Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos: Forum dos Povos, Werl,
A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 151/11 (2014:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N° 3138





Palmas (PR)

Memória de situações humanas, sociais e ambientais problemáticas em regiões de expansão

Indígenas e questões de prioridades missionárias de Franciscanos alemães no Paraná

Considerações no Forum dos Povos em Werl/Vestfália

 
Werl.Foto A.A.Bispo 2014 ©
O Forum dos Povos dos Franciscanos em Werl, Vestfália, pode ser visto como um dos mais significativos museus etnológico-missionários da Alemanha. Grande área de suas instalações, abrindo o percurso de seus visitantes, é dedicada ao Brasil. (Veja)


Nessa exposição, em grandes quadros com fotografias e textos, a atenção é dirigida aos problemas sociais e ambientais no país, salientando-se aqueles em regiões do Brasil Central e da Amazônia, de pobres e desprivilegiados em diferentes contextos.


Nesses quadros e em exposição de objetos indígenas do Norte do Brasil, tematiza-se a questão humana e cultural das sociedades indígenas confrontadas com a destruição das florestas.


Problemas ambientais e humanos resultantes da expansão da exploração madeireira, agrícola e pecuária, assim como a das atividades de extração de minérios e construção de represas e usinas encontram-se no centro das atenções.


Os indígenas são reconhecidos como representantes de uma forma de vida humana que garantiu por séculos a existência do extraordinário patrimônio natural do Brasil e que agora é destruído pelas chamas de forma irresponsável em poucas décadas.


A posição dos Franciscanos a favor dos pobres e desfavorecidos, dos indígenas e da natureza, assim como a sua crítica a uma sociedade marcada pela ambição ao ganho, por interesses econômicos sem escrúpulos para com a natureza e para com os mais fracos são apresentadas de forma explícita.


Esse retrato da realidade atual apresentada pelos Franciscanos precisaria porém ser considerado sob perspectivas históricas mais amplas e que trazem à luz os pressupostos dos desenvolvimentos atuais. Elas demonstram a continuidade de um processo expansivo secular e que insere regiões brasileiras que eram em passado relativamente recente ainda cobertas de florestas.


O quadro de desenvolvimento que alguns Estados hoje oferecem favorece o esquecimento das grandes destruições naturais e os crimes contra populações indígenas ocorridos, e que não podem ser silenciados. Pelo contrário, devem ser lembrados no sentido de uma consciência de dever ainda maior dessas regiões para com a proteção e mesmo reconstrução ambiental, assim como para com uma valorização das culturas indígenas.


Esse atenção ao passado expansionista em regiões originalmente cobertas de florestas dirige-se - em ano que se rememora os cem anos da eclosão da Primeira Guerra -, sobretudo às décadas que a precederam e a sucederam.


Trata-se, assim, sobretudo de uma análise mais diferenciada de desenvolvimentos desencadeados pelo assentamento de imigrantes europeus em regiões de colonização em direção ao interior dos Estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo.


Esse caminho da expansão levou à destruição em grandes dimensões de bens florestais, em particular das florestas de araucárias do Paraná, assim como à perseguição e morte de indígenas, à perda de suas culturas, a acontecimentos trágicos que mancham a história de colonias e de regiões, surgindo até mesmo como inconcebívels por terem sido ações praticadas também por imigrantes vindos de países desenvolvidos e conscientes de sua alta cultura.


Lembrando posições de missionários europeus no passado em regiões de expansão


Essa consideração da história da expansão colonizadora de fins do século XIX e primeira metade do XX traz à consciência também a necessidade de uma análise mais diferenciada da ação dos religiosos que hoje apontam - e com razão - as injustiças sociais e as tragédias ambientais, humanas e culturais do presente.


Tais análises trazem à consciência que esses missionários não atuam apenas movidos pelo bom senso, por motivos de humanos e humanísticos, de responsabilidade social, de consciência de solidariedade e de conservação da natureza e da vida animal, como pode parecer no presente, mas sim como religiosos e agentes da propagação religiosa, eles próprios inseridos em contexto da história da Igreja e das respectivas ordens


Sob essa perspectiva, aguça-se a sensibilidade para perceber que a expansão colonizadora em terras até então em grande parte cobertas de florestas dos Estados do Sul do Brasil ocorreu concomitantemente com aquele voltado ao ressurgimento da religiosidade, da intensificação da frequência às igrejas das famílias, do combate anti-secularizador e moralizador segundo normas eclesiásticas, do anti-modernismo que abrangia todas as áreas dos conhecimentos e das artes.


Considerar diferenciadamente esse processo que se entendia explicitamente como contrário àquele da herança esclarecedora, pode contribuir a elucidação de paradoxos quanto a posições e procedimentos no presente, uma vez que situações que deveriam ser da preocupação de homens esclarecidos são tomadas por missionários e outras que deveriam ser marcadas por uma sociedade esclarecida, voltada a avanços e a desenvolvimentos, levam em seu nome a destruições cegas de inacreditáveis dimensões.


Palmas no estudo da história do processo expansionista no Paraná e suas consequências


Nessa análise cultural do papel desempenhado pelos Franciscanos em contextos ainda marcados pela presença indígena em regiões de expansão em florestas nos Estados do sul do Brasil a cidade paranaense de Palmas merece particular atenção.



Essa cidade foi primeiramente considerada sob o aspecto das transformações culturais no âmbito dos cursos internacionais e festivais do Paraná em Curitiba, de 1967 a 1970, quando nele tomou parte sacerdote vindo de Palmas.


Nesses anos, devido às reformas litúrgico-musicais desencadeadas pelo Concílio Vaticano II, as atenções eram dirigidas a processos de mudanças culturais, em particular àqueles compreendidos sob o termo „aculturação“. Tendo-se tomado conhecimento dos problemas que essas novas tendências traziam para a vida músico-cultural da igreja local, constatou-se a intensidade com que o passado sacro-musical regional fora até então marcado por concepções do movimento restaurador no espírito do Motu Proprio de Pio X de 1903 e da legislação subsequente.


Essas características da vida religiosa e religioso-cultural de Palmas puderam ser explicadas sobretudo pela influência nela exercida pelos Franciscanos.


Palmas: um local perigoso para padres vivendo isolados


A presença da Ordem em Palmas, porém, revelou-se como uma das mais complexas da história dos Franciscanos alemães no Brasil. Consideradas em diversas ocasiões, foi alvo de reflexões sobretudo durante o Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ realizado em São Paulo, em 1981, e em particular no colóquio de especialistas e Franciscanos levado a efeito em Petrópolis em sequência ao evento.


Nesses encontros, consideraram-se com atenção as notícias que chegaram à Alemanha a respeito da missão de Palmas e que se tornaram do conhecimento geral através da publicação comemorativa dos 25 anos da reinstalação da Província Franciscana da Imaculada Conceição no sul do Brasil: Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf. 1929, 102.


O relato da história da casa franciscana de Santa Cruz de Palmas começa salientando que essa presença foi literalmente uma cruz.


O nome não podia ter sido escolhido de forma mais apropriada, ainda que a nossa residência tivesse sido simplesmente denominada segundo a igreja paroquial, que era consagrada à Santa Cruz. A paróquia foi de fato uma verdadeira cruz, não apenas para cada sacerdote, mas sim também para o bispo diocesano e mais tarde para a direção da Ordem. Situada longínqua nos campos solitários do planalto, com uma população crescida sem qualquer ensino religioso, e cujo interesse era voltado apenas ao dinheiro e ao lucro, a paróquia representou um grande desafio para a paciência e a persistência dos padres. Até a chegada dos Franciscanos, a mesmo tinha sido administrada por um padre secular, que durante 16 anos nunca vira nem encontrara outro sacerdote. Assim, não é de admirar que o pároco, que havia sido de início zeloso, tenha esquecido por fim a sua alta profissão, de modo que o bispo teve que tirar-lhe a administração da paróquia. Na consciência de sua responsabilidade, o bispo teve receio de enviar mais um padre secular que vivesse só a esse posto solitário e perigoso, voltando-se por isso repetidas vezes ao Pe. Provincial com o pedido ingente de deixar que essa difícil paróquia fosse administrada por sacerdotes de sua Ordem.“ (loc.cit.)


Essa crônica oferece um quadro de uma situação caracterizada por sociedade marcada por interesses materiais, de negociações e lucros, sem elos mais profundos com a religião, sugerindo problemas morais que teriam atingido também o próprio pároco, que por fim teve que ser afastado do seu ministério.


A compreensão manifestada pelo autor pelos seus deslizes morais fundamentava-se no fato do padre viver sozinho, sem contatos com outros sacerdotes e religiosos, deixando-se assim impregnar do espírito do mundo da sociedade envolvente. O ambiente de Palmas surgia assim como repleto de tentações, perigoso para a própria integridade e conduta pessoal de sacerdotes, restando a esperança que religiosos que vivessem em comunidade conventual pudessem a elas resistir e mesmo combatê-las.



Essa situação da sociedade de Palmas, como vista pelos religiosos, teve consequências imediatas para a assistência aos indígenas do Paraná.


O problema de Palmas nas suas consequências para a assistência aos indígenas


A pedido do Papa, a Província havia enviado dois padres para a missão junto aos índios, de modo que não foi de início possível assumir a paróquia de Palma. O bispo, porém, pediu ao Capítulo que considerasse que os habitantes de Palmas, já batizados, tinham mais direito à assistência religiosa do que indígenas que viviam „no paganismo“.


Por essa razão, os Franciscanos que haviam sido destinados à missão indígena foram primeiramente enviados a Palmas. Isso correspondia segundo o bispo de uma certa forma às intenções do Papa, uma vez que no destrito da paróquia se encontravam vários assentamentos indígenas, onde viviam ocasionalmente indios Coroados já próximos à sociedade brasileira e por ela influenciados, ou seja, „semi-civilizados“.


O Definitorium da Ordem acedeu, ainda tendo consciência das dificuldades que enfrentariam em Palmas. Dois religiosos ofereceram-se para a tarefa: Solanus Schmitt e Redemptus Kullmann.


Esses religiosos, segundo o relato, encontraram em Palmas uma situação que ultrapassava as piores expectativas. Desenvolveram, para modificá-la, um plano de realização de missões curtas nos diversos pontos da paróquia.


Mais dificil do que no interior das terras revelou-se a ação na própria cidade, onde os habitantes demonstravam pouco ou nenhum interesse por questões religiosas. As missas dominicais eram a princípio frequentadas apenas por duas ou três pessoas; não se conhecia a ida à mesa de comunhão. Tratava-se assim para os Franciscanos de uma sociedade totalmente secularizada.


Uma das primeiras preocupações dos padres foi o de fundar uma escola para a formação de uma nova geração. Tratava-se segundo o cronista de pelo menos tentar salvar a juventude da influência da sociedade local. Iniciada com apenas 12 meninos, logo atingiu o número de 107. Mais tarde, essa escola foi assumida pelas irmãs do Verbo Divino (Steyl), que abriram ao mesmo tempo um pensionato para meninas.


Grandes dificuldades que os missionários tinham que enfrentar eram as viagens pelo interior, uma área imensa que alcançava a ocidente a Argentina, ao sul o Uruguai e que precisavam ser feitas a lombo de burro.


Para a missão nas terras do interior paranaense, os Franciscanos edificaram ca. de 30 capelas, enquanto que na cidade dedicaram-se à construção de uma igreja de maiores dimensões, correspondente à dignificação das celebrações, simples nas suas aparências, mas adequada ao novo espírito que se desejava criar e que servisse de sinal da nova época de reimplantação religiosa que iniciava.


Após mais de vinte anos de atividades, o trabalho dos missionários surgia ainda em 1926 como decepcionante. Mesmo assim, se no primeiro ano de suas atividades, em 1903, apenas 15 pessoas se confessaram e comungaram, tendo havido 710 batizados e 94 casamentos, depois de 22 anos, ja se faziam por ano 4485 confissões, 5192 comunhões, 1667 batizados e 346 casamentos. (loc.cit.)


Após as gestões do Pe. Redemptus Kullmann (1903-1904) e do Pe. Solanus Schmitt (1904-1906), atuaram em Palmas os padres Menander Kamps (1906-1908), Georg Hoolmanns (1908-1911) e Beda Koch (1911-1912). Pároco nos anos difíceis da Guerra foi o Pe. Jacob Höfer (1912-1920). Nos anos mais promissores que se seguiram, atuou o Pe. Bruno Heuser (1920-1923).


Questões quanto ao posicionamento dos missionários: „cristãos“ em detrimento de índios


O relato da situação local do cronista franciscano indica uma sociedade marcada por grande desarmonia social, profundas diferenças em ricos e pobres, e um passado manchado por atrocidades. Palmas contava com um passado de extrema violência contra os indígenas Kaingangs por parte dos fazendeiros que se apossaram de terras a partir de 1839.


Nessa situação, a argumentação apresentada é a da prioridade de uma reforma da sociedade ou da criação de uma nova geração marcada pela religiosidade e pela moral consuetudinária, para isso sacrificando-se a assistência aos indígenas ainda não batizados.


O caso de Palmas desperta a atenção, assim, a um problema que ainda vigora no presente, ou seja da fundamentação religiosa segundo determinações eclesiásticas de posições, empenhos e procedimentos que são justos e necessários, mas que deveriam ser acompanhados por reflexões distanciadas e esclarecidas de seus próprios fundamentos.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo






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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.). „ Palmas (PR). Memória de situações humanas, sociais e ambientais problemáticas em regiões de expansão. Indígenas e questões de prioridades missionárias de Franciscanos alemães no Paraná“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 151/11 (2014:5). http://revista.brasil-europa.eu/151/Franciscanos-em-Palmas.html