Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Frohsinn Sao Paulo. A.A.Bispo ©


Orfeonistas Caetano de Campos.A.A.Bispo ©


Lueneburg 1974. Foto: A.A.Bispo ©























Lüneburg 1974

Fotos: A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 147/4 (2014:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa de Pós-Graduados
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3059




Do cantar de tupinambás aos cantores da Lünebuger Heide

O movimento coral no Brasil nos seus elos com associações de canto alemãs

em revisões de heranças comuns em 1974


No bicentenario de C. W. F. Gerster (1813-1892), promotor dos cantore na tradição de ideais de liberdade




Débito e Crédito - 1974-2014. Época de balanços e reajustes.
Revendo inícios de interações euro-brasileiras na procura de esclarecimentos em situações complexas de heranças culturais

 
Lueneburg 1974. Foto: A.A.Bispo ©


Lueneburg 1974. Foto: A.A.Bispo ©
As atividades iniciadas há 40 anos na Europa e que determinaram o rumo dos trabalhos posteriores de estudos culturais em relações euro-brasileiras podem parecer de difícil compreensão à primeira vista. Um dos primeiros passos tomados foi, assim, o da procura de sociedades de canto masculino na cidade de Lüneburg e, a partir dela, de outras associações e ligas supra-regionais. Esses primeiros contatos foram possibilitados pelo Institut Goethe.


Essa iniciativa não pode ser entendida sem levar-se em consideração desenvolvimentos e preocupações da época no Brasil e o amplo programa então planejado para os trabalhos de estudos e interações internacionaios nos seus escopos e que foi apoiado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD)


Movimento coral no Brasil como fenômeno cultural e objeto de estudos em si


Constatava-se, desde meados dos anos sessenta um crescente entusiasmo pela prática coral, evidenciado no surgimento de vários grupos corais e de interesse na formação de cantores e regentes. Esse movimento coral processou-se paralelamente àquele da formação de jovens instrumentistas e da criação de orquestras jovens.


Mais talvez do que essa prática juvenil da música orquestral, o movimento coral, com a sua diversidade de grupos, em particular aqueles de estudantes universitários, procurava difundir novo repertório - música antiga, obras contemporâneas, sobretudo de autores brasileiros, música popular em arranjos com características eruditas -, contribuindo assim a uma renovação da vida musical.


O movimento coral, na diversidade de suas expressões, práticas e das posições de seus promotores, embora fosse considerado como meio de expansão ou difusão cultural e educativa, foi êle próprio um fenômeno cultural, a ser estudado nos seus diversos pressupostos, contextos e consequências. (Veja)


Conceitos de cultura subjacentes e politico-cultural de Expansão ou Difusão


As justificativas para o fomento do canto coral na primeira metade da década de sessenta manifestavam preocupações com uma necessidade de expansão cultural a ser apoiada por órgãos a serviço de objetivos educativos ou formativos do povo. Esses intentos levantavam questões quanto ao tipo de repertório a ser divulgado e estes relacionavam-se com critérios de valor na escolha de obras e do sentido de sua difusão.


Dever-se-ia promover concertos populares, com obras mais acessíveis, conhecidas e ligeiras, ou antes apresentações de obras menos conhecidas e que exigiam maior preparo e concentração de ouvintes? Como ganhar auditórios, despertar o interesse de novos circulos da população, revitalizar concertos em bairros, cinemas e escolas?


Nesse contexto de preocupações, compreende-se que novamente tenha-se acentuado a atenção ao papel do canto coral para a formação de novas platéias. Subjacente a essa função imediatamente pragmática, porém, vigorava de forma nem sempre consciente uma concepção de cultura marcada pela imagem da existência de uma esfera cultural e uma outra "sem cultura" na sociedade, sendo a primeira apenas indistintamente designada como clássica ou erudita. Nessa concepção, a função da politica cultural seria a de levar cultura ao povo, uma espécie de democraitzação combinada com intuitos educativos.


Essa opinião era a daqueles que viam nesse "levar a cultura ás grandes massas populares" a verdadeira finalidade do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, que para isso possuia uma Divisão para o fomento da Expansão Cultural, esperando-se, dele correções político-culturais nesse sentido: "quem conhece a situação atual de São Paulo no que diz respeito à difusão da música erudita, há de ver que há muita coisa para mudar (...)". (Gazeta, 7 de abril de 1963)


As dimensões mais amplas dessa concepçãõ de cultura e de expansão cultural tornam-se evidentes de entrevista concedida a jornal do Paraná durante o II Fstival de Música de Curitiba, em 1965, por Renata Braunwieser, então à frente da Sociedade Bach de São Paulo (1964-1977). Para ela, "o problema brasileiro" era nada menos que "o de levar a cultura às grandes massas populares" e, para solucioná-lo, nada melhor haveria do que o canto coral.


"Nesse sentido, acredito que nenhum outro veículo é mais eficiente do que o canto coral, que costuma entusiasmar grandes platéias e permite a utilização de grande número de cantores." (Gazeta do Povo, 13 de janeiro de 1965)


Para ela, o canto coral seria até mesmo um importante meio nas penitenciárias para a reintegração dos presos na sociedade.


"O respeito aos textos e à disciplina que o canto coral exige muito contribuem para solucionar os problemas da maioria dos condenados" (loc.cit.)


Percebe-se, nessas palavras, as relações entre o conceito de cultura, a política de expansão no sentido de "levar cultura às grandes massas" e intuitos de educação ou reeducação social através do fomento da disciplina no comportamento e da concentração.Para isso, a atenção ao texto cantado, à correta e clara pronuncia das palavras e ao sentido das frases surgia como principal fator dessa função socializadora e corretivo-reeducadora do canto coral. O texto, assim, representava um fator que justificava o significado até mesmo maior da prática coral relativamente àquele da música instrumental.


Sob texto, porém, compreendia-se também a correta atenção à melodia e a relação entre tons e palavras, ao rítmo e indicações expressivas e de dinâmica, ou seja a mais correta e disciplinada possível obediência a sinais da partitura.


Não tanto o empolgamento emocional ou afetivo, o fomento da alegria da participação, a espontaneidade surgiam em primeiro lugar nessas preocupações, mas sim o do fomento da auto-disciplina, da contenção, da comedição comportalmental, da concentração às palavras e ao texto, ou seja, o "levar cultura às grandes massas" possuia não apenas um sentido de difusão de obras, mas de formação e educativo, de cultura no sentido de cultivo pessoal e nas relações sociais.


Compreensivelmente, os concertos ensaiados e regidos por Renata Braunwieser caracterizavam-se por extrema economia de meios, de concentração à máxima correção quanto à pronúncia e reprodução do texto cantado e absoluta sobriedade de comportamento e contenção de gestos e emoções.


Mudanças: direcionamento da atenção a processos e "Nova Difusão"


Essa compreensão de expansão e difusão cultural, fundamentada em correspondente concepção de cultura e que via no canto coral um veículo privilegiado para levá-la "às massas", passaria por sensívei transformação a partir de reflexões encetadas em 1966 e que dirigiu a atenção a processos culturais e a mecanismos na dinamica interna do edifício cultural


Essa orientação foi uma decorrência da crítica à categorização de esferas da cultura - erudita, popular e folclórica - na definição de áreas disciplinares, históricas e empíricas, - por deixar desconsideradas expressões culturais que não cabiam nessas categorias, intermediárias, entre elas também a de conjuntos semi-eruditos ou semi-populares vocais e instrumentais, associações de canto populares, de corais de igrejas, corais operários, coros de imigrantes e outros. Essa transformação de perspectivas, nascidas assim das reflexões relativas a problemas disciplinares, levou a que o próprio movimento coral, na sua diversidade, passasse a ser objeto de estudos.


Significativamente, a inauguração da sociedade Nova Difusão, em 1968, e que hoje constitui a organização de estudos de processos culturais em relações internacionais, deu-se com um concerto coral, o da Madrigal das Arcadas de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, demonstrando o programa o intento de transpasse de limites de esferas culturais ao considerar tanto obras religiosas como profanas, eruditas e populares, da música antiga e contemporânea. (Veja)


Nas palavras inaugurais, salientou-se que o escopo não era o de levar simples cultura ao povo, procurando-o em praças públicas ou apresentando repertórios não usuais em diferentes contextos e instituições, mas sim o de interagir em processos que ocorriam entre as diversas esferas culturais, participando de transformações e mudanças, com a preocupação, porém, de acompanhá-las de forma consciente e auto-refletida.


Criando-se o primeiro Centro de Pesquisas em Musicologia asssim orientado, passou-se a visitar associações vocais e instrumentais, corporações musicais civís e militares, coros de igreja e sociedades de canto e outros agrupamentos com o objetivo de estudar repertórios, levantar nomes e obras caídas no esquecimento, constatar práticas e técnicas, analisar funções na vida cultural e religiosa, inserções político-partidárias ou com o comércio,  assim como a situação atual nas suas relações por assim dizer osmóticas entre as esferas conotadas como artísticas e as populares.


Uma iniciativa de maiores dimensões foi o do levantamento de sociedades musicais em regiões que se transformavam com a abertura de grandes estradas, em particular no Leste do Brasil com a Rio-Bahia, dando-se particular atenção à mudança de rêdes entre mestres e discípulos e à difusão de obras. (Veja) Esses esforços tiveram continuidade em viagem ao Sul do Brasil, em 1973, quando visitaram-se sobretudo sociedades corais e instrumentais de descendentes de imigrantes. Essas observações realizaram-se sob o pano de fundo de trabalhos que vinham sendo desenvolvidos sobre o papel de associações de canto - e instrumentais - em colonias de estrangeiros em São Paulo, em particular de alemães e italianos.


Esse significado do estudo de movimentos associativos nas suas relações com a música foi tema de uma das sessões realizadas no Centro Social do Comércio de São Paulo, em 1973, quando tratou-se dos significados múltiplos de associações vocais e instrumentais em cidades e regiões marcadas pelo processo de abertura e ocupação de regiões, colonização e transformação de áreas através de novas vias de transportes e comunicação. Essas relações de sociedades com a ocupação de espaços e de transformações de regiões e cidades nas suas relações com desenvolvimentos comerciais superavam limites nacionais, pois diziam respeito a empreendimentos de exploração, colonização, imigração, industrialização e outros.


Novas acepções do movimento coral em época marcada pelo fim do Canto Orfeônico


Esse interesse por associações vocais e instrumentais nas suas diversas formas de expressão e contextos, deslocava a atenção que até então era dada à função do canto coral nas suas funções educativas de massas e correspondia aos esforços de reorientação na área de Educação Musical. Esta era determinada na época pelo fim do Canto Orfeônico com a sua complexa carga herdada de um complexo passado, de antigas práticas e concepções que haviam sido por demais marcadas politico-culturalmente em época do nacionalismo autoritário dos anos 30 e 40.


A sessão no Centro do Comércio inscreveu-se nessas preocupações que marcavam em particular a Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo, uma vez que, nele integrando-se o antigo Conservatório Paulista de Canto Orfeônico, tinha sido um dos principais centros no passado da formação de professores desse movimento de canto cívico-educativo.


As possibilidades da nova orientação teórico-cultural na formação de professores no âmbito da Licenciatura em Educação Musical foram apresentadas no Congresso de Educação Musical realizado na Faculdade da Escola Normal de Música, em 1973, quando chamou-se a atenção dos educadores a métodos e práticas de ensino de mestres populares em associações vocais e instrumentais como necessário objeto de consideração, o que exigia ao mesmo tempo observações empíricas e procedimentos históricos.


Paralelamente, essas questões educativas de orientação cultural foram tratadas no âmbito da Associação Brasileira de Folclore, refletindo assim as interações entre preocupações renovadoras no âmbito da Educação com aquelas das disciplinas culturais.


Principal veículo para a experimentação das concepções preconizadas e a realização sonora segundo critérios adequados de contextualização cultural foi o Coro e Orquestra de Música Sacra Paulista, fundado em 1973, e que foi pioneiro no seu escopo de apresentar obras de autores olvidados, mestres-menores, obras até então combatidas e menosprezadas, procurando revelar os seus valores próprios através de novas perspectivas, formas de apresentação e espírito.

Do servir na disciplina para trabalhar cantando ao cantar em "atitude de tupinambás"



A superação da complexa herança do Canto Orfeônico com a sua carga de conotações político-culurais do passado manifestou-se em pronunciamento daquele que tinha sido um de seus principais professores do Conservatório Paulista de Canto Orfeônico: Martin Braunwieser (1901-1991), desde 1947 mestres especializado do Departamento de Cultura e que servira como Conselheiro de Música e Canto Orfeônico. Nesse texto, repetidamente pronunciado, Martin Braunwieser manifestava uma compreensão distinta daquela de sua filha Renata Braunwieser e também do pensamento de Villa-Lobos, elucidativa de suas diferentes concepções quanto à função do canto coral.


Em solenidade de colação de grau do Instituto Musical de São Paulo, em 1972, reinterpretou o texto de juramento tradicionalmente exigido dos formandos em Canto Orfeônico, remontante a Edgard Roquette Pinto (1884-1954), e que dizia: "Prometo de coração servir à Arte, para que o Brasil possa, na disciplina, trabalhar cantando".


Na sua alocução, a atenção foi, ao contrário, dirigida ao cantar e ao dançar dos indígenas e em meios populares do Nordeste:


"(...) acho de suma importância para a nossa vida uma atitude dos tupinambás, os quais Jean de Léry trata de selvagens: uma atitude dos selvagens que a meu modo de ver, é uma atitude que merece ser imitada e meditada, também por não selvagens. Uma atitude dos tupinambás, dos ameríndios em geral, que devia ser de conhecimento de muitos dos nossos alunos (...). Finalizando, volto ao tema principal dessas minhas simples palavras, recomendando aos diplomandos de cantar, de fazer música com espontaneidade, de cantar para cantar, de cantar com prazer moral, de cantar de livre vontade, de cantar de motu proprio. A espontaneidade de cantar dos tupinambás, caros afilhados, deve ser um traço marcante no programa do seu futuro trabalho de ensinar música.-" (publicado em A.A.Bispo, Martin Braunwieser (...) Contribuição ao estudo da influência austriaca e alemã na música do Brasil no século XX, Roma/Colonia 1991, 294).


Estas palavras, que podem parecer estranhas á primeira vista, correspondiam a opiniões já formuladas há décadas por Martin Braunwieser, então dirigidas ao cantar em associações alemãs de São Paulo, antes do periodo marcado pela arregimentação político-cultural nacionalsocialista das sociedades corais alemã


Essas opiniões possuiam raízes mais antigas, correspondiam a concepções de uma atitude na prátíca musical no canto coral associativo de origens no século XIX e M. Braunwieser que conhecera na sua infância na Áustria.


Desde a fundação do Salzburger Liedertafel, em 1844, Salzburg tornara-se um centro visitado por sociedades de canto coral de outras localidades, como o Frohsinn de Linz, e toda a região da juventude de Braunwieser era marcada pelo cantar em sociedades como Liedertafel Oberndorf, Liedertafel Hallein, Salzburger Männergesangverein, Sängerlust e Sängervereinigung von Lamprechtshausen, havendo também uma entidade feminina, a Damen-Singverein Hummel.


Complexas heranças: Canto Orfeônico em 1972 e coros alemães dos anos 30


A superação da complexa carga político-cultural do Canto Orfeônico em 1972 vinculava-se aqui à recuperação de visões e compreensões das funções do cantar de movimentos alemães que remontavam à época da formação de associações no contexto de anelos liberais e oposicionais de meados do século XIX, onde também a terra natal, o seu povo e a natureza eram decantados.


Se Braunwieser recomendava aos diplomandos o cantar para cantar, o cantar com prazer moral, a alegria do cantar, "o cantar dos tupinambás", nada mais fazia, ainda que de forma talvez incompreensível para os ouvintes, de reproduzir em outros contextos conteúdos e imagens da tradição do canto associativo alemão, com o seu repertório marcado pelo decantar da vida livre e das belezas da natureza, onde os cantores se colocavam no lugar de caçadores livres ou livres atiradores que percorriam as florestas assobiando e cultivando o "Frohsinn".


Nesses momentos iniciais do movimento alemão do canto associativo revelam-se assim tendências e visões antes progressistas, remontantes ao Esclarecimento, e que se manifestavam na rconscientização de valores populares, de posições patrióticas, da alegria do canto social de homens que se sentiam livres.



Esse movimento, desencadeado em época do Romantismo, precedido e acompanhado por nomes da tradição das Liedertafel, como Carl Friedrich Zelter (1785-1832) e Friedrich Silcher (1782-1860) revitalizava antigos cantos populares, e a história de canto coral a quatro vozes masculinas sem acompanhamento instrumental pode ser analizada no contexto marcado por esses anelos de esclarecimento político e social.


Se imbuído de desejos de união dos alemães em nação acima dos seus muitos estados, esse desejo de unidade manifestava-se na organização de entidades em forma de associações, com os seus estatutos, presidência, bandeiras e pocais.


Essa tradição de remotas origens passou por transformações decorrentes de múltiplas influências no decorrer das décadas, por exemplo através de aproximações com o movimento católico de valorização da música sacra sem acompanhamento instrumental do Cecilianismo, e que tornou-se legislação com o Motu proprio de Pio X (1903). Que justamente Salzburg como o antigo centro da tradição sacro-musical com acompanhamento instrumental tivesse passado a ser um dos bastiões desse movimento de restauração sacro-musical através da polifonia vocal isso se manifestou na Conferência Sacro-Musical ali realizada em 1913. Essas influências parecem ter contribuído à mudança de concepções e atitudes, dirigindo a atenção não apenas a textos sacros, mas fomentando a introspecção, contenção emocional e expressiva da pratica coral.


Marcado por esse passado, compreende-se que Martin Braunwieser tenha-se empenhado intensamente na renovação e no aprofundamento de concepções vigentes nos coros alemães á existentes em São Paulo e redondezas. É tarefa da pesquisa, porém, tentar discernir com maior precisão as múltiplas tendências de pensamento e prática que interagiram, nem sempre sem de forma coerente, em anos de complexos e questionáveis desenvolvimentos políticos da década de 30.


Recordando o coros alemães em São Paulo: a Associação de Canto Coral Lyra


A maior entidade coral do passado de São Paulo e aquela que teve a sua maior e mais representativa sede em ediifício inaugurado em 1934, foi a Associação de Canto Coral Lyra, fundada em 1884.


Essa sede, com  auditório, arquivos e biblioteca, nas suas amplas dimensões e significado, surge como ponto alto no movimento associativo voltado à prática do canto coral no Brasil. A solenidade de inauguração contou com a presença das principais sociedades de canto do Estado e de outras regiões do Brasil, entre outras, do Rio de Janeiro.


A Associação de Canto Coral Lyra teve papel decisivo na fundação do Deutscher Sängerbund Brasilens, pioneiro no apoio de núcleos fracos de cantores, com o sentido de acentuar elos de solidariedade, aproximar e relacionar os grupos sob uma organização-teto, contribuindo para a união alemã através do canto.


Retomava-se, assim, sob condições politicas, a idéia do Sängerbund, remontante à sua fundação em 1862 em Coburg, e que teve como uma de suas mais destacadas personalidades Carl Gerster (1813-1892) (Veja http://revista.brasil-europa.eu/147/Coburg-Brasil_Adolf-Maersch_1976.html) Juntamente com essa essa tradição, revitalizava-se a idéia das Deutsche Sängerbundfeste, originadas em 1865. Grande promotor da união alemã dos cantores do Brasil foi Hermann Thimmel, o seu diretor publicitário.





Frohsinn, Schubert e as relações entre as canções, o erudito, o popular e o antigo


Braunwieser, com a sua reconhecida capacidade, regeu diferentes coros e participou da vida associativa nas suas diferentes tradições e tendencias, em espírito de solidariedade e pela proximidade cultural, diferenciava-se, porém, pela sua formação e compreensão do espírito e da função do canto coral, inclusive na suas conotações político-culturais.


Em primeiro lugar, representava como regente a Sociedade de Canto Frohsinn. Passou também a dirigir o Coro Schubert, mixto, de maiores ambições artísticas, fundado em 1932, entidades que, embora com diferentes acentos quanto a repertórios, nutriam-se do mesmo espírito do canto associativo remontante ao século XIX.


Os esforços de M. Braunwieser diziam respeito ao construir uma ponte entre a prática das canções populares tradicionais alemãs e um repertório mais antigo de canções de fins da Idade Média.


Com êle, o movimento coral uniu-se assim àquele da valorização da música antiga, dando prosseguimento à sua formação cultural de juventude nas sociedades e no Mozarteum, precedendo aqui a fundação da Sociedade Bach de São Paulo.


Braunwieser surge assim como um dos primeiros interessados em hinologia no Brasil, uma vez que acentuava que as canções evangélicas eram as antigas católicas, demonstrando as bases comuns das tradições em exemplos do populário tradicionais e de cantos trecentistas, quatrocentistas e do século XVIII e XIX. Baseando-se em visões da origem de mistérios em época anterior ao Cristianismo na Alemanha, considerava nas suas alocuções processos de sua cristianização e que teriam marcado o repertório posterior de canções, sobretudo naquelas de Natal.


Para tal trabalho que unia o cultivo de cantos tradicionais e aqueles do repertório da música antiga fundou o Quarteto Vocal Braunwieser, onde o repertório demonstrava a penetração de canções dos século XIV e XV na cultura popular. O Quarteto procurava trazer à lembrança que essas canções tinham influenciado os compositores alemães e o desenvolvimnto da música européia em geral, encontrando-se muitas nas obras de J. S. Bach.


"O que é uma canção popular? O que é uma canção artística? Quantas vdzes escuta-se falar em falsa conceituação de canção popular. Muitas vezes denomina-se de canção popular uma canção erudita mais conhecida, com melodia e harmonia mais fáceis de serem assimiladas. Como o  nome canção popular já diz, ela é uma canção do povo, ou dito livremente e denominada mais exatamente; uma canção que surgiu no povo. Muitas pessoas contribuiem para que a melodia receba a forma definitiva. Muitas pessoas inventaram a melodia de uma canção popular, ao contrário da canção erudita, que só é composta por uma pessoa. Há entretanto canções erudtas onde o texto  e a melodia são de cunho popularesco e que jamais se tornarão canções populares. Por outro lado, outras canções eruditas são rapidamente assimiladas e pelo povo e passam a ser julgadas com o tempo como canções populares." (Programa do concerto o Ginásio S. Bento, 1932)


O fomento de cantos populares alemães e a sua valorização através de conderências de cunho musicológico deu-se privilegiadamente em festas natalinas da Igreja Evangélica e em encontros nas escolas alemãs de São Paulo: Olinda, Villa Mariana, Móoca-Brá´s, Santanna, Lapa, São Caetano, São Bernardo, Bosque, Campo Belo, Santo Amaro, Vila Clara e, sobretudo, na Deusche Schule São Paulo, onde respectivamente a funçao espiritual e a educativa do canto eram acentuadas. Também no salão Treffner da Vila Carrão organizavam-se encontros de canto.


Volkschorbewegung dos anos 20, Coro Popular e Canto Orfeônîco


Sob a direção de Braunwieser, o Orpheon do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, congregando grande número de alunos, transformou-se em importante veículo do movimento. Primeira apresentação de maior importância deu-se no Festival Commemorativo do Dia da Música, em 1931.


Vínculos do movimento encabeçado sobretudo por M. Braunwieser e as atividades de H. Villa Lobos e do movimento orfeonico estabeleceram-se através da decisiva participação do Coro Schubert sob a sua égide em concertos regidos pelo compositor brasileiro no Interior de S. Paulo, onde tinham sido implantados orfeões, e.o. pelas Escolas-Modêlo.


A frente do Coro Popular, promoveu-se o canto em língua nacional, sendo que mesmo participantes alemães como Arnold Schvern, procuraram criar canções em português.



Em 1936, o movimento de formação de professores de Canto Orfeônico já se encontrava bem estruturado, concentrando-se sobretudo na Escola Normal Caetano de Campos. 







Alineamento político e nivelação de diferenças nas suas consequências


A deformação política dessa tradição de muitas tendências de canto alemão na década de trinta no âmbito da influência nacionalsocialista em meios alemães do Brasil decorreu em estreitas interações com aquela experimentada por associações e ligas de canto na Alemanha, uma vez que eram relacionadas através de sociedades-teto ou ligas internacionais.


O confronto com essa complexa herança do passado na procura de sua superação, revitalização de estruturas, concepções e repertórios sob novas bases e abertura de novos caminhos para o presente necessitava assim ser assim também conduzido em interações com associações de canto na própria Alemanha, confrontadas também com essa carga do período nacionalsocialista.


Essas dimensões internacionais do seu vir-a-ser e dos desenvolvimentos políticos mundiais que marcaram a sua história e causaram a crise, em particular a Segunda Guerra trouxeram à consciência a necessidade de comparações com desenvolvimentos históricos e com a situação então atual em outros países. Somente uma cooperação para além de fronteiras nacionais poderia levar a uma elucidação mais adequada de processos ocorridos, a reconstruções e a análises do passado e ao confronto com a situação insatisfatória determinada pela carga de heranças político-culturais do passado.



Objetivos da procura brasileira de associações de canto em Lüneburg


Sob esse pano de fundo, compreende-se que o objetivo previsto pelo programa de estudos e contatos iniciado em 1974 em Lüneburg não foi não apenas o do estabelecimento de contatos, o de apresentação de resultados de levantamentos desenvolvimentos no Brasil para a informação de cantores a respeito do passado e das consequências do movimento coral associativo.


Procurou-se constatar a situação das sociedades corais e sociedades tetos na Alemanha após algumas décadas do fim da Segunda Guerra, as relações político-culturais entre as sociedades, entidades e ligas gerais, assim como as transformações na prática com os novos desenvolvimentos sociais e da influência da mídia.


A região de Lüneburg era conhecida pela sua tradição coral, remontando varias sociedades a fundações do século XIX, entre elas a sociedade masculina de canto (MGV) Teutonia em Breetze, outra sociedade em Nindorf, o MGV Concordia Dahlenburg von 1859 e.V., o MGV Eiche em Dahlenburg von 1888, o MGV e Gemischter Chor Concordia Garlstorf von 1886, o MGV Brietlingen von 1881MGV Frohsinn Barskamp von 1889 e.V., o MGV Germania Göddingen von 1880, o Gemischter Chor Büttlingen von 1890, o Ilmenauchor Bienenbüttel von 1891 e.V., o MGV Scharnebecl-Rullstorf von 1894, o MGV Adendorf von 1897 e.V., Augustus-Chor von 1910. Diferentes sociedades traziam os nomes de Frohsinn, Harmonie (p.e. em Neuhaus e Bleckede) ou Concordia. Entre os coros mais pelo mais recentes, mas pelo proprio nome continuando a tradição, salientava-se o Lüneburger Silcher-Chor von 1951 e.V.


Em primeiro encontro, os objetivos do programa foram expostos e elucidados com base em fotografias e outros documentos da história do movimento coral alemão no Brasil, chamando-se a atençãõ aos paralelos de desenvolvimentos no passado e na situação do presente.




Observação participante - tentativa empírica de recuperação de expressões não-fixadas


Para além dos relatos a respeito das associações consideradas, aos paralelos entre desenvolvimentos na Alemanha e no Brasil no contexto de desenvolvimentos políticos, chamou-se a atenção ao fato de que estudos históricos, a consideração de nomes e repertórios não bastariam para os objetivos visados.


A vida associativa era marcada por tradições não fixadas, transmitidas oralmente ou na prática, que se refletiam na própria prática musical e nos relacionamentos humanos, e que justamente nessas expressões transmitidas e sentidas como naturais e óbvias deveriam ser vistos principais fatores do significado dessas sociedades em processos culturais.


Com a proibição e extinção de muitas dessas associações, essas tradições foram interrompidas, podendo-se delas obter apenas pálidas idéias através de informantes mais idosos. A observação participante em sociedades que ainda puderam sobreviver ou que foram reorganizadas após a Guerra poderia, de ambos os lados, contribuir ao reconhecimento de práticas e procedimentos. O histórico e o empírico interrelacionar-se-iam, assim, de acordo com a orientação dos estudos preconizada no Brasil.


De fato, a participação na tradição de canto coral associativo de Lüneburg abriu amplas perspectivas para a imersão em universo cultural considerado como perdido. Os ensaios, realizados na ampla Sala Social situada no segundo andar de um tradicional restaurante, visitados por acima de 120 cantores, decorriam antes como prática ritualizada, na qual a entrada do regente, o levantar dos cantores, a sua saudação cantada, a sequência dos cantos entoados sem interrupções, exercícios ou correções demonstravam a continuidade de procedimentos internalizados e sentidos como evidentes, integrantes do próprio prazer do cantar em comunidade.


O repertório praticado possibilitava a continuidade da prática de cantos de proveniência mais antigas de fins do século XVIII e início do XIX, mas sobretudo de cantos da época nacionalliberal de meados desse último século, transmitindo sentimentos patrióticos distindos daqueles do período imperial guilhermino, além de permitir a constatação da recepção adaptada de obras de grandes compositores e de músicas popularizadas internacionalmente.


Para o brasileiro, acostumado com as dificuldades de encontrar vozes masculinas para os coros na época, o grande número e o entusiasmo dos cantores da sociedade masculina de canto de Lüneburg não representavam a única surprêsa na experiência da participação ativa dos ensaios e apresentações. Essa residia sobretudo no quase que automatismo de ações, gestos e cantos, denotativos da continuidade de tradição mantida ou retomada através de gerações.


Ainda que correspondendo à atenção concedida à expressão espontânea no debate atualizador de concepções do Folclore no Brasil, a espontaneidade no proceder aparentemente mecanizado ou internalizado dos ensaios da associação masculina de canto de Lüneburg representavam evidentemente práticas há muito introduzidas e ensaiadas, encenações ou ritualizações concebidas em passado já remoto, analisáveis portanto em contextos da época de sua introdução e das transformações por que passaram posteriormente.


A observação participante empírica possibilitava assim o reconhecimento não apenas de repertórios, mas sim também de práticas de execução e de interpretação na sua contextualização histórica, tornando-se indispensável para uma atualização da pesquisa histórico-musicológica segundo a orientação dirigida a processos culturais concebida no Brasil.




Elos com a natureza: do "canto de tupinambás" à Lüneburger Heide


Uma das características do repertório ainda então praticado em Lüneburg residia no constante decantar da natureza alemã nas suas relações com a cultura, como o decantar da sereia, da Loreley do rio Reno. Esses elos com a natureza de regiões possibilitavam uma espécie de viagens mentais e sentimentais, substituindo ou complementando as excursões de sociedades a regiões de belezas naturais e de sentidos culturais.


Confirmou-se, nessa experiência, o sentido do aparente recurso usado por M. Braunwieser na sua alocução aos professores de Educação Musical a que imitassem os indígenas na sua vida na natureza.


Lüneburg surgia aqui como local privilegiado para o estudo dessas relações entre a tradição cultural e a natureza, uma vez que situa-se junto à Lüneburger Heide, grande área de vegetação rasteira, terrenos pantanosos e bosques, restos de uma paisagem que dominou grande parte do norte da Alemanha.


Essa região passou um amplo movimento de valorização e proteção de suas paisagens desde o início do seculo XX, nele destacando- se o pastor Wilhelm Bode. Esses esforços levaram à idéia de criaçao de parques nacionais na  Alemanha tais como já exisitiam nos EUA, cirando-se para tal uma Sociedade do Parque de Proteção à Natureza já em 1909.


O plano previa a instalação de parques em regiões de altas montanhas, outro em regiões de montanhas centrais e, por fim, na paisagem rala da Lüneburger Heide. A aquisição de áreas para a aa sua proteção levou a uma intensificação do turismo à região, tornando-se uma das paisagens alemães mais procuradas e decantadas a época posterior à primeira Guerra. O seu reconhecimento oficial como área de proteção natural deu-se já no início do regime nacionalsocialista, sendo que a sociedade para a sua proteção conseguiu que a região fosse poupada na abertura de estradas e usada para fins militares.


Após a Guerra, parte da superfície protegida foi ocupada para exercício de tanques da Armada Britânica do Reno, o que levou à destruição parcial da cobertura vegetal e a formação de dunas de areia.Somente a partir de 1953, com a nomeação do comerciante de Hamburgo Alfred Toefer à presidência da Sociedade do Parque Nacional, é que deu-se prosseguimento à renaturação do Parque. O idealismo de recondução de áreas cultivadas e empregadas no pastoreio a seu estado natural confrontou-se porém constantemente com iinteresses econômicos voltados ao uso da madeira das florestas.


Para além da proteção do mundo animal e vegetal, os planos de Toefer incluiam também a criação áreas de repouso e recreação para a população. A região devia servir de contraponto ás cidades cada vez mais desumanizadas, marcadas por indústrias e ruídos, oferecendo possibilidades de recuperação para trabalhadores.



Paralelos com o preservacionismo de M. Braunwieser - Lüneburg e Pedro de Toledo


Remotas imagens do homem livre, do trabalhadore que, em horas de lazer se encontrava com outros para protejar-se no papel do homem de mente livre que percorria florestas e decantava belezas das várias regiões da Alemanha da época dos anelos revolucionários liberais de meados do século uniam-se, assim, na vida associativa coral vivenciada em Lüneburg, em 1974, com a problemática de conservação e transformação de finalidades da Lüneburger Heide.


Também aqui constatou-se singulares paralelos com desenvolvimentos no Brasil personificados em ideais e iniciativas de Braunwieser. Dando prosseguimento a antigas idéias de Gester, fundador do Sängerbund e médico homeopata, Braunwieser afirmava que a música tinha uma função ético-terapêutica, surgindo como um veículo medicinal na cura da humanidade através da revelação de uma harmonia intrínseca do ser. Os elos de suas concepções sobre o homem, o canto e a Natureza baseava-se, porém, sobretudo nos estreitos elos de seu pensamento e da Sociedade Bach de São Paulo com Albert Schweizer. (Veja)  Como sempre acentuado em cartas, esse direcionamento da atenção ao canto e à apreciação do Belo nas artes e na natureza podia compensar o fato de haver ao redor do homem muitas pessoas que o tornavam doente, sugerindo situações vivenciadas no meio musical de São Paulo.


Desde a sua juventude, M. Braunwieser interessara-se pela natureza do Brasil, em particular pelo canto dos pássaros. Dedicava-se à Botânica e à Apicultura. Grande atenção critíca dava ao uso de produtos químicos na Agricultura. O seu ideal de viver próximo à natureza concretizou-se nos anos setenta, quando, já afastado das obrigações profissionais, retirou-se a sitio no Município de Pedro de Toledo.


Ali teve a possibilidade de realizar trabalhos de renaturação, recriando florestas silvestres. O forçado abandono dessa propriedade por atividadades técnicas ali desenvolvidas por órgãos governamentais e empressariais e a frustração dos projetos de ali criar uma espécie de parque renaturado obscureceu-lhe os últimos anos de vida.


Compreende-se, nessa situação a intensidade com que Martin Braunwieser acompanhou os desenvolvimentos da Lüneburger Heide e que constituiam, na época da participação observante brasileira no coro masculino de Lüneburg, central tema de discussões em horas livres de ensaios e durante excursões.


Significado atual do relembrar de vivências e interações em Lüneburg


Como alvo de atenções desde o início dos trabalhos brasileiros sistematicamente desenvolvidos a partir de 1974 na Alemanha, o complexo representado pelo movimento coral nas suas múltíplas dimensões de sentidos e conotações do contexto brasileiro da época experimentou uma nova internacionalização.


O empenho na realização dos intentos do programa preparado nesse sentido na Alemanha teve ressonâncias no Brasil, interagindo em iniciativas. Em particular, os diferentes grupos corais da Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo desenvolveram nesses anos intensas atividades, tornando-se a instituição também local de ensaios de outros coros. Com a criação de uma organização que procurava reunir corais com o sentido de unir forças a favor de uma movimentação coral mais ampla em outro contexto, chegou-se a convidar o Coro e Orquestra de Música Sacra Paulista, apesar de seus intentos totalmente diversos quanto a concepções, repertórios e prática de execução.


Particular significado caberia à aproximação do Movimento Mario de Andrade da Secretaria de Estado da Cultura aos desenvolvimentos que decorriam na Faculdade de Música do IMPS e que remontavam, nos seus fundamentados ao Centro de Estudos em Musicologia da sociedade fundada em 1968.


Esse significado manifestou-se a seguir no fato que o próprio Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, o primeiro dos grandes eventos resultantes do programa de interações iniciado em 1974, pôde realizar-se, em 1981, sob a égide do Movimento Coral do Govêrno do Estado de São Paulo, no âmbito do qual fundou-se a Sociedade Brasileira de Musicologia.


"Estou também na Secretaria da Cultura fazendo o planejamento para o Movimento Coral deste ano. Ontem tivemos uma reunião com o Schnorrenberg que deverá este ano trabalhar tambem no Movimento. Fizemos com ele um plano de trabalho muito bonito, que se ele realmente realizar, será de grande importância para a música coral do Estado. Ainda teremos mais algumas reuniões para definirmos totalmente o trabalho que deverá ser realizado" (N. Rodrigues Gomes, 18 de janeiro de 1980)


Devido às múltiplas questões de natureza político-cultural que o movimento associativo coral levanta na sua história, foi êle repetidamente alvo de reflexões e debates.


A atualidade de questões relativas ao movimento coral e a continua repetição de argumentos já muito considerados, debatidos, em parte refutados, mas em todo o caso tratados diferenciadamente, indica a necessidade estudos dos caminhos percorridos, balanços e revisões.


Não se pode esquecer jamais a complexa herança do movimento coral. Já a arregimentação político-cultural das sociedades corais na Alemanha Nacionalsocialista e a correspondente unificação compulsória dos coros alemães no Brasil, em 1939, assim como o movimento orfeônico e a promoção da prática coral no Estado Novo brasileiro nessa mesma época, representam uma carga cultural e  ideológico-cultural de tais dimensões que não pode ser esquecida - esses 75 anos devem ser sempre lembrados!


Essa herança sob muitos aspectos questionável do passado deve trazer continuamente à consciência que - se a prática coral representa indubitavelmente um enriquecimento da vida musical -, devendo ser as suas atividades estimuladas e promovidas, o seu fomento deve ser conscientemente acompanhado por estudos e reflexões, evitando-se assim recapitular caminhos já percorridos julgando ser novos e que podem ter levado, no passado a desvios, servindo a objetivos questionáveís. A regentes cabe, correspondentemente modesta e discreta reserva em auto-critica quanto a posições de preeeminência ou mesmo possíveis anelos de liderança na vida cultural e nas relações internacionais.


Matéria preparada por colaboradores do ISMPS
orientada e traduzida de forma reelaborada por
Antonio Alexandre Bispo







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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Do cantar de tupinambás aos cantores da Lünebuger Heide. O movimento coral no Brasil nos seus elos com associações de canto alemãs em revisões de heranças comuns em 1974".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 147/4 (2014:1). http://revista.brasil-europa.eu/147/Movimento-Coral_Brasil-Alemanha_1974.html