Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Roma. Foto A.A.Bispo 2003. Copyright


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Fotos A.A.Bispo 2002 ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 149/1 (2014:3)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3098



Roma-Brasil: Culto/Cultura e problemas sociais
Atuais direcionamentos pontifícios à luz das interações internacionais das últimas décadas
relativas ao complexo Música Sacra e Cultura Brasileira
Crédito e Débito - Época de balanços e reajustes III

 

Esta edição N° 149 da Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira, a terceira de 2014, tem o intento de dar atenção aos novos direcionamentos eclesiásticos que se constatam no atual Pontificado.


Os pronunciamentos e as ações do Papa Francisco dizem respeito também e em parte de forma explícita a questões de cultura. Êles determinam e influenciam desenvolvimentos do pensamento, da configuração de celebrações e da prática sócio-religiosa, sendo assim de especial relevância para países marcados pelo Catolicismo como o Brasil. Considerá-los representa assim uma tarefa obrigatória para os estudos culturais voltados ao presente, independentemente de convicções religiosas ou de vínculos confessionais de pesquisadores.


Essa atenção aos caminhos apontados por Roma e aos conceitos de cultura explícitos ou subjacentes a alocuções, documentos e atos não pode ser feita sem considerar o desenvolvimento das reflexões específicas nas últimas décadas referentes à música sacra e à cultura brasileira.


Estas reflexões não começam agora do zero, pois foram já encetadas em contexto internacional e de forma interdisciplinar desde a década de setenta, levando a publicações, encontros e debates diversos, sendo consideradas em seminários e congressos tanto teoricamente como nas suas possibilidades práticas em celebrações, manifestações festivas, artísticas e em concertos.


O Brasil desempenhou um papel particularmente relevante do desenvolvimento global das reflexões, dos estudos e das iniciativas concernentes à música sacra, salientando-se neste sentido entre outras nações. Esse papel deve ser recordado na situação atual, uma vez que diz respeito a pressupostos para o prosseguimento fundamentado dos debates e das ações no presente.


Atualidade de balanços e revisões de 40 anos de reflexões e realizações


Essa necessidade de considerar-se o desenvolvimento do pensamento e das ações das últimas décadas à luz das tendências vindas de Roma vem de encontro à orientação que marca de forma especial os trabalhos euro-brasileiros do corrente ano: a preocupação por balanços e revisões de 40 anos de atividades. (Veja)


Essa recapitulação de iniciativas, projetos e realizações de décadas passadas não tem assim apenas objetivo histórico e documental, mas parte do presente e é direcionada ao futuro. Ela deve trazer à consciência intenções programáticas que desencadearam desenvolvimentos, mas que possivelmente ficaram obscurecidas por motivos diversos, seja pela diversidade dos temas tratados, seja por instrumentalizações várias ou pelo próprio desenrolar de fatos.


Esforços resultantes de estudos, pesquisas e reflexões não foram muitas vezes adequadamente focalizados na sua divulgação e recepção, marcadas pela concretização de eventos em circunstâncias diversas, sob condições político-eclesiásticas e de política científica nos respectivos contextos, assim como devido a fraquezas humanas.


Reconhecendo-se deformações e desvios, recuperando-se os intentos e as idéias motrizes, pode-se procurar analisar as realizações do passado a partir de seus próprios pressupostos, nas suas inserções em correntes de pensamento e no seu respectivo contexto.


Esta análise é feita partir de um posicionamento no presente, estabelecendo-se uma ponte entre o desenvolvimento do pensamento que levou então às iniciativas, aquele resultante dos próprios debates do passado, as suas consequências e as reflexões ditadas pelas exigências da atualidade.


Espera-se que esse procedimento contribua ao desenvolvimento das reflexões, uma vez que pode impedir repetições de idéias já pensadas, intentos já realizados, estagnações, circularidades argumentativas e supostos "descobrimentos da América" por parte de pesquisadores, pensadores, artistas, regentes, teólogos e agentes da pastoral, dificultando o já há muito criticado "chover no molhado" ou o "moer farinha moída" que se constata em diferentes áreas na atualidade.


O reexame de realizações do passado que marca as edições da Revista Brasil-Europa do corrente ano baseiam-se em material de arquivo, da correspondência, de gravações, fotografias, publicações e da memória de seus iniciadores e participantes. A atenção é dirigida sobretudo ao conteúdo programático das iniciativas, às correntes de pensamento que determinaram empreendimentos e às interações entre diferentes grupos e rêdes envolvidas. Esse direcionamento ao embasamento teórico de projetos e eventos do passado permite comparações com posições atuais, revelando elos, desenvolvimentos ou retrocessos de concepções, procedimentos e intenções. Reciprocamente, a colocações e exigências do presente permitem focalizar sob a sua luz projetos e realizações do passado, levando a que se considere com mais atenção determinados aspectos de projetos e iniciativas.


Referencial no presente: cultura e concepções culturais em Evangelii Gaudium


Já no primeiro ano do seu Pontificado, em Evangelii Gaudium, promulgado a 24 de Novembro de 2013, o Papa Francisco indicou caminhos para os próximos anos.


O capítulo II do documento demonstra o central significado da crítica a uma Economia que leva à exclusão e à inegualdade social que fomenta a violência. Ao no mesmo tempo, demonstra a relevância de conceitos relacionados com a cultura nas explanações e orientações.


O texto trata explicitamente de desafios culturais do presente, desafios da „Inculturação“ e desafios de culturas urbanas. No capítulo III, considera „o mundo da cultura, do pensamento e da Educação“. Inclui aqui as culturas científicas e acadêmicas no encontro entre a fé, a razão e as ciências. As universidades surgem como locais privilegiados para essas relações, compreendidas como interdisciplinares.


No capítulo IV, tratando desse diálogo, e após crítica ao cientismo e positivismo, salienta um caminho que considera um uso responsável dos métodos das ciências empíricas e outras, assim como com da Filosofia e da Teologia. Afirma-se ali que se as ciências em seriedade acadêmica permanecerem no seu objeto específico, não ultrapassando os seus limites, tornando-se ideologia, então não há obstáculos para um diálogo.


Neste mesmo sentido deve-se lembrar, porém, que também o conceito de cultura e as reflexões culturais possuem a sua história, diferenciam-se segundo épocas, correntes de pensamento, contextos e rêdes de pesquisadores, o que deve ser considerado.  Assim, o próprio conceito de "Inculturação" vem sendo considerado criticamente em discussões há décadas, e o seu emprêgo em pronunciamentos eclesiásticos não deveria representar um retrocesso na reflexão teórica. Também um pressuposto para o diálogo é reciprocamente que a Igreja não ultrapasse os seus limites, utilizando-se de conceitos e argumentos teórico-culturais sem a necessária consideração mais aprofundada do desenvolvimento do debate respectivo.


A prioridade aos pobres salientada pelo Papa vem de encontro à tradição dos estudos culturais nas suas várias orientações disciplinares, não representando assim uma inovação, mas sim uma oportunidade para correções e retomadas de orientações. Não se pode esquecer que a atenção aos pobres, simples, desprivilegiados ou marginalizados constituiu um anelo de fundamental importância na história das disciplinas voltadas à cultura, bastando lembrar que o despertar de interesses pelas tradições populares no século XIX, época do Romantismo e Historismo, foi sobretudo voltado às lendas, usos e costumes, à sabedoria e aos conhecimentos do homem simples, de campôneos e pescadores, e esse direcionamento da atenção marcou toda uma área disciplinar, a dos estudos do Folclore. Também a Etnografia e a Etnologia dedicaram-se e dedicam-se sobretudo a grupos e contextos culturais marcados pela exclusão e injustiças, por exemplo às sociedades indígenas. Nas correntes mais recentes dos Cultural Studies, a atenção é voltada aos trabalhadores, aos operários, a contextos urbanos e industriais, à influência dos meios de comunicação.


Há, portanto, sobretudo a necessidade de reconscientizações de objetivos, de correções de desvios e instrumentalizações, assim como de reanálises do pensamento relativo à cultura no decorrer do tempo segundo as exigências da atualidade. As reflexões, os conceitos e os argumentos não podem permanecer no estágio teórico dos anos setenta do século XX.


A santificação de dois Pontífices como sinal de interações de dois direcionamentos


A santificação concomitante de dois pontífices recentes, João Paulo II e João XXIII, e com a presença do atual e do papa emérito Bento XVI, aguça a percepção para as dimensões culturais do ato, uma vez que eleva a modêlos personalidades que representam ou são vistos como imagens de dois direcionamentos que marcaram diferentemente as relações da Igreja com o mundo e a cultura.


Mais do que representantes de distintas épocas, os santificados - e os pontífices presentes - surgem para muitos como indicadores de duas correntes que interagem na história eclesiástica pós-conciliar, uma que seria a de abertura ao mundo de hoje do Concílio Vaticano II convocado por João XXIII e concretizado em reformas sob Paulo VI, e outra a de natureza antes corretiva e conservadora do ponto de vista religioso-cultural de João Paulo II, o papa que correu o mundo.


Compreendidas por vezes de forma placativa como expressões de posicionamentos "de esquerda" e "de direita", essas duas correntes também conhecem acentos excessivos em diferentes graus e radicalizações, como no caso daqueles tradicionalistas que pretendem um retorno à situação anterior ao Concílio e que também se utilizam de argumentos de natureza cultural na defesa desses anelos de retrogressão. Nestas últimas, que alcançaram particular preeminência pública nas últimas décadas sob Bento XVI, o Brasil desempenha já há muito um papel de saliente e sob muitos aspectos questionável influência.


A permissão da forma extraordinária de celebração da missa em latim na tradição tridentina pelo Motu proprio Summorum Pontificum de 7 de julho de 2007 deve ser considerada também nas suas implicações culturais e político-culturais. Êle passou a possibilitar, entre outros aspectos, a prática do repertório sacro-musical latino de séculos na sua própria função no culto, vindo de encontro aos esforços de conservação e fomento do Canto Gregoriano e da Polifonia vocal, colocados em risco em anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II.


A perda desse patrimônio constituiu uma das principais preocupações não só de teólogos conservadores como também de músicos e especialistas em questões culturais nas décadas passadas. Foi objeto de reflexões e discussões em publicações, congressos e simpósios. Com a permissão de uma forma do culto com a qual se relaciona estreitamente o repertório sacro-musical de séculos relativa-se um dos principais fatores que justificaram tensões e cisões entre aqueles preocupados pelo patrimônio cultural e as reformas litúrgicas pós-conciliares.


Torna, porém, mais atual e premente a necessária diferenciação entre aqueles motivados primordialmente por questões culturais e aqueles que se empenham reacionariamente por um retorno a situações eclesiais e teológicas anteriores ao Concílio.


Tentativas de reintegração de círculos e movimentos que nas suas expressões mais radicais não aceitam as decisões conciliares, questionando mesmo a legitimação do conclave ou de papas, não lograram êxito em casos extremos, permanecendo aqui posições particulares e separadas.


As tendências que se observam no atual Pontificado indicam, numa alternância por assim dizer rítmica relativamente aos anos de Bento XVI, um afastamento ainda maior relativamente a ideários conservadores e tradicionalistas, criticados que são o apego a formas do passado e o risco de compreensão museal da Igreja.


A santificação dos dois papas transmite a imagem de que essas duas correntes - sem as suas expressões mais extremas - podem e devem integrar-se num corpo único, pressuposto que se aceite a continuidade de um desenvolvimento cujo marco foi o Concílio.


Mantém-se assim, embora com outra acentuação e prioridades, um campo de forças ou tensões internas que se interagem. A imagem que se obtém do ato é a de que neste todo dinâmico e no qual as diferentes posições se alternam, estas devem ser consideradas reciprocamente no seu relacionamento e isso diz respeito também a concepções de culto e cultura.


Unidade e Diversidade. Lembrando o Simpósio "Música Sacra e Cultura Brasileira" de 1981


Arquivo A.B.E.
Expressão mais significativa dos trabalhos realizados nas últimas décadas e demonstrativa das preocupações temáticas e do desenvolvimento do pensamento foi a série dos simpósios internacionais "Música Sacra e Cultura Brasileira", iniciada em 1981.


Esse empreendimento, de natureza interdisciplinar, contou com o patrocínio e o apoio de órgãos federais, estaduais e municipais, de universidades, museus e instituições de pesquisa e ensino brasileiros, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, de ordens, mosteiros e de diversas entidades religiosas, também de outras confissões.


Foi iniciativa do editor quando nomeado Consiliarius da organização pontifícia de música sacra em Assembléia Geral no contexto do VII Congresso Internacional de Música Sacra em Bonn, em 1980. Os trabalhos do Departamento de Etnomusicologia do Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos dessa organização, com sede em Colonia e centro de estudos em Maria Laach, estiveram sob a sua direção desde a sua fundação em 1977 até 2002.


Explica-se, assim, o papel preponderante desempenhado pelo Brasil nos trabalhos de pesquisas, publicações e nas iniciativas desse instituto, entre êles o da série de simpósios internacionais "Música Sacra e Cultura Brasileira" que, a partir do contexto brasileiro, trataram de questões de significado global.


Explica-se, assim, também o fato de os simpósios terem partido de programática de estudos e interações que, preparada no Brasil e desenvolvida na Europa a partir de 1974, levaram à dissertação de doutoramento do editor, em 1979. Os resultados dos trabalhos até então desenvolvidos, assim como das teses defendidas, determinaram o ponto de partida dos debates nos simpósios. Sendo nominado em Assembléia realizada em Colonia e Bonn a Consiliarius da organização pontifícia de música sacra, foi nessa qualidade que definiu a programação temática dos eventos e desempenhou a orientação científica das sessões.


As relações com Roma, em particular os estreitos elos com o Pontificio Istituto di Musica Sacra possibilitaram a participação de professores desse instituto e de representantes de órgãos e da imprensa do Vaticano em várias edições do simpósio. Universidades e os institutos de pesquisa de vários países estiveram representados no empreendimento, salientando aqui a Alemanha. Também apoios de organizações de intercâmbio científico e instâncias eclesiásticas e religiosas possibilitaram a vinda ao Brasil de professores universitários, teólogos e especialistas em música sacra, entre elas a Deutsche Forschungsgemeinschaft, a Arquidiocese de Colonia, MISSIO e ADVENIAT. 


A série de simpósios internacionais foi concebida para ser desenvolvida concomitantemente com congressos musicológicos.


Esses estreitos elos - e, ao mesmo tempo, a necessária distinção de eventos - foram resultado não apenas de intuitos pragmáticos, uma vez que a concomitância possibilitava a reunião de um maior número de pesquisadores das várias regiões do Brasil e do Exterior, e, assim, a união de forças e o emprêgo efetivo de recursos.


O estreito relacionamento entre questões concernentes à música sacra e à cultura brasileira com a Musicologia em geral impôs-se pelo papel de central relevância da música sacra católica na formação histórico-cultural e na vida musical do Brasil do passado, o que faz com que questões sacro-musicais necessitem ser consideradas também por pesquisadores sem maiores vínculos religiosos ou de outra orientação confessional.


A necessária distinção entre os eventos justificou-se pelo fato de que a natureza interdisciplinar do empreendimento exigir também aproximações teológicas e de prática religiosa e pastoral que não seriam pertinentes em eventos exclusivamente de natureza científica. Os eventos musicológicos necessitavam também incluir temas que não seriam pertinentes em simpósio dedicado a assuntos de cultura religioso-musical, em particular aqueles da vida musical secular, da composição e estética de épocas mais recentes, da dança ou da música popular.


A série de simpósios compreendeu quatro eventos:


O primeiro simpósio da série, o de maior dimensões e que contou com o maior número de participantes, predeterminando tematicamente aqueles que o seguiram, foi realizado em 1981 em São Paulo, com extensões em Petrópolis e em Mariana. Foi dedicado ao tema "Unidade na Diversidade, Diversidade na Unidade". A sua realização foi possibilitada pela Secretaria de Estado da Cultura, tendo sido preparado programaticamente em encontros realizados na Alemanha, para os quais veio representante do Movimento Coral do Estado, e em várias regiões do Brasil. Contou com o apoio. entre
outros, de órgãos municipais, da CNBB, da Arquidiocese de São Paulo, de várias universidades e instituições, entre elas o Museu Paulista, a Academia Paulista de História e a Associação Brasileira de Folclore.


O segundo simpósio foi realizado em 1989 em várias cidades da Alemanha. Se, para o primeiro simpósio muitos especialistas alemães dirigiram-se ao Brasil, para o segundo deslocou-se uma delegação de pesquisadores brasileiros a centros alemães. As sessões foram dedicadas ao tema "Tradições cristãs e sincretismo no Brasil". O evento foi realizado a partir de sugestão do Centro de Estudos de Folclore e Cultura Popular da Universidade de São Paulo, contando com a colaboração de várias faculdades e institutos de pesquisa brasileiros. Foi apoiado pela Fundação Konrad Adenauer, que realizou na época simpósio dedicado ao tema "Música e Religião", por ADVENIAT, pela cidade de Colonia e pela Missão Católica Portuguesa.


O terceiro simpósio foi realizado em 1992 no contexto do II° Congresso Brasileiro de Musicologia. Foi dedicado ao tema "Fundamentos religiosos da cultura musical brasileira". Enquanto o congresso teve as suas sessões na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o simpósio foi abrigado pelo Mosteiro de São Bento. Contou, entre outros, com o apoio do Instituto de Meninos Cantores de Petrópolis e da Associação Brasileira de Canto Coral.


O quarto simpósio foi realizado em 1999 no âmbito do Congresso Internacional de abertura dos eventos pelos 500 anos do Descobrimento do Brasil, sendo dedicado ao tema "Música e Visões", tratado no simpósio sob o ponto de vista da linguagem visual em expressões tradicionais e da mística. Enquanto o congresso realizou-se na emissora Deutsche Welle e na Universidade de Colonia, o simpósio teve lugar na Abadia de Maria Laach. Foi apoiado pelo Departamento de Igreja Mundial da Arquidiocese de Colonia, contando com a participação de representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e da Conferência Episcopal Alemã.


O quinto simpósio teve lugar em 2002, no contexto do encerramento do triênio de eventos pelos 500 anos do Brasil, com sessões no Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Foi um evento de direcionamento ecumênico, tendo contado com a participação de representantes não só da CNBB como também da Igreja Luterana do Brasil. Correspondendo ao tema geral "Música, Projeto e Perspectivas", procurou  considerar sob o aspecto interconfessional questões relativas à hinologia e a problemas musico-culturais relacionados com transformações no presente, em particular sob o aspecto do aumento de confissnoes cristãs de diferentes denominações e proveniência no Brasil.


Da situação atual àquela dos anos setenta em paralelo de características inversas


Em visão retrospectiva, a alternância que agora se observa entre o atual Pontificado e aquele de Bento XVI sugere um paralelo sob signo inverso com aquela representada, em 1978, pela sucessão de Paulo VI e João Paulo II.


Esse paralelo pode favorecer a compreensão de situações e desenvolvimentos, para a qual um esforço de empatia do analista cultural torna-se necessário para a consideração adequada de posições, conceitos, projetos e iniciativas.


Sob Paulo VI, que com os seus documentos surge como representante e realizador de novos caminhos abertos pelo Concílio, levaram estes a uma situação na qual se passou a sentir em risco o patrimônio religioso-cultural ocidental, uma vez que a supressão do latim e o peso dado à participação ativa correspondia a uma perda de funções do Gregoriano, da Polifonia, da música para órgão e outras formas de expressão litúrgico-musicais, levando em sentidos reais e figurados à destruição de altares em monumentos do passado de todas as épocas.


Compreende-se, assim, que não apenas teólogos, religiosos e fiéis ainda presos emocionalmente e nas suas concepções ao passado, mas sim também historiadores das artes e da cultura, e sobretudo músicos de igreja, regentes, compositores e organistas passassem a lamentar o desenvolvimento tido como iconoclasta culturalmente, levando a aproximações por vezes de princípio não existentes com o pensamento teológico mais conservador.


O início do Pontificado de João Paulo II passou a ser visto como um sinal de mudança e/ou correções de desenvolvimentos, sendo uma das expressões mais significativas dessa situação marcada por desalento e esperança as atividades internacionais no âmbito da música sacra, em particular a realização do Congresso Internacional de Música Sacra em Bonn e em Colonia em 1980. (Veja )


A programação desse evento deixa perceber com evidência o significado central concedido ao Canto Gregoriano, assim como à Polifonia vocal e à composição sacro-musical do século XX inserida na tradição do Cecilianismo ou da Reforma litúrgico-musical em geral, ainda que utilizando-se de linguagem renovada.


O respeito ao Concílio e às Encíclicas de Paulo VI passou a ser demonstrado sobretudo na concentração das atenções a regiões extra-européias. Os brasileiros participantes nesse evento constataram a impropriedade dessa compreensão dos desenvolvimentos, baseada por último numa divisão entre o europeu e o extra-europeu e incapaz de fazer jus às expressões originadas de séculos de processos culturais desencadeados pela missão cristã desde a época dos Descobrimentos.


Ao olhar brasileiro, descortinava-se um panorama paradoxal quanto a posições e anelos. Participantes do Brasil que se dedicavam ao desenvolvimento de uma música para celebrações litúrgicas segundo caminhos abertos pelo Concílio e documentos que o seguiram viam-se confirmados em geral com esse interesse etnomusicológico dos europeus, uma vez que acentuavam o papel das expressões populares.


Aqueles participantes, porém, que se preocupavam com a destruição do patrimônio cultural brasileiro representado pela música sacra de todo o passado do país se sentiam incompreendidos justamente por aqueles que tanto acentuavam o valor e o significado desse mesmo patrimônio da cultura ocidental para a Europa.


Sob a perspectiva da renovação de perspectivas e métodos da pesquisa e dos estudos científico-culturais, segundo programa preparado no Brasil e desenvolvido na Europa desde 1975, tratava-se de um problema eminentemente de natureza teórica - o da divisão de disciplinas segundo esferas categorizadas da cultura e sua indevida mescla com concepções do europeu e do extra-europeu. 


Para a solução desse problema, sugeriu-se a realização a curto prazo de um simpósio de dimensões internacionais no Brasil. A intenção era a de proporcionar aos europeus a possibilidade de contato in loco com a realidade brasileira e com o patrimônio diversificado originado de processos culturais desde os primeiros anos da história missionária e colonizadora.


Cumpre recordar os intuitos que levaram ao início da série de simpósios, o contexto e a situação na qual se originaram, os seus objetivos e suas programações, os debates que nele se realizaram e os conhecimentos e experiências adquiridos, bases dos simpósios que o seguiram.


Sem considerá-los corre-se o risco de um retorno a temas já tratados, de conceitos de cultura e de ação cultural que não correspondem ao desenvolvimento do pensamento nas últimas décadas, assim como a realizações e ações já experimentadas. Perder-se-ia assim a oportunidade de uma consideração mais diferenciada, sensível e refletida das novas tendências.


As acentuações, correções e prioridades agora manifestadas, para poderem ser adequadamente compreendidas e levar a resultados, exigem ser situadas no complexo do desenvolvimento do pensamento, das preocupações e das iniciativas da época pós-conciliar, nas suas linhas de continuidade e nas suas descontinuidades, nas suas tensões e mesmo contradições.


Tratar-se-ia aqui de uma recolocação de pesos no enfoques de problemas, de um direcionamento das atenções sob o aspecto da prioridade dentro do espectro de questões já há muito levantadas e tratadas sob diferentes pontos de vista, ou seja, de uma reorientação prismática dentro de um complexo marcado pela dinâmica interna resultante de desenvolvimentos.


Antonio Alexandre Bispo






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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (ed.). "Roma-Brasil: Culto/Cultura e problemas sociais. Atuais direcionamentos pontifícios à luz das interações internacionais das últimas décadas relativas ao complexo Música Sacra e Cultura Brasileira".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 149/1 (2014:3). http://revista.brasil-europa.eu/149/Roma-Brasil-Culto-Cultura.html