Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________


























Fotos: P.C.Espey, op.cit.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 151/10 (2014:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N° 3137





Rio Negro (PR)
O Colégio São Luís de Tolosa como centro de formação religiosa e da prática musical
  - a banda a serviço do projeto anti-secularizador em interações de alemanidades -

Bucovinos e Franciscanos alemães


Dando continuidade a estudos na Bucovina

 

Os estudos culturais voltados a relações Brasil-Alemanha, em particular aqueles da emigração/imigração e colonização não são recentes e foram desenvolvidos em diferentes contextos, épocas e sob diversas perspectivas. Partem, em geral, de reminiscências e de elos genealógicos, ou serviram e servem a fins político-culturais ou de representação.


Sob o ponto de vista de estudos metodologicamente refletidos e da pesquisa sistematicamente conduzida, há uma linha de desenvolvimento desses estudos que deve ser considerada privilegiadamente por evitar instrumentalizações e determinar os trabalhos de cunho científico na área até o presente: aquela marcada pela preocupação de renovação dos estudos culturais segundo o direcionamento da atenção a processualidades, como preconizado e desenvolvido pela A.B.E..


Essa orientação teve origem em São Paulo em meados da década de sessenta e levou à fundação de sociedade que tem continuidade hoje na organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (Nova Difusão). Ela se insere em tradição muito mais antiga de preocupações e reflexões, remontando a academia criada em Salzburg, em 1919, esta também resultado de desenvolvimentos anteriores. (Veja)


Foram essas preocupações, reflexões e iniciativas constituídas em organização que permitiram novos enfoques na consideração da cultura de imigrantes no Brasil. Na divisão convencional de disciplinas, expressões culturais de grupos de ascendência imigratória apenas eram considerados à margem na área do Folclore. Este, devido à tradição nacional e nacionalista da disciplina, enfocava tradições culturais de imigrantes sob a perspectiva de simples contribuições a uma cultura folclórica nacional, concentrando as atenções nas suas transformações a caminho de uma integração ou assimilação em compreensão unilateral do conceito de „aculturação“.


Foram essas reflexões que possibilitaram a consideração mais atenta e não desvalorizadora de expressões e desenvolvimentos culturais intermediários entre esferas categorizadas do erudito, o folclórico e o popular, - como a da música de banda - e assim os estudos mais adequados das tradições culturais e das criações artísticas de grupos populacionais de imigrantes e seus descendentes na pesquisa empírica e na história cultural, em particular da música.


Esse direcionamento privilegiado das atenções à música foi uma das características desse movimento de renovação de perspectivas pelas circunstâncias de suas origens e desenvolvimento. Êle vem de encontro a uma exigência que se impõe nos estudos da imigração devido ao significado extraordinário que cabe à música em processos identificatórios, integrativos - e desintegrativos -, de permanência e mudança de consciência de comunidades, memória histórica, ensino, vida e política cultural.


Nesse direcionamento da atenção à música em processos culturais, as reflexões relacionaram-se com questões de processualidade na própria música, renovando perspectivas na análise musical - e nos estudos sistemáticos em geral - assim como na criação musical, abrindo portas a estudos que relacionam a imigração e a linguagem musical contemporânea. Ao mesmo tempo, a mudança de orientação tiveram consequência às reflexões e iniciativas na área educacional justamente em época que se questionava o antigo Canto Orfeônico marcado por concepções nacionalistas de fins da década de 60 e início da de 70.


Entre as esferas até então pouco consideradas na divisão tradicional das disciplinas encontravam-se aquela da música de banda e da música de igreja, apesar do significado dessas práticas, suas tradições e das atividades de seus mestres e músicos para a história e o presente de localidades e para o ensino e formação musical.


Muitos de seus regentes e instrumentistas atuaram como professores e muitos músicos obtiveram as suas primeiras experiências em coros e orquestras de igrejas e nas corporações musicais de instrumentos de sôpro. Compreende-se, assim, a atenção especial que se dedicou a essas duas esferas da prática musical nos estudos voltados à renovação das disciplinas músico-culturais.


Atualidade de estudos da antiga Áustria-Hungria: 100 anos da Primeira Guerra Mundial


As reflexões e as pesquisas assim conduzidas puderam inserir-se e revitalizar uma tradição muito mais antiga de preocupações, iniciativas e desenvolvimentos no próprio contexto de relações entre a Europa e o Brasil, aquela representada por Martin Braunwieser (1901-1991) e pela academia originada em Salzburg e voltada à renovação da cultura do Ocidente após a primeira Guerra Mundial.


Pela sua vida, obra e atividades, de origem européia mas atuante no Brasil há décadas, como compositor, pesquisador e professor, Braunwieser personificava muitas das questões que então se colocavam, demonstrando a história já longa e as dimensões abrangentes das preocupações, dos intentos e das iniciativas, caídas em esquecimento devido às décadas marcadas por concepões nacionalistas nos estudos culturais, assim como a necessidade de resgatá-la e revitalizá-la de forma atualizada.


A inserção das reflexões condutoras de estudos e iniciativas nessa tradição dirigiu a atenção à época crucial da Primeira Guerra e às profundas transformações do pensamento, das ciências, da cultura e das artes que ocorreram após o fim do Império áustro-hungaro e do sossobramento da antiga ordem européia.


Reconheceu-se que essa renovação manifestada no círculo do Mozarteum de Salzburg já havia sido preparada muito antes da Guerra através de tendências de reforma nas diferentes áreas do conhecimento, da vida e das artes, de anelos políticos de emancipação de grupos nacionais no „Império de Muitos Povos“ da Dupla Monarquia, e nos próprios círculos de cultura e idioma alemães nas diferentes partes do Estado pluri-étnico e multi-nacional. Essas preocupações intensificaram-se com as tragédias humanas que acompanharam o deslocamento de povos e migrações como consequência da guerra.


A atenção dirigiu-se então sobretudo a contextos culturais mais ao sul e a Leste do antigo Império áustro-húngaro, às regiões marcadas pela presença secular alemã em países do sudoeste europeu, à atual Croácia e a outros países balcânicos, uma vez que Braunwieser e seus colegas ao redor de Felix Petyrek (1892-1951) ali atuaram, nomeadamente em Split, em 1923, antes de passarem à Grécia.


É compreensível, assim, que questões de relações entre o Ocidente e o Oriente, ou Europa ocidental e o Leste estivessem no centro das atenções desse grupo perante a dramaticidade da situação de alemães que secularmente se encontravam em regiões dessa parte da Europa, entre outros na Romênia, salientando-se aqui a Transilvânia e a Bucovina.


Essas questões possuiam dimensões culturais, de visão do mundo e religiosas amplas, desenvolvimentos que acompanham as transformações político-culturais e que levavam à emigração de populações de idioma e cultura alemãs desses regiões.


Início dos estudos da imigração alemã do antigo Império áustro-húngaro no Brasil


Ocasião para a consideração desse passado nos estudos de imigração e colonização no Brasil deu-se em 1967 a 1970 no Paraná, no âmbito dos festivais e cursos internacionais realizados em Curitiba. No círculo voltado ao tema da aculturação na música sacra liderado pelo Pe. José de Almeida Penalva (1924-2002), tema de atualidade devido às transformações de concepções e da prática musical impulsionadas pelo Concílio Vaticano II, tomou-se contato com participantes provenientes de várias regiões do Paraná, entre outros de Rio Negro, Lapa e, em Santa Catarina, Mafra e Rio Negrinhos.


Em viagens de estudos que seguiram às informações obtidas sobre o passado e o presente da música de igreja e de banda, essa cidade foi visitada, constatando-se assim, o extraordinário significado da prática musical no Colégio São Luís de Tolosa dos Franciscanos e a antiga tradição da música coral de igreja na tradição alemã e da música de banda de seus estudantes.


Essa relevância da música de banda em colégios e seminários religiosos já javia sido constatada e estudada em outros contextos, entre outros no Seminário de São Bom Jesus de Pirapora, em São Paulo, onde se evidenciara a irradiação da prática musical de igreja e de banda na vida da cidade e da região, em cujas escolas atuavam professores que haviam recebido a sua formação no seminário. Já ali constatara-se efeitos das reformas pós-conciliares e que tinham levado ao abandono da prática musical coral e de banda de alunos, e mesmo à destruição de materiais musicais já não mais utilizados e, assim, de fontes históricas.


Também com referência ao Rio Negro foram o futuro da prática musical de igreja, do seu repertório e o da banda de música no ensino e na vida musical sob as novas tendências de renovação pós-conciliar que estiveram no centro das preocupações. Diferentemente do caso paulista mencionado, a música religiosa e a de banda em Rio Negro levantava novas questões que exigiam outras aproximações, uma vez que dizia respeito à imigração e à colonização.


A atenção dessas visitas à região foi despertada pelo interesse então particularmente atual por vias de comunicação no Brasil em processos de difusão cultural (Veja) e, consequentemente, por tropas e tropeiros. A história da região foi marcada pela abertura da estrada que ligava São Paulo a Viamão, no Rio Grande do Sul no século XVIII, e que servia ao comércio da feira de Sorocaba. Essa antiga „estrada do Mota“ partia de Curitiba e, atravessando os rios Negro e Iguaçú, atingia os campos de Lages. (Veja)


O primeiro núcleo populacional ali estabelecido foi elevado em 1838 à categoria de freguesia e, em 1870, ao de vila, desmembrando-se de Lapa, cuja ciade do mesmo nome foi centro da vida cultural regional. Principal documento e monumento dessa relevância de Lapa é o histórico teatro ali existente, por essa razão visitado por membros da sociedade Nova Difusão em 1969/70 no âmbito do programa de levantamento e pesquisa dos teatros do Brasil. Esse projeto, pioneiro no gênero, foi então levado a efeito com a colaboração de estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em diferentes regiões do Brasil.


Nos estudos relativos à imigração no Brasil, Rio Negro assume um papel de particular significado sob vários aspectos. Um deles resulta do fato de ter a sua história marcada por assentamentos de imigrantes de diferentes origens, o que possibilita a análise de interações de processos culturais.


Originada de um posto de taxas em região de limites, no centro da mata, correndo o risco frequente de ataques indígenas, ali foram assentadas famílias de açorianos provenientes de Morretes. A vinda de alemães inicia-se bastante cedo, já em 1829, seguindo-se posteriormente a de alemães de cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, ou seja, a de migrações internas na região colonial. O maior interesse da região para os estudos científicos da imigração e colonização reside no fato de para ali terem vindo também imigrantes de língua e cultura alemãs provenientes da esfera da antiga Áustria-Húngria ou de territórios atingidos pela irradiação desse estado „de muitos povos“, em particular de Bucovinos, que ali se estabeleceram já em 1886.


Imigração da Bucovina - perspectivas histórico-geográficas e culturais adequadas


O estudo adequado do complexo cultural em que se inseriram e ao qual contribuiram os bucovinos alemães exige a consideração de uma esfera européia que fora no período anterior à Primeira Guerra um dos territórios extremos do Império Áustro-Húngaro e de suas irradiações em países adjacentes.


Essa região foi particularmente confrontada com o encontro com o Leste, de tensões e interações de grupos populacionais de origem e referenciação cultural centro-européia com eslavos e outros grupos definidos segundo origem e religião, judeus e ciganos. Considerar esse complexo cultural e os processos em que se inseriram e desencadearam sob a perspectiva da visão da imigração alemã segundo concepções atuais da República Federal da Alemanha da atualidade surge como unilateral, inadequado e mesmo como um retrocesso no desenvolvimento dos estudos respectivos.


Outro fator que exige uma aproximação diferenciada ao Rio Negro nos estudos da imigração em geral é o fato de ter-se tornado um dos principais centros de atuação dos Franciscanos alemães no sul do Brasil. Tendo desempenhado um papel de particular relevância no processo de restauração do Franciscanismo no Brasil, faz com que se relacionem os estudos da imigração àquele da ação dirigida de instituições e personalidades alemãs no Brasil, em geral apenas considerada na vida cultural das grandes cidades e não em contextos imigratórios de regiões coloniais.


Estes estudos de contextos coloniais são por demais delimitados aos europeus que emigraram premidos pelas necessidades e à procura de melhores condições de vida, esquecendo-se - entre outros casos de ação dirigida - do papel desempenhado pelos missionários alemães.


Assim como os muitos alemães que se transferiram de cidades como Joinville,  São Bento do Sul e Blumenau ao Rio Negro, também a fundação dos Franciscanos procedeu-se a partir de Blumenau. Tratou-se, assim, também aqui de uma migração interna, justificada pelas necessidades religiosas vistas nessa região pelas autoridades eclesiásticas e pelos religiosos.


Estudos relativos ao Rio Negro na Europa e no encontro de Petrópolis, em 1981


Na Europa, a partir de 1974, no âmbito do programa de cooperações internacionais para o prosseguimento dos intentos renovadores dos estudos culturais (Veja), deu-se continuidade à discussão dessas questões evidenciadas em contextos de imigração do Paraná e Santa Catarina.


Uma primeira aproximação a estudos relacionados com o Brasil nos países balcânicos realizou-se em 1975, quando, entre outras cidades, visitou-se Split como local de particular significado para os trabalhos na tradição em que estes se inserem os estudos eurobrasileiros. Outros estudos foram desenvolvidos em instituições dedicadas a assuntos religiosos e missionários, em particular também em centros Franciscanos. Não apenas a procura de fontes e dados relativos à ida e a à atuação de Franciscanos alemães no Brasil, mas também a troca de idéias com missionários que atuaram no Brasil ou com historiadores da religião foram os objetivos desses trabalhos.


Esses estudos possibilitaram a preparação e o desenrolar do Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“, em 1981. (Veja) Nesse simpósio, o fundamental significado dos Franciscanos e do Franciscanismo na formação cultural do país e no presente marcado pelas reformas pós-conciliares foi considerado sob diversos aspectos, tematizados entre outros nos eventos que o emolduraram, a missa inaugural celebrada por Dom Paulo Evaristo Arns O.F.M. (Veja) e na hora de meditação de encerramento na Igreja da Ordem Terceira do Seráfico Pai São Francisco do Largo de São Francisco. (Veja) Os debates tiveram prosseguimento em círculo mais reduzido de especialistas em encontro em Petrópolis, um dos principais centros Franciscanos do Brasil. (Veja)


Correspondendo aos objetivos do simpósio, as atenções estiveram voltadas sobretudo a questões político-culturais resultantes de reformas eclesiásticas no passado e no presente. Consequentemente, considerou-se a inserção da vinda dos Franciscanos alemães no processo de revitalização restauradora da vida conventual e religioso-cultural em geral no Brasil, possibilitado pela proclamação da República. Essa atuação dos Franciscanos alemães não se reduziu à reconstrução de conventos ou a novas fundações, mas foi marcada por intuitos amplos de reintensificação da religiosidade da população, da formação do clero e de noviços, assim como do ensino religioso em colégios em combate ao secularismo.


A formação do clero e de religiosos - Colégio São Luís de Tolosa


Nos debates que se seguiram às conferências dedicadas à música na formação de sacerdotes e religiosos, em seminários diocesanos e de ordens, proferidas por representantes de instituições pontifícias e especialistas da Alemanha, salientando-se aqui o Preside do Istituto Pontificio di Musica Sacra, lembrou-se no Simpósio Internacional de 1981 do papel exercido pelos colégios fundados no Brasil pelas diferentes ordens religiosas no século XIX e início do XX, e as mudanças a que se acharam sujeitos com as reformas pós-conciliares.


A influência desses colégios - cujas fundações inseriram-se no amplo movimento de reforma restaurativa do Catolicismo do século XIX - ainda não foi suficientemente estudada. Entre êles, salientam-se os colégios Franciscanos e a então retomada da formação de noviços após décadas, e, entre êles o Colégio São Luís de Tolosa do Rio Negro.


Ponto de partida desses estudos foi a obra comemorativa dos 25 anos da reinstalação da Província da Imaculada Conceição no Sul do Brasil do franciscano Pe. Cletus Espey, publicada na Alemanha (Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf. 1929)


Lembrou-se, no encontro de Petrópolis, em 1981, que a construção desse colégio representou o maior empreendimento dos Franciscanos do período que sucedeu à Primeira Guerra, tornando-se um dos grandes orgulhos da Ordem, apesar das grandes dificuldades econômicas que sempre o acompanharam.


A consideração de sua história e atuação exige, porém, aquela de seus pressupostos, tanto do lado dos religiosos quanto das condições locais.


Não se pode esquecer que o colégio do Rio Negro foi precedido pelo tradicional colégio seráfico de Blumenau, tendo sido este transferido para Rio Negro em 1923. O colégio de Blumenau, por sua vez, remontava ao de Santo Antonio e este ao Colégio de São Paulo já existente antes da vinda dos Franciscanos alemães e que havia sido obra magna do padre alemão Joseph Maria Jakobs (1831-1892), ex-redentorista, pároco local que acompanhara o crescimento da colonia por muitos anos. (Veja)


Na sua tradição, o colégio do Rio Negro inseria-se naquela que levava ao primeiro estabelecimento central criado para congregar filhos de colonos alemães disperos em vasta região e que se tornara instituição modelar em Santa Catarina.


A formação redentorista do seu fundador, continuada e intensificada pelos Franciscanos, condicionara a orientação católica restaurativa dessa tradição institucionalizada de ensino, orientada estritamente segundo as prescrições do Concílio Vaticano I, impregnada do espírito anti-modernista e de combate à secularização e a consequências do Iluminismo nas ciências, na cultura e na política.


O Colégio do Rio Negro prendia-se como instituição franciscana ao trabalho pioneiro desenvolvido em Blumenau pelos padres Zeno Wallbröhl, Lucinius Korte e Xystus Meiwes. O renome dos mestres que ali se salientaram continuava vigente, em especial do P. Solanus Schmitt, dos irmãos Berthold Bigge e Caesar Elpel e do Pe. Cletus Espey. Esses religiosos tinham elevado o nível do estabelecimento àquele de instituições do ensino oficial na Alemanha da época. (Veja)


O colégio do Rio Negro inseriu-se assim num contínuo marcado pelo crescimento de alunos e noviços, de reformas de edifícios e novas construções e das quais a principal era a do prédio do colégio de Santo Antonio em Blumenau construído pelo arquiteto da Ordem Ir. Quintillian Borren e inaugurado em 1897.


Foi esse grande edifício o predecessor daquele ainda maior e mais representativo do Rio Negro, para qual foi transferido após a Guerra.  As possibilidades já alcançadas pela Província da Imaculada Conceição do Sul do Brasil manifestavam-se nas dimensões grandiosas do complexo com as suas três alas, igreja conventual, longo edifício para oficinas, salas de música e de ginástica, assim como prédios para trabalhos com estábulos, casa para serviçais e trabalhadores, assim como uma escola para filhos de colonos das redondezas.


O crescimento rápido do Colégio colocou problemas quanto à alimentação dos estudantes, uma vez que os mantimentos deviam vir quase todos de Santa Catarina. O seu transporte era dispendioso, havendo ainda a exigência de pagamento de taxas entre os Estados. Muitos dos estudantes provinham de famílias pobres, não podendo pagar a sua alimentação. Assim, o Colégio permaneceu, sob esse aspecto, um problema financeiro para a Província.


Dimensões do Colégio e as razões da escolha do Rio Negro


A construção desse edifício de extraordinárias dimensões e representativo no seu estilo e na qualidade dos materiais empregados deve ser avaliada no contexto das relações internacionais após a Guerra.


Se a Alemanha nessa época debatia-se com problemas econômicos e instabilidades, levando a uma inversão de relações com o Brasil, surgindo este como em muitos melhores condições, podendo até mesmo auxiliar a Alemanha (Veja), a inauguração do grandioso Colégio de São Luís do Rio Negro representava, nos círculos católicos, um testemunho evidente do desenvolvimento do Catolicismo de contextualização alemã no Brasil. Poder-se-ia dizer que o florescimento da Ordem Franciscana da Saxônia da época anterior à Guerra tinha agora o seu prosseguimento no Paraná, uma vez que o monumental Colégio São Luís não tinha paralelo em novas construções nos países do Velho Continente.


Uma questão que se levanta é a das razões da escolha do Rio Negro para a transferência do colégio já tão renomado e bem estabelecido em Blumenau.


Um dos fatores que devem ser considerados é a sempre constatada procura dos Franciscanos de localizações adequadas para uma vida conventual, a formação de noviços e o ensino em geral segundo o espírito da Ordem. A procura do silêncio e de um distanciamento do „mundo“, dos centros de cidades marcados pela procura do ganho e expressões materialistas e mundanas, levou repetidamente a transferências de conventos e outras instituição para locais mais distantes de núcleos, para regiões liminares entre o urbano e o rural, ainda marcadas pela simplicidade de vida de seus habitantes, entregues ainda a atividades próximas à natureza.


Nestas casas, em simplicidade e modéstia correspondentes à modéstia de sua população, procurava-se cultivar uma atmosfera marcada por „alegria seráfica“, por um estado de espírito favorável à formação mental e afetiva da juventude seráfica. Esta constituiria a sociedade futura acostumada a frequentar as missas, a outros atos sacramentais, devocionais e paralitúrgicos, intensificando a vida religiosa familiar, com os seus membros participantes da vida comunitária, sobretudo como membros em sociedades religiosas e de defesa da moral consuetudinária e de costumes.


Próximo aos povoados de Rio Negro e Mafra, separados entre si pelo Rio Negro, a fundação situava-se em região limítrofe, de fronteira entre Paraná e Santa Catarina. Da colina onde edificou-se o colégio descortinava-se amplo panorama no qual se inscreviam ambos os povoados na paisagem de campos elevados dos dois Estados, emoldurados pelas escuras florestas de araucárias.


O relato do P. Cletus Espey sobre o Rio Negro revela esse significado da localização do Colégio:


„Bem junto à linha de fronteira de ambos os Estados Paraná e Santa Catarina levanta-se majestosamente em alturas montanhosas solitárias e cercadas pelo rumor de florestas de 927 metros acima do nível do mar o Colégio Rio Negro de São Luís, a escola de rebentos da Província sul-brasileira da Ordem. Lá nos altos, longe da agitação perene de mudanças do mundo, onde há ca. de cem anos acampavam índios selvagens, como as escavações comprovam, domina hoje real vida franciscana, verdadeira alegria franciscana entre a juventude seráfica de ca. 150 estudantes, que ali se dedicam diligentemente ao estudo da virtude e da ciência. A posição do Colégio é de beleza única, com maravilhoso panorama. No primeiro plano descortina-se as risonhas cidadezinhas Rio Negro e Mafra, que são separadas pelas águas escuras do Rio Negro. Mais ao longe os olhos correm por muitos quilômetros muito além das superfícies de campos infindos do planalto de Paraná e Santa Catarina, que é apenas cortado por pequenas localidads ou escuras florestas de pinheiros.“ (op.cit., 118)


O Colégio do Rio Negro como centro de estudos conduzidos em espírito franciscano


O objetivo e o caráter da instituição e das condições do local levaram os religiosos a concentrar as suas atenções em campo de atividades que diferia sob alguns aspectos daquele de outros conventos. Ainda que o trabalho pastoral não fosse totalmente ausente, uma vez que os frades auxiliavam os padres seculares da igreja paroquial e na assistência dos povoados vizinhos, aqui se destacando em particular o P. Caspar Flesch, a atividade dos Franciscanos concentrou-se mais na educação e no ensino, preparando os aspirantes à vida religiosa através do estudo de humanidades.


Como centro de estudos, o colégio Rio Negro adquiriu renome pelo museu que nele foi criado e dirigido pelo P. Michael Witte e que abrangia diversas áreas do saber, em particular também arqueologia da cultura indígena da região, sendo visitado por intelectuais e autoridades de Curitiba. Ali atuando um religioso com conhecimentos de astronomia, - o P. Chrysostomus Adams -, projetou-se também a criação de um pequeno observatório.


Não se pode também esquecer o significado concedido aos trabalhos manuais e de artesanato, tornando-se a oficina de costuras do convento central de confecção de hábitos para os Franciscanos de todo o país.


Significado exponencial da música no Colégio do Rio Negro


Além desses estudos, os Franciscanos emprestavam à música uma atenção especial, e esse significado da música entre os Franciscanos do Rio Negro é que levou sobretudo ao renome adquirido pelo colégio mesmo fora do meio franciscano e mesmo eclesiástico em geral. O próprio nome do estabelecimento revela o papel excepcional concedido à música sacra no Rio Negro.


São Luís de Tolosa OFM (Toulouse) (1274-1297), foi um Franciscano que, entrou na História da Música também como teórico musical, a êle sendo atribuído um Tratado de Polifonia. Em época na qual a restauração sacro-musical surgia como um dos principais anelos da Igreja, orientada segundo o Motu Proprio de Pio X (1903), o nome do Colégio surgia como programa. Êle trazia à mente continuamente o papel da polifonia vocal na música do culto, entendida esta na tradição do Cecilianismo alemão e orientada segundo Ratisbona/Regensburg.


Uma particular atenção merece o fato do Colégio não ter tanto entrado na história da música no Brasil pelo seu significado quanto à prática da polifonia - o que caberia a Petrópolis - mas sim pela sua música instrumental.


Esse significado da prática musical no Colégio Rio Negro sob o reitor e preside Pe. Julius Jansen, explicava-se pelo fato de ter o seu prefeito sólida formação musical, gozando de renome como compositor na Ordem. 


Sob a sua direção, criou-se uma orquestra e uma banda musical que se tornaram conhecidas muito além dos limites regionais, sendo consideradas pelas suas qualidades como uma das melhores do Brasil.


As fotografias publicadas na obra do P. Cletus Espey testemunham o grande número de instrumentistas que a banda musical do Colégio do Rio Negro alcançou nos anos posteriores à Primeira Guerra Mundial.


Elas documentam - já no cuidado pelos uniformes - a disciplina à qual serviu a prática musical e que se manifestaram nas execuções, justificando o renome adquirido pela banda. A tradição alemã a que se prendia tinha suas implicações no repertório e na instrumentação.


Esse significado da banda de música do Colégio São Luís de Tolosa pode parecer de difícil compreensão, uma vez que a música instrumental, em particular a de banda, surge como própria da esfera profana, sendo a música sacra com acompanhamento orquestral banida das igrejas pelos cecilianistas.


Apesar de aparentemente paradoxal, pode-se compreender o significado da banda de música no processo de restauração religiosa e moral e anti-secularizador na tradição da „luta cultural“ dos missionários europeus.


Ponto de partida para o entendimento dessa função restaurativa, conservadora e mesmo reacionária da música de banda é o símbolo da „árvore de campânulas“ presente na banda de música do Colégio São Luís de Tolosa. Ao mesmo tempo, esse instrumento simbólico denota os estreitos elos com a tradição alemã das bandas de música -e também dos alemães da esfera da Áustria-Hungria.


O complexo de sentidos desse estandarte sonoro - em geral visto como influência da prática da música militar turca - é amplo, podendo ser estudado sob diversos aspectos.


Uma das aproximações na interpretação de seus sentidos leva a concepções relacionadas com o antigo sistro, como vem sendo estudado na simbologia organológica. Os seus sons relacionavam-se em antiga tradição com os elementos da matéria e com o ciclo do ano, indicando com o seu bimbalhar a movimentação dos elementos no processo revitalizador ascendente de situações marcadas pelo frio e pelas trevas desencadeado pela ação do Espírito.


Através dessa tradição da linguagem simbólica, fundamentou-se, ainda que não de forma refletida, a função da prática da música de banda no Colégio do Rio Negro e em outros colégios religiosos de ordens religiosas estrangeiras, em particular alemãs no Brasil.


Ainda que profana, essa prática relacionou-se assim com concepções de natureza tipológica da ação do Espírito em movimentos de ressurgimento no mundo, o que correspondia aos intentos da restauração religiosa, levadas em entusiasmo e alegria.


Colonos açorianos de Morretes - Bom Jesus da Coluna - alemães e bucovinos


Como em várias outras regiões do Brasil, os Franciscanos alemães, se não encontraram convento anterior a ser reconstruido e repovoado no Rio Negro, pelo menos encontraram uma população de cultura marcada pelo Franciscanismo de remotas origens.


Os colonos açorianos que ali foram inicialmente assentados, vindos da cidade litorânea de Morretes (Porto de Cima), traziam devoções profundamente marcadas pelo Franciscanismo português, e que se manifestava na veneração do Bom Jesus da Coluna, e ao qual foi dedicada a Capela da Mata do Caminho do Sul, levantada em 1828, pouco antes da chegada dos primeiros imigrantes alemães.


Essa devoção, como em outras regiões do Brasil, em Minas Gerais ou em São Paulo, levava ao cultivo de virtudes e modos de vida de cunho franciscano, como simplicidade e modéstia.


Os bucovinos na população de língua e idioma alemães traziam consigo também uma cultura marcada pelas suas antigas origens na Baviera e a sua passagem como colonos na Boêmia, das quais alguns dirigiram-se à Bucovina na segunda metade do século XVIII. Essa migração foi, em parte, sistematicamente promovida pela política dos Habsburgs de colonização e criação de rêdes de domínio étnico-cultural alemão no vasto território entre 1774 e 1786.


Esses migrantes provinham de outras regiões coloniais mais antigas, como da região superior da Hungria (Zips), do Banat (Veja), da Boêmia, remontantes ao sul da Alemanha, em particular da Baviera, e de regiões depauperadas ocidentais, como da Renânia-Palatinado, de Baden ou de Hessen.


Os colonos alemães passaram a desempenhar papel condutor na vida econômica, política, social e cultural da Bucovina que, após um período de grande florescimento, experimentou uma crise em meados do século XIX, sobretudo causada pela falta de terras para a crescente população camponesa.


O processo de expansão migratória interno-europeu não terminou na Bucovina, mas teve assim continuidade, sendo que, à procura de terras, os seus descendentes passaram a criar colonias em outras regiões. A procura de terras e melhores condições de vida explica a emigração de Bucovinos alemães ao continente americano, sobretudo aos Estados Unidos.


No tradicionalismo de grupo cultural primordialmente de camponeses e artesãos, os Bucovinos alemães mantiveram a memória de suas raízes e do complexo caminho migratório de seus antepassados, tornando-se essa memória base de sua identidade cultural e religiosa austríaco-alemã em regiões multi-étnicas e multi-culturais, tanto na Bucovina, como também no Brasil.


À época da sua vinda para o Brasil, a Bucovina, terra da Coroa dos Habsburgs, era uma região pouco desenvolvida no Império áustro-húngaro, marcada por tensões entre um passado de grande florescimento cultural alemão e o crítico desenvolvimento econômico. Em estudos culturais referentes aos Bucovinos no Brasil, deve-se assim considerar um campo de tensões criado pela consciência do alto nível cultural alcançado - em Czernowitz criou-se em 1875 uma universidade em língua alemã - e o empobrecimento material de uma população  em contínuo crescimento.


Lealdade de Bucovinos à Àustria-Hungria - atualidade pelos 100 anos da Primeira Guerra


Um dos aspectos da problemática bucovino-alemã no Brasil considerados no encontro de Petrópolis de 1981 e que merece ser recordado na passagem dos 100 anos da eclosão da Primeira Guerra diz respeito à lealdade dos Bucovinos alemães à Áustria-Hungria no contexto dos problemas internos nacionais do Império dos Habsburgs e do fim desse Estado de muitas nações com o desfecho da Guerra.


Essa questão foi considerada em anos que se seguiram ao evento de 1981, também em viagens de estudos a países da esfera do antigo Império áustro-húngaro, em especial à Romênia. (Veja) Em 2014, foi recordada no contexto de conferência no Wörthersee, Áustria, sobre deslocamento de grupos populacionais e identidades como consequência da Guerra. (Veja)


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo







Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.). „ Rio Negro (PR). O Colégio São Luís de Tolosa como centro de formação religiosa e da prática musical - a banda a serviço do projeto anti-secularizador em interações de alemanidades. Bucovinos e Franciscanos alemães“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 151/10 (2014:5). http://revista.brasil-europa.eu/151/Colegio-Rio-Negro.html