Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 149/15 (2014:3)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3112



Um Palmares desconhecido



Olegário Venceslau da Silva

Academia Alagoana de Cultura, Academia Maceioense de Letras, Instituto Histórico e Geográfico de Campinas

 


“As matas farfalhando nos penachos das suas palmeiras; as águas marulhosas do Paraíba rolando a sua espuma de prata; o esforço das montanhas esfumando-se ao longe no horizonte...” Numa narrativa um tanto saudosista, oriunda da pena fulgurante do historiador viçosense Alfredo Brandão de Barros Loureiro, o mesmo sintetiza uma paisagem campesina e bastante remota da terra comum dos nativos Cambembes e homens negros, transportando seus leitores a um pretérito longínquo, mais que centenário. E foi nesta amálgama de cores e imagens que surgiu em terras do Riacho do Meio – posteriormente Viçosa – uma civilização afro ameríndia precedente a conhecida  e histórica Cerca Real dos Macacos.


Seus escritos, se não convincentes pela retórica ao menos carece de maior reflexão e aprofundamento diante do que fora exposto. Pedindo vênia ao historiador em comento, em sua obra “Viçosa das Alagoas – O Município e a Cidade”, publicado em 1914, Dr. Alfredo Brandão relata pormenorizadamente um certo reduto de africanos em paragens viçosenses, atualmente terras localizadas no município de Chã Preta, in verbis:


“Deixando o curso do Cassamba, eles galgaram o monte, e tomando o rumo leste, começaram, dentro em breve, a encontrar vestígios dos quilombolas, tais como: armadilhas para caça, bananeiras, canaviais e mais outras plantações. Cortando caminho, talvez para não serem pressentidos, chegaram ao Velho Palmares, que então se achava abandonado por ser situado num ponto muito insalubre”.


Tal relatório apresentado ao Supremo Conselho, em 1643 sobre o então distrito de Alagoas pelos holandeses Johannes van Walbeerck e Henrique de Moucheron, detalhava o possível local de uma nascente civilização quilombola na íngreme região de Viçosa. Continua o eminente historiador em alusão ao referido relatório, in verbis:


“O lugar onde existiu esse velho Palmares, eu não posso precisar exatamente, mas não deve ficar muito distante dos pontos onde hoje se acham os engenhos Bananal, Floresta e Mata Limpa (os dois últimos pertencentes a Chã Preta), grifo meu.


“Atravessando ainda muitos mocambos abandonados, e seguindo para o nordeste, depois de algumas milhas encontraram um bonito rio cheio de penhascos chamado Cabelero, afluente do rio Mundaú. Esta palavra cabelero é uma corruptela da castelhana Cabellero que antigamente designava o ribeiro Mundaú-Mirim, que tem as suas nascentes nas fraldas da Serra do Cavaleiro”. (Atual Serra Lisa).


Merece um especial adendo às pesquisas apresentadas por Alfredo Brandão, ainda que a titulo meramente informativo a menção de uma outra obra, denominada “Floresta escrita a mão”, de José Firmino Teixeira de Vasconcelos, cuja publicação foi recente -1985. Nela o escritor que também descende da linhagem de senhores feudais, explicita que quando da aquisição do antigo engenho Floresta - mencionado anteriormente por Dr. Alfredo – seu avô Major Izidro Athanázio de Vasconcelos foi informado que tais terras foram habitadas por indígenas e negros foragidos das fazendas de Pernambuco e Alagoas no século XVII, in verbis:


“Na ocasião da compra da Floresta, os vendedores  informaram a Izidro que as matas dessas redondezas eram muito procuradas pelos índios e pelos negros quando perseguidos, pois este local oferecia mais segurança, tanto pela existência de densas florestas, como pela forma acidentada que o terreno apresenta. Informaram ainda que, pela tradição popular, foi nestas matas que se instalou o primeiro quilombo dos Palmares, antecedendo o de Cerca dos Macacos. E que a sua localização deve ter sido na imediações da linha que divide as propriedades de Erva de Rato e Floresta, no ponto mais próximo do encontro dos rios Caçamba e Caçambinha. Neste ponto existiu uma localidade chamada Palmares Velho e que seus domínios se estendiam por uma distância considerável, sendo o seu nome derivado  da existência de grande número de palmeiras, o que servia para cobrir, com suas palhas, as habitações precárias em que os quilombolas se abrigavam”.


Não obstante tais especulações histórico-geográficas  resultarem de conceitos subjetivos e consuetudinários, cabe ainda como uma das fontes precípuas de informação, um relatório apresentado pelo então presidente da província de Alagoas: Dr. José Bento da Cunha Figueiredo Júnior, in verbis:


“O aldeamento de Limoeiro é no termo de Assembléia  (atual Viçosa), três léguas abaixo da povoação de Corrente em Pernambuco. Tem uma população de 11 almas com 51 fogos e rendimento regular de 60$ a 100.”


Contemporaneamente ao quilombo de Palmares – Cerca Real – haviam numa vasta extensão territorial inúmeros mocambos, que na concepção de Alfredo Brandão além do que já era governado por Zumbi, localizado a dezesseis léguas a noroeste de Porto Calvo, outros com expressiva quantidade de negros: Acotirene, Tabocas, Subupira, Dambrabanga, Andalaquituche e Osenga, este possivelmente localizado em terras chãpretenses, in verbis:


“O de Osenga estava situado entre os ribeiros paraibinha e Jundiá, quase no sitio em que mais tarde foi criado o aldeamento de Limoeiro – relatado anteriormente por Bento da Cunha. Esta minha afirmativa é baseada, não somente no fato de ficar tal sitio seis léguas a oeste do ponto onde foi o mocambo do Macaco, mais ainda, em ter existido aí um antigo lugarejo por nome de Perdidos, povoado de negros livres”.


A similitude dos relatos apresentados por ambos escritores se não condizem com os fatos históricos vivenciados por antepassados indígenas e quilombolas em terras de Viçosa e Chã Preta,  certamente servirá ao menos para suscitar possíveis debates e pesquisas mais apuradas no campo etnográfico  e sociológico. Inegavelmente a presença negra nesta região, foi a grande responsável por projetar o pequeno Estado de Alagoas a nível internacional no que concerne a luta pela liberdade, quer no Palmares de Zumbi, ou no desconhecido Palmares Velho.






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Indicação bibliográfica para citações e referências:
da SIlva, Olegario Venceslau. "Um Palmares desconhecido".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 149/15 (2014:3). http://revista.brasil-europa.eu/149/Palmares.html