Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos: Título e coluna (5): P. Cletus Espey OFM, op.cit.; coluna (3): E. v. Hesse Wartegg, op.cit.; Hospital católico e P.J.M. Jakobs no texto: Gedenkbuch zur Jahrhundertfeier Deutscher Einwanderung im Staate Santa Catarina, op.cit.; fotos de enchentes: Eu sei Tudo 23 (1919).

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/7 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3119




Blumenau (SC)
Do Colégio São Paulo do P. Joseph Maria Jakobs (1831-1892)
sob o signo do
Syllabus errorum de Pio IX (1792-1878)
a centro de formação da juventude seráfica dos Franciscanos alemães
- A Educação no espírito anti-modernista em meios coloniais -


 

O interesse pela história cultural de Blumenau e suas transformações no passado e no presente foi despertado pela participação de regentes e músicos de Blumenau nos cursos e festivais internacionais de Curitiba a partir de 1967.


Essa atenção foi marcada pelas preocupações da época voltadas a uma renovação de áreas disciplinares de natureza histórica e empírica, procurando-se uma superação de perspectivas e métodos reconhecidos como superados e marcados por concepções nacionalistas do passado político através de um direcionamento da atenção a processos e processualidades. Essa orientação abria novas possibilidades à compreensão e valorização de expressões e desenvolvimentos em contextos da imigração.


Ao mesmo tempo, tomou-se contato na capital do Paraná - e a seguir em Santa Catarina - com representantes do clero e de ordens que, atuantes na área da música sacra, procuravam caminhos para a realização adequada de reformas originadas pelo Concílio Vaticano II e que encontravam problemas em utilizar-se da produção surgida de „música sacra aculturada“ no contexto de comunidades marcadas pela formação cultural alemã.


Essa produção, revivificando concepções nacionalistas de cultura musical brasileira, significativamente promovida por folcloristas e compositores de orientação nacional na sua linguagem estética, levantava problemas quanto à sua adequação cultural a contextos decorrentes da colonização européia, em particular alemã.


A principal viagem a Blumenau para a constatação da situação e das tendências locais deu-se em 1973. Realizada segundo a orientação preconizada pela sociedade voltada à renovação de perspectivas na teoria e na prática através do estudo de processos (Nova Difusão), essa viagem realizou-se em época marcada pela reforma dos cursos de formação de professores de música e de artes com a introdução da Licenciatura em Educação Musical e Artística em substituição ao antigo Canto Orfeônico tão marcado político-culturalmente por correntes nacionalistas.


Correspondentemente, a atenção foi ali dirigida sobretudo a questões relativas ao ensino e à educação, em particular musical, procurando-se caminhos adequados culturalmente para contextos de imigração. Esse intento foi favorecido também pelo fato de ter sido o Mtro. Roberto Schnorrenberg, professor da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo convidado a atuar na direção de instituições superiores locais.


A visita a Blumenau e as discussões a respeito de concepções de brasilidade, alemanidade e de suas transformações foram preparadas pelo estudo de publicações existentes e daquelas alcançáveis provenientes do próprio meio da imigração com a intenção de conhecimento das perspectivas locais e regionais de descendentes de colonos.


Entre elas, surgiu como de particular significado a publicação comemorativa pelo centenário da imigração alemã em Santa Catarina  editada em Florianópolis, em 1929, em colaboração com a editora do Exterior e da Terra Natal da „Casa da Alemanidade“  (Haus des Deutschtums) em Stuttgart. (Der Staat Santa Catharina in Vergangenheit und Gegenwart unter besonderer Berücksichtigung des Deutschtums, Gedenkbuch zur Jahrhundert-Feier deutscher Einwanderung in Santa Catharina, ed. Livraria Central, Alberto Entres & Irmão, Gottfried Entres, Florianópolis, 1929, 94-95).


Essa obra trouxe à consciência a intensidade da vida sócio-cultural na história de Blumenau e as características que foram nelas apontadas pelos seus próprios representantes.


„A vida social de Blumenau é muito fomentada pelas numerosas associações, que existem tanto no núcleo urbano como também na Colonia. Sociedades de teatro, de atiradores e de canto, recentemente também de esporte, tomam a si a recreação de seus membros como também do público em geral, e a existência de numerosas salões de dança prova que também dá-se à dança o tributo que merece. A vida esportiva encontra-se em alto florescimento e múltiplos prêmios alcançados pelos esportistas de Blumenau tanto na Europa como no Brasil testemunham a forma perfeita das conquistas dos ginastas. Essa intensidade da sociabilidade deve ser vista como resultado da prosperidade que predomina em amplos círculos tanto da população colonial como na cidade nas esferas do médio empresariado, à qual também contam-se trabalhadores. A grande maioria possui propriedade, vive numa bela casa com janelas emolduradas com flores e cuida do seu jardinzinho. Essa gratificante prosperidade é por sua vez um resultado do labor e da diligência dos habitantes de Blumenau.“ (op.cit. 95)


Trabalhos na Alemanha e Simpósio „Música Sacra e Cultura Brasileira“ (1981)


Na Alemanha, a partir de 1974, Blumenau continuou a estar presente de forma privilegiada em encontros voltados às relações entre o Brasil e a Alemanha, já por ser cidade privilegiadamente representada na literatura e nos estudos de emigração alemã ao Brasil.


As questões levantadas no Brasil relativas à música sacra, foram porém percebidas como pouco consideradas no significado que mereciam. Procurou-se, assim, bibliotecas e centros especializados de ordens missionárias que possibilitassem novas perspectivas para o estudo dos desenvolvimentos.


Esses trabalhos serviram à preparação do Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“, em 1981, assim como do colóquio que o seguiu no centro franciscano de Petrópolis, e que teve sobretudo o objetivo de considerar inserções de reformas eclesiásticas nas suas repercussões no Brasil em contextos políticos e suas consequências na atualidade.


Como ponto de partida para o estudo desses elos entre a missionação franciscana alemã e do movimento restaurativo anti-secularizador por ela desencadeado ou sustentado com desenvolvimentos políticos europeus e brasileiros considerou-se publicação comemorativa editada por motivo dos 25 anos do restabelecimento da Província da Imaculada Conceição no Sul do Brasil (1901-1926), editada na Alemanha em 1929 (P. Cletus Espey OFM, Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedeererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. West.: Franziskus 1929).


Pe. Joseph Maria Jakobs (1831-1892) - de Aachen a Blumenau


Do relato de P. Espey ganha-se um quadro geral das expectativas despertadas pela notícia da chegada dos primeiros Franciscanos na Colonia de Teresópolis em 1891. (Veja) Párocos, alguns de origem estrangeira, cansados de suas atividades em meio predominantemente protestante e sob condições climáticas, naturais e de locomoção difíceis em região ainda em grande parte coberta de florestas, desejosos de retornar à Europa, neles viram potenciais auxiliares e mesmo substitutos.


Esse foi o caso de Blumenau, então em pleno desenvolvimento. A cidade tinha até então contado com o empenho do P. Joseph Maria Jakobs , ex-redentorista alemão, pároco local que acompanhara o crescimento da colonia por 16 anos e cujo nome estava ligado ao Colégio São Paulo, que dirigia e que tinha o renome de ser a única instituição de ensino secundário mais avançado de Santa Catarina.


Esse sacerdote, nascido em Aachen, tinha assumido a pastoral da colonia de Blumenau por ordem do Papa Pio IX (1792-1878). Era, assim, um representante de uma época marcada pelo Syllabus errorum, pelo Concílio Vaticano I, pela proclamação dos dogmas da Imaculada Conceição, da Infabilidade Papal e de intuitos de refortalecimento dos elos com Roma e de restauração católica dos ultramontanos alemnaes, assim como do combate anti-modernista.


Antes de vir ao Brasil, - tendo chegado a Blumenau em 1876 - tinha atuado em Paris como educador dos filhos de Antoine d‘Orléans, duque de Montpensier (1824-1890), pretendente ao trono espanhol, e como missionário nos Estados Unidos.


Como os católicos alemães encontravam-se dispersos na grande área da região de Blumenau, fundou em 1877 uma escola paroquial na cidade. Esta desenvolveu-se, tornando um colégio central e estabelecimento de comunicantes com o título de Colégio S. Paulo. Já em 1879 foram criados cursos de especialização.


Dedicou-se também ao ensino de crianças pobres e órfãos, entre êles 90 alemães. Procurou promover a formação superior de jovens de Blumenau, enviando-os ao Rio de Janeiro.


Cansado e desejando retornar à sua terra - o que não se concretizou por ter falecido com febre amarela no Rio de Janeiro -, dirigiu-se insistentemente ao Superior dos Franciscanos, P. Amandus Bahlmann, com o pedido de envio de religiosos. Após ter este visitado a cidade em 1892 e obter autorização da Ordem na Alemanha, dispôs-se este a assinar o contrato de compra e assumir a paróquia e o colégio. A direção desta instituição de ensino foi entregue ao P. Zeno Wallbröhl, coadjuvado pelo P. Lucinius Korte.


Com o retorno de Amandus Bahlmann à Alemanha, a missão franciscana no Brasil passou à direção do outro sacerdote da primeira leva expedicionária, o P. Xystus Meiwes. Essa mudança de direção foi acompanhada pela determinação vinda da Saxônia de que todas as decisões mais importantes deveriam ser precedidas por uma consulta de todos os padres da missão, medida talvez explicável pela modéstia de formação do Pe. Xystus Meiwes. Introduziu-se, assim, a prática de que os padres deviam comunicar os acontecimentos locais ao Provincial ou a seu delegado, o P. Gregorius Janknecht, principal personalidade da vida franciscana na Alemanha á época da luta cultural e aos anos de florescimento que a seguiram, fundador de missões nos Estados Unidos e cuja maior obra foi a fundação da missão no Brasil. O P. Xystus Meiwes devia fazê-lo mensalmente, os demais padres quatro vezes ao ano, procedimento de grande significado sob o aspecto documental para a história local e regional do Brasil.


Sob os Franciscanos, o Colégio São Paulo, que já era modelar na sua disciplina e orientação católica conservadora, desenvolveu-se de forma surpreendente sob a nova disciplina, marcada por austeridade de princípios, mas suave em procedimentos. Este último aspecto - do relacionamento humano - parece explicar o crescimento do número de alunos do estabelecimento.


A melhoria da qualidade de ensino, - um de seus professores mais destacados foi o P. Solanus Schmitt - foi devida em grande parte ao fato de que dois dos irmãos - Berthold Bigge e Caesar Elpel - já terem experiência de ensino em escolas oficiais alemãs, podendo assim introduzir no Brasil programas e métodos segundo critérios de qualidade conhecidos da Alemanha.


O Pe. Cletus Espey foi testemunho desse desenvolvimento, uma vez que pertenceu ao corpo docente do estabelecimento ao lado dos irmãos Meinolfus Gutberlet e dos citados Berthold Bigge e Caesar Elpel.


O aumento rápido do número de alunos levou à construção de um novo colégio em prédio edificado sob a direção do Ir. Quintillian Borren, arquiteto da Ordem. O prédio, terminado em 1897, foi dedicado a Santo Antonio, servindo por muitos anos de sede do Comissário e do Provincial, de convento e casa de estudos da „juventude seráfica“ da Província. Nele foram formados muitas dezenas de Franciscanos que atuaram em outras regiões. No edifício instalou-se também a oficina de tecelagem da Província a serviço de suas próprias necessidades quanto a hábitos e para o suprimento daquelas dos Franciscanos das casas do norte do Brasil. 


Primeira tomada de hábitos de Franciscanos em 1897


Em 1897, deu-se a primeira tomada de hábito de estudantes do colégio, uma solenidade nunca presenciada pela comunidade de Blumenau e assistida por grande número de colonos. A impressão causada pela cerimônia levou ao despertar de novas vocações e à entrada de novos estudantes, vários dos quais se tornaram sacerdotes que atuaram em colonias alemãs e um até mesmo bispo.


Em 1902, celebrou-se a consagração ao sacerdócio daqueles que haviam tomado hábito em 1897. Com isso, a Província ganhou mais 11 jovens sacerdotes.


No convento de Blumenau teve lugar também o primeiro Capítulo Provincial, fato ocorrido em 1902. Nele, decidiu-se que o convento contasse com dez padres que deviam dedicar-se prioritariamente à educação da juventude. Paralelamente às atividades de ensino, os religiosos desempenhavam atividades de assistência religiosa em amplo território que abrangia a cidade e oito capelas, estas posteriormente também elevadas a paróquias, entre elas Rodeio, Ascurra, Rio Cedro, Massaranduba e Luis Alves.


Um dos mais destacados alunos do Colégio foi D. Inocêncio Engelke (1881-1960), nascido em Joinville e formado em Blumenau, desde 1898 na Ordem Franciscana e que tornou-se bispo de Campanha. Destacou-se como superior do convento de Curitiba e como defensor das escolas franciscanas durante a Primeira Guerra.


Os Franciscanos dedicaram-se também à formação feminina. Para isso, o P. Zeno Wallbröhl conseguiu que viessem para Blumenau, em 1895, irmãs da Divina Providência. Também a assistência médica, quando da criação de um hospital - um edifício considerado como um dos mais representativos da cidade - foi entregue a religiosas, no caso franciscanas.


Um dos principais caminhos encontrados pelos Franciscanos para a formação da vida religiosa de comunidade foi o associativo. Em 1905, construiu-se uma casa para as sociedades, consagrada a S. José. Esta casa passou a ser frequentada sobretudo por colonos vindos aos domingos de regiões distantes do interior.


Dificuldades durante a primeira Guerra Mundial - época de enchentes


A declaração de guerra do Brasil à Alemanha trouxe grandes dificuldades para os Franciscanos em Blumenau. Afirmava-se - e divulgava-se pela imprensa - que o convento em Blumenau possuia armamentos - até mesmo pequenos canhões - que seriam distribuidos aos colonos alemães para a defesa dos frades em situação de agressões.


A proibição de pregações, do canto e da
oração em lingua alemã dificultou as atividades de religiosos que não dominavam totalmente o português. O repertório de canto comunitário teve que ser modificado, recebendo algumas melodias tradicionais traduções em português, em parte precárias.


Superiores e párocos alemães passaram a ser substituidos por brasileiros, italianos ou outros religiosos provenientes de nações
aliadas. Como reflexo dos ataques à escola e à imprensa em Curitiba, duas ou três centenas de pessoas atacaram o Colégio de São José, demolindo o seu interior e levando à fuga de Franciscanos para as matas.  Com a suspensão das leis que vetavam o uso do alemão, as pregações nas colonias passaram de novo a ser feitas nesse idioma e o convento de São José foi reconstruído.


O período posterior à Guerra conheceu uma nova fase de desenvolvimento da vida franciscana em Blumenau. Em 1922, pelas comemorações do centenário da Independência, os Franciscanos decidiram aumentar a igreja paroquial. Com projeto de um arquiteto alemão, a nova igreja foi terminada em 1925. A sua consagração representou um dos pontos altos da história do Catolicismo em Blumenau e marco do restauracionismo católico em dimensões globais, uma vez que, na época de pós-Guerra, a Alemanha passava por uma fase de grandes dificuldades econômicas.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A. (Ed.). „Blumenau (SC). Do Colégio São Paulo do P. Joseph Maria Jakobs (1831-1892) sob o signo do Syllabus errorum de Pio IX (1792-1878)
a centro de formação da juventude seráfica dos Franciscanos alemães - A Educação no espírito anti-modernista em meios coloniais“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/7 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Blumenau-Franciscanos.html