Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Pörtschach am Wörthersee. 
A.A.Bispo 2014 ©


Pörtschach am Wörthersee. A.A.Bispo 2014 ©


Pörtschach am Wörthersee. A.A.Bispo 2014 ©

Fotos - Pörtschach am Wörthersee.
A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/8 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3120




Rodeio (SC)

Imigrantes de Veneto e Trento no Brasil e a ultramontanização alemã
de „irredentos“ da antiga Áustria-Hungria
em estudos da região Alpes-Adria 
Lembrando o Pe. Athanasius Piccoli (1843-1905)


Diálogos no Wörthersee, Áustria, nos 100 anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial


 

Rodeio vem sendo considerado nos estudos eurobrasileiros pelo fato de possibilitar não apenas análises de contextos de imigração italiana em regiões coloniais em Estados do sul do Brasil, em particular em Santa Catarina, como também de suas interações com processos político-culturais e religiosos da imigração e missionação alemã no Brasil.


Pörtschach am Wörthersee. A.A.Bispo 2014 ©
A atualidade da retomada de sua consideração demonstrou-se em diálogos levados a efeito após conferência relativa a migrações e deslocamentos populações da região Alpes-Ádria em congresso efetuado no Wörthersee, Áustria, em agosto/setembro de 2014. Nessa conferência, proferida por motivo dos 100 anos da eclosão da Primeira Guerra Mundial, foram tratadas questões de migrações, deslocamentos de povos, de integração de grupos de diferentes idiomas e culturas no contexto do antigo Império Áustro-Húngaro não apenas no período posterior à Guerra, mas também em décadas precedentes.



Foram considerados problemas de grupos populacionais de idioma e cultura italiana e alemã na região norte-italiana, em particular de Veneto e Trento, pertencentes no passado à Áustria-Hungria. Entre outros aspectos, lembrou-se da complexidade de questões de identidade nessa região, uma vez que houve também grupos populacionais italianos leais ao poder austríaco e outros, de idioma alemão, que em determinados casos optaram por permanecer na Itália.


Essa situação traz à consciência o problema de projeção anacrônica de situações nacionais posteriores na consideração de movimentos migratórios anteriores, o que tem implicações para o estudo da imigração norte-italiana no Brasil. Populações dessa origem vindas em época anterior à anexação de territórios à Itália unificada necessitam ser referenciadas não pelo Estado surgido posteriormente, mas sim pela situação política e político-cultural dominante na época de sua emigração.


Na conferência, considerou-se o problema do Irridentismo nessa região, uma vez que as terras consideradas como irredentas pela Itália permaneceram sob o domínio austríaco até fim da Primeira Guerra, quando então a vinda de imigrantes para a Áustria processou-se de forma trágica e levou a desafios de integração.


Lembrou-se que o Trentino, habitado sobretudo por população de língua italiana, havia permanecido por longo tempo sob o domínio austríaco. Esse campo de tensões foi aguçado pela participação da Prússia ao lado da Itália na Guerra, o que favoreceu por fim à perda do Veneto, com a entrada das tropas italians em Veneza em 1866.


Sob o pano de fundo desse complexo político no norte da Itália é que os estudos culturais relativos aos imigrantes da região trentina que chegaram ao Brasil na década de 70 do século XIX devem ser analisadas de forma mais diferenciada, e não a partir de uma situação criada apenas após a Primeira Guerra.


Atuação de Franciscanos alemães entre colonos de língua italiana


Os Franciscanos alemães que vieram ao Brasil em 1891 para revitalizar os conventos brasileiros e a vida religiosa em geral em sociedade que viam como secularizada dirigiram-se primeiramente por razões de língua e cultura às regiões de imigração alemã em Santa Catarina. A sua vinda não teve, porém, o intento precípuo de assistir a conterrâneos indiferentemente de sua confissão, mas sim a católicos em geral.


Esse intento manifesta-se na intensidade com que tomaram a si a missão junto a católicos de língua italiana em Santa Catarina. Como o cronista da Ordem na sua publicação comemorativa pelos 25 anos do restabelecimento da Província da Imaculada Conceição relembra, os Franciscanos, tendo assumido a paróquia de Blumenau, entregaram-se com diligência ao católicos de língua italiana de Rodeio.(Pe. Cletus Espey OFM, Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedeererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. West.: Franziskus 1929)


„Após terem os Franciscanos assumido a paróquia de Blumenau, voltaram-se muito logo e diligentemente aos colonos italianos do distrito Rodeio, pois esses constituiam o maior contingente de católicos do município. Para melhor administração, já no primeiro ano da chegada dos Franciscanos em Blumenau um padre passou a morar permanentemente entre os italianos, cuja língua havia perfeitamente aprendido durante os seus anos de estudos em Roma. Um irmão, que com êle tinha estado na Itália, foi posto como seu ajudante e como professor de uma escola paroquial já existente“. (op.cit. 115)


Essa menção do Pe. Cletus Espey traz à consciência o problema do idioma colocado aos Franciscanos alemães. Falando e escrevendo em alemão, sem dominarem o português, eram agora obrigados a aprender o italiano ou a alguns a aperfeiçoar conhecimentos da língua que haviam obtido durante estudos em Roma.


A residência franciscana em Rodeio foi criada em 1894 pelo então comissário Pe. Irenaeus Bierbaum, sendo dedicada a São Francisco. O seu primeiro preside foi o Pe. Lucinius Korte, que fora coadjutor do Pe. Zeno Wallbröhl em Blumenau. Foi, por sua vez, coadjuvado pelo Pe. Theobald Herke.


A dificuldade do aprendizado do italiano do Pe. Theobald Herke (1869-1898)


Pe. Theobald Herke nascera em Oestrich na diocese Limburg, tendo entrado na Ordem logo após os seus estudos humanísticos com apenas 18 anos. Após ter sido consagrado sacerdote em 1893, transferiu-se para o Brasil, terminando os seus estudos na Bahia. Enviado a Rodeio, ali dedicou-se à missão com grande afinco, encontrando porém grandes dificuldades em aprender o italiano. Por essa razão, foi de novo transferido para a Bahia. Ali, pôde então atuar diligentemente como confessor e em missões populares até a sua morte com apenas 29 anos. (op.cit. 151)


Um sacerdote proveniente do Veneto: Pe. Athanasius Piccoli (1843-1905)


Exemplo de entrada para a Ordem franciscana da Província da Saxônia por um sacerdote procedente do Veneto foi o Pe. Athanasius Piccoli. Nascido em Costoza na província de Veneza em 1843, então pertencente à Áustria-Hungria, entrou para a Ordem em Barbarno em 1860. Como os seus pais eram muito pobres, teve a concessão da Santa Sé que trabalhasse por algum tempo como padre secular para possibilitar-lhes viver.


Tendo atuado vários anos na diocese de Mantua - cujo bispo seria posteriormente o Papa Pio X -, foi enviado como missionário à Turquia, assistindo a seus compatriotas, mas também a turcos abandonados. Após ter atuado durante 16 anos entre italianos no Rio Grande do Sul, pediu ao Provincial dos Franciscanos a entrada na Ordem, tomando o hábito de novo em 1904 em Rodeio. (op.cit. 154)


Diversidade cultural do distrito de Rodeio e construções: convento, escola, igreja


Ao distrito Rodeio pertenciam 16 pequenas comunidades com capelas constituidas por por italianos, brasileiros, poloneses, hüngaros, belgas e alemães, num total de ca. 7000 pessoas. (loc.cit.)


No decorrer dos anos, sentiu-se a necessidade de substituir o pequeno convento por um maior, assim como a da ampliação da capela. Esta servia ao mesmo tempo de escola. Construiu-se então uma igreja de grandes dimensões, em estilo de basílica italiana em correspondência à cultura de proveniência dos colonos, obra que exigiu grande empenho dos Franciscanos no angariar fundos e muitos sacrifícios da população. (loc.cit.)


Em 1900, a residência de Rodeio foi elevada a convento e este destinado ao noviciado. No meio da floresta, distante dos centros mais populosos e agitados, o convento de Rodeio oferecia condições ideais para a vida religiosa segundo os ideais Franciscanos.


„Uma melhor escolha não podia ter sido encontrada, pois essa localidade magnífica em meio da mata não é perturbada por nenhum ruído do mundo externo e era como que ideal para o objetivo. Nessa época, a comunidade era constituída, sem os noviços e alguns irmãos, apenas por três padres, que tinham que cuidar de ca. de 28 capelas com ca. 9000 a 10000 almas em território que exigia 3 dias de viagens.“ (oPe.cit. 116)


Em 1901, Rodeio foi elevado a paróquia e separado de Blumenau. Assim como em Blumenau, os Franciscanos se empenharam em Rodeio pela vinda de irmãs da Divina Providência para o ensino, em particular o feminino. Com elas vieram duas religiosas italianas, passando assim a ser o colégio dirigido pelas religiosas e o ensino, em italiano, ministrado de forma mais adequada e eficiente por aquelas de língua italiana.


Do convento de Rodeio sairam vários religiosos, sacerdotes e leigos, assim como religiosas que entraram ou para as Irmãs da Imaculada Conceição de Nova Trento ou para as da Divina Providência.


Como não havia jornal italiano para os colonos, os Franciscanos, ainda que alemães, passaram a editar um pequeno semanário de título L‘Amico.


Empenho no melhoramento de vida material de colonos


Ao mesmo tempo, os religiosos passaram a contribuir ao melhoramento material da vida da população. Fundaram sociedades de consumo para a compra e venda de produtos a preços módicos. O Pe. Lucinius Korte passou a orientar a plantação do arroz, o que se tornou principal base do desenvolvimento econômico da comunidade.


„Êle dirigiu também o cultivo de arroz e deu assim os fundamentos da posterior prosperidade da colonia, pois Rodeio hoje é amplamente conhecido pelo seu excelente arroz.“ (loc.cit.)


Dificuldades nos anos da Guerra: oponentes ao restauracionismo e política internacional


Durante a Guerra - e em parte já em anos precedentes - os Franciscanos passaram a ser alvo de animosidades de habitantes que já há muito não viam com bons olhos as atividades dos religiosos alemães, exigindo sacerdotes brasileiros. É significativo que essas animosidades tenham-se intensificado à época da Guerra, uma vez que em 1915 a Itália entrou para a Entente das nações que combatiam a Alemanha e a Áustria. Para aqueles que, embora falando o italiano, sentiam-se solidários ao Império Áustro-Hungaro, criou-se assim uma situação difícil. Houve, assim, a interação de dois fatores contrários aos Franciscanos: aquele representado pelos críticos à restauração religiosa na sua contextualização alemã, anti-secularizadora e anti-modernista, e aquele derivado do conflito político internacional.


Vindo de encontro a exigências, os Franciscanos dividiram a paróquia em três partes: a de Rodeio, a de Ascurra e a do Rio dos Cedros. A primeira continuou a ser administrada pelos Franciscanos alemães, as outras duas passaram à direção de salesianos italianos. Com isso, dividiu-se a comunidade não apenas relativamente à língua, mas sim também quanto aos vinculos culturais com as diferentes tradições das ordens e seus contextos nacionais segundo a nova ordem criada pela Guerra.


As interações entre religiosos alemães e italianos no ensino mantiveram-se e mesmo foram acentuadas com a atuação de catequistas que se dedicavam ao ensino de crianças de colonos pobres. A formação dessas auxiliares dava-se no âmbito de uma associação fundada pelo Pe. Polycarp Schuhen e na qual as catequistas levavam uma vida em comunidade segundo a regra da Ordem Terceira. A partir de Rodeio, essas catequistas atuavam em paróquias dos salesianos italianos, assim como em Nova Trento e em Indaial.


„Quanto à atividade de assistência de almas desses primeiros anos de nossas atividades em Rodeio de 1895 temos os seguintes registros: batizados 360; casamentos 55, confissoes ca. 5000, comunhões 6600, visitas a doentes 60, primeiras comunhões 120. No ano de 1925, contava-se na hoje bem pequena paróquia 28689 confissões e 46303 comunhões. Superiores do convento foram:

Pe. Lucinius Korte de 1894 -1904; Pe. Chrysostomus Adams 1904-1911; Pe. Polycarp Schuhen de 1911-1917; Pe. Nicodemus Grundhoff de 1917-1920; Pe. Polycarp Schuhen de 1920-1925“ (op,cit. 117).


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A. (Ed.).“Rodeio (SC). Imigrantes de Veneto e Trento no Brasil e a ultramontanização alemã de „irredentos“ da antiga Áustria-Hungria em estudos da região Alpes-Adria. Lembrando o Pe. Athanasius Piccoli (1843-1905)“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/8 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Rodeio_SC.html