra Gürzenich e diretor do Conservatório, atividades que desenvolveu até o o ano de eclosão da Primeira Guerra. Entre os seus outros professores, segundo Paul Wittko,  salientaram-se Paul Haase, Wally Schaufell e Charlotte Huhu.


Assim como a sua irmã, também, Hedy Iracema visitou o Brasil durante os seus estudos, apresentando-se em concertos nos quais foi alvo de reconhecimentos, também financeiros. Um capítulo que mereceria maior atenção nos estudos a ela dedicados - e das relações internacionais - é aquele referente a seus elos com a Romênia, um vez que recebeu o título honroso de Cantora de Câmara.


O início da carreira de Hedy Iracema nos grandes palcos europeus deu-se com obras de R. Wagner. Em 1909, recebeu convite do Teatro da Corte de Stuttgart para apresentar-se no papel de Elisabeth no Tannhäuser; uma semana depois já se apresentava como Sieglinde nas Valquírias, embora - como menciona Paul Wittko - nunca tinha pisado antes um palco de ópera.


A sua atuação teve tanto sucesso que logo foi contratada para suceder a Hedvig Elise Wiborg como cantora "dramático juvenil" da Opera da Corte de Stuttgart (1862-1938), soprano norueguesa que então se afastava da carreira por motivo de doença. Como uma das mais renomadas representantes da arte música nórdica e do meio musical norueguês na Alemanha, havia sido reconhecida com a medalha de arte e ciência de Württemberg, em 1906.


"Die hervorragendste weibliche Kraft ist Hedy Iracema-Brügelmann. Sie wurde als die Tochter des aus Frankfurt stammenden, in Brasilien ermordeten Politikers Fr. Hänsel in Porto Alegre im südlichen Brasilien geboren. Mit fünfzehn Jahren hörte sie dort bei einem Konzert zum ersten Male Schubert, Schumann und Brahms. Ihr Wunsch, sich in Deutschland zur Sängerin auszubilden, fand bald Gelegnheit, als sie jung verheiratet 1900 nach Köln übersiedelte. Dort besuchte sie das Konservatorium, erst unter Leitung von Professor Dr. Wüllner, später unter Generalmusikdirektor Fritz Steinbach, dem sie außergewöhnliche Anregung in ihrem Studium verdankt. Ihre Lehrer waren erst Paul Haase, dann Wally Schaufell und zum Schluß die große Vortragskünstlerin Charlotte Huhu. In der Zwischenzeit unternahm sie eine siebenmonatige Konzertreise in ihr Heimatland, die ihr außerordentliche Ehrungen und große pekuniäre Erfolge brachte." (op.cit. 406-407)


"Nachdem sie sich mit ihrem Kunstgesang die großen Konzertstätten Europas erobert hatte und vom König von Rumänien mit dem Titel einer Kammersängerin ausgezeichnet worden war, folgte sie Anfang 1900 einer Einladung zu einem Gastspiel als Elisabeth in Tannhäuser an die Hofbühne in Stuttgart. Acht Tage später sang sie die Sieglinde in der Walküre, ohne je vorher auf der Bühne gestanden zu haben, und wurde an demsleben Abend als Nachfolgerin von Elise Wilborg als Jugendlich-Dramatische an die Stuttgarter Hofoper verpflichtet." (loc.cit.)


Segundo Paul Wittko, Hedy Iracema destacava-se por uma inteligência artística que excluía barreiras na escolha de estilos e de direcionamento artístico. Tanto no repertório clássico como na execução de obras então modernas mostrava a mesma segurança interpretativa e de estilo. Dominava plenamente a sua voz, que para Paul Wittko possuía uma beleza suave. Como artista, a sua arte teatral demonstrava profunda interiorização..


"Ihre künstlerische Intelligenz schließt Richtungshemmungen aus. Im klassischen wie im Modernen ist sie von gleicher Stilsicherheit. Ihre Stimme von weicher Schönheit beherrscht sie unumschränlt, und ihre Darstellung ist von seelenvoller Innerlichkeit." (loc.cit.)


Durante a Primeira Guerra, Hedy Iracema dedicou-se a ações caritativas e ao amparo de feridos e doentes, o que foi oficialmente reconhecido através da Charlottenkreuz, medalha criada em 1916 pelo rei Wilhelm II (1848-1921) de Württemberg.


No último ano da Guerra, a cantora transferiu-se à Opera da Corte de Viena, onde permaneceu até 1920. Passou a seguir a Karlsruhe, onde atuou no Landestheater e residiu até o seu falecimento à época da Segunda Guerra.


Paul Wittko, jovens artistas e o novo Teatro de Ópera de Stuttgart


O autor do artigo, Paul Wittko, escritor e crítico, juntamente com Carl Esser, na mesma época do artigo aqui considerado, em Stuttgart, publicou livro dedicado ao novo teatro da Corte real de Stuttgart por  motivo de sua inauguração. Essa obra foi promovida pelo Intendante Geral Barão Joachim Gans zu Putliz (1860-1922), intendante geral do Teatro da Corte Real de Württemberg, personalidade relevante como presidente da Sociedade dos Palcos Alemães. (Esser, Carl e Paul Wittko, Die neuen Königl-. Hof-Theater zu Stuttgart; Zur Weihe und bleibenden Erinnerung unter Förderung SR Excell. des General-Intendanten Baron Jochim von Putliz, sowie unter Mitwirkung hervorragender Persönlichkeiten des Theaterlebens, Stuttgart 1912).


No artigo, Paul Wittko salienta que o teatro de Stuttgart era um dos palcos de Côrte dos mais interessantes da época, embora dele pouco se falasse no Império. Esse silenciamento era devido sobretudo ao fato de que o pequeno país dos suábios, com a sua residência em Stuttgart, - uma cidade que poderia ser designada como Florença alemã pela sua situação e beleza paisagística -, encontrava-se fora das grandes vias de comunição e contatos internacionais, o que, como sugeria, vinha de encontro a uma política da Prússia.


Essa pouca consideração do significado do Teatro de Stuttgart era segundo Paul Wittko também um resultado da mentalidade local. Os suábios não gostava de falar de si, recolhendo-se em meditação e silêncio, preferindo limitar-se ao trabalho e ao vinho. Dessa forma, pouco saberia ou consideraria o seu melhor teatro, assim como as artes em geral, dedicando-se mais às realidades da vida, a conquistas econômicas, industriais e técnicas.


O teatro de Stuttgart apresentava um dos mais diversificados repertórios dos grandes teatros da Alemanha. Era o único de Côrte no qual não haveria preconceitos contra determinados direcionamentos artísticos e no qual se permitia todo tipo de gênero. Essa falta de preconceitos era devida em primeiro lugar ao casal real e, em segundo lugar, ao intendante geral Barão zu Putzlig.


A mulher nos palcos, os papéis femininos e rejuvenescimento através de artistas jovens


Paul Wittko inicia o seu texto com palavras que situavam o seu estudo na discussão sobre o papel da mulher na arte dramática.


"Se hoje não existissem mulheres na terra, o mundo seria no todo feliz, opinava Euripides, o odiador de mulheres e múltiplo marido infeliz, o Strindberg da Antiguidade. Justinus Kerner, o destemido do Womsberg fiel às mulheres era de outra opinião. Para êle, a terra sem mulheres surgia como um jardim sem flores. E mesmo assim, um grande da nova arte dramática, o seu primeiro historiador, Eduard Devrient, um dos mais seguros e sérios artistas alemães, defendia a idéia de que a introdução das mulheres teria para sempre turvado o gosto e o julgamento do público masculino, ou seja daqule que dá o tom (?) devido ao interesse sexual. E Petit de Julleville, historiador francês de literatura falecido há apenas uma década era também faz 20 anos tonto o suficiente para afirmar que com o aparecimento do elemento feminino a alegria ingênua teria desaparecido dos teatros. A verdade, porém, é que com as primeiras artistas de palco desapareceram do repertório dos palcos farças apimentadas com tiradas e divertimentos indescritivelmente rudes.  (....) Fala-se de teatro, fala-se também de mulheres.


Da minha parte, tenho a intenção apenas de flar de mulheres no teatro, nomeadamente de mulheres de um teatro determinado, o teatro da Corte de Stuttgart."


Um dos assuntos primeiramente tematizados por Paul Wittko foi o do rejuvenescimento das artes através de novas e jovens artistas.


Novas gerações de artistas era o que se sentia como uma necessidade do teatro de ópera e também o de arte teatral de Stuttgart. Este era dominado por senhoras de grande experiência, entre elas Amelie Schurich, artista de Caráter e representativa de valores maternos, Frida Lendorff-Schöttle, representante da antiga arte e que trazia experiências de tournée pela América do Sul, assim como Grete Schmidt no papel cômico de mulheres solteiras já de idade. 


Ainda que não propriamente elas próprias de idade avançada, essas artistas representavam uma atenção dirigida à mulher madura, mãe ou de idade, da juventude de idosas, o que, porém, correspondia a uma imagem de "mulheres jovens" já velhas.


Tratava-se, assim, de uma necessidade sentida de valorização da juventude. Para esse intento havia precedentes históricos em Würrtenberg, lembrando-se aqui de uma academia do início do século XIX dedicada à inclusão de jovens que recentemente haviam terminado os seus estudos ou que ainda estudavam. Devia-se, assim, recuperar essa tradição a favor de um rejuvenescimento do Teatro de Stuttgart. 


As representantes da juventude feminina no teatro eram então Elsa Pfeiffer-Hofmeister, e Elsa Feldhofen, Maria Künniger e Grete Lorma, todas já atuantes há anos no palco, cada uma nas suas respectivas especialidades dramáticas. O papel de heroína cabia sobretudo a Emmi Remol e o de mãe de heróis a Alexandrine Rossi. O papel da mulher má, intrigante de salão de um tempo já passado tinha sido até então desempenhado por Anna Eichholz, para a qual já não se encontrava ocupação.


A ópera de Stuttgart vivenciava, na época, um novo florescimento, comparável àquele do passado, quando o rei resolveu a superação da tragédia e do grande teatro declamado, promovendo apenas o que era cantado e dançado.


Max Schilling (1868-1933), desde 1908 intendante geral da música em Stuttgart, que adquiria renome como "poeta psicológico-sinfônico" como regente de orquestra, contratara uma série de jovens cantores e cantoras, entre elas, a principal, Hedy Iracema-Brügelmann.


Ao lado da artista teuto-brasileira, salientavam-se Sofie Cordes, na categoria dramática, ida Hanger como coloratura, Johanna Schönbeerger como Mezzo-Soprano, Marga Junker-Burchardt em representações de caráter juvenil, e Erna Ellmenreich como cantora lírica juvenil. Podia-se, assim, segundo o autor, confirmar nessas artistas as palavras de Goethe, segundo as quais a natureza das mulheres seria estreitamente aparentada com a arte.


A contratação de Hedy Iracema-Brügelmann deu-se portanto no contexto de rejuvenescimento do teatro de Stuttgart. A cidade procurava destacar-se como cidade das artes de grande futuro, e a principal expressão desse intento era o teatro recém-construído, um dos maiores da arquitetura teatral do século XX e o maior da Europa.


A sua inauguração deu-se com a participação dos mais renomados representantes da literatura e das artes de toda a Alemanha. Nas proximidades do palácio da Residência real, à entrada do Parque da Cidade, não longe da grandiosa estação de ferro, então em construção e tão discutida na atualidade. Sonhava-se, também, com a construção de uma Casa Alemã da Sinfonia nas colinas da cidade da Karlshöhe, emoldurada pelas videiras.


Dessa forma, a cidade-residência de Württenberg, que apesar de sua situação paisagística privilegiada permanecia sempre em posição discreta, passaria a ser centro das atenções. Nesses intentos, inscreveu-se de forma relevante a personalidade da cantora nascida em Porto Alegre.


De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo









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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "A cantora teuto-brasileira Hedy Iracema-Brügelmann (Hänsel) (1881-1941): a sua formação em Colonia e atuação em Stuttgart no contexto de questões relacionadas com a mulher na vida cultural alemã".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 146/13 (2013:6). http://revista.brasil-europa.eu/146/Hedy-Iracema-Bruegelmann.html