Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Santos. Foto A.A.Bispo ©


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Fotos A.A.Bispo 1979, 1981, 1987, 2013
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/3 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3115



Santos (SP)
Convento de Santo Antonio: intentos restaurativos da Religião e Moral
em zona ferroviária e portuária à época do apogeu da exportação de café

 
Santos. Foto A.A.Bispo ©

Surge como uma exigência atual nos estudos de processos culturais considerar com particular atenção as tensões e preocupações que resultam do recrudescimento religioso em diferentes regiões do globo, entre elas o Brasil, assim como o seu fomento sob o signo de re-evangelização da Europa e de novo espírito missionário em geral. (Veja)


Esse estado de latente ou já manifesto conflito, e que diz respeito às relações entre religião e ciência, entre empenhos anti-secularizadores e anelos ao progresso de conhecimentos e esclarecimento, tem sido comparado com aquele do século XIX designado como „luta cultural“.


Esse termo dirige a atenção primordialmente à Alemanha, às relações tensas entre o Catolicismo  e o Estado, em particular aos anos posteriores ao Concílio Vaticano I com a acentuação da autoridade de Roma - daí ultramontana - e a obrigação anti-modernista na formação religiosa e do clero.


Em século voltado ao desenvolvimento econômico, ao progresso da técnica e das comunicações, da aproximação entre regiões e povos, propiciada pelos transportes ferroviários e da navegação a vapor, possibilitadores de uma intensificação do comércio e fatores das transformações da vida social e cultural, compreende-se a insegurança, os receios daqueles que viam criticamente essas mudanças como sinais de perda de sentido religioso da população e decadência moral.


Compreende-se, também, que procurassem empenhar-se pela disciplina e formação do clero, pela recuperação da vida religiosa nas famílias através de maior frequência a atos de culto e da vida comunitária, pela defesa da moral que viam em perigo e contra formas de comportamento e de trajar que viam como expressões de vaidade, sensualidade ou licenciosidade.


Os missionários alemães que vieram para o Brasil reconstruir a vida conventual aproveitando a nova situação criada pela República, condicionados pela sua formação e socialização, transpuseram situações européias contextualizadas na Alemanha para o país em que iriam atuar, vendo sob a liberdade religiosa possibilitada pela República a há tanto desejada liberdade para combater o que viam como herança do Esclarecimento e da secularização e para agir na defesa da moral e dos costumes. A atuação desses religiosos não se limitou assim à reconstrução e ao repovoamento de conventos, abandonados ou em extinção; ela foi muito mais abrangente.


Santos. Foto A.A.Bispo ©

Santos na pesquisa músico-cultural de orientação segundo processos


Estrada Velha-S.Paulo-Santos. Foto A.A.Bispo ©
Desde meados da década de sessenta deu-se início a pesquisas da cultura musical de Santos, possibilitada tanto por elos com grupos da imigração portuguesa e seus descendentes, em particular da Madeira, como por professores que atuavam em conservatórios da cidade, concursos e horas de arte que se realizavam no antigo Hotel Balneário no Gonzaga.


Com a preocupação por uma renovação de disciplinas voltadas a estudos históricos e empíricos da música segundo uma orientação da atenção a processos, atentando-se em especial a transpassagens de esferas do erudito e do popular, reconheceu-se o papel que cabia a Santos por ser porto de saída e entrada da capital e do interior do Estado e assim de relações com outras cidades e regiões do Brasil e do Exterior. Essa posição vinha de encontro à orientação dos estudos segundo processos e transformações culturais, entre êles aqueles referentes à manutenção de tradições por portugueses continentais e ilhéus e a seu papel na vida musical e artística em geral da cidade.


A religiosidade dos portugueses dirigiu a atenção em particular a questões de música sacra e de expressões tradicionais de cunho festivo e religiosos, também relativamente ao culto de santos nas suas interações com práticas brasileiras. Nesse intento, reconheceu-se a influência que o movimento restaurador litúrgico-musical exerceu por décadas na prática musical das igrejas de Santos, levando ao término da antiga prática sacro-
Santos. Foto A.A.Bispo ©
musical de forma mais radical do que em muitas outras cidades, o que explicava a dificuldade de descobrimento de repertórios, de nomes e rêdes de um passado mais remoto.


A atenção foi dirigida, nesses estudos, ao florescimento da vida musical de Santos na década de 70 do século XIX e que pode ser explicado pelo desenvolvimento econômico possibilitado pelo seu porto e pela ligação ferroviária com a capital e o interior.


Nomes que se distinguiram nessa época foram as do mestre Luiz Arlindo da Trindade e de outros músicos dessa família, como Amaro Pinto da Trindade, Jeremias Propheta da Trindade e Manoel Nolasco Trindade. Vários outros músicos e mestres indicam um desenvolvimento da música de banda e de igreja da prática instrumental popular e de salão, assim como do ensino que marcou as décadas seguintes de 80 e 90, como Alexandre Jesuino de Carvalho, Justiano da Costa, Joaquim Apollinário da Silva e Manoel Joaquim da Silva, assim como Ricardo Henrique da Rocha Lima e o professor de canto Joaquim José da Costa e Silva. Uma segunda fase de apogeu poderia ser situada em fins do Império, aundo se destacou o mestre João Bento de Amorim, regente da Sociedade Musical 15 de abril.


Já em fins do século ali atuava um músico alemão, o professor de piano Theodor Sulzer, nome que exigia maior atenção nos estudos dos fundamentos da tradição pianística de Santos. Essa constatação dirigia a atenção ao significado de Santos como local de passagem dos imigrantes de diversas proveniências que se dirigiam à capital ou a zonas de colonização do interior do Estado. Santos assume, sob esse aspecto, significado em estudos voltados à imigração e colonização.


A essas questões consideradas pela pesquisa somaram-se à época do desenvolvimento das pesquisas voltadas a processos culturais em Santos àquelas resultantes das mudanças da prática musical nas igrejas após o Concílio Vaticano II e que, com a promoção particularmente intensa da atividade musical da assembléia no canto comunitário constatada em Santos, teve consequências para a existência de coros e da prática organística.


O Franciscanismo em Santos no Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ de 1981


Questões que aqui se levantaram, analisadas em contextos mais abrangentes, foram tratadas no Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ de 1981 e que teve como principal tema as relações entre reformas eclesiásticas nas suas inserções e consequências político-culturais. (Veja


Esse evento apenas pôde ser realizado sob o pano de fundo das pesquisas já há muito iniciadas no Brasil e aprofundadas nos seus contextos com desenvolvimentos internacionais na Alemanha desde 1974. (Veja) O escopo, a programação e os trabalhos desse simpósio foram resultados desse desenvolvimento de anos e que incluiu estudos em centros especializados em história missionária e questões missiológicas e igrejas da história franciscana, entre êles aqueles de Harreveld e Warendorf.


A atenção foi dirigida aos conventos Franciscanos que tiveram a sua sobrevivência permitida pelo rei da Prússia no iséculo XIX, como Paderborn, Dorsten, Warendorf, Rietberg, Neviges e Wiedenbrück, A cidade de Harreveld nos Países Baixos desempenhou importante papel, pois foi um dos principais locais para onde se abrigaram os Franciscanos perseguidos à época da „luta cultural“, inserindo-se assim no amplo campo de preocupações do Provincial Gregor Janknecht OFM (1829-1896), que foi também principal vulto na vinda de Franciscanos alemães para o Brasil. A vinda de missionários
para o Brasil insere-se no contexto mais amplo do retorno de missionários de Harreveld e de outros locais à Alemanha, possibilitado por permissão oficial prussiana de 1888. (Griesenbrock, H. „P. Gregor Janknecht - Neubegründer der Franziskanermission in Brasilien“, 1891-1992 Neubeginn der Franziskaner in Brasilien 1,1992, Werl:Missionsverwaltung der Franziskaner, 4-21)


A discussão da história franciscana nos trabalhos que precederam o evento e nas suas sessões baseou-se sobretudo na publicação comemorativa pelos 25 anos de reinstalação da Província da Imaculada Conceição no sul do Brasil, publicada na Alemanha em 1929 e que inclui um capítulo dedicado a Santos. (P. Cletus Espey OFM, Festschrift zum Silberjubiläum der Wiederrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf.: Franziskus-Druckerei 1929, 133-4)


No Simpósio de 1981 e no colóquio que a êle se seguiu no centro franciscano de Petrópolis, considerou-se o Franciscanismo nas suas relações com a política cultural na Alemanha e no Brasil em fins do século XIX e na atualidade das reformas pós-conciliares. A ação dos Franciscanos no movimento restaurador litúrgico-musical no Brasil foi considerada com atenção, uma vez que os desenvolvimentos que desencadearam e as suas concepções passavam a surgir como época passada e mesmo encerrada no entusiasmo das reformas pós-conciliares.


A vinda de Franciscanos alemães apenas pode ser compreendida, porém, sob o pano de fundo do processo de gradual extinção da vida conventual no Brasil no período anterior à proclamação da República, e que era expressamente visto pelos Franciscanos como herança secularizadora do Esclarecimento, representada pelo Imperador banido, D. Pedro II. Um dos objetivos do Simpósio foi, assim, o de retomar uma questão que já levara a festival da Sociedade Nova Difusão e do Departamento de Cultura do Município de São Paulo em 1970: o da necessária atualização de concepções e imagens de cultura, arte e música colonial a visões orientadas segundo o colonialismo como processo. (Veja)


Assim orientados, os estudos referentes à época anterior à emancipação política do Brasil passavam a inserir-se em processos abrangentes, possibilitando considerar o colonialismo de imigrantes - e o espiritual de ordens estrangeiras - do século XIX no contexto histórico mais amplo e em desenvolvimentos que marcam desde os Descobrimentos a extensão européia ao Brasil. Somente essa visão dirigida a processos poderia oferecer soluções para uma política cultural refletida e consciente, valorizando expressões de diferentes contextos epocais e impedindo os repetidos empobrecimentos patrimoniais que as reformas eclesiásticas trouxeram.


No contexto colonial de imigração em que os religiosos alemães primeiramente atuaram nos Estados do sul, a transposição da situação alemã para o Brasil - ou o reconhecimento de similares desenvolvimentos globais ou no país - disse respeito não apenas às tensões entre católicos e protestantes, mas também e sobretudo entre agentes de uma revitalização da religião e da moral com autoridades, imprensa e personalidades que viam criticamente esses intentos anti-secularizadores e que eram vistas pelos Franciscanos como vozes da Franco-Maçonaria.


Em zonas de expansão colonial a novas terras ao interior de Santa Catarina, Paraná ou Rio Grande do Sul, procuraram combater um espírito marcado pelo desejo de enriquecimento e crescimento material de empreendedores e de colonos que procuravam o sucesso na nova terra, com as suas manifestações visíveis no comportamento e nos trajes.


O grande confronto com as transformações sociais e culturais que acompanhavam expansões, o desenvolvimento agrícola, comercial e industrial deu-se nas grandes cidades, em particular em São Paulo. Significativamente, centros da ação missionária na recuperação da vida religiosa das famílias, da defesa da moral e da decência de costumes sob o signo da modéstia cristã desenvolveram-se no bairro industrial do Brás, onde residiam sobretudo imigrantes (Veja), e nas regiões do interior marcadas pelo desenvolvimento das plantagens de café, sobretudo num dos seus principais núcleos de produção: Amparo. (Veja)


Relações entre o convento de São Paulo e o de Santos


A questão do revitalização ou mesmo da reconstrução de antigos conventos paulistas revelou-se como particularmente difícil para os religiosos alemães. O principal convento, o de São Francisco, na capital, encontrava-se há décadas ocupado pela Faculdade de Direito. Não havia maior testemunho das tensões entre dois processos: o da secularização e o da anti-secularização, uma vez que no Convento da capital se manifestavam as dimensões espirituais e mentais desse campo de forças contrárias: universidade e igreja, procura de conhecimentos e filosofia em anelos esclarecedores e os ideário dos missionários.


Essas dimensões intelectuais e filosóficas Academia/Ordens, que também tiveram a sua expressão no Nordeste, em particular em Olinda - não se colocam no centro das atenção nos estudos do movimento restaurador dos Franciscanos alemães nos outros antigos conventos do Estado de São Paulo. Aqueles do interior e do litoral que traziam à memória a força da presença franciscana em séculos passados em localidades históricas como  Itanhaém (1654/55) e São Sebastião (1650), Itu (1704), Taubaté (1754) encontravam-se em abandono ou em extinção.


Entre êles, destacava-se o convento de Santo Antonio de Santos, uma vez que existiam estreitos laços históricos com o de São Paulo. Tanto no passado mais remoto como nessa época de apogeu do café, que tinha a sua saída pelo porto de Santos, ambos os conventos estiveram relacionados.


A consideração do papel exercido por esse convento no campo de tensões entre secularização e anti-secularização exige necessariamente outras aproximações do que aquelas adequadas ao Convento de São Francisco da capital. No centro das atenções encontra-se aqui o fato de localizar-se à em zona marcada pelo porto e pela ferrovia que o ligava a São Paulo. Nesse sentido, êle deve ser visto no contexto das transformações urbanas por que passou Santos com a importância crescente que adquiriu o seu porto e com a construção da estrada de ferro. Se o processo secularizador em São Paulo manifestou-se da forma mais evidente no fato do Convento de São Francisco ter passado a dar lugar à Academia, o de Santos deu lugar em parte à estação!


Historicamente e do ponto de vista da situação urbana original, muitos foram os elos e similaridades entre os conventos de São Paulo e Santos. A fundação do convento de Santos foi também como no caso de São Paulo decisivamente marcada pela ação de Fr. Manuel de Santa Maria O.F.M., que inspecionou o local em 1639 e os meios da população de Santos. Ambos os conventos foram instituidos por decisão do Capítulo na Bahia, após o seu retorno, passando o de Santos a ser dirigido pelo Fr. Pedro de São Paulo, a partir de 1640. Com êle vieram quatro religiosos e dois irmãos leigos, entre êles o mestre-de-obras Fr. Antonio de São José. Primeiramente abrigados na ermida de Nossa Senhora do Desterro - denominação significativa - passaram ainda no mesmo ano ao convento que ainda se encontrava em obras em terrenos que haviam sido doados. Em 1642, deu-se início à igreja que atravessaria os séculos. Para além da vida conventual e da comunidade local, os Franciscanos tinham como obrigação dar assistência à fortaleza da Barra Grande. (Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo I, São Paulo: Martins 1953, 203)


Do ponto de vista da situação urbana, também o Convento de Santos situava-se em situação originalmente liminar, à beira do núcleo urbano, nos limites entre o centro agitado, com costas para o intricado complexo de canais dos mangues, ao lado dos morros, entre o mundo da população simples que ganhavam os seus meios de subsistência sobretudo no mar. Essa situação correspondia à procura de situação propícia ao exercício e à irradiação de virtudes e formas de comportamento Franciscanos, de simplicidade, modéstia, silêncio e alegria seráfica.


Esse passado do antigo Franciscanismo luso e brasileiro em Santos encontrava-se em vias de ser encerrado em fins do Império. Como em outros casos, passou-se a procurar caminhos para a sua revitalização com a liberdade às ordens religiosas e à admissão de noviços possibilitada pelo novo regime.


Papel de particular importância desempenhou o então Arcebispo de São Paulo Dom Duarte Leopoldo e Silva (1867-1938), principal motor da reforma da Igreja em São Paulo segundo determinações e o espírito restaurativo de Roma, da correspondente formação de nova geração de sacerdotes e da reintensificação religiosa das famílias. A sua orientação e suas medidas tiveram a sua expressão mais evidente na arquitetura e na música, marcando em São Paulo a concretização das normas litúrgico-musicais do Motu Proprio de Pio X de 1903. (Veja) Não se pode esquecer que Dom Duarte Leopoldo e Silva tinha sido anteriormente bispo de Curitiba, estando consciente do papel que os Franciscanos alemães desenvolviam não só nas suas novas fundações em regiões de imigração, mas também em contextos altamente complexos da expansão comercial no interior do Paraná, marcados por uma mentalidade dirigida ao lucro e por indiferença religiosa, cujo maior exemplo, para os Franciscanos, era Palmas.


No caso de Santos, teve-se o cuidado que o pedido ao Provincial da Ordem de envio de Franciscanos para a revitalização do convento partisse da própria população. Para essa missão, nomeou-se o P. Andreas Noirhomme como preside, tendo como auxiliares Ignatius Hinte e Anselmus Böckenholt.


De Lages a Santos e a Santarém: P. Andreas Noirhomme (1864-1913)


Também nos trabalhos que antecederam ao Simpósio Internacional de São Paulo e ao colóquio que se seguiu em Petrópolis em 1981 deu-se particular atenção ao contexto no qual se formou o P. Andreas Noirhomme, uma vez que nasceu em Sommersweiler, diocese de Colonia, tendo exercido atividades de ensino na Alemanha antes de entrar para o noviciado em Harreveld. Já antes do término do período preparatório pediu que fosse enviado para a missão no Brasil, onde foi sagrado sacerdote em 1896. Tendo atuado em Santarém, para onde dirigiu-se em 1911, onde exerceu  o cargo de um Comissário Privincial e onde veio a falecer de febre em viagem de missão pelo Tapajós, justificou essa trajetória de vida que se realizasse uma viagem a esse centro amazonense em meses que antecederam ao evento em São Paulo.


Ao vir para Santos, já trazia experiência de Blumenau e de Lages, sobretudo na área do ensino. O seu maior empenho era voltado à construção de escolas com o intuito de revivificar o espírito religioso que via desaparecido em muitas partes do Brasil. Nesse sentido, correspondia aos intentos de autoridades do Episcopado da época, em particular de Dom João Baptista Becker (1870-1947), primeiro bispo de Santa Catarina. O Colégio São José de Lages experimentara sob a sua atuação um periodo de grande desenvolvimento, a ponto de, em 1903, ser reconhecido como ginásio oficial pelo Govêrno do Estado. O Pe. Noirhomme fundara também em Lages uma escola paroquial para meninas, conseguindo como professora uma brasileira até a chegada de irmãs da Divina Providência em 1901 e que ampliaram a instituição, transformando-a em Pensionato. O Pe. Noirhomme foi logo nomeado guardião, pároco e definidor, o que testemunha o reconhecimento que teve a sua capacidade administrativa, ainda que a sua maior dedicação tenha sido a da construção de escolas com o sentido de revificar o espírito religioso. (P. Cletus Espey OFM, op.cit. 158)


Ao chegar em Santos, o Pe. Noirhomme encontrou um convento em estado quase que totalmente arruinado. Grande parte do edifício, justamente a sua ala principal havia sido demolida, sendo no terreno edificada a estação ferroviária. Se o de São Paulo estava ocupado pela Faculdade de Direito, pelo menos uma instituição dedicada a estudos, o convento de Santos tinha sido em parte substituido e se encontrava à sombra da estação final da ferrovia que ligava o porto à capital e ao interior, em constante e extraordinária movimentação e ruídos. Além do mais, como a sua própria arquitetura vitoriana denotava, tratava-se de uma companhia inglesa, irradiando atmosfera voltada ao desenvolvimento mercantil, técnico e industrial.



Devido ao estado ruinoso do edifício que havia restado e pelas condições sentidas como inadequadas da presença da estação na sua própria área, os Franciscanos decidiram dar início a seu assentamento em outro bairro da cidade. Também em Santos, portanto, como em São Paulo onde os Franciscanos procuraram o bairro do Pari, uma nova fundação surgia como de mais fácil realização e mais promissora para a formação de uma comunidade de vida religiosa segundo os ideais restaurativos do que aquela que se encontrava já não mais em situação liminar, mas envolvida na movimentação, no materialismo e na vida sentida como mundana do centro expandido de Santos. As dificuldades foram tão grandes que os Franciscanos abandonaram a cidade. Essa fase reconstrutiva sob a égido do Pe. Andreas Noirhomme não foi assim bem sucedida, fato compreensível pelo fato do Convento de Santos não poder corresponder às tendências educativas que marcaram a vida desse religioso.


Relações da Ordem Terceira com a restauração conventual pelos Franciscanos alemães


Com a saída dos missionários, a antiga igreja, entregue aos cuidados da Ordem Terceira, passou a ser assistida por sacerdotes vindos de São Paulo, que desciam a serra algumas vezes por mês. Como essa situação não podia ser definitiva e trazia dificuldades para São Paulo, o Arcebispo paulista empenhou-se novamente na conquista de novos Franciscanos para Santos. Tendo-se presentes as tensões entre a Ordem Terceira que havia mantido por décadas o Franciscanismo vivo em São Paulo e os Franciscanos alemães que chegaram e procuravam tomar novamente as diretrizes da igreja conventual, compreende-se que a situação em Santos, onde também o convento se encontrava aos cuidados da irmandade, não podia ser de agrado à autoridade eclesiástica.


Na procura de uma solução para Santos, elevou-se o bairro da igreja à paróquia, possibilitando meios e dando assim mais liberdade de ação aos Franciscanos. A paróquia abrangia não só o bairro como todas as ilhas ao norte da entrada do porto, assim como o interior das terras de Santos. As ruínas do convento foram restauradas na medida das possibilidades e criadas instalações para a pequena comunidade conventual. A paróquia passou a ser dirigida pelo P. Redemptus Kullmann O.F.M., sendo os trabalhos reconstrutivos foram conduzidos por Franciscanos de São Paulo. As condições climáticas, porém, impuseram dificuldades à vida dos religiosos alemães. Retirando-se por doença ainda no mesmo ano de 1923, o P. Kullmann passou o seu cargo ao P. Lucinius Korte, religioso que trazia grande experiência das fundações do sul do Brasil, em particular devido à sua intensa atuação em Blumenau.


Problemas dos intentos religiosos e de moralização em zona portuária


Em crônica do P. Cletus Espey salienta-se porém os resultados pouco satisfatórios até então alcançados. A igreja sempre foi pouco visitada. Apesar dos esforços, não se conseguira alcançar uma maior frequência de fiéis às missas e a outro atos, permanecendo os vínculos com a igreja distantes. Sobretudo o número de confissões era baixo.


Uma reintensificação da vida religiosa tornava-se assim difícil. Se no passado a ação dos Franciscanos puderam fundamentar-se na tradição religiosa de pescadores, a situação encontrava-se, portanto, totalmente modificada com o crescimento do porto e o desenvolvimento da exportação, o que exigia grande número de trabalhadores nas docas, estrangeiros em elevado número, não mais trabalhando e vivendo em simplicidade no contato com a natureza, mas esgotados com o trabalho pesado e sacrificado de carregadores e descarregadores.


As razões desse pouco sucesso eram vistas pelos Franciscanos por um lado na falta de assistência religiosa de décadas da população do bairro pela falta de Franciscanos, de modo que estes já não tinham o hábito de frequentar a igreja, sendo penas católicos de nome, e, por outro, nos trabalhadores do porto não tinham o costume de frequentar a igreja, mostrando-se indiferentes à religião.


A outra razão apontada pelo autor franciscano da pouca ressonância encontrada, dirigindo a atenção às condições portuárias, não traz à consideração apenas o trabalho insano dos carregadores e de outros empregados nas docas e armazéns, que com a sua pobreza não podiam também oferecer esmolas, mas sim também das casas de vida noturna, dos bares e dos lupanares frequentados por marujos. Aqui, de fato, não poderia haver condições favoráveis para a defesa da moral e de recato em trajes pretendidos pelos Franciscanos.



Mentalidade dirigida ao comércio de exportação e ao lucro simbolizada na Bolsa do Café


A zona da estação da estrada de ferro ao lado do convento, com toda a sua agitação de ferroviários, homens de negócios, viajantes estrangeiros e brasileiros que se dirigiam aos navios ou deles chegavam, a então elegância mundana de seus passageiros, surgia como contrastante com uma igreja que pretendia ser centro do restauracionismo religioso de Santos, de combate à secularização, de crítica a uma mentalidade dirigida ao ganho, ao enriquecimento, dominada pelo dinheiro, promovendo a modéstia e o desapego a bens materiais e ao mundo. Não só as ruas perante a estação era marcada por intenso tráfego de bondes, veículos de carga e passageiros, como também as laterais, com numerosos bares, hotéis, casas de comércio, de câmbio e de trâmites alfandegários não criavam condições favoráveis para os intuitos Franciscanos.


O principal monumento que surge como emblemático e que permite uma reconstrução empática da atmosfera que reinava no centro de Santos é a bolsa de café. A clarabóia que deixava passar a luz no teto, com artístico vitral multicolor, exprimia a fé no progresso, no desenvolvimento econômico possibilitado pela exportação de café. As pinturas de fundo e laterais, de Benedito Calixto (1853-1927), faziam referência ao desenvolvimento que tivera a sua origem no levantamento do pelourinho e ao porto à época da Independência.



A própria igreja não correspondia na sua configuração interna, nos seus altares e imagens, aos desejos dos religiosos alemães de um templo marcado por simplicidade na ornamentação, reserva, luminosidade e arejamento. A sua decoração era expressão de época passada do antigo Franciscanismo, mantido através da época da ausência de religiosos por devotos em tradições de cunho popular, em particular da veneração de Santo Antonio.


Nesse culto ao santo português residiu as possibilidades de uma revivificação reformada do Franciscanismo graças aos imigrantes portugueses que vinham trabalhar no porto e que em grande parte assentaram-se nos morros em redor. Esses imigrantes passaram a ter as formas de expressão de sua religiosidade trazidas da terra, sobretudo das ilhas, em especial da Madeira, reformadas no espírito restaurador de contextualização alemã.


Santo Antonio no centro e Santo Antonio na praia do Embaré


Em similaridade com o desenvolvimento no Rio de Janeiro, também em Santos a restauração católica relacionou-se com a expansão urbana, em particular em direção às praias. No Embaré existia já desde a década de setenta do século XIX uma capela construída pelo barão de Embaré, Antonio Ferreira da Silva (1826-1887) e que, após um período de abandono, foi recuperada em 1911. (Veja) Ampliada em 1922, passou a ser administrada pelos Capuchinhos. Estes empenharam-se na construção de um novo templo em grandes dimensões, cujo estilo neo-gótico manifesta os elos com o passado do movimento restaurador que, embora com outras referências culturais, também foi marcado pelos alemães, uma vez que teve partes provindas ou adquiridas por intermédio de firmas alemãs do sul do Brasil.




De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A. (Ed.), „Santos (SP): Convento de Santo Antonio: intentos restaurativos da Religião e Moral em zona ferroviária e portuária à época do apogeu da exportação de café“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/3 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Santos -Convento_de_Santo_Antonio.html.