Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Gaspar. Foto A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E


Gaspar. Foto A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E


Gaspar. Foto A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E


Gaspar. Foto A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E


Gaspar. Foto A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E

Fotos A.A.Bispo 1981 e 1999 ©Arquivo A.B.E.
Foto antiga de Rodeio:
Gedenkbuch zur Jahrhundertfeier Deutscher Einwanderung im Staate Santa Catarina, op.cit.; Pe. Petrus Sinzig: Mönch und Welt, op.cit.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/9 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°3121




Gaspar (SC)

A igreja-sinal do Catolicismo restaurado no coração do Vale do Itajaí
emoldurada pelo Baú, emblema de Santa Catarina
- Pe. Petrus Sinzig OFM (1876-1952) e a família Höschl -
singulares relações: pobreza franciscana e enriquecimento de colonos




 
Gaspar. Foto A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E

Na preparação e nos debates do Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ (Veja), assim como naqueles das sessões do encontro que o seguiu em Petrópolis, em 1981, Gaspar foi considerado com especial atenção por dois motivos principais: pelo fato de ali ter sido superior em 1900/1901 um dos maiores representantes do Franciscanismo na música sacra do Brasil, o Pe. Petrus Sinzig, e pelo fato de ali ter sido também superior o P. Cletus Espey a partir de 1921, autor da publicação comemorativa pelos 25 anos do restabelecimento da Província da Imaculada Conceição no sul do Brasil em 1926 e que representou importante fonte de informações e de partida das reflexões. (Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. West.: Franziskus 1929, 91)


Gaspar na pesquisa de processos culturais


A cidade de Gaspar tinha sido visitada já em 1973 no âmbito de viagem de estudos realizada em Santa Catarina. A consideração da cidade, da sua história e presente decorreu sob o signo da renovação dos estudos culturais através do direcionamento da atenção a processos e processualidades segundo a orientação preconizada por organização fundada em 1968 (Nova Difusão). Tendo sido essa viagem realizada com a participação de estudantes e formados na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, a consideração especial de Gaspar justificou-se pelas surpreendentes dimensões e representatividade de sua monumental igreja.


Gaspar. Foto A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E

Na sua linguagem visual, a igreja de Gaspar é um verdadeiro livro que permite a leitura de recepções estilísticas e de suas associações e sentidos culturais e religiosos. Impressionante é sobretudo a grande série de monumentais colunas sôbre o pórtico na fachada, que salientam o seu aspecto de monumentalidade, a rosácea central que sugere a tradição mariana de catedrais, as rosáceas sobre as portas laterais e aquelas que intercalam com janelas esféricas trinas nas cinco capelas laterais de ambos os lados e que indicam a Santíssima Trindade. O fundamento numérico-simbólico aqui evidenciados indicam concepções teológicas do projeto e as torres menores laterais do coro sugerem elos com o românico das igrejas da Renânia. Os enormes relógios nas torres testemunham a capacidade técnica e trazem à lembrança outras igrejas do Brasil que receberam relógios nas suas torres pela passagem do século, como aquela de São Francisco do Sul.


Reconheceu-se que esse grande templo surgia como um marco demonstrativo de intenções de afirmação religiosa, trazendo à consciência um extraordinário empenho que necessariamente ter-se-ia realizado no passado para a sua edificação. Êle surgia como um exemplo significativo do historismo eclético do Brasil, salientado na sua relevância pela sua posição na paisagem.


Considerar esse monumento emblemático de uma época passada pareceu ser significativo para as reflexões encetadas por razão das reformas e transformações desencadeadas pelo Concílio Vaticano II e tratadas nas suas dimensões político-culturais no Simpósio de São Paulo de 1981 e nas sessões em Petrópolis.


Petrus Sinzig

Assim como em outras regiões, também em Gaspar os Franciscanos escolheram um local privilegiado para a fundação de sua residência, visto como adequado para a vida religiosa segundo a tradição da Ordem. Antes do estabelecimento no local,  os católicos de Gaspar tinham sido assistidos pelos missionários a partir de Blumenau. Somente durante a quaresma e à época de preparação de crianças para a primeira comunhão é que residia um padre no local. Em 1900 a Ordem ali estabeleceu uma residência, nela passando a viver dois padres e um irmão.


„Uma posição encantadora é aquela que alegra a nossa residência de São José em Gaspar. Situada no ponto mais elevado da localidade, olha para baixo ao Itajaí que ali corre pictoricamente, ao povoado cheio de paz e ao fundo às montanhas que se seguem, cobertas de escuras florestas, de cujo centro eleva-se magestosamente o morro do Baú, o emblema de Santa Catarina. Desde 1894 aqui atuam os franciscanos, aos quais foi confiada a igreja de S. Pedro após a morte do último pároco.“ (op.cit. 91)


A dedicação da residência franciscana a São José merece ser considerada com atenção, uma vez que correspondia à veneração desse santo como padroeiro da Igreja em sequência ao fomento de sua devoção após o Concílio Vaticano I. Com essa dedicação, estabeleceu-se em Gaspar um marco demonstrativo da fidelidade a Roma no sentido do Catolicismo restaurativo na sua contextualização ultramontana alemã.


Diversidade cultural: Ilhota, Baú, Gasparinho, Belquior e Luiz Alves


Em Gaspar, os Franciscanos alemães confrontaram-se com o problema de idiomas e das diferenças culturais de uma população colonial marcada por diversidade de origens. A paróquia abrangia as comunidades de Ilhota e Baú, com população exclusivamente constituida de brasileiros, a de Gasparinho, povoado sobretudo por italianos, e a de Belquior, com colonos alemães e brasileiros. Ocasionalmente também os franciscanos cuidavam da colonia italiana de Luiz Alves com as suas sete capelas.


A presença de brasileiros na região era de antiga proveniência. Supõe-se que os primeiros habitantes de origem européia tenham vindo do litoral paulista, mais especificamente de São Vicente. Do litoral de Santa Catarina subiram a seguir imigrantes açorianos e colonos de outras proveniências. A partir de 1835, acentuou-se a imigração alemã, marcando de forma determinante a cultura local. Seguiram-se imigrantes italianos a partir de 1875.


Pe. Petrus Sinzig OFM como Superior em Gaspar


No seu livro de recordações „Monge e Mundo“, segunda edição da sua obra „Enterrado vivo?“, em tradução alemã de Maria Kahle (Mönch und Welt: Erinnerungen eines rheinischen Franziskaners in Brasilien, Freiburg i. Br.: Herder 1925), o Pe. Petrus Sinzig relata pormenorizadamente as suas sensações pela entrada do século XX em Gaspar.


Mil e novecentos. Os meus pensamentos vagueiam em tempos passados, cuja lembrança agora se vivifica no início do novo século.

Quando era ainda criança, perguntava-me ao ler o jornal no dia do Ano Novo, o que as folhas iriam dizer se no lugar de um novo ano começasse um novo século. Esse caso acontecia agora, e eu podia assim satisfazer a minha antiga curiosidade. Além do mais, o novo século trazia novo trabalho e uma atividade mais intensa na assistência religiosa. Na igreja de Gaspar levantei andaimes e comecei a dar ao Presbitério através de ornamentos uma aparência mais quente e colorida.“ (op.cit. 140-141)


Chama a atenção, nessas lembranças do Pe. Petrus Sinzig, o significado por êle dado a Carlos (Carl) Höschl, por êle designado como „pai“, falecido no dia 28 de junho de 1900 e cujo prestígio na comunidade salienta:


„Em todo esse tempo, nenhum acontecimento causou em mim tal impressão, ou melhor tal depressão como a morte do Papa Hoeschl na véspera de São Pedro e São Paulo. Não quero nem falar da dor dos órfãos que ficaram; para toda a população foi um golpe, uma perda para todos. Disseram-me que Gaspar nunca tinha visto um enterro como o seu; muitos dias depois ainda o seu túmulo era visitado; e não é de se admirar que até mesmo homens robustos chorassem.


Os nossos padres já tinham-se bem instalado na igreja paroquial recém construida. Os gasparenses tinham não só coletado dinheiro para essa construção, mas também ajudado com mão em obra no progresso do novo prédio, sem aceitar pagamento ou retribuições.

Uma semana após a morte de Carlos Hoeschl abandonei Gaspar. Fui transferido por pouco tempo à pequena localidade de Santo Amaro de Cubatão nas proximidades de Florianópolis“. (loc.cit.) (loc.cit.)


Essa menção do Pe. Petrus Sinzig indica o papel relevante desempenhado por Carlos Procópio Höschl e sua família em Gaspar, no contexto colonial em geral e também na vida religiosa. Tudo indica que os elos entre o Pe. Petrus Sinzig e o já idoso colono tenha sido possibilitado pela sua filha Maria Cândida e que se destacava pelo seu empenho pela vida religiosa e cultural da cidade.


Através de atividades no salão da igreja, que incluiam representações teatrais e apresentações musicais, criaram-se relações estreitas com o Pe. Petrus Sinzig, êle próprio entusiástico no emprêgo de expressões artísticas na formação e na vida comunitária. Teria sido assim através dessas atividades culturais e artísticas de círculos sociais vinculados à igreja que teria encontrado o seu estreito vínculo com a tradição colonial que tinha a sua maior personalidade no venerando e influente Carlos Höschl, integrando-se no desenvolvimento histórico da colonização em Santa Catarina.


Como emigrante, vindo em 1858, Carlos Procópio Höschl representava um colono que já se encontrava no Brasil há muitas décadas, tendo vivido contextos coloniais no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, aqui em especial em São Pedro de Alcântara, onde atuou também como professor. Êle representava também o grupo dos muitos alemães que, deixando a Colonia de São Pedro de Alcântara, transferiu-se para o vale do Itajaí.


Höschl surgia como exemplo de imigrante bem sucedido no comércio e que adquirira posses. Esse sucesso foi devido primeiramente a casa comercial que estabeleceu em 1864 junto aos rios Gaspar Mirim e Itajaí, ali instalando também um porto para o comércio através da navegação fluvial a Itajaí e a Desterro, firma mais tarde explicitamente denominada de importação e exportação e que trazia o seu nome.


Essa sua casa comercial tornou-se também um centro de oferta de artigos europeus, procurada por colonos de toda a região. A sua prosperidade manifestou-se na ampla e representativa residência que construiu, cercada de jardins, e na qual se hospedaram personalidades da política quando em passagem por Gaspar.


Atividades de ensino, de decoração da igreja e de construção de gruta de Lourdes


Em 1904, os Franciscanos fundaram uma escola paroquial na qual, com a falta de professores, passaram êles próprios a ensinar. Somente após a Guerra, em 1921, repetindo a experiência de Blumenau, a escola passou a ser dirigida pelas irmãs da Divina Providência; já em 1925, porém, voltou à direção dos Franciscanos.


Uma especial preocupação dos Franciscanos em Gaspar foi o da reforma da igreja e que se tornou uma das mais belas do Estado segundo a apreciação do Pe. Cletus Espey. Sob o pároco P. Anselmus Bockenholt, a igreja teve o seu interior repintado pelo Ir. Vincenz Müller, recebendo altares de madeira esculpidos em Blumenau pelo Ir. Hilarius Ziebarth.


Ao mesmo tempo, a meia altura da montanha, edificou-se uma gruta de Lourdes, que logo passou a ser visitada por grande número de fiéis. Os Franciscanos em Gaspar foram assim - como em outras regiões, em particular Angelina - importantes agentes no fomento do culto mariano na tradição das peregrinações a Lourdes em prosseguimento a tradições que, na Alemanha, se concentravam sobretudo na veneração da imagem de Maria de Werl na Vestfália, com as grutas de passos que a rodeia. (Veja)


O sucesso da ação franciscana em Gaspar nas duas primeiras décadas do século XX é testemunhada no relato do Pe. Cletus Espey, quando então era Superior na localidade.


„Como trabalho de cura de almas, ouviram-se no ano de 1905 na paróquia de Gaspar com o distrito Luiz Alves 8800 confissões, distribuindo-se 8200 comunhões, proferindo-se 275 pregações e fazendo-se 350 catequeses e 105 visitas a doentes.


Os Superiores da casa foram: P. Petrus Sinzig de 1900 a 1901; P. Florianus Hein de 1901-1902; P. Solanus Schmitt de 1902-1904; P. Wendelin Winkens de fev. 1904 até nov. 1904; P. Bruno Linden de 1904-1906; P. Dismas Wolff de 1906-1907; P. Herculanus Limpinsel 1907-1909; P. Burchardus Sasse de 1909-1912; P. Anselmus Bockenholt de 1912-1920; P. Pankratius Schwarzhoff 1920-1921; P. Cletus Espey desde 1921.“ (op.cit. 92)



De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo






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Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A. (Ed.). „ Gaspar (SC). A igreja-sinal do Catolicismo restaurado no coração do Vale do Itajaí emoldurada pelo Baú, emblema de Santa Catarina
- Pe. Petrus Sinzig OFM (1876-1952) e a família Höschl - singulares relações: pobreza franciscana e enriquecimento de colonos
“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/9 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Gaspar_SC.html