Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos - título e coluna: P. Cletus Espey OFM, op.cit.;
no texto:
Gedenkbuch zur Jahrhundertfeier Deutscher Einwanderung (...), op.cit.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/10 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°3122




Santo Amaro da Imperatriz (SC)
Águas termais e o Espírito Santo na cultura açoriana
e na renovação retroativa do Catolicismo pelos Franciscanos alemães
Lembrando o Pe. Xystus Meiwes (1853-1926)

- homem simples da Vestfália e alma de criança -



 

A passagem dos 125 anos de falecimento da Imperatriz Dona Theresa Christina (1822-1889) no corrente ano torna oportuna a consideração de transformações religioso-culturais que se processaram no século XIX em cidade que a relembra na sua denominação: Santo Amaro da Imperatriz, em Santa Catarina.


Essa atenção torna-se também oportuna pelo fato de que no corrente ano também se completam 125 anos da proclamação da República no Brasil. Tem-se assim, duas datas que surgem como marcos de dois contextos religioso-culturais que surgem como complexos, paradoxais e que exigem maiores esclarecimentos diferenciadores.


A consideração de Santo Amaro surge como de particular importância para estudos de processos culturais relacionados com a imigração e colonização nas suas relações com tradições religiosas e missionação por religiosos europeus, em particular alemãs.


As tradições religiosas do Espírito Santo, de grande significado para a região litorânea e que remontam à imigração açoriana mais antiga, fizeram com que Santo Amaro já fosse há muito alvo de interesse e de estudos na área do Folclore. (e.o. Soares, D., Folclore Brasileiro: Santa Catarina,  Rio de JAneiro: FUNARTE/Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1979)


O reconhecimento do significado das expressões do culto ao Espírito Santo nas suas relações com um espírito da cultura nos estudos culturais e dos fundamentos teológicos da linguagem visual transmitida de remoto passado em encontro realizado em São Paulo, em 1966, sob a direção de Edgard Arantes, foi de central relevância para reflexões renovadoras nessa área. A conscientização de que o Espírito Santo está estreitamente relacionado com noções de movimentos e processos na tradição teológica, favoreceu que as atenções se dirigissem a fluxos e processualidades. (Veja A.A.Bispo, „O culto do Espírito e o Espírito da Cultura“, Brasil-Europa & Musicologia, Colonia: ISMPS/ABE 1999, 246)


Com o reconhecimento da necessidade de renovação de perspectivas nessa área em meados da década de 60 através de um direcionamento da atenção a processos e a não a esfera cultural categorizada como folclórica em distinção a uma erudita e a outra popular ou popularesca, processos históricos nas suas relações com conhecimentos ganhos da pesquisa empírica passaram a constituir foco principal de interesses.


Santo Amaro passou a surgir como campo de estudos particularmente favorável para estudos de transformações e interações de diferentes culturas tradicionais de fundamentação religiosa, mais particularmente da permanência e das mudanças de expressões culturais relacionadas com o Espírito Santo de um fundo mais remoto português insular da cultura no decorrer da imigração de outros países europeus, em particular de alemães, e do confronto de religiosos provenientes de outros contextos culturais, italianos e alemães, com essa tradição religiosa remontante aos Açores e, mais além, a Portugal medieval.



Da presença franciscana em regiões coloniais àquela mais próxima de Desterro


Os estudos que incluiram a consideração de Santo Amaro da Imperatriz nos anos que prepararam o Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“, assim como o colóquio que o seguiu em Petrópolis, em 1981, basearam-se no capítulo dedicado a essa cidade na obra comemorativa dos 25 anos do restabelecimento da Província Franciscana da Imaculada Conceição no sul do Brasil 1901-1926 (Pe. Cletus Espey, OFM, Festschrift zum Silberjubiläum der Wiederrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf.: Franziskus-Druckerei 1929)


Se os primeiros passos no estabelecimento dos Franciscanos alemães no Brasil vindos em 1891 foram dados no âmbito de contextos coloniais marcados pelo idioma e cultura alemã da Colonia de Teresópolis (Veja), fato compreensível pelo desconhecimento da lingua e do país, por razões climáticas, de aclimatação, assim como pelas circunstâncias criadas pelos seus mediadores do clero restaurador, os seus objetivos não foram primordialmente o de apenas assistir aos católicos alemães das colonias, mas muito mais amplos.


As suas finalidades compreendiam a revitalização dos conventos abandonados ou  em1858- extinção no Brasil, a vida conventual e da vida religiosa da sociedade brasileira, levando-a de novo a ter ligação mais estreita com a igreja, a frequentar missas e receber sacramentos, fato que levava-os a dar atenção especial ao crescimento do número de comunhões, primeiras comunhões, batismos, casamentos e extrema-unções; para isso, porém fazia-se necessário fomentar a formação adequada de religiosos e a disciplina do clero em geral.


Em Santa Catarina, devido às características da sociedade colonial, a atuação dos Franciscanos não foi dirigida a alemães precipuamente, mas a católicos em população predominantemente alemã mas que possuia grandes contingentes de colonos católicos de outros idiomas e proveniência, sobressaindo-se italianos. O caminho para a sociedade por êles designada como luso-brasileira deu-se por vezes pelo desvio através de italianos e padres italianos.


No caso de Santo Amaro, esse papel foi desempenhado pelo vigário da localidade Pe. Archanjo Ganarini, de origem italiana. Após 16 anos de atividades em Santo Amaro, desejando retirar-se, pediu aos Franciscanos que se encontravam na paróquia vizinha de Teresópolis que assumissem a administração da de Santo Amaro. Repetia-se, assim, o mesmo caminho já trilhado anteriormente: o da tomada de paróquias a convite de padres que, cansados, desejavam afastar-se e não encontravam sucessores no clero secular. Comunidades que até então tinham sido dirigidas por sacerdotes seculares passavam, assim, para religiosos de ordens, vivenciando, assim, uma transformação de sua vida religiosa.


Houve, do lado da Ordem, outras razões que levaram à aceitação do pedido desse pároco italiano de Santo Amaro e à fixação de religiosos na localidade. Esse seu estabelecimento foi resultado indireto da insistência de Dom José de Camargo Barros (1858-1906), de formação jesuitica em São Paulo e nomeado a primeiro bispo de Curitiba em 1894, que desejava que os Franciscanos que se encontravam em regiões coloniais se estabelecessem também em Curitiba, cidade de sua residência.


Para isso, sugeriu que os frades abandonassem Teresópolis, argumentando ser esta uma paróquia pequena, capaz de ser suficientemente assistida por sacerdotes que viessem de quando em quando de Blumenau. Esse plano, porém, surgia aos Franciscanos como irrealizável a longo prazo devido à grande distância entre Blumenau e Teresópolis, fazendo com que a viagem durasse três dias.


A decisão do estabelecimento em Santo Amaro foi facilitada pelo fato de ser favorável e mesmo necessária a presença franciscana em Florianópolis ou em região mais próxima da capital, uma vez que o desenvolvimento dos trabalhos da Ordem exigia contatos com autoridades civís e eclesiásticas. O estabelecimento dos Franciscanos alemães na capital de Santa Catarina não se deu assim na própria ilha, mas sim no continente, à distância de apenas ca. de 28 km da capital, fato explicável por razões circunstanciais.


A situação favorável de Santo Amaro segundo critérios franciscanos


Um outro fator que não pode ser desprezado e que é sugerido pela crônica do Pe. Cletus Espey OFM é o da posição liminar e as condições naturais da localidade. Como em outras fundações, os missionários estabeleciam-se em locais mais afastados dos grandes centros, mais movimentados e marcados por atividades de negócios, interesses materiais em geral e modos de vida mais distantes da igreja, correspondendo a seus ideais de distância ao „mundo“.


Nessas situações mais afastadas, próximas à população modesta, que vivia do trabalho mais próximo à natureza, podiam viver os seus ideais de simplicidade, modéstia e pobreza, além de atuar entre famílias ainda mais marcadas pela tradição religiosa e receptivas à reintensificação da vida de igreja e à defesa da moral segundo as normas eclesiásticas. A crônica franciscana do Pe. Espey salienta assim as qualidades naturais da região escolhida, aprazível e bela, emoldurada por altas montanhas.


„Santo Amaro, que deriva o seu nome do padroeiro da sua primeira capela (S. Maurus), situa-se a ca. de 28 km da capital do Estado de Santa Catarina numa região cheia de graça, fechada por altas montanhas (entre elas o Taboleiro - 1400 metros de altura). No ano de 1854 a localidade foi elevada à paróquia, tendo sido administrada por sacerdotes seculares até 1900. O último dessa série foi o Pe. Archanjo Ganarini, um sacerdote diligente a Itália, que agiu por 16 anos a fio como pároco de Santo Amaro. Quando os primeiros Franciscanos alemães assumiram a sua paróquia vizinha de Teresópolis, dirigiu-se repetidamente a êles com o pedido, também de assumirem a de Santo Amaro, pois queria retirar-se devido a fraquezas da idade. Circunstâncias singulares obrigaram logo aos Franciscanos a aceitar tal pedido“( Pe. Cletus Espey, op.cit. 121)


Construção da grande igreja de Santo Amaro, do convento e escola paroquial


O primeiro pároco franciscano de Santo Amaro foi o Pe. Xystus Meiwes, tendo como coajutor o Pe. Polycarp Schuhen. Com a intensificação das atividades, logo foi aumentado o número dos religiosos que passaram a assistir três paróquias e 25 capelas.


Além das atividades de assistência religiosa, os Franciscanos alemães de Santo Amaro empenharam-se como em outros locais desde o início na construção de uma grande e magnificente igreja paroquial e que tinha o intento de vir a ser uma das mais belas do Estado, o que, de fato, aconteceu.  As atividades construtivas dos Franciscanos em Santo Amaro prosseguiram com a construção de um novo convento com ampla capela, projeto iniciado em 1904 e que pôde ser habitado já em 1906.


A igreja matriz foi edificada no alto de uma colina no centro da localidade, em estilo neogótico, correspondente ao espírito restaurativo dos desenvolvimentos eclesiásticos na Europa e visto como particularmente adequado para a restauração católica no Brasil. Esse plano religioso-cultural que se manifestava na arquitetura pôde ser concretizado apenas através do extraordinário empenho do Pe. Jakobus Höfer, uma vez que a paróquia se situava em comunidade pobre, o que dificultava o levantamento de fundos. A igreja, iniciada em 1907, foi consagrada em 12 de novembro de 1911.


„A construção imponente, de três naves, de 48 metros de comprimento e 17 de largura, em estilo gótico, localiza-se numa colina no centro da localidade e representa um feito imenso nas condições paupérrimas do local.“ (op.cit. 122)


À solenidade de consagração concorreu grande massa popular. Nessa ocasião, o feito construtivo do Pe. Jakobus Höfer, que exigiu tantos esforços da população, foi reconhecido pelo próprio bispo diocesano Dom João Baptista Becker (1870-1947), primeiro bispo de Santa Catarina, que a êle dedicou um hino de louvor que foi ensaiado e interpretado por escolares por ocasião da solenidade.


Esse ato de Dom J. B. Becker testemunha o seu apoio ao trabalho dos Franciscanos alemães, o que é compreensível devido à sua origem, formação e à sua orientação. Nascido na pequena cidade de Sankt Wendel, diocese de Trier, tendo emigrado quando criança com os pais para o Brasil, crescendo significativamente em povoação designada como Santo Vendelino, Dom Becker havia recebido uma formação teológica marcada pelos jesuítas, tendo estudado no Colégio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo e no Seminário Diocesano de Porto Alegre, assumindo a diocese de Florianópolis em 1908, então subordinada à do Rio de Janeiro.


Foi, no ano seguinte àquele da consagração da igreja de Santo Amaro nomeado a Arcebispo da Arquidiocese de Porto Alegre, passando a Diocese de Florianópolis a ser sufragânea, desmembrando-se da Arquidiocese do Rio de Janeiro. O seu grande zêlo foi o da formação escolar e a de sacerdotes visando a criação de uma nova geração de clérigos segundo o espírito e a disciplina da restauração católica. Empenhou-se, assim, a que cada paróquia tivese a sua escola paroquial. Este foi também o caso em Santo Amaro, sendo a escola paroquial inicialmente estabelecida na casa paroquial e, a seguir, devido à falta de espaço para o crescente número de alunos, no convento. 


O convento foi posteriormente entregue às irmãs da Providência Divina, que desde 1910 passaram a dirigir a escola paroquial. Os Franciscanos construiram então um novo convento que, adjunto à igreja, facilitava as suas atividades.


Xystus Meiwes (1853-1926) - Homem simples da Vestfália e alma franciscana de criança


A escolha do Pe. Meiwes para a direção das atividades franciscanas em Santo Amaro não podia ter sido mais adequada, uma vez que pela sua formação e características de sua personalidade e de seu procedimento vinha de encontro à simplicidade, à modéstia e à alegria simples de uma população marcada tradicionalmente pelo culto ao Espírito Santo.


Como o necrológio do Pe. Cletus Espey lembra, Meiwes tinha sido o mais idoso dos Franciscanos vindos ao Brasil e um de seus pioneiros,  sendo considerado como um „pai da Província“ pelos demais e tratando-os como filhos. Característica da sua personalidade era a de um espírito de criança, que harmonizava com uma profunda religiosidade e que era fonte de alegria. Com essas características vinha de encontro a uma sociedade que, como a presença de crianças - e do imperador menino - nas tradições do Espírito Santo manifestam - tinha como ideal a pureza, a simplicidade e a alegria infantil.


„De resto, era um vestfálio puro, modesto, e ao mesmo tempo uma verdadeira alma de Nataniel, na qual nada havia de falso. Nascido em Hagen de Delbrück no dia 2 de fevereiro de 1853, trabalhou primeiramente na agricultura na herdade paterna, começando com o estudo apenas em meio a seus vinte anos. No dia 19 de outubro de 1880 recebeu o hábito de São Francisco e foi consagrado sacerdote com 36 anos. Como tal atuou com grande diligência em especial e por longos anos em Teresópolis entre camponeses de origem alemã, mas tarde na mesma função em Santo Amaro. Em Blumenau assumiu depois por uma série de anos a função de um vigário do convento e educador dos irmãos leigos. Pelo seu bom exemplo e o seu ser sempre alegre e obediência em modéstia a superiores muito mais jovens agiu de forma abençoada na grande comunidade. Gostava muito de brincadeiras ingênuas. Se fosse êle próprio alvo de gozações, era o primeiro a rir de si próprio.“ (op. cit. 171)


Águas termais e conceitos religiosos relacionados com a ação do Espírito Santo


Uma aproximação primordialmente fundamentada em observações empíricas de tradições do Espírito Santo em Santo Amaro não é suficiente para o esclarecimento desses processos, sendo necessário considerar a história que coloca a região no contexto mais amplo do desenvolvimento global de estâncias termais, emprestando-lhe um significado de dimensões internacionais.


As fontes termais foram ali descobertas já à época da presença da Corte no Brasil, em 1813, datando desses anos confrontos entre militares e populações indígenas. Data do Reino Unido a instalação de um hospital e um primeiro balneário com águas consideradas curativas. A visita do Imperador e Dona Theresa Christina, em 1845, justificou a denominação posterior de Caldas da Imperatriz ao local denominado anteriormente de Cubatão. Como em outros contextos,  a Imperatriz, com a sua profunda mas simples religiosidade de formação napolitana, na qual se diferenciava daquela de Dom Pedro II, não poderia ter visto as fontes de águas curativas do local sem nelas ver dimensões religiosas, no que vinha de encontro a uma população marcada profundamente por tradições religiosas, tornando-se protetora do hospital de Caldas.


Uma particular atenção merece a veneração de Santa Ana na região, sendo a ela devotada uma capela construida na década de 30 do século XIX. Não se pode esquecer, porém, que o culto de Santa Ana, compreensível pelas condições naturais sobretudo pelo fato da região baixa ser rodeada de montanhas, não pode ser separado daquele de Maria, venerada sobretudo nas regiões litorâneas, em particular na tradição de Nossa Senhora do Rosário em Enseado do Brito.


A população da localidade denominada então de Arraial do Cubatão foi constituida sobretudo por habitantes provindos de São José e Enseada do Brito. O desenvolvimento do povoado foi possibilitado pelo comércio de mantimentos para revendedores das regiões serranas. O  fundo da população de ascendência alemã constituiu em famílias que para ali se transferiram de Teresópolis. Esse desenvolvimento levou à sua elevacão a freguesia em 1854 e à paróquia sob o título de Santo Amaro na igreja de Santa Ana. Esta foi agregada em 1890 à paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Enseada do Brito. Ambas passaram em 1894 a integrar o município Palhoça.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo






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Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A. (Ed.).“Santo Amaro da Imperatriz (SC).
Águas termais e o Espírito Santo na cultura açoriana e na renovação retroativa do Catolicismo pelos Franciscanos alemães. Lembrando o Pe. Xystus Meiwes (1853-1926) - homem simples da Vestfália e alma de criança“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/10 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Santo_Amaro_da_Imperatriz.html