Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©



Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©


Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©


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Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©


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Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©



Bayreuth 1976
Fotos: A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 147/8 (2014:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3063





Atualizações e o Atual no confronto com a problemática wagneriana
Construções de unidade através de motivos condutores
e disrupções temporais em referenciações brasileiras


O Brasil no Centenário dos Festivais de Bayreuth (1976)
lembrado no Ano Wagner 2013 (II)


À memória de Patrice Chéreau (1944-2013)



Débito e Crédito - 1974-2014. Época de balanços e reajustes.
Revendo inícios de interações euro-brasileiras na procura de esclarecimentos em situações complexas de heranças culturais

 
Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©


Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©
O ano de 2014 marca os 40 anos das atividades brasileiras na Europa que, em revitalização de iniciativas e preocupações precedentes de décadas, determinaram desenvolvimentos posteriores dos estudos que se seguiram.


Neste contexto, cumpre recordar o significado dos estudos de Wagner e do movimento wagneriano nos estudos relacionados com o Brasil a partir da participação brasileira no Centenário dos Festivais de Bayreuth, em 1976.


A celebração desse centenário entrou na história de Bayreuth, da Casa dos Festivais e das encenações da obra de Wagner pelas suas características inovadoras nas suas tensões com visões e práticas tradicionais, marcando uma nova fase da história mais recente da vida musical internacional.


Recordar a participação brasileira nesse acontecimento, os seus pressupostos, preparativos e consequências surge, assim, como oportuna e necessária, também para a retomada de questões culturais fundamentais relacionadas com Wagner sob perspectivas do presente.


A presença brasileira no Centenário dos Festivais de Bayreuth inseriu-se nas preocupações quanto à necessária reconsideração do século XIX nos estudos musicais discutidas no Brasil desde meados da década de 60.


Esses estudos e as correspondentes iniciativas eram decorrentes da necessidade constatada de renovação de áreas disciplinares relacionadas com a música. Essa atualização de perspectivas passou a preconizar uma maior atenção a processos culturais, escopo que se institucionalizou com a fundação da sociedade (Nova Difusão 1968) que hoje é representada pela Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais.


Essa fundação representou o marco inicial de uma musicologia orientada teórico-culturalmente que, procurando cooperações no meio musicológico europeu, determinou debates, tensões e desenvolvimentos por décadas, atingindo o presente.


Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©


Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©
A participação no Centenário dos Festivais foi precedida pelo estudo da literatura especializada e, em particular, pela leitura de escritos do próprio Richard Wagner.


O objetivo dessas leituras foi sobretudo o de considerar o pensamento de Wagner sob a perspectiva de sua recepção no Brasil e de contextos globais nos quais o Brasil se inseriu.


Ela foi sobretudo marcada pela sensibilidade despertada pelos problemas político-culturais reconhecidos no significado da obra de Wagner nas atividades da colonia de língua alemã em São Paulo nos anos trinta e que exigia considerações mais diferenciadas quanto a envolvimentos político-culturais ou participações determinadas antes pelas circunstâncias.


Entre muitos outros casos, lembrou-se que a Sociedade Symphonica de São Paulo levou o "Prelúdio e morte de Isolda" de Tristan und Isolde, em 1930, e, por ocasião da 67° festa de fundação da sociedade Concordia de Campinas, em 1937, ouviram-se trechos de Loehngrin.


Bayreuth 1976. Foto: A.A.Bispo ©

Ambivalências nas suas dimensões político-culturais e juventude internacional


A participação no Centenário foi marcada pela vivência de contrastes, tensões, ambivalências, complexidades e pela constatação de que Bayreuth permanecia um evento de problemáticas conotações políticas, fato evidenciado na própria alocução do então presidente da República Federal Alemã, Walter Scheel.


Ao lado da permanência de expressões tradicionais de solene festividade, da presença de conservadores wagnerianos, de recepções de cunho elitário, os participantes dos festivais de 1976 puderam constatar intentos de abertura e renovação.


Entre essas  iniciativas incluiu-se um Encontro Internacional da Juventudade, com cursos práticos, participação em coros e orquestras, em seminarios Wagner e que reuniu jovens de todos os continentes, possibilitando-lhes assistir ás representações, conferências e seminários.




Nestes eram tratados temas vários, nem mesmo relacionados diretamente com a temática wagneriana, entre outros de cultura indiana. Esse singular significado da Ìndia, da filosofia e de expressões culturais indianas, em particular da arte da géstica e da dança representou um dos principais sinais dos intuitos internacionalizantes ou mesmo globalizantes do Centenário.


A principal tensão residia porém na própria programação, uma vez que, essa incluia, ao lado de realizações músico-dramatúrgicas que não quebravam a continuidade, interpretações inovadoras e que prometiam escândalo.


A essa tensão interna da programação correspondia um contraste quanto ao contexto cultural dos responsáveis, uma vez que a Tetralogia refletia sobretudo a perspectiva francesa do regente Pierre Boulez, do regisseur Patrice Chéreau (1944-2013), do cenografista e arquiteto Richard Peduzzi e do costumista Jacques Schmidt.


Atualização ou Atualidade: o Atual no Ring


Os debates e as reflexões impulsionados pela interpretação dramatúrgica e cenográfica de Chéreau foram marcados pela questão da Atualização de meios de expressão, interpretação e realização e do Atual no complexo cultural wagneriano.


A introdução de elementos do mundo atual nas representações, tais como usinas no Rheingold ou fábricas de produção de aço, personagens com roupas de capitalistas de fim de século, que estranhou a  wagnerianos pelo contraste aparente com a obra dramático-musical, o seu conteúdo ou convenções cenográficas, representou para participantes mais atentos mais do que uma simples modernização paradoxal de elementos de um todo.


Esse emprêgo de recursos visuais não correspondentes a uma suposta época do conteúdo mitológico e do período histórico dos primeiros festivais do século XIX significou um distanciamento a interpretações simbólicas e historicistas, sem, porém, representar uma simples modernização da linguagem cênica.


Foi entendido, pelos observadores de maior acuidade, como tentativa de revelação de uma problemática ainda atual, inerente à própria obra, ou ainda mais, à concepção que fundamentou a idéia e a tradição dos festivais e, por fim, a seus precedentes,
remontantes a posições, anelos e desenvolvimentos da burguesia de meados de século que teriam passado por transformações e deformações.


Essa herança, apesar de discontinuidades, teria mantido-se atual, representando um contínuo risco para o presente, exigindo assim que fosse continuamente considerada em auto-crítica por aquele que se encontra ainda nela envolvido ou movido por intentos ou ideais similares, ainda que inconscientes.


Os excessos da representação, sentidos nos acentos dados a expressões de excitação, sangue e morte, indicavam esses riscos sempre atuais existentes por detrás de concepções aparentemente ideais, nobres e mesmo espiritualizantes.


Estabeleceu-se, assim, uma ponte interna entre o ano dos Festivais de 1876 e do seu Centenário de 1976, sendo a atenção voltada a mecanismos internos de um edifício de concepções e imagens que possibilitaram a manutenção desses riscos inerentes e que já manifestaram de forma trágica as suas consequências.



Estruturas e mecanismos inerentes ao complexo wagneriano na sua transcendência


Essa perspectiva voltada a estruturas e mecanismos inerentes de um edifício cultural levou necessariamente a uma abstração do conteúdo mitológico das representações, a uma relativação quanto à sua situação em determinado contexto cultural alemão, e, assim, ao reconhecimento de sua internacionalidade ou mesmo universalidade.


Superando uma contextualização que justificaria o problema Wagner-Bayreuth como uma problemática exclusivamente alemã - visão confortável para outras nações - a revelação do atual em estruturas e mecanismos do edifício cultural passou a ser reconhecida como um problema global, de visões do mundo e do homem.


Se pelo seu assunto e pelas suas características culturais o Ring surgira como expressão contextualizada e apenas concebível na esfera alemã, adquirira no decorrer dos anos uma transcedência generalizante que seria, na realidade, já existente, intrínseca ao edifício cultural.


O Ring passou a ser visto assim não como uma estória mitológica que se passara em algum espaço alemão, mas antes como a-temporal e sem localização geográfico-cultural determinada, válido também para outras situações, no caso a do Brasil.


Essa sugestão surgia como de especial relevancia para os estudos referenciados pelo Brasil, pois os primeiros contatos de brasileiros com Wagner tinham até mesmo partido da proposta de uma possível dedicação do Ring a D. Pedro II, fato visto como inadequado pelo compositor, que, porém, em compensação, pensou em dedicar ao imperador brasileiro uma outra obra, então em cogitação, o Tristan und Isolde. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/147/Wagner-Brasil_1976.html)




Questões de interpretação: construção póstuma de unidade ou sua inerência


Do ponto de vista musical, a discussão baseou-se sobretudo na realização sonora de Boulez, sóbria, sem excessos de metais, contrastante sob diversos aspectos daquelas de um Wilhelm Furtwängler (1886-1954), onde a orquestra dominava e a obra surgia em unidade sinfônica.


Essa unidade, possibilitada sobretudo pela técnica dos motivos condutores (Leitmotive), foi considerada antes como uma construção a posteriori de unidade e que encobriria uma discontinuidade na produção criadora de Wagner, marcada por obras e partes de obras surgidas em diferentes épocas e fases de sua vida. Ao invés de salientar a unidade da obra, a interpretação de Boulez chamou a atenção a esses diferentes configurações de origem de suas partes.


Considerou-se, nessa diminuição do sentido integrador dos Leitmotive os elos da concepção desses motivos condutores com uma fase já posterior do desenvolvimento da obra e do pensamento wagneriano, aquela de Bayreuth, dos Bayreuther Blätter, do Allgemeiner Richard Wagner-Verein, do círculo de Wahnfried sob escritor Hans Paul von Wolzogen (1848-1938) e, assim, com tendências construtivas de natureza religioso-espiritualizante e questionáveis consequências resultantes de concepções povísticas.


Marcar uma discontinuidade encoberta pela acentuação dada a uma construção de unidade possibilitada pelos motivos condutores, o que correspondia a uma acentuação de cortes, interrupções, retomadas na obra, equivalia a um direcionamento da atenção ao vir-a-ser histórico do processo criativo nas suas transformações, deconstruindo-se assim uma unificação criada. Possibilitava, também, reconhecer o potencial de riscos existente em idéias e concepções precedentes e, assim, de princípios de unidade que seriam intrínsecos ao ediíficio cultural.


Justamente o reconhecimento desses precedentes através de um relativação de unidade construida, mas de sua precedência intrínseca, surgia como relevante para o tratamento de questões relacionadas com o Brasil. As cogitações de dedicação de Tristan und Isolde a Pedro II ocorreram entre projetos e criações de outras obras, e a sua concepção fora marcada por conjecturas a respeito de uma obra mais adequada pelo seu conteúdo ao contexto cultural brasileiro. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/147/Wagner-Brasil_1976.html)



Matéria preparada por colaboradores do ISMPS
orientada e traduzida de forma reelaborada por
Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Atualizações e o Atual no confronto com a problemática wagneriana. Construções de unidade através de motivos condutores e disrupções temporais em referenciações brasileiras".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 147/8 (2014:1). http://revista.brasil-europa.eu/147/Brasil-em-Bayreuth_1976.html