Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Danzig/Gdansk. Foto A.A.Bispo2013 ©


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Fotos: Danzig/Gdansk, A.A.Bispo 2013 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 151/9 (2014:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N° 3136




União da Vitória (PR)/Porto União (SC)
Ultrapassando fronteiras em diferentes acepções: o vau do Iguaçú
Católicos poloneses e ucranianos sob assistência de Franciscanos alemães
e a exemplaridade de Santa Rosa de Lima (1586-1617)
- Dando continuidade a reflexões em Danzig/Gdańsk -


 

Os estudos culturais relacionados com a imigração e a colonização que vem sendo desenvolvidos desde meados da década de 60 do século XX sob o signo de uma orientação segundo processos e processualidades, - não a esferas categorizadas da cultura do erudito, popular e folclórico - dirige a atenção a situações intermediárias, a transpasses de fronteiras e limites em diversas acepções.


Isso vale para a necessária revisão de perspectivas dos estudos da emigração/imigração que se impõe com a aproximação de países europeus e sua integração na União Européia que se verifica nas últimas décadas. As questões que aqui se levantam foram tratadas em simpósio euro-brasileiro levado a efeito na Alemanha em 1983, ano em que se comemorou os 300 anos da emigração alemã à América.


Nessa ocasião, considerou-se que os estudos de imigração e colonização tinham sido por demais conduzidos sob perspectivas nacionais, fato explicável entre outras razões pelo interesse dos próprios imigrantes e seus descendentes em considerar a sua genealogia e história e dos viajantes e pesquisadores em dedicar-se à cultura do seu idioma ou contexto cultural.


A consciência da Europa acentuada com o processo aproximativo e integrativo leva a uma ampliação do campo de observações de ambos os lados: do lado europeu, considerando-se contextos migratórios que superam fronteiras nas suas causas e condicionamentos político-culturais, econômicos ou religiosos mais amplos, do lado brasileiro considerando-se relações e interações entre grupos culturais de imigrantes de diferentes origens nacionais, de diferentes idiomas, contextos culturais, religiões e tradições.


As reflexões então encetadas trouxeram à consciência proximidades, distâncias e influências mútuas de grupos coloniais de diferentes proveniências no Brasil nas suas relações com questões de identidade de comunidades, de memória histórica e de integração na sociedade brasileira.


Lembrou-se que um dos fatores que determinaram a aproximação de colonos de diferentes origens, idiomas e cultura no Brasil foi o confessional. A identidade católica ou protestante esteve em muitos casos acima daquelas do pertencimento a determinadas nações, idiomas e configurações de Estado de origem e que tanto se modificaram no decorrer da história. Esse pertencimento à mesma confissão teve consequências em particular sob o aspecto musical, pois hinários e repertórios para coro ou órgão aproximaram culturalmente diferentes grupos, contribuindo a uma gradual aproximação cultural.


Este tema foi considerado no Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira levado a efeito em São Paulo em 1981, assim como no colóquio que se seguiu com Franciscanos em Petrópolis.


Nesta ocasião, lembrou-se que missionários Franciscanos alemães que vieram para o Brasil após a proclamação da República com o intento de revitalizar a vida conventual e a religiosidade da sociedade sob o signo do anti-modernismo eclesiástico da época, aprenderam em alguns casos primeiro o idioma de outros grupos de colonos não-alemães para depois aprenderem o português.


Esse fato é compreensível considerando-se que em situações coloniais marcadas por grande contingente de protestantes e menor número de católicos alemães, os Franciscanos alemães precisaram dar assistência a imigrantes italianos que eram em maior número. Através da atuação de religiosos alemães, esses colonos italianos e de outras origens passaram a ter influência de um Catolicismo de contextualização alemã. Integraram-se assim sob certos aspectos no universo religioso-cultural da Alemanha, marcado ainda pelo passado recente da „luta cultural“.


Essa influência alemã fêz-se sentir em especial na música, cultivando-se em comunidades não-alemãs obras de compositores alemães na tradição ceciliana de Ratisbona. Religiosos italianos, por sua vez, foram em grande parte mediadores entre religiosos alemães e brasileiros.


A „Nova Polonia“ no Paraná e o catolicismo popular polonês: da feiúra de Jesus


Ao lado dos italianos, os poloneses foram os principais representados do Catolicismo em regiões coloniais do Paraná. Incentivador da imigração polonesa para a região foi, no Império, o Visconde de Taunay (1843-1899). Nas suas visitas, quando presidente da Província, apesar de ter obtido impressões ambivalentes do Catolicismo dos imigrantes poloneses, muito admirou as atividades de sacerdotes poloneses, entre êles os padres Francisco Xavier Gorowski e Ludovico Prsitarski. (Visconde de Taunay, Visões do Sertão, 2a. ed., S.Paulo: Melhoramentos s/d, 79 ss.)


Registrou, nas suas recordações, a grande influência que exerciam nos seus paroquianos, considerando ser essa influência até mesmo exagerada e com expressões de fanatismo.


Uma das expressões que lhe causou estranheza foi o da representação de Jesus Cristo como um homem de grande feiúra, repulsivo e vulgar, baseando-se os poloneses para isso em referências de antigos doutores da Igreja, que afirmaram ter sido o Salvador o „mais feio dos homens“.


Taunay lembra que nesse debate os defensores da beleza de Jesus teriam ganhado, permanecendo porém a polêmica viva até princípios do século XVIII. Entre os poloneses do Paraná, porém, mantinha-se a convicção da feiúra de Jesus.


Essa representação de Cristo podia ser encontrada em capelas como as de Pilarzinho, Abranches, S. Venancio e Lamenha Lins. Essas imagens possuiam até mesmo uma singularidade que causava repugnância ao Presidente da Província: o fato de serem envoltas com um cordão umbilical sêco, com círculos arroxeados e que representava a união de Cristo com a Igreja. (loc.cit.)


Esses padres poloneses eram pagos em espécie, mas eram muito respeitados e estimados, possuindo boas maneiras e afabilidade, apesar de um certo retraimento que demonstrava terem sido muitos perseguidos.


A esses sacerdotes, Taunay dirigiu, em 1885, a seguinte carta circular, que levou a problemas diplomáticos com a representação da Alemanha no Brasil:

„Ainda não cessaram as desventuras e os sofrimentos dos vossos compatriotas na Europa.

A correspondência de Berlim, datada aos 16 de Outubro próximo passado e inserta no Jornal do Commercio de 18 de Novembro cadente, relata as dolorosas scenas que se estão passando com a expulsão dos polacos das provincias orientais da Prussia.

Mais de mil pessoas que moravam em Koenigsberg tiveram de sahir às pressas daquella cidade, abandonando quasi tudo o que possuiam porque não lhes foi concedido prorogação do prazo fatal!

Do mesmo modo em Posen, onde centenares de infelizes, velhos, mulheres e crianças foram expulsos dos seus lares em virtude de leis e ordens que o Tageblatt e a Germania, da propria cidade de Berlim proclamam barbaras e indignas do nosso seculo.

O conde de Zamorski e outros grandes proprietarios não têm sido poupados e são tratados com o maior rigor.(...)

Os polacos que aqui no Brasil gosam de todas as regalias da segurança e liberdade não podem, por certo, esquecer-se daquelles, que, além mar, supportam tão duros transes.

Convem, pois, que escrevam quanto antes aos seus compatriotas e lhes apontem este Imperio como a terra da Promissão. O governo brasileiro ajudará os que vierem chegando, proporcionando-lhes favores que facilitem a sua localisação ao lado dos parentes, amigos e conterraneos.

Narrem os immigrantes daqui o que é o Brasil, as garantias que cercam quantos se acolhem à sua protecção e o futuro que os espera. Instem para que venham, sendo caso de se organisarem collectas, afim de ajudar efficazmente o philantropico movimento emigratorio.

Escrevam todos aos malaventurados de lá, que aqui ha uma Nova Polonia, em que habitam a felicidade e a segurança, contrapostas às desgraças e incertezas da Velha Polonia.“ (op.cit. 81-83)


A reforma do Catolicismo dos poloneses por Franciscanos alemães no Brasil


Os Franciscanos alemães tiveram que assistir em diferentes localidades a poloneses católicos, defrontando-se aqui de forma mais acentuada com o problema do idioma do que no relacionamento com os italianos. Neste último caso, alguns religiosos tinham realizado estudos em Roma, estando já familiarizados com o italiano. No caso de comunidades polonesas, porém, ainda que alguns Franciscanos fossem originados da Silésia, a situação apresentava-se mais difícil.


A história da ação franciscana na restauração da vida conventual e no processo anti-secularizador possibilitado pela República no Brasil necessita ser considerado no complexo da história franciscana na Europa, em particular na Europa Central no século XIX. Por essa razão, tem-se estudado a presença franciscana em diferentes países europeus, considerando-se em particular o papel que desempenharam na reintensificação da vida religiosa à epoca do restauracionismo católico.


Um desses estudos contextualizados mais recentes teve lugar em Danzig, em 2013. (Veja) A antiga igreja franciscana local - hoje monumento e importante centro cultural - adquire particular relevância não apenas para estudos voltados à música no Franciscanismo como também e sobretudo para a consideração dos pressupostos culturais de poloneses nas suas relações com a Alemanha e, assim, para os estudos culturais de imigrantes poloneses no Brasil.


Nessa ocasião, considerando a imigração polonesa no Brasil, lembrou-se do papel desempenhado pelo padre Bonifatius Martinòv OFM como cura de grupos poloneses na região de Porto União e União da Vitória nos anos iniciais da restauração católica nessa cidade.


Tudo indica ter sido a sua atuação junto a uma comunidade marcada por tão intenso Catolicismo como a polonesa um fator decisivo que fêz com que Porto União/União da Vitória se tornassem centros que mais vieram de encontro aos intentos de reintensificação da vida religiosa das famílias através da frequência dominical às missas e outros atos sacramentais, devocionais e paralitúrgicos.


Problemas sociais e humanos em situações cruciais


A atuação dos Franciscanos alemães, chamados e vindos para a reconstrução do Franciscanismo no Brasil, atuaram em geral em contextos vistos como cruciais ou particularmente problemáticos, marcados por mudanças e novos desenvolvimentos, por dinâmica transformatória que se manifestava em situações questionáveis de instabilidade, insegurança e injustiça social, de relações humanas e do comportamento do homem.


Algumas dessas localidades possuiam problemas de antiga origem, como na de Palmas (PR) relativamente aos indígenas (Veja), outros eram de origem recente, como aqueles originados em novos assentamentos de imigrantes nas frontes da expansão colonial em regiões ainda cobertas de matas no interior dos Estados sulinos.


O trajeto de sua fixação no Brasil indica a presença dos missionários alemães em pontos de concentração humana em caminhos e vias ferroviárias, em antigos pontos fiscais entre Estados, como no Rio Negro (PR) e em pontos de parada em estradas e ferrovias de regiões de expansão colonial, como na estação de Barro (Gaurama RS), assim como em zonas portuárias, como Santos (SP).(Veja)


Os problemas sociais e humanos, éticos, civilizatórios e de civilidade que se manifestavam nesses contextos críticos de intersecções de vias, de nós em rêdes e em situações de fronteiras e frontes foram reconhecidos e enfrentados pelos religiosos, porém considerados a partir de suas concepções religiosas a partir da tradição da Ordem na sua contextualização na Alemanha da época posterior ao Concílio Vaticano I e da „luta cultural“.


Os problemas foram vistos assim como consequências da perda da religiosidade, que deveria ser recuperada, da moral, que deveria ser restabelecida,da violência, que devia dar lugar à mansidão, da arrogância, que devia dar lugar à modéstia, da escravidão ao „mundo“, da qual o homem deveria liberar-se, de modos de trajar e comportar-se que manifestavam a vaidade daí decorrente e que devia ser substituida por recato e simplicidade.


Compreende-se, assim, que um dos principais centros do Franciscanismo no Brasil não se desenvolveu em situações marcadas por rudeza, brutalidades, atos bárbaros e pobreza, mas em Petrópolis, transformado em centro de uma sociedade que se considerava „chic“ do Rio de Janeiro, da nova elite de influência e de novos ricos sob a República. (Veja)


Com a sua fundamentação religiosa e na cultura franciscana, formados em determinada época e contexto europeu, os religiosos alemães viram nos graves problemas sociais e humanos detectados consequências da secularização, que deveria ser superada e da herança do Esclarecimento da época do Império, que deveria ser combatido. Esse processo revertedor de processos vistos como secularizadores e resíduos iluministas, relacionando-se com a vida religiosa de seus próprios agentes, esclarece a sempre registrada tendência de fixação franciscana em localidades liminares, de fronteira entre esferas, à beira de aglomerados urbanos,  junto ao povo simples e modesto,


Torna-se assim nem sempre fácil analisar diferenciadamente e de forma justa as ações de reforma da sociedade e da cultura dos Franciscanos alemães no Brasil, uma vez que uma clareza de percepção de situações insustentáveis de problemas sociais, de tensões, conflitos e de justiça, empenhos que se apresentam como altamente necessários e procedimentos heróicos surgem como que obscurecidos pela fundamentação questionável de concepções e atos, assim como pela relatividade histórica de interpretações de desenvolvimentos e consequentes ações.


Este é o caso de Porto União e União da Vitória, onde problemas resultantes da situação limítrofe e de passagem de um porto e de limites de Estados surgem mesclados com questões resultantes de interpretações anti-secularizantes, anti-modernistas e moralizantes.


O vau do Rio Iguaçú como ponto de passagem, ligação e intersecção de esferas


Um ponto de partida para as reflexões ofereceu já no encontro em Petrópolis de 1981 a crônica franciscana pelos 25 anos de reestabelecimento da Província da Imaculada Conceição no sul do Brasil, em 1926 (Pe. Cletus Espey OFM, Festschrift zum Silberjubiläum im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. West. : Franziskus 1929, 108-109).


Significativamente, o autor inicia o seu relato sobre o desenvolvimento da missão franciscana em Porto União, cuja residência foi fundada em janeiro de 1911, mencionando os conflitos de limites entre os Estados do Paraná e Santa Catarina.


„Após o término da infeliz disputa de fronteiras entre os Estados do Paraná e Santa Cataria, a cidade de União da Victoria foi dividida em dois distritos, respectivamente em dois municípios. A parte da cidade do lado paranaense foi denominada de União da Victoria, enquando que a parte pertencente ao território de Santa Catarina chamou-se de Porto União. A ferrovia constitui a fronteira de ambos os Estados. A nossa residência de Santa Rosa de Lima encontra-se no Estado de Santa Catarina. (...) Como a parte da cidade que se encontra no território do Paraná também foi elevada a paróquia, resulta a situação singular que ela também é dependente do ordinariado de Curitiba, pois nós precisamos assumir ambas as paróquias.“ (op.cit. 108)


Essa menção inicial a problemas de limites, suas intersecções, suas ligações acima de fronteiras e das duas subordinações da missão franciscana - a autoridades eclesiásticas de Santa Catarina e do Paraná - traz à consciência a situação fronteiriça de passagem e interligações resultante das próprias condições geograficas do local onde surgiu a concentração humana de origem da localidade assim dividida. A crônica franciscana refere-se já à época posterior à criação do município de Porto União, em 1917.


Essas origens remontam à facilidade de transpassagem do rio Iguaçu em local de baixa profundidade de suas águas, a do seu vau, achado nessas suas características favoráveis à passagem de tropas que, vindo do interior do Paraná, em particular de Palmas, se dirigiam ao sul, dando origem a um povoado cujas origens remontam a 1842.


Pelas suas condições naturais impostas pelo rio neste seu trecho mais raso, o local era também porto de barcos que navegavam pelo Iguaçu, sendo assim ponto de partida e saída, de ligação com as cidades rio-abaixo em direção ao Atlântico e rio-acima em direção a regiões ainda não exploradas.


A posição da localidade foi assim a de um cruzamento de vias por terras e fluviais, de ligação por caminho de tropeiros da zona de expansão fazendeira em Palmas com o sul, regiões que seriam centros da colonização européia, em particular alemã, e pelo rio a cidades de passado mais antigo do litoral. À época da vinda dos Franciscanos, esses desenvolviam missões sob as difíceis condições climáticas de São Francisco do Sul e iriam construir o seu grande colégio em Rio Negro como substituto daquele de Blumenau.


A tendência do cronista franciscano em interpretar situações segundo a expressão „nomen est omen“, como no caso de Barro (RS) (Veja) também valia para Porto União da Vitória, designação que obteve em 1855 e que sugere um campo de tensões marcado por união e desuniões.


Problemas sociais e humanos que provavelmente tinham raízes mais remotas, sobretudo devido aos elos com Palmas, ter-se-iam agravado com o desenvolvimento da navegação e do comércio ervateiro e de  sal. Esse comércio desenvolvera-se com estabelecimento do Coronel Amazonas de Araújo Marcondes (1847-1924), nascido em Palmas e falecido em União da Vitória, fixando-se na margem paranaense do Rio Iguaçu ao redor de 1879, no qual, em 1882, introduziu a navegação a vapor.


A sua época, marcada pelo dinâmica empresarial no comércio e na indústria, levou à fundação de várias localidades junto ao rio, entre elas aquela que leva o seu nome, a atual Porto Amazonas. A esse desenvolvimento empresarial somou-se aquele que visava a colonização de terras com imigrantes e que levou à vinda de colonos de diferentes proveniências nas últimas duas décadas do século XIX, sobretudo alemães, mas também do Império Áustro-Húngaro, da Rússia, da Ucrânia e da Polonia.


A menção dos conflitos mencionados pelo cronista franciscano refere-se sobretudo à assim-chamada guerra do Contestado entre 1912 e 1916. Esse conflto merece particular atenção sob a perspectiva dos estudos de processos culturais nas suas relações com o meio ambiente, uma vez que manifesta problemas sociais e culturais em rica região de bens naturais, de madeiras e mate, entre modestos brasileiros que trabalhavam nas matas e a entrada de madeireros da concessionária para a exploração da terra e colonização, a companhia Southern Brazil Lumber & Colonization Cia..


Essa contenda teve dimensões religiosas, uma vez que os simples trabalhadores, marcados por um catolicismo transmitido pela tradição, a viam como guerra santa. As características dessa cultura religiosa indicam a ação anterior de religiosos, entre êles já aqueles de origem italiana (João Maria), explicando também o surgimento de líderes messiânicos que pregavam modos de vida simples e que se posicionavam ao lado dos desprivilegiados, oprimidos e sofredores.


A questão de terras entre aqueles que nelas trabalhavam e as concessões feitas pelo Estado a grandes companhias agravou-se com a Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, à qual foram concedidas largas faixas ao redor da ferrovia.


O quadro paradoxal que se apresenta deriva do fato de que o messianismo da região via na República - por razão do apoio a companhias que passavam a apossar-se de terras e destruir as condições naturais de trabalho com o corte das florestas - a causa de todos os males, como sistema materialista.  Os revoltosos calentavam nostalgias monárquicas, fundamentadas em concepções e imagens do próprio edifício religioso.


Contrariamente, os Franciscanos alemães viam o desenvolvimento histórico sob outras perspectivas, vendo na República o sistema que permitiu a vinda das ordens religiosas e o processo de reintensificação da vida religiosa no Brasil, substituindo o Império sob D. Pedro II considerado como representante da secularização e do Esclarecimento. Esse fato auxilia a compreensão de que a ação dos Franciscanos não é considerada pelo cronista como sendo do lado dos simples e religiosos trabalhadores das matas em perigo, mas sim entre colonos estrangeiros e da sociedade vitoriosa vista como secularizada e decadente.


Atuação em comunidades polonesas e rutenas ou ucranianas


A residência franciscana de Santa Rosa de Lima foi levantada no Estado de Santa Catarina, tendo sido fundada a pedido do bispo Dom João Francisco Braga (1868-1937) em 1911, prelado que seria o primeiro Arcebispo de Curitiba e criador da Província Eclesiástica do Paraná. A subordinação dos religiosos Franciscanos atuantes entre Santa Catarina e o Paraná tinha dimensões mais amplas, pois a primeira mantinha relações mais estreitas com a Diocese do Rio de Janeiro,  a segunda com a de São Paulo, das quais tinham sido respectivamente desmembradas.


É significativo que o antecessor de Dom João Francisco Braga tenha sido Dom Duarte Leopoldo e Silva (1867-1938), posteriormente Arcebispo de São Paulo, um dos mais destacados representantes da restauração católica, do culto, litúrgico-musical e do ensino no Estado e mesmo no Brasil.


Inicialmente, os Franciscanos em Porto União moraram em casa adquirida pelo pároco, pouco adequada a uma comunidade. Também a igreja encontrava-se em estado deplorável e inadequada para o novo espírito que se procurava criar.


Como primeiro preside e pároco atuou Pe. Rogerius Neuhaus, apoiado pelo Pe. Oswald Schlenger. Enquando que o pároco cuidava dos dois lados da cidade, o trabalho do coadjutor estendia-se às populações dispersas pelas 14 estações ferroviárias.


A paróquia contava ainda com 100 famílias polonesas e rutenas, que passaram a ser assistidas pelo Pe. Bonifatius Martinóv. A partir de 1920, Rogerius Neuhaus foi sucedido pelo Pe. Jacobus Höfer, que anteriormente atuara como pároco em Santo Amaro e Palmas. A sua ação tinha sido em ambos os casos sobretudo a de dignificar a igreja e o culto, tendo-se empenhado na construção de grandes igrejas, continuando também a assim agir em Porto União/União da Vitória.


Devido aos muitos trabalhos e à situação marcada por tensões que apenas há pouco haviam sido combatidas com grande violência, os religiosos pouco puderam dedicar-se ao ensino. Empenharam-se assim pela vinda de religiosas de Steyl (Verbo Divino), que abriram um colégio com escola paroquial e um internato para meninas.


Santa Rosa de Lima - associações com a sociedade decadente em Lima do passado


Parece ser significativo o fato da residência franciscana em Porto União/União da Vitória ter a denominação de Santa Rosa de Lima , uma vez que indica o modêlo de exemplaridade vista no contexto marcado pelos conflitos na região.


Assim como a dedicação a Francisco Solano OFM de missão no Rio Grande do Sul (Veja), Santa Rosa de Lima associa a ação franciscana alemã com o passado mais remoto da história religiosa da América Latina, trazendo também aqui à memória a situação religiosa e moral da antiga Lima, centro do ouro e de uma vida criticada como mundana e de costumes decadentes.


Isabella Flores, filha de espanhóis, que recebeu o seu nome pelo fato de ter a sua mãe visto maravilhosamente uma rosa sobre a sua filha ao nascer, imagem de amor da tradição mariana. Rosa tornou-se um modêlo de vida dedicada à penitência por amor àqueles imersos em sociedade decaída. Primeiramente dominicana terciária, tornou-se fundadora em 1614 de convento dedicado à vida contemplativa - considerado o primeiro da América do Sul - e significativamente dedicado a Santa Catarina de Siena.


A veneração de Santa Rosa de Lima surge como altamente significativa para a atuação dos Franciscanos em Porto União/União da Vitória, uma vez que não apenas atuava na assistência a doentes e necessitados, mas empenhava-se na reforma disciplinar do clero e na admoestação dos conquistadores pelos seus atos violentos contra os pobres e pelo seu modo de vida e procedimento sem escrúpulos, marcados pela ambição.


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo






Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.). „ União da Vitória (PR)/Porto União (SC). Ultrapassando fronteiras em diferentes acepções: o vau do Iguaçú. Católicos poloneses e ucranianos sob assistência de Franciscanos alemães
e a exemplaridade de Santa Rosa de Lima (1586-1617)“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 151/9 (2014:5). http://revista.brasil-europa.eu/151/Porto-Uniao-e-Uniao-da-Vitoria.html