Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Stettin.Foto.A.A.Bispo.©


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Fotos.A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 146/3 (2013:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3045





A Medicina e as Ciências na Pomerânea em referenciações com o Brasil
Lorenz Eichstaedt (1596-1660) em Stettin/Szczecin como professor de G. Markgraf
na tradição médico-alemã de Daniel Sennert (1572-1637) em Wittenberg


Georg Markgraf (1610-1644)
e a
Historia Naturalis Brasiliae
nas suas relações com a história científico-cultural
da Alemanha, Países Baixos e esfera do Mar Báltico II


Aproximações pelos 375 anos da expedição niederlandesa a Pernambuco


 
Stettin.Foto.A.A.Bispo.©
Em Danzig/Gdańsk, em outubro de 2013, no âmbito dos trabalhos eurobrasileiros dedicados aos elos entre o espaço da antiga Prússia do Leste, do Mar Báltico e do Norte da Europa e o Brasil (Projeto Âmbar) (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html), foram retomados estudos desenvolvidos em 2007 em cidades da Pomerânea.


Esses ciclos deram continuidade na Europa, a viagem realizada por membros da A.B.E. em regiões colonizadas por alemães no Espírito Santo, em particular em localidades com considerável porcentagem de descendentes de pomeranos, como Santa Maria de Jetibá. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Aclimatacao-do-europeu-nos-tropicos.html)


Nessa ocasião, tomara-se consciência da necessidade de maior conhecimento do passado dessas regiões de proveniência dos emigrantes para o estudo adequado de seus pressupostos culturais e a serviço da consciência histórica de comunidades.


Tratou-se, também, da necessidade de conhecimento do estado das pesquisas históricas regionais e da conveniência de estabelecimentos de pontes entre questionamentos e interesses dos estudos nos diferentes centros locais pomeranos e aqueles que se constatam no Brasil.


Os estudos pomerano-brasileiros defrontam-se porém com grandes dificuldades, uma vez que incluem cidades e regiões de complexo passado, que passaram por destruições em guerras, extermínios e expulsões, exílios e emigrações voluntárias e forçadas, mudanças populacionais e culturais, pertencendo em parte hoje a diferentes países.


Além do mais, uma perspectiva marcada pela Alemanha Ocidental do período posterior à Segunda Guerra determinou por décadas imagens geo-políticas e mesmo um obscurecimento de regiões pertencentes até há poucas décadas à ex-República Democrática Alemã.


As viagens empreendidas tiveram assim o escopo de redescobrir contextos, fatos, vultos e desenvolvimentos de significado para estudos referenciados segundo o Brasil, procurando, no contato imediato com as paisagens, cidades e instituições, dados e caminhos para um desenvolvimento futuro mais produtivo das reflexões.


O objetivo final na rota das várias cidades consideradas - sobretudo daquelas da Pomerânia Anterior (Vorpommer) -  foi Stettin/Szczecin, capital da região administrativa polonesa da Pomerânia Ocidental, parte mais ocidental da antiga Pomerânia Posterior (Hinterpommer).


Stettin/Szczecin no âmbito de estudos pomerano-brasileiros - dificuldades


Situada no local onde o rio Oder desemboca nas águas da laguna pomerana, por onde corre a atual fronteira entre a Alemanha e a Polonia, Stettin, sendo um dos maiores portos do Báltico e sediando importante universidade e outras escolas superiores, surge como necessário centro a ser considerado nas aproximações a contextos pomeranos sob a perspectiva dos estudos eurobrasileiros.


Essas aproximações, porém, demonstraram-se em 2007 particularmente difíceis devido em parte às condições urbanas desorientadoras de uma cidade em grande parte destruída na Segunda Guerra e desestruturada na sua disposição histórica.


Stettin.Foto.A.A.Bispo.©


Em visitas a museus e a instituições superiores - entre elas a Academia de Música Ignaz Paderewisky - tomou-se consciência que, apesar das dificuldades, o passado de Stettin não pode deixar de ser considerado nos esforços relativos a estudos de pressupostos culturais dos pomeranos no Brasil.



Originado no século XII a partir de povoações já existentes, tornou-se importante centro comercial do espaço báltico, passando logo a pertencer à liga hanseática. Em 1309, tornou-se a cidade de residência dos duques da Pomerânea. A cidade velha é ainda dominada pelo castelo ducal, na configuração que adquiriu com reconstruções do século XVI/XVII. 


Do ponto de vista da história científico-cultural, Stettin assume um papel de particular significado por ter abrigado a primeira escola de nível superior não-religiosa da região, fundada após a introdução da Reforma protestante.


É nessa fundamental cisão da história religioso-cultural de Stettin - comum a várias outras cidades - é que devem ser procurados caminhos para a análise adequada de processos históricos desencadeados na era moderna.


Do antigo passado medieval de Stettin católico restam hoje apenas monumentos e marcos esparsos na teia urbana desorgânica, entre êles as igrejas góticas de S. Jakobi, de S., João do ex-convento dos Franciscanos, a de S. Pedro e São Paulo. Períodos de florescimento nos séculos XVI e XVII testemunham portais da cidade e algumas residências palaciais, assim como o edifício do antigo Parlamento. Construções fortificadas remontam já ao período de pertencimento à Prússia a partir do século XVIII.


Entre 1630/37 até a segunda década do século XVIII, Stettin/Szczecin foi dominado pela Suécia, sediando uma administração regional e uma fortaleza. Esse período de expansão sueca foi acompanhado de conflitos e mesmo de conquistas temporária por Brandenburg à época da Guerra Sueco-Brandenburguesa.


Construída em grande parte na margem esquerda do rio, a cidade é constituída por uma cidade velha nas circunvizinhança do palácio, Heumarkt e Igreja Jacobi e bairros periféricos dispostos regularmente e que se extendem até as superfícias altas no Norte e Ocidente.



No passado, Stettin/Szczecin foi o mais importante porto de mar da Prússia e o mais significativo do Imperio Alemão no Mar Báltico; o seu significado aumentou ainda mais com o novo estabelecimento de limites com a Polonia. A manutenção de todo o interior decorreu a partir daí quase que exclusivamente através de Stettin, pois Königsberg foi cortado das terras internas alemãs através do corredor polonês, sendo Danzig ainda mais prejudicado. Stettin encontrava-se ligado através do Oder com a Silésia, pelo Canal de Hohenzoller com Berlin, Brandenburg e com a região do Elbe.


Stettin foi à época prussiana a mais importante cidade industrial da Pomerania: confecção de roupas, navios com estaleiros e de demolição, de automóveis, de indústria de madeira, pedra e cimento, de açucar e rafinarias, papel, estruturas de ferro e aço, fornos siderúrgicos, quimica, leite, velas e sabões, óleos, cervejarias, licores e fermentos, estalagens. O principal comércio carvão, petróleo, ferro, minérios, aço, madeira, peixes, cereais e soja. Possuia ginásios, escolas, instituições governamentais para a formação de maquinistas e de engenheiros de navios.


Caminhos indiretos no descobrimento de contextos e elos


As dificuldades encontradas para a condução de pesquisas e mesmo de aproximações empáticas de contextos históricos de Stettin/Szczecin na sua situação atual trouxe á consciência que revelações e reconstruções devem ser procuradas antes por caminhos indiretos, através de fontes várias e de outros centros.


Uma oportunidade para retomar-se assuntos relacionados com Stettin ofereceu-se em 2013, sendo considerados então na cidade portuária de Danzig/Gdańsk.


O reconhecimento de elos contextuais da história cultural de Stettin com o Brasil deu-se com a reconsideração da Historia Naturalis Brasiliae, de Georg Markgraf (1610-1644), pioneira obra histórico-natural dedicada ao país, estudioso alemão que, a serviço dos Países Baixos, tomou parte de uma expedição ao Nordeste brasileiro então sob o domínio holandês. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/146/Georg-Markgraf-Liebstadt.html)


O motivo dessa reconsideração de Markgraf e sua obra residiu na passagem dos 375 anos dessa expedição, no decorrer da qual realizou os trabalhos cartográficos, botânicos, zoológicos e etnográficos que possibilitaram a sua obra dedicada a Johann Moritz von Nassau (1604-1679).


Esses elos com os Países Baixos dessa fase da vida de Markgraf e as circunstâncias histórico-políticas da viagem levaram a que a sua obra fosse privilegiadamente considerada sob a perspectiva histórico-cultural do Brasil holandês. Essa perspectiva não deve, como em outros casos, ofuscar a inserção da história do pensamento, das ciências, da cultura e das artes dos Países Baixos em contextos mais amplos da complexa história das relações entre as nações européias da época.


Marcgraf como discípulo de um médico e astrônomo de Stettin/Szczecin


Deixando a sua pequena cidade natal de Liebstadt, o jovem Markgraf passou a desenvolver estudos de Medicina, Química e Botânica em diversos centros universitários, percorrendo, entre outras, cidades da região centro-alemã e do Norte, como Leipzig, Erfurt, Rostock, Wittenberg, Ingolstadt, Altdorf e Greifswald. além de centros mais longínquos como Strassburg e Basiléia,


Lorenz Eichstaedt - Laurentius Eichstadius como professor de Margraf merece particular atenção nos estudos referenciados pelo Brasil, sobretudo por dirigir a atenção à Pomerânea e ao papel de pomeranos na história científico-cultural.


Provinha de família de comerciante abastado de Altenstettin, sendo o seu avô materno político local de procedência de Gollnow, na Pomerânea. Pertencia, assim, a uma família de antiga estirpe e nobreza. Teve a sua formação no ginásio de Stettin, após a qual passou em 1612/13 a Greifswald e em 1614 a Wittenberg. Foi aluno aqui do médico, químico e filósofo Daniel Sennert (1572-1637). Na consideração de contextos nos quais se inseriu Eichstaedt, deve-se considerar que, após a sua formação em Stettin e estudos na Alemanha, entre outras em Greifswald e Wittenberg, esteve nos Países Baixos.


Retornando à Alemanha, onde atuou como médico na Pomerânea e como Físico Municipal em Stettin e formou família, continuou a manter contatos com meios científicos da Holanda, intensificados em viagens pelo país entre 1633 e 1640. 


Tradição médico-alemã de Daniel Sennert


Merece particular atenção o fato de Markgraf inserir-se, através do seu professor Eichstaedt  na corrente do pensamento e da prática médica alemã representada por Daniel Sennert, originário de Breslau, um dos mais renomados médicos e eruditos da sua época, em particular no contexto da teoria da Atomística ao lado de David van Goorle/David Gorlaeus (1591-1612).


A partir de 1593, estudou na Faculdade de Filosofia da Universidade de Wittenberg, alcançando, em 1598, o  Mestrado. A seguir, não entrando na carreira do magistério, passou a dedicar-se à Medicina. Transferiu-se em 1601 a Berlim, atuando com o médico Johann Georg Magnus. Alcançou o Licenciado e o Doutorado em Wittenberg, em 1601. No ano seguinte, foi nomeado Professor de Medicina, dando cursos de Anatomia, alcançando renome sobretudo por ter reconhecido a Escarlatina como enfermidade.


Sennert insere-se numa fase de desenvolvimento e renovação da Medicina marcada por debates e tensões entre antigas e novas concepções, estas em particular daquelas de Paracelsus (1493-1541) ,então inovadora na medicamentação. Mesmo contribuindo à introdução da Química no âmbito da Medicina, Sennert procurou combinar diferentes concepções. Estas indicam elos com antigas idéias da Filosofia Natural, tanto relativamente aos quatro elementos como com atomística (Leukippos) e de Forma e Matéria, uma vez que partia da concepção de que os átomos representariam os corpos mínimos portadores de Forma.


Sennert von médico pessoal de Johann Georg I (1585-1656) da Saxônia em 1628 e administrou a Faculdade de Medicina em Wittenberg por diversas vezes, inclusive como reitor.


Lorenz Eichstaedt - Medicina e Astronomia na Pomerânea


A fase do desenvolvimento da Medicina marcada por esforços de integração coerente de antigas concepções e novos conhecimentos manifestada em Daniel Sennert pode explicar também a amplidão do espectro de estudos e atividades de Lorenz Eichstaedt.


O interesse que dedicou à Astronomia, e que fundamentou o seu renome, indica a permanência do sistema integral das Artes Liberais de antiga proveniência. Neste, a Astronomia, pertencia ao rol das disciplinas de natureza matemática do Quadrivium (Música, Aritmética, Geometria e Astronomia), relacionando-se também com as concepções relativas aos elementos de remotas origens na Filosofia da Natureza.


Característica importante dessa época de debates religiosos e confessionais foi o intuito de relacionar e analisar mais profundamente elos entre um sistema integral de concepções de fundamentação filosófico-natural - e em fase de renovação - com as doutrinas e a visão cristã do mundo e do homem.


Que Eichstaedt ocupou-se cedo a questões de Astronomia e mesmo de Astrologia foi o fato de ter escrito, quando da sua residência em Stargard, na Pomerânea, a obra "Discurso da grande conjunção de Saturno e jupiter no Trigono Celestial do Leão de Fogo no Ano de Cristo de 1623 e o que se deve dele esperar de transformações no mundo" (Discurs von der großen Zusammenkunft Saturni und Jovis unter dem Himmlischen Trigono des Fewrigen Löwen im Jahr Christi 1623 und waß wir darauff vor grosse Veränderungen in der Unter Welt zu erwarten haben).


Já o título dessa obra indica que o autor não apenas vinha de encontro a interesses relativos a prognoses na tradição astrológica, mas sim que acreditava poder chegar a resultados a partir do estudo de fatos passados sob as mesmas condições.


Essa obra pode lançar luz ao tipo de orientação e atividades que passaria a exercer em Altenstettin, para onde transferiu-se ao ser nomeado, em 1624, a Stadtphysikus. Ali estabeleceu-se em círculos influentes, uma vez que, em 1628, casou-se com a filha do burgomestre de Altenstettin, com a qual teve vários filhos. Viveu 20 anos em Stettin como médico e erudito, ali obtendo um renome que ultrapassou fronteiras da cidade.


Assim já como a vida e a obra do seu professor - e do seu colega de estudos Pauli - indicam, Eichstaedt, que também estudara nos Países Baixos, manteve-se em meio acadêmico marcado por estreitos elos entre os centros de estudos alemães e os da Holanda. Para aprofundar contatos e estudos, atualizando conhecimentos, realizou viagens em 1633 e 1640 pelos Países Baixos.


Sob o pano de fundo desses estreitos elos com os Países Baixos parece poder-se explicar o fato de ter sido contratado a assumir o cargo de Stadtphysikus e Professor de Medicina, Matemática e Física do Ginásio Acadêmico de Danzig/Gdańsk, em 1645, cidade onde veio a falecer quinze anos mais tarde. Danzig era, na época, talvez ainda mais do que Stettin, cidade próspera marcada pela cultura niederlandesa, porto de mar onde a Astronomia necessariamente desempenha um importante papel.


Súmula de trabalhos da A.B.E.
Dr. med. Harald Hülskath







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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Hülskath, H. "A Medicina e as Ciências na Pomerânea em referenciações com o Brasil Lorenz Eichstaedt (1596-1660) em Stettin/Szczecin como professor de G. Markgraf na tradição médico-alemã de Daniel Sennert (1572-1637) em Wittenberg".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 146/3 (2013:6). http://revista.brasil-europa.eu/146/Medicina-na-Pomerania-Brasil.html