Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Sankt Apostel, Colonia.Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E.


Groß Sankt Martin, Colonia. Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E.


Lages


Lages


Lages

Fotos atuais:
Colonia, A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E.
Fotos antigas de Lages:
Gedenkbuch zur Jahrhundertfeier Deutscher Einwanderung (...) op.cit..
Foto de Pe. Petrus Sinzig:
Mönch und Welt, op.cit.








 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/14 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°3126





Lages (SC)
Luta cultural alemã em extensões no Brasil:
„boa imprensa“ X Livre Maçonaria, Educação, Música e Arquitetura renanas
Pe. Andreas Noirhomme (1864-1913), Johannes (1846-1935) e August Scheidgen (1866-1951)



 

A luta cultural não é apenas uma questão encerrada do século XIX. O termo, que vem sendo lembrado nos últimos anos para caracterizar situações da atualidade não representa apenas intuitos de reconhecimento de paralelos históricos para a melhor compreensão de problemas no presente, procedimento questionável devido às diferenças de épocas e contextos.


Êle sugere a revitalização de processos que foram já há muito desencadeados, que tiveram a sua expressão político-cultural mais evidente à época à qual o termo se refere, à segunda metade do século XIX, mas que são seculares e globais, uma questão da história e do desenvolvimento do homem.


A retomada do termo no presente pode ser entendida como um auxílio para a percepção da persistência e reintensificação de dois processos conflitantes, passíveis de serem identificados nas suas linhas gerais apesar das diferentes atualizações por que passaram quanto a épocas, regiões e contextos culturais, e que poderiam ser caracterizados segundo binômios de tensões tais como Religião/Ciência, Secularização/Anti-Secularização ou Missão/Esclarecimento. (Veja)


A luta cultural (Kulturkampf) foi um dos fundamentais problemas das primeiras décadas do Império Alemão fundado após a vitória alemã na Guerra Franco-Prussiana de 1870/71. Esse conflito deve ser considerado na sua contextualização nacional da Alemanha unida na diversidade de seus múltiplos Estados.


País da Reformação, marcado pelo confronto de regiões predominantemente protestantes e outras católicas, com diferentes fisionomias, características e referenciações históricas e culturais, tinha nos seus católicos uma parcela populacional de consciência de suas mais remotas origens, remontantes à época da cristianização e dos séculos pré-reformatórios, em parte portadora de uma mentalidade derivada de medidas contra-reformatórias de séculos passados, e que compreensivelmente apenas com dificuldades podia submeter-se ao poder prussiano protestante.


A „luta cultural“ necessita porém ser considerada também em contextos supra-nacionais, relacionados com o poder pontifício nos Estados Eclesiásticos no contexto da união nacional italiana e da respectiva constelação política internacional européia.


Nas suas dimensões mais amplas e profundas, a expressão dirige a atenção a desenvolvimentos que precederam esses conflitos cristalizados no século XIX, vigentes através dos séculos, e que não podem ser vistos sumariamente como a do conflito entre visões e conflitos voltados ao passado e ao futuro, ao conservadorismo e ao progressismo, uma vez que a referenciação segundo o passado mais remoto pode ser extraordinária expressão de avanço, como a Renascença indica (Veja), havendo também conservadores na defesa de visões esclarecidas e um progresso do reacionarismo.


O termo que se tornou conhecido para caracterizar a posição de círculos influentes e reintensificadores do Catolicismo à época da „luta cultural“ foi o de ultramontanismo. Essa expressão indica um sistema referencial de observação, uma vez que manifesta uma critica à posição político-cultural daqueles católicos que, acima dos Alpes, submetiam-se a diretivas de além-alpes, ou seja, do poder pontifício em Roma, e que não era apenas espiritual. Essa autoridade foi acentuada e manifestada no „registro de êrros“ de Pio IX, o Syllabus errorum, da Encíclica Quanta Cura de 8 de dezembro de 1864.


Os missionários alemães que atuaram no Brasil a partir de 1891 a serviço da revitalização da vida religiosa, do combate à secularização e da defesa da moral segundo normas eclesiásticas trouxeram de sua formação a marca da luta cultural que acaba de ser superada na sua fase crucial e um posicionamento de absoluta lealdade para com as determinações do Syllabus e da autoridade romana acentuada no Concílio Vaticano I (1869-70), estando assim imbuídos de convicções e anelos contrários a tendências de pensamento filosófico e científico contemporâneos.


Esses religiosos viram no Brasil da época do Império um sistema similar àquele que vivenciaram na Alemanha, surgindo Dom Pedro II como representante por excelência de correntes criticadas como errôneas pela Igreja de uma supremacia da razão e da procura do saber, dos conhecimentos e da liberdade do pensamento filosófico e religioso, e a República como o sistema que enfim possibilitara a propaganda anti-secularizadora e anti-modernista no Brasil.


Nessa sua visão, também no Brasil já havia uma luta cultural similar àquela da Alemanha, mantendo-se porém o inimigo a ser combatido presente, ou seja, aquele apontado no conjunto dos êrros já formulados pelo Syllabus e ao qual devia-se reagir. Tendo-se banido o Imperador e superado os obstáculos que tinham impedido o empenho de reintensificação católica em obediência à autoridade religiosa, moral, de jurisdição e de julgamento de tendências do pensamento de Roma, o inimigo ainda atuante à reação religiosa foi visto pelos religiosos alemães sobretudo na Livre Maçonaria.


Aos maçons e à influência da Maçonaria foi imputada em diversas regiões a oposição à ação reformadora no sentido reacionário dos missionários alemães. Essa influência foi criticada sobretudo relativamente ao Paraná, mas a cidade que mais ficou marcada na literatura missionária pela luta cultural em transposição de sua contextualização alemã e de sua adaptação na situação brasileira ao combate de forças identificadas como sendo da Maçonaria foi Lages, em Santa Catarina.


Lages nos estudos de processos culturais


Com o reconhecimento da necessidade de atualização de disciplinas culturais através de um direcionamento da atenção a processualidades - e não a esferas categorizadas da cultura - desde meados da década de 60 do século XX, redefiniram-se aproximações a questões de transformações culturais, também e sobretudo nas suas relações com ocupações de territórios e colonização no passado e no presente.


No sentido da organização então constituída (Nova Difusão) e com a participação de estudantes e formados da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, realizou-se um programa de observações e pesquisas voltados a vias de comunicação nas suas relações com processos culturais em diferentes contextos regionais brasileiros. (Veja)


Em 1973, em viagem de contatos e pesquisas ao sul do Brasil, teve-se a oportunidade de considerar com mais atenção a situação e o papel histórico de uma via que marcara a história dos intercâmbios entre São Paulo e o sul, assim como o assentamento de imigrantes e o desenvolvimento colonial: a estrada de Lages.


O significado dessa via que teve o seu nome marcado pelos campos de Lages já havia sido reconhecido anteriormente, tanto através de colóquios com participantes de Santa Catarina nos cursos e festivais internacionais do Paraná, em Curitiba, de 1967 a 1970, como no âmbito dos estudos culturais relacionados com tropas e tropeiros conduzidos entre outros sob a perspectiva da atualização de perspectivas do Folclore sob a égide da Associação Brasileira de Folclore.


História e estudos culturais empíricos relacionavam-se aqui de modo particularmente evidente, uma vez que o fundador da cidade, Correia Pinto, teria sido segundo a tradição histórica um representantes dessas viagens de intercâmbio comercial. Fundada por paulistas, em 1774 elevada á vila, atravessou Santa Catarina em 1786 com uma estrada através das florestas até o rio Tubarão, seguindo-o em direção à vila de Laguna.


As reflexões, partindo inicialmente de um interesse pelo caminho de paulistas e mineiros ao Rio Grande do Sul e a região do Prata, pela expansão sobretudo paulista a partir de Sorocaba e pela respectiva difusão cultural, passaram àquele da situação criada pela colonização com imigrantes europeus sobretudo ao papel desempenhado pela estrada de Lages no assentamento de colonos e no vir-a-ser de cidades da região.


Em época marcada por entusiasmo reformador desencadeado pelo Concílio Vaticano II, considerou-se sobretudo o impacto das novas tendências em Lages, centro conhecido pelo papel que desempenhara nas décadas anteriores ao Concílio como centro significativo da restauração litúrgico-musical orientada segundo o Motu Proprio de Pio X de 1903.


Estudos na Alemanha - Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ 1981


Nos trabalhos desenvolvidos na Alemanha a partir de 1974 (Veja), a atenção foi dirigida em várias ocasiões e sob diferentes aspectos à história emigratória nas suas relações com os caminhos da implantação histórica de colonias e da expansão colonial, assim como à participação de missionários alemães na restauração católica no Brasil, em particular sob o aspecto litúrgico-musical.


Esses estudos, desenvolvidos em colóquios com teólogos e pesquisadores em história da religião e missionária, incluiu trabalhos em bibliotecas e centros de documentação de ordens religiosas que desempenharam papel de particular relevância no Brasil, em especial de beneditinos e de franciscanos.


O fato de Lages encontrar-se representada como capítulo na publicação comemorativa pelos 25 anos da revitalização da Província da Imaculada Conceição no sul do Brasil 1901-1926 publicada na Alemanha (P. Cletus Espey OFM, Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedeererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. West.: Franziskus 1929) ), manteve a sua presença nos estudos de processos culturais desenvolvidos na Alemanha.


Esses estudos serviram de preparação para o Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ e ao colóquio que o seguiu em Petrópolis, em 1981, eventos nos quais o Franciscanismo, a sua revitalização desde fins do século XIX e sua situação no contexto pós-conciliar foram alvos de reflexões e debates. (Veja)


Precedentes e reintrodução do Franciscanismo nos Campos de Lages


Um dos aspectos da história religioso-cultural de Lages que devem ser salientados é o da necessidade sentida por autoridades eclesiásticas da revitalização da vida religiosa local e que levou ao assentamento de Franciscanos alemães. Essa presença franciscana não pode ser apenas explicada pelo fato de ser Lages cidade referencial na região da colonização e da imigração de Santa Catarina no século XIX, mas sim também por uma constatação da premência da reintensificação da vida religiosa local pelas autoridades eclesiásticas.


Quando os Franciscanos alemães estabeleceram-se na Colonia de Teresópolis, em 1891, a paróquia de Lages encontrava-se sem sacerdote. Por essa razão, o bispo do Rio de Janeiro - a quem estava subordinado o de Desterro - pediu ao Superior dos Franciscanos que assumisse a assistência de Lages.


A tarefa foi aceita pelo Frei Amandus Bahlmann, ali encontrando uma situação vista como altamente deficiente. Com a vinda de dois outros padres de Teresópolis, deu-se a intensificação da vida religiosa, tendo nisso se empenhado sobretudo o Pe. Rogerius Neuhaus, visto como o „apóstolo do planalto“ e seus três auxiliares. Lages contara em remoto passado com a atuação de Franciscanos da antiga Província da Imaculada Conceição. Esta, iniciada em 1767 com Fr. Thomé e Fr. Manoel da Natividade, que construiram uma capela devotada a Nossa Senhora dos Prazeres e administraram a paróquia até a chegada do primeiro vigário, encontrava-se encerrada. O conhecimento de Lages na Alemanha era precário, senão negativo no século XIX:


„Ela sofreu com as guerras civís de 1839 e 1840 e é também no presente apenas um nicho miserável, pobre de cerca 500 moraores, na sua maioria pobres e indolentes, ainda que o território seja fértil e adequado para o pastoreio assim como para a agricultura e em especial para a plantação de trigo e que esteja situada no centro de um distrito que possui muitas fazendas de gado. A região é muito pouco cultivada e no local não havia à época da visita de Avé-Lallemant nem mesmo manteiga apesar da grande pecuária. Um desenvolvimento para essa villa como para a comarca será apenas possível com a realização de melhores vias para o litoral“. (J. C. Wappäus, Handbuch der Geographie und Statistik Brasilien, Leipzig: J.C. Hinrichs, 1871, 1828)


Confronto: interesse religioso marcado por intelectualidade e força argumentativa


A vida religiosa era à época da chegada dos Franciscanos marcada segundo a sua crítica por uma atenção à intelectualidade, às idéias e a uma correspondente vaidade do saber e da expressão. Como o P. Cletus Espey salienta significativamente no seu relato, o que o brilho da retórica e a ciência humana não alcançara, isso o conseguiu o Pe. Rogerius Neuhaus em silêncio, simplicidade e modéstia. A posição franciscana em contraste àquela anterior de uma religiosidade marcada pela procura de conhecimentos e da arte da convicção através de argumentos é assim tematizada de forma particularmente evidente em Lages.


As atividades de assistência religiosa na região foram dificultadas não apenas pela precariedade dos caminhos ao interior, que deviam ser percorridos em longas viagens em lombo de mulas. O principal empecilho encontrado para as atividades franciscanas foi, porém, segundo a crônica franciscana mencionada, aquele criado por uma atitude de animosidade de círculos da população contrários à restauração religiosa dos alemães, vista esta como retrocesso para a sociedade e de intervenção de estrangeiros na cultura nacional.


Apesar dessas dificuldades, os trabalhos de construção de um convento puderam ser iniciados em 1895. Ao mesmo tempo, os Franciscanos abriram uma escola para atuar mais intensamente na formação da juventude, criando uma geração que, pela sua formação, fosse simpática a seus ideais.



Petrus Sinzig
Pe. Petrus Sinzig OFM (1876-1952) - Cruzeiro do Sul contra Região Serrana e Imparcial


No primeiro Capítulo Provincial, em 1902, a residência de Lages foi elevada a convento, sendo o seu primeiro guardião o Pe. Petrus Sinzig, que tinha atuado anteriormente em Gaspar. (Veja)


Se esse religioso renano que seria um dos grandes representantes da cultura franciscana no Brasil da primeira metade do século XX, em particular da música sacra,  já se empenhara de forma intensa sobretudo no âmbito da dignificação e solenização do culto segundo critérios franciscanos em Gaspar, intuitos que tiveram a sua expressão mais evidente na grande igreja ali construída, passou a desenvolver em Lages principalmente um combate pela imprensa.


A palavra assim, que tanta importância obtinha em cultura marcada pela razão, pela intelectualidade, pela especulação filosófica e pela procura retórica de transmissão de convicções através de argumentos, encontrou na sua atividade publicística um combativ emprêgo.


Vendo nessas características da cultura local uma manifestação de vaidade intelectual que deveria ser superada em modéstia de espírito e simplicidade da palavra, o Pe. Petrus Sinzig fundou o semanário Cruzeiro do Sul, com o qual procurava atuar contra a oposição feita pela imprensa secular àquilo que esta via como expressão reacionária do obscurantismo. A essa publicação seguiu-se a revista Sineta do Céo, dedicada à juventude.


Essa situação foi considerada pelo próprio Frei Petrus Sinzig nas recordações de sua vida que publicou sob o título „Monge e Mundo“ e que foi estudada na Biblioteca Missionária do Convento Capuchinho Wesemlin, Sursee em Lucerna, Suíça nos anos que precederam ao do Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ em São Paulo (Mönch und Welt, Freiburg i. Br.: Herder, 1925). Nessa obra, Petrus Sinzig oferece um panorama sôbre a situação político-cultural representada pelos órgãos de imprensa de Lages „Região Serrana“ e „Imparcial“.


„O Cruzeiro do Sul, que eu dirigia, não era por todos bem visto, o que é fácil de compreender. Havia, como mencionado, ainda duas folhas semanais na cidade: a Região Serrana, a folha do partido político de govêrno, e o Imparcial, a folha dos maçons. Esta última característica pode de resto também ser atribuida à folha do Govêrno oficial, cujo redator-chefe era grão-mestre da loja. O Imparcial tinha o costume de atacar po Cruzeiro do Sul; muito compreensivelmente. Mas agora também começou a viar com protestos a Região Serrana. (...) Os ataques do Imparcial maçom à minha pessoa se tornaram costume. No início isso me aborrecia. Mais tarde me deixava frio, de modo que já não mais lia o Imparcial, apesar de saber que em nenhum sábado havia de faltar os trancos. O chefe-redator do Imparcial não ficou nada contente com o meu silência. Contaram que êle na farmácia Rambusch bateu com o punho na mesa, colérico: ‚E eles nem me respondem!‘ Realmente eu não respondia, porque não desejava nenhuma polêmica e não me sentia obrigado a responder a cada desafio. A situação mudou-se, porém, quando a Região Serrana, o órgão das autoridades locais e estaduais, juntou-se ao Imparcial. O papa Leão XIII tinha morrido. Como em todo lugar, também em Lages as Exéquias foram celebradas da forma tão solene quanto possível. De todas as manifestações de pesar, porém, contrastou rispidamente um artigo da folha oficial, que xingou em linguagem indigna a memória do Santo Padre assim comoo a do seu antecessor Pio IX. O Cruzeiro do Sul rebateu essas ofensas e incitou assim nova explosão de cólera no próximo número da Região Serrana.

Estava nascendo uma polêmica? Eu tentei impedi-la e deixei por isso toda resposta em confiança no bom senso dos leitores e na integridade dos oponentes. Estes porém não compreenderam assim e interpretaram nos próximos números o meu silêncio como reconhecimento verídico da minha falta de reflexão. Agora já não era mais possível permanecer calado, e assim seguiu a resposta, mantida em tom tranquilo.

E logo apareceram todos os argumentos comuns do realejo anticlerical, que, ainda que muito antigos, sempre constituem o trabalho internacional das Lojas - com a única exceção, que a Região Serrana fêz novas descobertas, como a do „queimado Galileu“, de modo que ofereci um prêmio de 500 Milreis para o caso que se pudesse comprovar tal afirmação, o que naturalmente nunca conseguiram. (op.cit. 153-154)


Do combate reacionário pela palavra impressa ao Grêmio Serrano: teatro e música


A exposição do Pe. Petrus Sinzig testemunha um fator que deve ser considerado prioritariamente nas análises de processos culturais restaurativos segundo um Catolicismo marcado pelo Syllabus e pelo Concílio Vaticano I: o da oposição por meio da publicística a argumentos baseados em procedimentos racionais, na procura de conhecimentos e na reflexão filosófica e na sua apresentação convincente por meios da retórica vistos como expressão de vaidade intelectual. Aqui deve-se procurar o ponto de partida para iniciativas similares em outras outras esferas culturais, em particular do teatro e da música.


Muito antes de destacar-se como compositor e especialista em música sacra, o Pe. Petrus Sinzig desenvolveu a sua força combativa através da palavra escrita em Lages, passando nesse contexto marcado por confrontos a consolidar o sentido de união entre simpatizantes através da vida cultural e social de uma agremiação para isso fundada e na qual êle e outros franciscanos atuaram musicalmente: o Grêmio Serrano. Nessa sociedade, a sede de conhecimentos da sociedade que se manifestava na imprensa contrária era mitigada por atividades segundo o novo espírito franciscano de contextualização ultramontana alemã.


„Nosso jornal não era de resto o único meio de propagação de religião e moral. A sociedade Gremio Serrano, fundado ao mesmo tempo, realizava encontros festivos nos quais se ouvia boa música e se fomentava anelos científicos e artísticos. Oradores escolhidos tratavam em conferências populares questões atuais ou temas da política internacional, do mundo das artes e das ciências, ou seja, tudo o que podia interessar a pessoas com sede de saber. A participação não deixava a desejar. A parte musical ofereceu de início as maiores dificuldades, de modo que eu tive que pegar muitas vezes o meu violino ou formar com os meus confrates um quarteto de cordas, para realizar boas e variadas peças. Aos poucos esse amor à música trouxe-nos cada vez mais participantes da cidade, e o mesmo se deu com o palco, de modo que podíamos dar apresentações de importância.


O movimento reacionário em São Joaquim, Curitibanos e Campos Novos


A expansão do movimento reacionário no espírito da luta cultural na região iniciou-se com a atuação de Franciscanos nas três grandes paróquias de São Joaquim, Curitibanos e Campos Novos. Essas paróquias, também encontrando-se sem sacerdotes, levou a que o bispo, sem ter padres seculares para as mesmas, pedisse aos Franciscanos que as assumissem. Segundo P. Cletus Espey, também essas atividades exigiram grandes esforços e muita motivação, tornando-se necessário para melhor administração das mesmas a ereção de residências em Curitibanos e em São Joaquim. Assim como Lages, também nessas vastas regiões sentia-se a premência de uma revitalização religiosa devido à força de desenvolvimentos seculares.


„Lages, como todos os assentamentos que temos no planalto do sul, é para o sacerdote a terra clássica das longas viagens. Só se sai de casa montado a cavalo ou em burro. Os caminhos - com exceção da estrada recentemente construida a Florianópolis - são tudo, menos um meio confortável de avanço e alcance de um local determinado. Pontes que faltam, pântanos que se ampliam com as chuvas e se afundam, árvores caídas, rios que precisam ser atravessados, tudo se opõe a uma viagem rápida e sem perigo. Moradias humanas são raras, e quando a gente as encontra, têm pouca semelhança com os grandes hotéis do Rio.

A viagem ao próximo assentamento franciscano em Curitibanos leva dois dias. Nós nos acostumamos pernoitar num rancho, onde aquilo que se chama teto poderia permitir os mais belos estudos astronômicos, aumentados pelos conhecimentos que ganhamos se olhassemos sem raios X através das paredes, que são mais de buracos do que de barro. No verão isso não faz mal. Totalmente diferente vê a coisa o viajante no inverno, quando o frio lhe rouba o esperado sono“. (Festschrift...op. cit.,160)



O movimento reacionário na Educação: Colégio São José - P. Andreas Noirhomme (1864-1913)


O número considerável de jovens missionários que foram enviados á missão restaurativa no Brasil documenta o sucesso do ensino religioso para a formação de novas gerações e de multiplicadores do movimento de reintensificação do Catolicismo na Alemanha, o que torna compreensível a atenção que os Franciscanos deram desde o início à criação de escolas e colégios.


Em Lages, o Pe. Rogerius Neuhaus fundou o Colégio São José, cuja denominação indica significativamente o espírito do estabelecimento, uma vez que São José havia sido declarado protetor da Igreja no Concílio Vaticano I. O nível do ensino nesse colégio levou a que este fosse equiparado a ginásio oficial, o que representou um extraordinário reconhecimento e prestígio ao trabalho educativo dos Franciscanos.


Se Petrus Sinzig empenhou-se pela instalação de uma „boa imprensa“, o seu sucessor, P. Andreas Noirhomme, dedicou-se à educação da juventude. O Colégio São José experimentou sob a sua atuação um periodo de grande desenvolvimento, a ponto de, em 1903, ser reconhecido como ginásio oficial pelo Govêrno do Estado. P. Noirhomme fundou também uma escola paroquial para meninas, conseguindo como professora uma brasileira até a chegada de irmãs da Divina Providência em 1901 e que ampliaram a instituição, transformando-a em Pensionato.


A orientação desse ensino, porém, apesar de todas as suas qualidades, não podia ter deixado de levantar críticas por parte daqueles preocupados com a ação político-cultual dos missionários alemães. O quadro apresentado pelo Pe. Petrus Sinzig demonstra a intensidade que alcançou esse conflito e as tensões criadas na sociedade de Lages. Essas tensões foram tão graves que os Franciscanos preferiram até mesmo renunciar aos privilégios que obtinham da equivalência da instituição a ginásios oficiais para salvaguardar a liberdade de continuar a agir segundo a sua orientação.


O colégio São José construido pelo P. Rogerius obteve nessa época a equivalência com o ginásio oficial. Assim, cumpriu-se um antigo desejo dos lageanos, pois não contribuiu pouco para a elevar o valor de toda a região, onde não havia outro estabelecimento de mesma importância. (...) As inimizades tornaram-se tão vivas que em anuência dos meus confratres e do superior decidi renunciar à equivalência, para assim ganhar de novo maior independência e liberdade (Mönch und Welt, op.cit. 153-154)


Andreas Noirhomme nascera em Sommersweiler na arquidiocese de Colonia, tendo atuado como professor escolar. Com 20 anos entrou no noviciado em Harreveld. Já antes de completar o seu período preparatório foi enviado a seu pedido ao Brasil, onde foi consagrada sacerdote em 1896. Atuou primeiramente em Blumenau e posteriormente em Lages, também na área do ensino. Logo, porém, foi nomeado guardião, pároco e definidor. A sua maior dedicação foi a construção de escolas com o sentido de revificar o espírito religioso. A sua diligência levou-o em 1911 à missão em Santarém, onde logo foi obrigado a exercer o cargo de um Comissário Provincial. Numa difícil viagem pelo Tapajós foi atacado de febre, falecendo após grandes sofrimentos. (Festschrift...op. cit.,158)


A linguagem da arquitetura: a obra de Johannes e August Scheidgen - Renânia/Brasil


Sob o pároco P. Gabriel Zimmer, deu-se início, em 1912, à construção de uma nova igreja paroquial para Lages, um intento já há muito planejado e executado pelo Ir. Aegidius Lother. Para o seu projeto, os Franciscanos dirigiram-se a um dos principais arquitetos que então se distinguiam na construção de igrejas na Alemanha e que possuia estreitos contatos com círculos católicos de influência: August Scheidgen.


A mediação decorreu aqui pelo que tudo indica através do bispo de Santa Catarina, Dom João Baptista Becker (1870-1946). Nascido em St. Wendel, mantinha compreensivelmente estreitos contatos com o meio local, detacando-se aqui o escritório de arquitetura de Ludwig Becker, no qual trabalhou August Scheidgen. Em 1919, realizou o projeto da igreja episcopal de Florianópolis, sendo os trabalhos dirigidos pelo seu irmão mais velho Johann Scheidgen (1864-1935). Esse seu irmão alcançara renome na área da restauração patrimonial, em particular das ruínas do Convento Heisterbach, em 1897. Entre os seus muitos trabalhos, destacou-se a reconstrução da igreja de S. Wendelinus em St. Wendel, cidade que tinha emprestado o nome a S. Vendelino, local onde residiram os pais imigrados do bispo Dom João Batista Becker em Santa Catarina. Também foi Johannes Scheidgen que dirigiu a execução do projeto de August Scheidgen em Lages.


August Scheidgen, hoje esquecido, nasceu em Solingen, pertencendo assim ao contexto cultural de tradição católica na irradiação de Colonia, destacando-se porém também pelos seus trabalhos não apenas na Renânia mas também na Vestfália, demonstrativo de seus elos com o tradicional meio católico de Münster.


Nascido em família de arquitetos, formou-se e deu continuidade ao escritório e à empresa construtora de seu pai. Fato decisivo na sua vida foi o do alcance do seu grau de mestre em construção com a sua participação na construção do Albertinum em Bonn. Aqui, a sua formação inseriu-se numa tradição de arquitetura conservadora no âmbito do Historismo, á qual se pertencia entre outros o castelo Drachenburg no Reno,


O seu renome na arquitetura sacra foi fundamentado pela igreja de Santa Maria na cidade de Bad Homburg vor der Höhe, levantada entre 1892 e 1895, cidade balneária frequentada por influentes personalidades das finanças. A direção desse projeto assumiu em representação de Ludwig Becker, que possuia escritório na Mogúncia e seria posteriormente mestre de construção da catedral local.


August Scheidgen trabalhou posteriormente para a Wetdeutsche Bau-AG em Dortmund, atuando em nome dessa sociedade em construções no bairro sul de Bonn; Scheidgen distinguiu-se também na construção de hotéis em Königswinter e na  reconstrução do Hospital Santa Maria em Bonn.


A família Scheidgen continuou a manter estreitos elos com o Brasil possibilitados pela origem do bispo Dom João Baptista Becker e com os franciscanos. Em 1927, juntamente com o seu irmão Otto, venceu concurso para a construção de igreja em Fortaleza. Os seus elos com os Franciscanos levaram-no a vencer concurso, com o seu irmão Johannes, para a construção do convento em Hermeskeil.


Segundo a crônia do P. Cletus Espey, a construção da igreja de Lages enfrentou grandes dificuldades para ser realizada, que aumentaram com a eclosão da primeira Guerra Mundial. Em 1922, a igreja, considerada como uma das mais belas do Estado, pôde ser consagrada.


Em visitas de estudos a várias obras nas quais estiveram envolvidos os arquitetos do círculo de Ludwig Becker e da família Scheidgen na Renânia e Vestfália, procurou-se analisar do ponto de vista estilístico e político-cultural a influência alemã na arquitetura de igrejas do Brasil, em particular também na de Lages.


Entre os elementos considerados, salientou-se a evidência de elos com o românico da Renânia, em particular da área de Colonia. Esses estudos foram desenvolvidos no âmbito da História da Arquitetura no Instituto de História da Arte da Universidade de Colonia, onde deu-se particular atenção à igreja de Sankt Apostel em Colonia, e em colóquios na Abadia Beneditina de Maria Laach. Atentou-se aqui não apenas a elementos arquitetônicos característicos como as torres laterais ladeando o portal da igreja de Lages, mas também às concepções teológicas que fundamentaram esse tipo de arquitetura neo-românica renana e que foram transplantadas para o Brasil.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo




Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A. (Ed.). „ Lages (SC). Luta cultural alemã em extensões no Brasil: „boa imprensa“ X Livre Maçonaria, Educação, Música e Arquitetura renanas
P. Andreas Noirhomme (1864-1913), Johannes (1846-1935) e August Scheidgen (1866-1951)“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/14 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Lages_SC-Franciscanos.html