Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Se Patriarcal de Lisboa 2012 A.A.Bispo©Arquivo A.B.E.


Se Patriarcal de Lisboa 2012 A.A.Bispo©Arquivo A.B.E.


Se Patriarcal de Lisboa 2012 A.A.Bispo©Arquivo A.B.E.


Fotos: Sé de Lisboa 2012. A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 148/23 (2014:2)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3094




A Côrte em Évora como centro cultural, suas dimensões e irradiações


Dos estudos de contextualização histórico-cultural de Duarte Lobo (156?-1646 )
mestre-de-capela da Sé Metropolitana Patriarcal de Lisboa I





Este texto é uma tradução, incompleta, sem notas e observações, mas também sem atualizações, de estudo realizado pelo seu autor, Dr. Armindo Borges, em 1974 e 1975. A versão completa em alemão e em português, deverá ser publicada pela Academia Brasil-Europa/ I.S.M.P.S..


A divulgação deste trabalho, até hoje inédito, deve ser considerada sob dois aspectos.


Em primeiro lugar, deve ser vista no conjunto de outros artigos desta edição da Revista Brasil-Europa, dedicados à passagem, em 2013, dos 100 anos da Profa. Dra. Maria Augusta Alves Barbosa (+) e dos 80 anos do Dr. Armindo Borges, respectivamente Presidente Honorária por Portugal e Vice-Presidente do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa desde a sua fundação, em 1985.


Em segundo lugar, este texto oferece um exemplo dos trabalhos referentes à pesquisa musical na esfera luso e brasileira realizados em meados da década de setenta na Universidade de Colonia, Alemanha, onde a Profa. Dra. M.A. Alves Barbosa e o Dr. Armindo Borges - assim como o editor desta revista - desenvolveram estudos e interagiram. Com a participação de professores e estudantes da universidade e de outras instituições, da Alemanha e de outros países, de portugueses e brasileiros residentes na Europa ou em visita, ali se desenvolveram intensos diálogos que deram origem a iniciativas de projeção internacional. Textos então preparados e discutidos em conferências encontram-se nos acervos da A.B.E./I.S.M.P.S. aguardando publicação.


O texto serve como testemunho das preocupações histórico-culturais e teórico-culturais daqueles anos. Foi desenvolvido pelo seu autor no âmbito de seus intentos de contextualização do vulto a que dedicou a sua dissertação de doutoramento: Duarte Lobo (156?-1646), mestre-capela da Sé Metropolitana Patriarcal de Lisboa e que obteve a sua formação em Évora.



 


Pe. Dr. Armindo Borges


Armindo Borges

A cidade de Évora, onde Duarte Lobo realizou os seus estudos humanísticos, teológicos e musicais, foi um dos mais significativos centros culturais de Portugal no século XVI. Alí brilharam nessa época grandes vultos da cultura portuguesa, ali surgiram, ao lado das já existentes, novas instituições culturais. E como coroamento dos esforços, que eram feitos para a elevação cultural da cidade, fundou-se a universidade. Sob a direção e a orientação dos Jesuítas, ela floresceu durante 200 anos.


Diversos fatores uniram-se para levar a cidade de Sertório ao nível cultural que ela por fim atingiu. No processo da elevação cultural dessa cidade, saltam aos olhos do pesquisador histórico-cultural dois impulsos de ação, cuja ação foi decisiva para o desenvolvimento cultural de Évora no século XVI. De um lado: a presença da Corte; ela atraiu muitas personalidades significativas da cultura nacional e européia à cidade alentejana. Do outro lado: o trabalho da Igreja, que em particular através das ordens religiosas despertou o interesse para as Ciências Naturais, as Belas Artes e, sobretudo para as Ciências Humanas.


Durante a dinastia dos Burgúndios, desde o rei D. Sancho I. (1185-1211), e da de Aviz, Évora foi local privilegiado de presença dos reis portugueses. Êles traziam de Lisboa toda a Côrte para Évora, onde passavam em geral longos períodos, como sob D. Manuel I. (1495-1521) e D. João III. (1521-1557). Assim, Évora tornou-se praticamente capital do Império e cenário daquilo que se passava no país quanto á vida política e cultural. Na Côrte, iam e vinham os representantes da alta nobreza de Évora, os mestres de príncipes e princesas e os filhos dos cortesãos e os artistas que animavam a sociedade com vesperais artísticas e musicais.


À nobreza de Évora pertenciam três familias de importância, a dos Galvões, dos Resendes e dos Estaços. Delas provieram grandes literatos.


Grande foi o número dos nobres de Évora que frequentavam a Côrte. Deve-se lembrar aqui o nome de D. Francisco de Portugal (?-1549), primeiro conde de Vimioso. Pelas suas frases cheias de espírito, tão famosas na Côrte, chamavam-no também de "Novo Cato" lusitano. Versado em prosa e versos ao extremo, escreveu muitas poesias e tratados espirituais. O seu neto D. Henrique fê-los publicar em 1605 sob o título Sentenças de D. Francisco de Portugal, primeiro Conde de Vimioso.


Na escola da Côrte lecionavam mestres e humanistas de grande fama, como Aires Barbosa e André de Resende. Aires de Barbosa (c. 1470-1540) foi aluno de E. A. Nebrija e Siculo na Universidade de Salamanca e de Angelo Policiano em Florença, onde estudou Artes. Voltando à Universidade de Salamanca (1495), introduziu ali os estudos helenísticos. A convite de D. João III retornou a Portugal (1524) para tomar a si a formação humanística do jovem Cardel-Infante D. Afonso e, pouco tempo depois, do posterior Cardeal-Rei, o Infante D. Henrique.


Ao mestre de Salamanca seguiu André de Resende, um outro humanista de renome internacional. Êle teve como discípulos os infantes D. Afonso, D. Duarte e D. Henrique, filhos de D. Manuel I e irmãos de D. João III. Iniciara seus estudos no convento dominicano de Évora, prosseguindo-os em universidades estrangeiras, em Alcalá de Enares, Salamanca e Paris, onde tomou contato com significativos humanistas como Erasmo e Clenardo, o seu professor. O imperador Carlos V e o rei D. João III admiravam-no. Professor primeiramente nas universidades de Lisboa e Coimbra, lecionou mais tarde em Évora na sua área das Humanidades. Com as suas obras De antiquitatibus Lusitaniae e História da antiguidade da cidade de Évora, André de Resende iniciou em Portugal o estudo documental do domínio romano na Lusitânia.


Entre os mais significativos alunos que receberam formação na escola da Côrte contam-se, para além do grande mecenas de Évora, Cardeal D. Henrique, personalidades como Garcia de Resende e João de Barros. Garcia de Resende (1470-1536), nascido em Évora, foi o autor do Cancioneiro Geral, uma coleção da poesia cortesã do século XV, na qual se manifestam a herança tradicional e a renovação clássica.


João de Barros, o "Tito Lívio português", foi a figura principal da Historiografia da Renascença em Portugal. Surgiu pela primeira vez em Évora com a Chrónica do Imperador Clarimundo... (1520), uma novela cavaleiresca em homenagem ao príncipe D. João, o posterior rei D. João III, apresentada perante o rei D. Manuel I, em cujo palácio aprendera as Humanidades.


Para o planejamento e realização das festas e representações teatrais na Côrte, artistas não podiam faltar. Ali passavam os melhores e mais versados da sociedade. Bernardim Ribeiro (c. 1482- c. 1552), autor da novela sentimental Menina e Moça, uma das mais significativas obras de toda a literatura e talvez a mais típica da mentalidade portuguesa, e o próprio Garcia de Resende apresentavam ao rei e à Côrte as suas melhores obras poéticas.


Entre os mais festejados artistas da Côrte em Évora merece uma menção especial Gil Vicente, o criador do teatro português. No dia 7 de Junho de 1502 surgiu na Côrte em Lisboa com roupas de pastor para cumprimentar a rainha pelo nascimento do príncipe, o posterior D. João III com o Monólogo do Vaqueiro (também chamado Auto da Visitação). Dessa forma, introduziu o teatro em Portugal. Desde então, Gil Vicente passou a ser o elemento insubstituível na organização e realização das festas palacianas, tornando-se, como diz, o homem "que faz os aytos a el-Rei". Não se admira, assim, que grande parte de sua atividade teatral tenha sido desenvolvida em Évora. Entre as obras, que ali apresentou, contam-se a sátira Romagem de Agravados, realizada em 1533 para a solenidade do nascimento do infante D. Filipe; a comédia de cunho de romance Amadis de Gaula, provavelmente levada no mesmo ano; o auto Mistérios da Virgem, em geral conhecido sob o nome de Auto da Mofina Mendes, executado na matutina de Natal de 1534, a comédia Floresta de Enganos, levada em 1536, na qual surge uma série de enganos e na qual os enganadores são, por fim, os enganados.


A posição de relêvo que Évora ganhou com a presença da Côrte tinha não apenas dimensões nacionais, mas também internacionais. Não apenas os importantes vultos da vida cultural portuguesa por ali passavam. A Évora vinham também grandes personalidades da criação cultural européia, como o humanista Nicolaus Clenardus de Brabante e o escultor francês Nicolau Chanterenne.


Nicolao Clenardo veio a Évora em 1533 a convite de D. João III como mestre do Infante D. Henrique, o irmão mais novo do rei, mais tarde Arcebispo de Évora, Cardeal e, por fim, último Rei da dinastia de Aviz. Durante o tempo de mestre na Côrte, Clenardus conviveu com a nobreza culta e com outras personalidades da vida cultural de Évora. Entre êles, além do seu aluno André de Resente, mencionam-se Jorge Coelho, um religioso de alta formação e secretário de D. Henrique; João Petit, arquidiácono da catedral, provavelmente flamengo de nascimento; D. Francisco de Melo, de origem nobre e alta cultura, importante cultor de Ciências Humanas; os médicos e humanistas Francisco Giraltes e António Filipe, e o escultor francês Nicolau Chanterenne. Fora esse círculo de amigos íntimos, Clenardus mantinha contatos com muitas outras personalidades da vida cultural de Évora, como Rui Lopes, deputado e conselheiro da Inquisição e mais tarde cônego; Joana Vaz, que Clenardo designava como "uirgo eleganter literis culta" e muitos outros literatos.


As Epistulae de Clenardus revelam um amplo panorama da vida portuguesa em todos os aspectos, que surpreenderam mais do que um humanista estrangeiro de país nórdico. Como fonte da história cultural, as Epistulae oferecem importantes dados ao historiador da cultura portuguesa e sobretudo da cultura de Évora. Através delas pode-se perceber o alto nível cultural na Côrte de Évora, até mesmo surpreender o próprio Clenardo. Em uma de suas cartas a seu amigo, o humanista João Vaseu de Brügge, que logo depois viria êle próprio a Portugal, assim se expressou: "Mire mihe placet haec aula: habet einem doctos et Graece et Latine non paucos; ne Salmanticae quidem reperias, qui aut Graece aut Latine tam loquantur expedite". Nesse mundo da vida humanística de Évora viveu o licenciado de Louvaina até fins de Julho de 1537. Faleceu poucos anos mais tarde (1542) em Granada.


Transformada em verdadeiro centro humanístico, a Côrte de Évora atraiu do Exterior não apenas literatos, mas sim também artistas. A arquitetura, a escultura e a pintura da Renascença devem o seu florescimento em Évora e Portugal em grande parte também a famosos artistas europeus, sobretudo áqueles da França ou de Flandres.


Entre esses artistas estrangeiros do século XVI que criaram o melhor de sua arte em Évora, merece ser citado de forma especial o escultor francês Nicolaus Chanterenne. Êle pertenceu ao círculo dos amigos de Clenardus. Veio nos últimos anos do rei D. Manuel I para Portugal e ali permaneceu na sua pátria adotiva a serviço de D. João III até a sua morte. É considerado como o artista que introduziu padrões da Renascença em Portugal na área da escultura. Quando foi chamado a Évora, em 1531, já tinha desenvolvido grande atividade artística em Lisboa, Coimbra, Alcobaça, Óbidos, Vila do Conde e Sintra. Em Évora, iniciou-se a época mais brilhante e agradável de sua vida. A isso contribuiram em primeiro lugar a sua alta formação e o seu estilo, as suas frequentes visitas à Côrte, o seu convívio com prelados de alta formação e com nobres, como os mencionados Clenardus, o arquidiácono João Petit, Garcia de Resende, Gil Vicente e o Bispo de Évora. Nessa época alentejana, Chanterenne criou em Évora, entre outras obras, as colunas do Paraíso (1535), os monumentos sepulcrais de D. Álvaro de Castro(1535) e D. Francisco de Melo, o portal de São Domingos, as igrejas da Igreja da Graça (1537) e o portal da Igreja da Conceição (1538).


A contribuição dada pela Côrte com a sua presença ao florescimento cultural de Évora e com a transformação temporária da cidade como capital do Império, porém, teve os seus limites. Por um lado, pelo fato de que a presença da Côrte, ainda que fosse longa, não era definitiva. Por outro, pelo fato de que a influência da Côrte se limitava em princípio às classes superiores. O fomento da vida cultural deveu-se antes à Igreja.


(Veja texto que segue)




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Borges, Armindo. "A Côrte em Évora como centro cultural, suas dimensões e irradiações".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 148/23 (2014:2). http://revista.brasil-europa.eu/148/Corte-em-Evora.html