Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos A.A.Bispo 2007 ©Arquivo A.B.E.
Fotos antigas: coluna-5 primeiras, revista
Eu sei tudo 1919 e igreja de Ipanema em P. C. Espey, op.cit.;
no texto: Rio de Janeiro em P. Sinzig, op.cit.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 151/5 (2014:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N° 3132



Ipanema/Rio de Janeiro (RJ)
Partindo de Copacabana:
Franciscanos alemães, religião e moral na expansão urbana às praias
A castidade dos jovens do Rio na exemplaridade de S. Luís (Aloísio) Gonzaga SJ (1568-1591)

- Regina Pacis e a Primeira Guerra Mundial -

 
Rio Foto A.A.Bispo 2007 ©
A revitalização dos conventos brasileiros com religiosos europeus a partir da República proclamada em 1889 inseriu-se em amplo movimento de restauração católica de dimensões globais, cujas diretrizes foram determinadas no Concílio Vaticano I.


Estas foram preparadas em longo processo histórico marcado pelas ações de determinadas personalidades, de fundações de congregações e sociedades missionárias, de colégios, de formação de um clero segundo ideais restauradores e de fomento da vida religiosa nas famílias, da frequência às missas e outros atos sacramentais, paralitúrgicos e de veneração de santos, assim como da moral segundo concepções e critérios preconizados.


Atualidade de estudos de ações moralizadoras por missionários ultramontanos


Considerar esse desenvolvimento, ainda que apenas em alguns de seus aspectos, surge como de atualidade no presente, quando se constata renovados empenhos de recatolização da Europa, de entusiasmo missionário em países como o Brasil e de expansão de igrejas evangelicais. Esses movimentos incluem o combate a formas de comportamento e vida vistas como imorais e o fomento de normas estabelecidas segundo critérios religiosos. 


Na nova „luta cultural“ que se manifesta na atualidade, aqueles que, perante as tragédias de fundamentação religiosa que se desenrolam em grande parte do mundo preocupam-se com esse desenvolvimento de ressurgimento e fortalecimento religioso, não apenas levantam a sua voz em defesa à combatida Ciência e à cultura do Esclarecimento, mas sim também contra intentos de imposição de concepções e critérios morais que surgem como de coibição de liberdade conquistada com pelo homem, de discriminações, injustiças e atentatórios aos Direitos Humanos. Defende-se, assim, perante a estreiteza de compreensão do conceito de moral que se constata nesse combate conduzido em nome da religião, que seja antes a Ética o conceito condutor das reflexões e das ações. (Veja)


Nesse debate, o Brasil pode desempenhar um papel relevante, uma vez que a sua imagem é marcada de forma excepcional por liberalidade de costumes, tolerância e mesmo sensualidade, turvada porém por atos de agressividade que indicam a vigência de concepções contrárias, de ressentimentos, preconceitos e discriminações de natureza moral de fundo religioso.


Trazer à consciência a historicidade tanto da imagem que fascina o mundo como das manifestações de um outro Brasil, moralista e moralizante em estreiteza de mente pode contribuir a um tratamento mais refletido de tensões e a sua análise como resultados de processos culturais.


Nesse sentido, cumpre considerar com atenção a inserção do Brasil em desenvolvimentos amplos, de dimensões internacionais que marcaram o século XIX, em particular na sua segunda metade.


Na análise do movimento recatolizador e missionário que então se verificou a atenção não pode ser dirigida apenas aos grandes monumentos representados pelas igrejas, conventos, colégios e outros edifícios então levantados, à análise de suas características estilísticas em século de Historismo e a seus fundamentos teológicos, mas sim também às suas relações com intentos de moralização.


Nesse sentido, assume significado os modêlos de exemplaridade então fomentados com a intensificação do culto da Virgem Maria, em particular também do mistério da Imaculada Conceição, e de determinados santos, entre êles aqueles que foram vistos como exemplos de castidade.


A moral sexual segundo as normas preconizadas foi aqui propagada como sinal e expressão de pureza interior. O fomento da moral relacionou-se com aquele do recato nos trajes e gestos, de formas de vestir e de comportar-se segundo os modêlos de exemplaridade humana apresentados como alvo de veneração e que contrastavam com aquelas vistas como decadentes da sociedade secularizada, sobretudo de grandes centros metropolitanos.


Em século marcado pelo desenvolvimento da técnica e das ciências, pela fé no progresso, que conheceu desenvolvimentos nos meios de transporte, diminuindo distâncias e intensificando comunicações, transformações urbanas e sociais de cidades, por crescente cosmopolitismo e dinâmica na sua vida social, com novas formas de convívio e relações humanas nas grandes metrópoles, com maior liberdade de costumes e de formas de relações humanas, com implicações na literatura, nas artes, no teatro e na música, decorreu assim paradoxalmente um movimento retroativo de fomento de uma restauração da vida religiosa, de disciplina do clero, da moral e dos costumes, do recato em trajes e gestos, de crítica à literatura e ás àrtes vistas como decadentes e de fomento de uma literatura de edificação de fins moralizadores.


Entretanto, também quanto à simplicidade, à modéstia e à discreção em modos de vestir necessita-se fazer diferenciações.


Por demais indiferenciada surge a frequente referência ao puritanismo ou a formas de comportamento e de trajar vitorianas e que não podem ser igualadas àquelas moralizadoras de iniciativas restauradoras do Catolicismo.


Modéstia, simplicidade, menor atenção à exterioridade do trajar e mesmo à extravagância e à vulgaridade foram também marcas de personalidades voltadas às ciências, à cultura e às artes sem vínculos religiosos ou não simpatizantes com os rumos da Igreja após o Concílio Vaticano I.


A simplicidade, modéstia e severidade no trajar desses cientistas, intelectuais e homens esclarecidos do século XIX - podendo ser aqui citado como exemplo Dom Pedro II - não podem ser interpretadas segundo os mesmos critérios de similares qualidades preconizadas pelo movimento recatolizador de defesa e do fomento da moral segundo normas preconizadas pela Igreja. O fomento desses intuitos moralizantes estava ao contrário estreitamente vinculado a princípios anti-secularizadoras, anti-modernistas e de resistência às conquistas dos conhecimentos científicos da época.


Relações paradoxais do movimento restaurativo e moralizador com processos urbanos


O combate a desenvolvimentos nas ciências e na cultura vistos como herança do Esclarecimento rnas suas relações com a defesa e o fomento da moral segundo normas preconizadas inseriu-se em processos mais amplos de desenvolvimentos urbanos, com a expansão de cidades e o surgimento de grandes metrópoles, irradiadoras de tendências e impulsos na cultura e nas artes em dimensões mundiais, salientando-se aqui Paris.


Se expressões do ultramontanismo e movimentos afins com a arquitetura já foram considerados em alguns casos de particular evidência de demonstração visual da defesa da autoridade de Roma sobre católicos (Veja),  as relações do movimento recatolizador e moralizante com processos urbanos, urbanizadores e de urbanidade ainda não receberam a atenção devida.


A demolição de muros de antigas cidades que haviam perdido a sua função de defesa com o desenvolvimento da técnica militar possibilitou expansões urbanas, reestruturações viárias e formação de novos bairros, parques e jardins, uma superação do espaço fechado de urbes que teve implicações na percepção da cidade e em modos de vida, favorecendo uma maior atmosfera de liberdade que se manifestou na vida social e cultural.


Nos bairros então surgidos pode-se ainda hoje observar uma arquitetura que expressa nas suas diferentes referências estilísticas ao espirito de crescimento, progresso, expansão ou ascensão social, em particular nas fachadas que caracterizam muitos bairros novos de antigas cidades, muitas delas neo-renascentistas ou neo-clássicas. Entretanto, contrariamente, nesses bairros se encontram também grandes igrejas em estilo neo-gótico ou, em menor escala, inspiradas em antigas basílicas romanas ou no românico de outros países e que trazem à consciência o empenho extraordinário de autoridades eclesiásticas e de ordens para que a presença religiosa fosse garantida nos novos bairros.


Muitas cidades européias apresentam assim um anel de igrejas neo-góticas ou neo-românicas ao redor da antiga urbe, nela localizando-se as igrejas mais antigas, remontantes à Idade Média ou reformadas ou construídas no Barroco.


Essas igrejas dos bairros novos são marcos que documentam a corrente que perpassava o processo de expansão urbana e que, retroativamente, atuava como um movimento contrário àquele marcado pela secularização e pela modernidade de idéias, modos de expressão e comportamento. O número e as dimensões dessas igrejas - muitas delas construídas com os melhores materiais - oferecem hoje surpreendentes testemunhos dos esforços então dispendidos para angariar fundos para tais edificações.


Neles via-se uma oportunidade de criação de novas comunidades segundo o espírito restaurado de religiosidade, de fomento da vida religiosa de famílias, de controle da frequência a missas, da celebração de batizados, casamentos e da criação de associações piedosas, caritativas, sociais e culturais. Tratando-se de novas fundações, esses intentos podiam realizar-se com mais facilidade do que aquele de reforma de comunidades de antigas paróquias, com suas tradições e formas de expressão consuetudinárias.


Os bairros novos, com as famílias da burguesia em ascensão social, para as quais a frequência à missa e a outros atos litúrgicos passava a ser também um dever social e cujos filhos frequentavam colégios religiosos, tornaram-se assim em muitos casos principais focos de um movimento recatolizador e moralizante.


Os bairros novos como campo de tensões entre modernidade e anti-modernismo


A cultura religiosa desses novos bairros diferenciou-se assim não apenas quanto à arquitetura daquela de comunidades de antigas igrejas dos velhos centros, estas marcadas por formas mais antigas de expressão artística de altares, imagens e ornamentação, em muitos casos de uma magnificência barroca de épocas passadas de propaganda contrareformatória que contrariava os anelos agora atuais de maior simplicidade e recato.


Ao contrário das antigas igrejas e instituições marcadas por tradições de culto a santos locais, por festas de padroeiros, antigos repertórios musicais e costumes enraizados de mestres e cantores, as novas fundações permitiam a implantação mais fácil de novas estruturas e práticas segundo um outro espírito. As novas igrejas e instituições eram, assim, ao mesmo tempo modernas e retrógradas, pois correspondiam ao desenvolvimento urbano dos bairros novos e ao espírito geral do historismo que também neles se manifestava - que não era necessáriamente reacionário - e às tendências mais eclesiásticas, em particular das ordens, estas voltadas ao passado e dedicadas ao combate anti-modernista e anti-secularizador.



Paradoxias: centros velhos e cidades históricas X bairros e cidades novas no Brasil


Essa função de bairros novos das grandes cidades em expansão no processo de reafirmação religiosa e moralizante em combate à secularização e tendências liberais da sociedade merece ser considerada em análises culturais de cidades brasileiras. Embora sem serem cercadas por muros no passado como as cidades européias, cidades brasileiras também experimentaram na uma ultrapassagem de antigas delimitações dos velhos centros - por vezes muros invisíveis - com a expansão a novas áreas e surgimento de novos bairros.


Também em cidades brasileiras constatam-se nesses bairros então implantados grandes e representativas igrejas e colégios religiosos. Na sua linguagem arquitetônica diferem das igrejas remontantes à época colonial dos antigos centros, desde que estas não tenham sido demolidas e substituidas por outras correspondentes aos critérios da restauração católica.


Em vários casos tem-se exemplos que foram justamente essas igrejas e suas comunidades em bairros novos, em particular aquelas de ordens religiosas, os principais centros de um catolicismo de cunho restaurador que diferia daquele marcado pelas tradições das antigas igrejas, em especial daquelas de irmandades dos velhos centros.


Muitas dessas igrejas brasileiras, sem possuirem a tradição coro-orquestral das antigas igrejas, mantidas em consciência por mestres, cantores e músicos, distinguiram-se como centros da polifonia vocal, da música sem acompanhamento instrumental ou com acompanhamento de órgão, do culto de santos de séculos mais recentes, em particular daqueles da história de ordens, ou de devoções do século XIX, como por ex. de Nossa Senhora de Lourdes. (Veja)


Essas relações contraditórias de tensões entre a corrente católica restaurativa de combate ao processo secularizador, de intuitos moralizantes e de reforma de costumes e a abertura possibilitada pela expansão urbana podem ser analisadas na história da atuação de missionários europeus vindos primordialmente com o objetivo de revitalizar os antigos conventos brasileiros, salientando-se aqui os Franciscanos alemães.


Expansão urbana do Rio de Janeiro em direção às praias e processos culturais


O caso mais significativo para o estudo das relações entre o desenvolvimento do movimento restaurador e a expansão urbana é aquele do Rio de Janeiro. Essas relações foram pela primeira vez em contexto internacional consideradas em estadia no Rio de Janeiro de especialistas em história eclesiástica e missionária, assim como em música sacra e estudos culturais após encontro realizado em Petrópolis em sequência ao Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“, em 1981.


Os trabalhos relativos à atuação dos Franciscanos no Rio de Janeiro basearam-se sobretudo em obra comemorativa dos 25 anos do restabelecimento da Província da Imaculada Conceição no Sul do Brasil, publicada na Alemanha, em 1929. ((Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf.: Franziskus-Druckereum 1929)


Alguns dos aspectos então considerados são aqui sumarizados e comentados. Nessa ocasião, em visita ao Pão de Açúcar, considerou-se dos altos a expansão urbana do Rio nas suas relações com a da rêde de igrejas e da atuação religiosa de ordens, em particular dos Franciscanos.


Instalando-se inicialmente no contexto marcado pela cultura colonial alemã de Petrópolis, os Franciscanos passaram à revitalização do antigo Convento de Santo Antonio no centro histórico da capital. (Veja)


Paralelamente, deram início ao ressurgimento franciscano do norte fluminense, vindo de encontro à tradição e à memória de famílias de grandes proprietários, contribuindo a que este apego à tradição, revivido e reformado sob o signo do restauracionismo católico alemão do século XIX, se tornasse um dos principais centros do conservadorismo e tradicionalismo católico do Brasil (Veja)


As primeiras décadas da atuação franciscana no Rio de Janeiro decorreram em período de grande transformação urbana e cultural da cidade. O ano de 1908 merece ser considerado com especial atenção por dois eventos: a realização do segundo congresso dos católicos - organizado segundo a tradição dos Katholikentage da Alemanha - e o da Exposição do Centenário da Abertura dos Portos. O primeiro constituiu um marco da recatolização e do combate à secularização, o segundo o da celebração de uma abertura do país ao mundo. Nas recordações de Petrus Sinzig O.F.M. (op.cit. 201), os elos de ambos os eventos com questões urbanas são tematizados. (Veja)


Petrus Sinzig explica a relativa atenção causada pelo evento católico pelo contraste entre cidades pequenas e a capital do Brasil:


„A chegada dos convidados e a reunião de elementos católicos chama mais a atenção em cidaes pequenas do que no Rio como metrópole, onde a vida quotidiana na fábrica, na oficina e nos bancos, assim como porto teve a sua continuidade para centenas e milhares de pessoas, também durante o Congresso“. (Mönch und Welt, op.cit.203)



Petrus Sinzig presenciou a Exposição pela Abertura dos Portos, não escondendo o seu fascínio:


„Não se pode negar que ela foi como que uma revelação. A escolha do local aos pés do Pão de Açúcar, molhado pelas ondas da Baia da Guanabara, não podia ter sido melhor. A despesa para a iluminação artificial à noite na magnífica entrada foi - como em todos os lugares -l criticada por muitos amigos da economia. Mas o panorama noturno foi como de conto de fadas. Sobre as ondas do mar, até ao longo, irradiava o brilho ofuscante da luz. Os pavilhões dos diferentes estados concorriam entre si, e a direção geral fêz o possivel para corresponder também ao gosto refinado dos amigos da música. (...)“  (ibidem)


Marianismo e música revelam-se nesse texto do autor franciscano em estreita proximidade à vivência da luz, das águas e das praias do Rio de Janeiro e auxiliam a compreensão do significado do culto mariano em Copacabana e em Ipanema, bairro que ainda constituia um „deserto de areia“ antes da Guerra, mas que prometia vir a ser um dos mais belos do Rio de Janeiro.


Expansão às praias, moda de banhos, „delícias mundanas“ e sereias


A abertura de espaços no centro antigo foi acompanhada por uma expansão de seus limites, em particular às praias então distantes, acompanhada pela implantação de bairros que exigiam novas igrejas. A revista Eu sei tudo, em 1919, abriu o seu caderno do mês de abril com um artigo sobre o encanto do mar e que registra o entusiasmo pelas praias considerado no contexto da expansão urbana no Rio de Janeiro e nos seus elos de transformação de hábitos e costumes:


„(...) A ascensão na montanha é útil ou pittoresca, mas só a praia de banhos é chic. O monte Branco é illustre, o Hymalaya e os Andes têm prestígio magnifico. É bello poder-se dizer: galguei aquelle gigante! Mas os nomes de Nice, Ostende, Trouville, Jersey evocam, a nossos olhos, delícias mais apuradas e mundanas.


Por isso, aqui, nesta cidade que se civilisa, as praias estão cada vez mais em moda. Antigamente era preciso despertar antes do sol para encontrar banhistas nas doces encostas da Guanabara, e somente os cadetes da Escola Militar se atreviam a enfrentar directamente o Atlantico, além do Pão de Assucar. Hoje, desde Santa Luzia até o Arpoador, nas manhãs que se prolongam até as 9 horas, nas tardes que entram pela noite, todas as praias vivem cobertas por multidões.


E o velho mytho da Sereia, tentadora e irresistível, resurge multiplicado pelo numero das banhistas tão civilisadas que, elegantes no vestir, ainda o são mais no despir e até no susto conservam os encantos da Avenida.


Graças a ellas o mar é hoje um prolongamento do asphalto do Flamengo ou da praça D. Affonso, em Petropolis. Vai-se ao banho como se vai ao chá das cinco e ao footing; ha figurinos para o calção de baeta e modelos parisienses para a touca de borracha. O banho é uma funcção social, que desenvolve o flirt e promove matrimonios. O mar é, acima de tudo um espectaculo maravilhoso, não pelas côres e formas das ondas mas pelas beldades que o visitam de manhã e á tarde.


Sereias modernas não cantam, mas são encantadoras... e tão pouco melindrosas! Contra ellas Ulysses perderia em vão todas as subtilezas do engenho que Homero eternisou em versos truculentos.“ (Eu sei tudo 23, ano II, Rio de Janeiro: Editora Americana, 1919, 7)


Copacabana, a invocação de Regina Pacis em Ipanema e a Primeira Guerra Mundial


Essa previsão de futuros desenvolvimentos que levantavam receios quanto à moral por parte do pároco de Copacabana justificou o seu intento que as mesmas não ocorressem sem ancoramento religioso que garantisse a manutenção dos costumes, decidindo, logo finda a Guerra, em 1918, a construir uma igreja em Ipanema. Orientando-se por formas de veneração mariana que vivenciara na Europa, colocou a igreja sob o título de Regina Pacis, sendo o projeto inspirado em antigas basílicas romanas.


A invocação de Maria sob essa designação é compreensível em período marcado pelo decorrer e pelo término da Guerra que abalou o mundo. Ainda que qualificação muito antiga, presente através dos séculos na Ladainha Lauretana, a invocação de Regina Pacis adquiriu particular atualidade na Guerra e nos anos que a seguiram. Significativamente, determinou-se em 1917 um dia no calendário romano para a sua festa.


O estilo escolhido para a igreja de Ipanema também é compreensível considerando-se que as principais igrejas com essa invocação são romanas, a Santa Maria Regina Pacis em Ostia mare no quarteirão romano de Lido di Ostia Levante e Santa Maria Regina Pacis a Monte Verde. A invocação a Maria como rainha da paz foi fomentada por vários bispos e levou a designações de muitas igrejas em países da Europa, também na Alemanha. Em geral, os projetos datam - como o de Ipanema - dos anos intermediários da Guerra, de 1916 ou 17, caindo o início das construções após o seu término em 1918.


Com a falta de clero secular, várias ordens ofereceram-se para assumir a direção dessa igreja e da vida comunitária do bairro. O pároco de Copacabana, porém, admirando o espírito e o modo de procedimento dos Franciscanos alemães, que tinha conhecido pessoalmente, procurou ganhá-los para a nova igreja. Significativamente, os vitrais da capela-mor vieram da Alemanha. A invocação de Rainha da Paz (Maria Königin des Friedens, Maria vom Frieden e similares) era muito difundida na Alemanha, existindo várias igrejas com esse título.


Um dos motivos que provavelmente contribuiram a que os Franciscanos aceitassem esse encargo foi o das qualidades paisagísticas privilegiadas do local, então ainda afastado do antigo centro. Como em outras fundações, os missionários alemães procuravam regiões afastadas da agitação urbana e de meios marcados pela vida secularizada, marcadas por beleza natural, aptas assim à criação de uma atmosfera propícia à introspecção religiosa, a uma vida em simplicidade e alegria „seráfica“, marcada pela vivência sacramental e por atos de devoção.


Ipanema e a moral. S. Luís/Aloisio Gonzaga SJ (1568-1591) como exemplo


A Província franciscana aceitou em assumir a paróquia em 1920, ficando dela encarregado o Pe. Dominicus Schmitz. Na construção da igreja, terminada em 1921, levantou-se primeiramente uma grande sacristia adjacente, na qual os Franciscanos celebravam e dormiam.


Uma das primeiras e grandes preocupações dos Franciscanos foi a do ensino da juventude, pois nessa nova fundação, longe da sociedade vista como  mundana e decadente do centro do Rio, surgia a possibilidade de formação de uma nova geração que, acostumada desde cedo à frequência da missa e às confissões, viesse a formar uma futura sociedade marcada pela vida religiosa e pela moral segundo as normas preconizadas.


O pêso que os Franciscanos deram a questões morais na formação da juventude em Ipanema é testemunhada pelo fato de terem fundado uma sociedade sob o título de São Aloisio Gonzaga SJ (1568-1591).


Esta associação servia também como preparação de jovens para a Congregação Mariana, que alcançou em Ipanema um grande florescimento. Nessa sociedade, colaboraram sobretudo os Franciscanos Augustin Fremmer e Alfons Junges. Este último, possuia a experiência pessoal do fascínio que os Franciscanos podiam exercer na juventude com a sua simplicidade e alegria. Êle próprio a vivenciara no Rio Grande do Sul, que o fêz entrar na Ordem e agir no sentido que a sua antiga paróquia passasse a ser orientada pelos Franciscanos. (Veja)


Para a compreensão dos sentidos dessa sociedade, cumpre considerar a sua designação e que exprime a exemplaridade vista em São Luís ou Aloísio Gonzaga. Numa primeira aproximação, surge como singular o fato dos religiosos alemães não terem escolhido um nome de Franciscano para a denominação da associação de jovens que criaram, mas sim de um Jesuíta. Essa escolha, porém, justifica-se pela história de vida de São Aloísio e pelo papel modelar que nela foi visto.


O nome de um Jesuíta do século XVI para designar as atividades de formação de novas gerações em Ipanema manifesta os elos com a época tridentina e a Contra-Reforma em correntes ultramontanas e restaurativas do Catolicismo do século XIX. Como os Franciscanos davam particular atenção à moralização de costumes, o que se exprimiu no afastamento de literatura que não eram vistas como edificantes ou de moral correspondente aos critérios católicos e na difusão de obras adequadas para esse intento, traduzidas ou escritas no Brasil, pode-se compreender que São Aloísio surgia como modêlo para noviços e jovens estudantes.


Desde 1729 proclamado como protetor dos estudantes, a sua vida servia sobretudo como exemplo de castidade, apresentado em época da vida de jovens que, na puberdade, passavam a sentir o despertar de impulsos sexuais. A história de suas ações de socorro a doentes de peste e outras epidemias - muitas vezes explicadas como decorrentes de atividade sexual - servia como de advertência aos riscos de sexualidade fora do casamento, fazendo-o também protetor de infeccionados.


Pode-se compreender, que no caso de Ipanema, onde a própria natureza local de suas praias favorecia modos de vida mais livres e tolerantes, propiciando ultrapassagens do mandamento de castidade, a veneração de São Luís ou Aloísio surgia como particularmente adequada, uma vez que, segundo a tradição, mantivera-se sempre casto, nem mesmo vendo mulheres diretamente nos olhos.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.). „Ipanema/Rio de Janeiro (RJ). Partindo de Copacabana:Franciscanos alemães, religião e moral na expansão urbana às praias. A castidade dos jovens do Rio na exemplaridade de S. Luís (Aloísio) Gonzaga SJ (1568-1591) - Regina Pacis e a Primeira Guerra Mundial“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 151/5 (2014:5). http://revista.brasil-europa.eu/151/Franciscanos-em-Ipanema.html