Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Bonn 1980
Fotos: A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 147/14 (2014:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3069





O Brasil no VII Congresso Internacional de Música Sacra em Bonn
no ano do jubileu da Catedral de Colonia em 1980
convergências e diferenças à base de iniciativas euro-brasileiras




Débito e Crédito - 1974-2014. Época de balanços e reajustes.
Revendo inícios de interações euro-brasileiras na procura de esclarecimentos em situações complexas de heranças culturais.

 
Bonn 1980. Foto A.A.Bispo ©
Evento chave que fechou uma primeira fase iniciada em 1974 das atividades brasileiras na Europa e que, ao mesmo tempo abriu aquela de uma série de projetos realizados no Brasil e na Europa foi o VII Congresso Internacional de Música Sacra, realizado em Bonn, de 20 a 26 de Junho de 1980, então capital da República Federal da Alemanha.


Embora a música sacra representasse apenas uma das esferas de preocupações do programa preparado no Brasil ,as circunstâncias já tinham levado a uma predominância de questões relacionadas com a música sacra na prática e nas reflexões.


Na realidade, o programa era marcado pelos seus pressupostos e intenções de renovação de perspectivas tanto no âmbito de uma musicologia de orientação cultural quanto nos estudos de processos culturais em geral.


Essa predominância das atenções tinha sido uma decorrência da centralização dos trabalhos em Colonia, cidade mais próxima do mundo cultural latino, em particular devido à força do seu Catolicismo. (Veja)


Os complexos problemas resultantes de mal-entendidos quanto a escopos e expectativas de pesquisadores, teólogos e músicos religiosos, já trazidos do Brasil, intensificaram-se em Colonia, passando porém a ser dominados por perspectivas resultantes da situação local.


A reconsideração desse evento torna-se necessária numa retrospectiva dos acontecimentos, uma vez que representou o ponto alto de um desenvolvimento que concentrou as atenções em determinado complexo temático, condicionou rumos futuros, contando tanto na sua preparação, na sua realização e nas suas consequências com a participação brasileira, levando a várias iniciativas comuns.


Congressos Internacionais de Música Sacra: continuidade na situação pós-conciliar


O congresso de Bonn inseriu-se na série de congressos internacionais fomentados pela Santa Sé e que foram realizados em diferentes países, tendo sido, assim, marcado por uma continuidade apesar de todas as diferenças na já longa série eventos do gênero e que remontava ao período pré-conciliar.


O primeiro congresso teve lugar em Roma, em 1950, o segundo em Viena, em 1954, o terceiro em Paris, em 1957, o quarto em Colonia, em 1961. A documentação publicada oferece um panorama dos debates e intentos no âmbito da música sacra - em particular de suas correntes mais conservadoras - até o Concílio Vaticano II.


A partir da ereção canônica da Consociatio Internationalis Musicae Sacra (CIMS), a 22 de novembro de 1963, pelo quirógrafo Nobile Subsidium Liturgiae do Papa Paulo VI, essa organização tomou a si a realização dos congressos.


Seguiram-se o sexto congresso internacional em Chicago-Milwaukee, em 1966, e em Salzburg, em 1974.


A realização do congresso em Bonn foi em parte resultado das circunstâncias, devido às possibilidades mais favoráveis oferecidas pela Arquidiocese de Colonia, então sob a égide de Joseph Cardeal Höffner (1906-1987), únicas na constelação internacional da época.


Foi em parte justificada cientificamente pelo fato de ter sido fundado o Instituto de Estudos Hinológicos em Etnomusicológicos em Colonia, com centro de estudos em Maria Laach, local de histórica e importante Abadia Beneditina. Essa fundação tinha sido decidida em Simpósio Etnomusicológico levado a efeito pela CIMS em Roma, em 1976.


Aproximações ao espírito do Congresso através da lógica da programação e seus nomes


Bonn 1980. Foto A.A.Bispo ©
Após uma recepção com o prefeito de Bonn, na Casa do Conselho, a abertura do congresso teve lugar no grande auditório da Sala Beethoven, em Bonn, no dia 20 de junho.


A obra que abriu a solenidade, executada pela organista Roselinde Haas, indica  o espírito da cerimônia inaugural e mesmo de todo o evento.


Tratou-se de uma meditação do primeiro Salmo Penitencial, um terrífico lamento em situação de necessidade e desespêro, obra de um compositor que sempre se mostrou particularmente interessado em questões referentes ao Brasil: Max Baumann (1917-1999).


Após a saudação do presidente da organização e a abertura do congresso pelo Arcebispo de Colonia, entoou-se o Veni Sancte Spiritus em alternância com versos improvisados ao órgão, executado por Hermann Schroeder (1904-1984). Assim como Max Baumann, também Schroeder mostrou-se sempre aberto a questões relativas à música sacra no Brasil, colaborando posteriormente de forma ativa às reflexões e iniciativas.


O Gregoriano ficou a cargo da Schola Choralis Solingen e da Schola Cantorum Coloniensis, esta última nascida no âmbito do Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia.


A conferência principal do evento, Evangelização e Cultura, foi proferida pelo Arcebispo D. Simon Lourdusamy, Secretário da Congregação para a Evangelização dos Povos e antigo arcebispo de Bangalore, Índia. À conferência, seguiu-se a execução do Laudade Dominum omnes gentes de G. P. da Palestrina (1525-1594), estabelecendo-se assim um marco simbólico da continuidade da tradição sacro-musical e da polifonia vocal latina, mesmo em época pós-conciliar, sendo o texto cantado adequado no seu conteúdo ao conteúdo do tema Evangelização e Cultura.


A extraordinária coerência interna na configuração do programa que se constata nessa cerimônia inaugural marcou todo o evento.


No Sábado, dia 21 de Junho, na igreja de S. Remigius, em Bonn, celebrou-se missa pontifical à Memoria S. Mariae in Sabbatto, com Proprium gregoriano e ordinário da Missa Alme Pater (Missa X) para coro gregoriano, comunidade, coro e órgão de Hermann Schroeder. Após a benção, entoou-se a antífona Salve Regina segundo o Liber Cantualis, manual que acabava de ser preparado para possibilitar a prática do Canto Gregoriano ainda que de forma mínima, uma vez que já era difícil de se encontrar o Liber Usualis. Participaram os Meninos Cantores da Catedral de Limburg sob a direção de Mathias Breitschaft, acompanhados ao órgão por Heribert Klein.



Eleição de brasileiro como um dos Consiliarii da CIMS


A Assembléia Geral da organização, destinada a seus membros e a delegados das conferências episcopais, teve lugar na sala de conferências do Centro de Ciências de Bonn. O programa constou de uma introdução canonística nos estatudos, aprovados pelo papa João Paulo II no dia 16 de junho de 1979, proferida pelo Prof. DDr. Winfried Schulz. Seguiu-se relato do presidente da organização pontifícia de música sacra e a votação dos Moderatores e Consiliarii. Elegeu-se, nessa ocasião, o editor desta revista como um desses Consiliarii da CIMS.


O grande acontecimento musical do dia 21 de Junho foi a execução, na Sala Beethoven, da Ressureição, oratório para solistas, coro, coro falado, comunicador e orquestra de Max Baumann.


O coro de falas era constituído por membros do coro da Academia de Música Sacra Catóilica de Regensburg, preparados por Thomas Grolms. O coro participante, vindo de Berlim, foi o da Catedral de St. Hedwigs. A parte instrumental ficou a cargo da Limburgs Symphonie Orkest de Maastricht, dirigida por Roland Bader.


O dia 22 de junho foi aberto por uma missa pontifical na igreja S. João Batista e S. Pedro em Bonn, celebrada pelo bispo auxiliar em Przemyil. Além de Proprium gregoriano, executou-.se a Missa super Bell'amfritrit'altera de Orlando di Lasso (1532-1594). Participaram a Escola da igreja conventual sob a direção de Joseph Noel, o coro da Catedral St. Hedwigs de Berlim sob a direção de Roland Bader, tendo ao órgão Wolfgang Bretschneider.


Centenário da Associazione Italiana Santa Cecilia, tradição polifônica e folclore


O programa do domingo, dia 22 de Junho, foi dedicado ao centenário da Associazione Italiana Santa Cecilia. A data foi celebrada com uma missa solena na Catedral de Colonia, tendo como celebrante Mons. Antonio Mistrorigo, bispo de Treviso, presidente da AISC. Considerar a situação em que esta celebração decorreu e a nova posição que se emprestava á entidade sob as novas condições da CIMS surge como de significado para o entendimento do papel que Mons. A. Mistrorigo desempenharia a seguir no Brasil.


A parte musical constou de obras de Lorenzo Perosi (1872-1956), Andrea Gabrieli (1510-1586) e Orazio Vecchi (1550-1605) executadas pela Schola Cantorum Roermond, Schola Cantorum Coloniensis reunidas e I Cantori de Santomio, Mala (Vicenza), dirigidos por Piergiorgio Righele, tendo ao órgão Rudolf Walter. Após a missa, previu-se um encontro de italianos na praça da catedral com cantos e danças típicas de regiões italianas com a participção de I Cantori di Santomio, Coro Friuli e Gruppo Folcloristico Siciliano.


O pêso dado à Polifonia Vocal de todas as épocas em continuidade a perspectivas restauradoras evidenciou-se na solenidade mariana celebrad na igreja da Assunção de Nossa Senhora, em Colonia. Após improvisações ao órgão sobre Salve Sancta Parens, gregoriano, e obras de Giovanni Gabrieli (1557-1613), Hans Leo Haßler (1564-1612), G. P. da Palestrina (1525-1594), Felice Anerio (1560-1614), Claudio Casciolini (ca. 1670-?), Heinrich Schütz (1585-1672) e Anton Bruckner (1824-1896), apresentaram-se obras mais recentes de espírito restaurador do século XX, a saber Marco Enrico Bossi (1861-1925), Lorenzo Perosi (1872-1956) e Licinio Refice (1885-1954).


Participaram o coro da catedral da Mogúncia sob a direção de Heinrich Hain, os Meninos Cantores da Catedral de Limburg e os I Cantori di Santomio, tendo ao órgão Albert Richenhagen. Também este organista participava estreitamente das reflexões referentes ao Brasil e tomaria parte no simpósio que, a seguir, se realizou em São Paulo.


Música sacra africana no campo de indistintas relações entre ciência e praxis religiosa




Evento de particular relêvo sob o aspecto do uso da Etnomusicologia para fins sacro-musicais e de política eclesiástica através da música foi o concerto realizado no grande auditório do Westdeutscher Rundfunk do Catholic Centenary Memorial Choir de Kampala, Uganda.


Esse coro marcaria musicalmente os trabalhos que se seguiram no âmbito de um II Simpósio Etnomusicológico. Este, após missa matutina com Canto Gregoriano no dia 23, na igreja de Santa Cruz em Bonn, realizou-se no Centro das Ciências.


Os temas tratados foram "comunidade de vida ou tribal e Igreja", por Charles Nyamiti da Tanzania e Mudiji-Malaba do Zaire, à tarde, tratou-se do tema Propriedade de instrumentos musicais para a liturgia.


À noite, na igreja de St. Remigius, realizou-se um concerto com música de orgão polonesa de quatro séculos, executada por Krzzysztof Wilkus, Poznan.


No dia 24 de junho, festa de S. João Batista, celebrou-se missa a esse padroeiro dos cantores, com Proprium e Ordinarium em Gregoriano e Hymnus Ut queant laxis, por Schola gregoriana. Dando continuidade ao simpósio, tratou-se, no Centro das Ciênias, do tema Cantos vinculados á tradição e liturgia em conferência proferida pelo Arcebispo Emmanuel Milingo, Zambia, e Gamaliel Mbonimana, Rwanda. À tarde, o tema discutido foi o da "Palavra e música com especial consideração das linguas tonais", sendo os conferencistas Dr. Antonio Okello, Uganda, Dominique Ngirabanyiginya, Rwanda e Yakime Tangang, Zaire.


À noite, na Catedral de Colonia, apresentou-se uma hora solene coral com a Missa paschale para vozes solistas, instrumentos e coro de Pierre de la Rue (ca. 1460-1518) da Escola Superior de Música e Instituto de Música Sacra Católica sob a direção de Rudolf Ewerhart.


À quarta-feira, dia 25 de junho, na igreja de Santa Cruz, em Bonn, celebrou-se mais uma vez missa com cantos africanos. A sessão do simpósio que se seguiu, finalizando-o teve como tema "Etnomusicologia e Gregoriano". Do centro, os participan tes partiram para a Abadia de Maria Laach, onde participaram do Completorium. No dia seguinte, 26 de 'junho, após a Missa conventual em honra de S. Bento, procedeu-se a uma visita á Casa da Música Sacra.


De novo em Bonn, realizou-se sessão destinada ao complexo temático Culto e Direito Autoral na Legislação, Entre outros, Heinrich Hubmann de Erlangen, tratou das consequências da legislação do Tribunal da Constituição Federal no emprêgo de obras protegidas em eventos eclesiásticos, e Winfried Schultz da legislação própria na proteção de direitos autorais da música de culto.


Este segundo simpósio etnomusicológico da organização pontifícia foi dedicado ao tema Aptatio Musices na Africa Central e do Leste. Embora preparado por um extenso levantamento de fontes e da situação das reflexões em países africanos, de tendências e perspectivas sobretudo no Zaire pelo editor desta revista, a determinação dos complexos temáticos tratados não as levou em consideração, revelando proposições de etnomusicólogos pouco familiarizados com a problemática do pensamento africano nos seus próprios contextos, o que levaria a problemas que deverão ser considerados em próximos números desta revista.


Brasileiros no Congresso - harmonia aparente em fundamentais desencontros




Os vários brasileiros que participaram do Congresso, apesar de toda a proximidade possibilitada pelo mesmo credo e pelo interesse pela música sacra, diferenciavam-se entre si sensivelmente em formação e nas suas convicções.


Um papel fundamental, idealístico e de solidariedade foi desempenhado por Eleanor Florence Dewey (Maria do Redentor) (Veja). Tendo sido regente do Coral Gregoriano do Centro de Pesquisas em Musicologia da sociedade dedicada ao estudo de processos culturais fundada em 1968, a sua atenção era primordialmente voltada à pesquisa paleográfica e semiológica segundo as novas tendências da pesquisa, representando uma pioneira na área no Brasil.


Com o início do programa na Europa e interrupção dos trabalhos da sociedade em São Paulo, vendo poucas possibilidades de atuação no Brasil e mesmo da prática do Gregoriano sob as condições pós-conciliares, transferiu-se para a Inglaterra, seu país natal. As poucas possibilidades de aplicação de seus conhecimentos gregorianos na Inglaterra puderam ser compensadas entre 1975 e 1980 pela sua intensa atuação no programa de interações euro-brasileiros em andamento iniciado em 1974 com os seus encontros em diversos países.


Tendo-se mantido assim estreitamente relacionada com os projetos que eram fundamentalmente de pesquisa, veio, em espírito de solidariedade, auxiliar a realização do Congresso.


Com a sua orientação na pesquisa semiológica, porém, não deixou de tematizar por diversas vezes a sua discordância com as execuções do Canto Gregoriano pelos vários grupos participantes do Congresso.


Para ela, a interpretação desses grupos, em particular da Schola Cantorum Coloniensis, ainda que supostamente de acordo com os preceitos da escola Solesmes, que para ela estariam ultrapassados, não os representavam, não obedecendo nem mesmo a seus princípios rítmicos, mas sim resumiam-se a uma interpretação indiferenciada, volumosa, "teuta" nas suas características.


A sua aversão às execuções do Gregoriano nas várias ocasiões do Congresso e nas missas correspondia em reciprocidade àquela dos grupos alemães relativamente à Semiologia, que viam irônicamente nos esforços semiológicos tentativas de "tirar leite de camundongos", ou seja, um cuidado por pormenores que implicava na perda de uma realização sonora potente e entusiasmadora da fé dos ouvintes.


Essa diferença de concepções e de estética, com implicações tanto para a pesquisa como para a prática, tematizada nem sempre sem conflitos, seria transplantada para o Brasil, onde então não era tão acentuada pela ausência de um grupo de similar força autoritativa como aquele da Alemanha.


O Congresso significou, assim, o início de um desenvolvimento marcado por tensões e conflitos entre supostos adeptos da tradição de Solesmes e aficcionados da Semiologia - aliás desenvolvida também por um religioso de Solesmes - no desenvolvimento do Gregoriano no Brasil, afastando lamentavelmente as preocupações do âmbito mais propriamente investigativo de suas origens.


Diferenças e tensões com teólogos brasileiros empenhados em questões de Aculturação


Também outros dois representantes do Brasil encontravam-se em posição conflitante ás tendências que marcavam a programação do Congresso. O Pe. Dr. José Geraldo de Souza, antigo aluno do Pontificio Instituto di Musica Sacra, ao mesmo tempomusicólogo, folclorista, compositor e religioso, destacava-se pelo seu empenho em revelar elementos do folclore brasileiro capazes de fundamentar uma criação litúrgico-musical de acordo com os preceitos do Concílio.


Justamente nesses anos desenvolvia intensa atividade de conferencista e orientador de cursos na Faculdade de Musica e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, tratando de temas relacionados com a realização dos preceitos conciliares no âmbito de suas preocupações quanto a relações entre "Folkmúsica" e Liturgia (Veja)


O seu pensamento relacionava concepções do antigo Folclore e da estética nacionalista do passado com as aspirações conciliares, procurando, por meios analíticos, detectar elementos de uma folcmúsica aplicáveis na música religiosa. Não correspondia, assim, na sua compreensão disciplinar convencional e tradicional, porém antes de espírito progressista quanto ao desejo de corresponder à renovação conciliar, aos intuitos de direcionamento da atenção a processos propugnados em superação ao pensamento dirigido a esferas culturais. O seu pensamento não correspondia, também, às concepções de "aptatio" defendidas no Congresso e que não se resumiam a elementos da linguagem sonora.


Ao mesmo tempo, porém, com a sua orientação primordialmente voltada à folcmúsica, não aceitava totalmente o pêso dado ao patrimônio polifônico latino no Congresso. Esse potencial conflitivo, manifestado sobretudo em encontro realizado no Reno, marcaria a seguir de forma questionável os desenvolvimentos no Brasil, uma vez que ocuparia anos mais tarde o cargo de presidente da Sociedade Brasileira de Musicologia.


Similarmente, também o Pe. José de Almeida Penalva, Curitiba, empenhado há muito e sob vários aspectos de forma pioneira à questão da "música sacra aculturada", não podia estar de acordo com as tendências e mesmo o espírito do Congresso, ainda que nele se desse particular atenção à Etnomusicologia. As concepções de Aculturação que defendia distinguiam-se daquelas discutidas . Sobretudo na sessão dedicada às relações entre a Etnomusicologia e o Gregoriano essas distinções tornaram-se particularmente evidentes, uma vez que nelas se pronunciou, de forma para muitos como inaceitável, de que quanto ao Gregoriano nas diferentes culturas se tratava não de uma questão do "quê", mas sim do "como".


Distenções marcaram também as tendências brasileiras relacionadas com o ensino com base no gregoriano, o assim-chamado Método Ward. Nicole Jeandot, principal representante desse método no Brasil, preocupava-se já há muito com a possibilidade de adaptá-lo à cultura musical do país e também ás aspirações conciliares. Esses seus intuitos foram porém criticados como expressões de deturpação do método pelos seus representantes. As consequências posteriores foram as de um arrefecimento das tentativas de transformação dos princípios pedagógicos com base em pesquisas culturais.


Proposta de Simpósio Internacional de Música Sacra e Cultura Brasileira


Somente essas profundas diferenças entre as tendências e convicções dos participantes brasileiros e aquelas que marcaram o Congresso e que surgiam como autoritativas explicam a insatisfação brasileira e justificaram a proposta de realização de um simpósio internacional em São Paulo já no ano seguinte.


O escopo dessa proposta era o de permitir aos protagonistas do evento vivenciar a realidade cultural do Brasil nos seus múltiplos aspectos, tomar conhecimento das iniciativas que há muito ali já se realizavam e procurar corrigir a insustentável orientação etnomusicológica que se manifestara no evento de Bonn.


A proposta tinha, assim, um objetivo científico, procurava com a realização do simpósio corrigir um desenvolvimento que se deformara sob a ação dos meios católicos sobretudo renanos, retornar ao programa primordialmente científico iniciado em 1974. Este, tendo como principal escopo o direcionamento das atenções a processos, nele inserindo priivilegiadamente a questão da reconsideração do século XIX, trazia à consciência a cisão representada pelo Motu Proprio e que exigia revisões do desenvolvimento sacro-musical sob dimensões outras do que aquelas tratadas no Congresso, incluindo também o movimento restaurador pré-conciliar em contextos históricos, aptos assim a transformações.


A proposta representou quase que um ato de desespêro por parte do Brasil diante do coerentemente concebido mas problemático evento de Bonn, exigiu a união de todas as forças para a sua concretização, possibilitada apenas pelo apoio da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, e que devia estar á altura, nas suas dimensões, à importância das questões em pauta e que diziam respeito à pesquisa internacional, à prática e, em particular, ás relações euro-brasileiras.


Esse simpósio, que seria o maior do gênero até então - e até hoje - realizado, não foi assim uma manifestação de triunfalismo, mas sim antes uma tentativa de correção e abertura de perspectivas contra posicionamentos do Congresso de Bonn e a inaceitável compreensão da pesquisa musical que nele se manifestou, em especial da Etnomusicologia, pela qual responsabilizava-se então sobretudo Josef Kuckertz.


Matéria preparada por colaboradores do ISMPS
orientada e traduzida de forma reelaborada por
Antonio Alexandre Bispo






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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O Brasil no VII Congresso Internacional de Música Sacra em Bonn no ano do jubileu da Catedral de Colonia em 1980. Convergências e diferenças à base de iniciativas euro-brasileiras".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 147/14 (2014:1). http://revista.brasil-europa.eu/147/Brasil-no-Congresso-de-Musica-Sacra_Bonn.html