Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Foto: Pietá, Basílica de S. Pedro, Roma,
A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..
Fotos antigas:  P.C.Espey, op.cit.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 151/7 (2014:5)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N° 3134




Três Arroios (RS)


Madeiras e pedras
Nossa Senhora de Lourdes e a Pietà na colonização européia em solitárias regiões de matas
Conservativismo de concepções no artesanato colonial - Confiança!

 

Os estreitos elos da história do ressurgimento franciscano no Brasil com aquela da imigração e da colonização revelam-se na sua maior evidência na vinda dos religiosos a Três Arroios no Noroeste do Rio Grande do Sul após a Primeira Guerra Mundial. A região pertencia à esfera de Erechim, tendo sido o atual município criado apenas em 1987, quando foi desmembrado dos municípios de Erechim, Gaurama, Mariano Moro e Severiano de Almeida.



A atuação dos Franciscanos nessa cidade foi resultado de convite feito pela Sociedade Colonizadora Luze e Co, de Porto Alegre. Essa companhia procurava fomentar a vinda de imigrantes dos países europeus debilitados pela Guerra, oferecendo condições favoráveis de vida. Para colonos católicos surgia como atrativa a garantia de que encontrariam na região assistência para a sua família e educação para os seus filhos dada por religiosos na sua língua e de acordo com os seus costumes. Para os Franciscanos, a Sociedade Colonizadora garantiu a construção de uma igreja e de um convento.


A localidade, marcada pelos seus três arroios, como a sua designação indica, tem a sua data de nascimento com a chegada de famílias de alemães no início de 1917, acompanhados por um técnico em medição de terras, também de ascendência alemã, dominando o idioma. Já no ano seguinte, vinha à região coberta de matas carpinteiros, entre êles Friedrich Lorracher e Peter Riedel, dando início à tradição de trabalhos em madeira que levou à indústria de móveis que adquiriu significado para a região.


Como sempre, os religiosos escolheram para a igreja a ser edificada uma posição privilegida, no alto da localidade, não distante da moradia do diretor da colonia. Este, embora protestante, mostrou-se sempre simpático aos Franciscanos, facilitando-lhes as atividades.


Até o término da construção, os padres Fidelis Kamp e Chrysostomus Adams, assim como o Ir. Wigbert Birk habitarem uma casa precária de madeira, onde também celebravam. Os carpinteiros alemães que haviam chegado em 1918 auxiliaram na construção das edificações em madeira dos Franciscanos vindos em 1919 e das religiosas franciscanas, em particular da capela de Nossa Senhora de Lourdes.


Franciscanas de Quissimã em Três Arroios - conservadorismo de concepções


Como em outras regiões, os Franciscanos procuraram religiosas que os substituissem nas atividades de ensino. Encontraram aqui apoio de franciscanas de Quissimã, na região fluminense (Veja).


Assim, Franciscanas do norte fluminense passaram a atuar no sul, indicando já a dinâmica das rêdes de contatos criadas entre antigas cidades de passado franciscano e as novas fundações. Essas religiosas trouxeram provavelmente de Quissamã um catolicismo altamente tradicionalista, fundamentado na consciência local de antigos elos genealógico-culturais com Santo Antonio, revitalizado e intensificado sob a influência alemã.


O convento e a igreja anteriormente construidas pela Sociedade Colonizadora foram entregues a essas religiosas, dedicando-se os Franciscanos à construção de uma nova.


A fotografia da capela publicada na Alemanha em obra devotada aos 25 anos da restauração da Província da Imaculada Conceição no Brasil documenta o trabalho realizado e as concepções que o orientaram. (Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. Westf. 1929)


Pode-se constatar, nessa fotografia, que os religiosos alemães tiveram como principal lema condutor de suas atividades a Confiança, termo escrito no alto do altar, acima da gruta com a imagem de Nossa Senhora. Esse significado da Confiança surge como compreensível sob as condições de vida em que se encontravam os colonos. Os dois lados do altar - e determinadoras da divisão do espaço da igreja - seguia aquela consuetudinária também observada na Alemanha, referenciando-se S. Francisco com a ala dedicada a Jesus e Santo Antonio de Pádua com o lado de Maria. A fotografia também documenta o culto ao Sagrado Coração de Jesus e a São José. Correspondendo este último a uma devoção particularmente fomentada desde o Concílio Vaticano I, a igreja construída em Três Arroios documenta, na sua modéstia, o enraizamento da ação missionária no Catolicismo restaurativo de fins do século XIX.


A gruta como altar em Três Arroios e o significado da rocha na linguagem visual


Deve-se considerar com particular atenção a dedicação do altar a Nossa Senhora de Lourdes, devoção que assumira particular intensidade entre os Franciscanos na Alemanha na segunda metade do século XIX, levando a peregrinações a seu santuário na França, sobretudo procurado à procura de cura de doenças, e que havia sido cedo introduzida nas fundações franciscanas em Santa Catarina, salientando-se aqui Angelina (Veja).


É compreensível que, em região situada em meio a matas, cortada por águas, com os riscos de adoecimento dos colonos, a esperança na proteção de Nossa Senhora de Lourdes surgia como de central significado para a comunidade em formação. Significativamente, em Três Arroios a gruta de Nossa Senhora de Lourdes, em praça pública, tornou-se um dos marcos da cidade.


Pela história da aparição em Lourdes, as suas expressões caracterizavam-se pela imagem da gruta, tendo surgido na Alemanha - como em outros países europeus - locais de devoção em grutas naturais e artificiais construidas em altares de igrejas, em oratórios nos seus adros e em logradouros públicos.


No âmbito franciscano, pode-se aqui citar as grutas ao redor da nova igreja de Werl na Vestfália. Nessas grutas, não apenas a imagem de Maria, mas também a dos passos da Paixão e outras imagens são representadas. Pequenas grutas difundidas pelo comércio religioso ou trazidas como lembranças de peregrinações a Lourdes possibilitavam a presença da imagem na vida doméstica.


A gruta na linguagem visual católica não era recente, não surgira com a aparição de Lourdes, mas sim de remotas origens, também conhecidas da Antiguidade não-bíblica, sendo estreitamente relacionadas com concepções do mundo natural e simbólico-antropológicas.


Na igreja de Três Arroios, toda a parede de fuindo do altar-mór foi concebida como uma parede rochosa, na qual se abre ao centro a gruta de Nossa Senhora de Lourdes.


A relação entre as rochas encenadas na parede do altar e a madeira utilizada neste e na igreja em geral adquire também sentidos mais profundos na realidade da vida dos colonos em região ainda coberta de matas. Referências a escuras matas na linguagem visual cristã também não era recente, mas sim de remotas origens, bastando aqui lembrar as florestas sugeridas por colunas de igrejas medievais e góticas com os seus capitéis vegetais. Igrejas de madeira possuem uma longa tradição que atravessou os séculos, como ainda o demonstram exemplares em regiões nórdicas, mas também na Silésia, de onde provinham alguns Franciscanos alemães que atuaram no Brasil, assim como colonos.


A madeira como material construtivo da capela e seus sentidos


A igreja de Três Arroios surge, assim, na simplicidade de sua construção, explicável não só pelas possibilidades locais, mas também pelos ideais franciscanos, como um testemunho de complexas interações de imagens de diferentes épocas transplantadas para as frontes da expansão colonial em florestas do sul do Brasil.


Os poucos motivos decorativos pintados em faixas substituindo frisos no alto das paredes  e substituindo altares por detrás de imagens de santos sob pedestais sugerem a recepção de linguagem visual de publicações ilustradas do início do século, possivelmente de literatura religiosa, inclusive com elementos do Art Nouveau.


O significado da madeira na cultura local relacionou-se com antigas tradições marianas, documentadas em aparições de Maria em florestas e no tronco, imagens que, sobretudo a partir da França, marcaram outras regiões de imigração e colonização. (Veja)


O significado religioso da solidão de regiões de colonização, particularmente evidenciado no culto a Nossa Senhora de Soledade na cidade de Soledade (Veja) em redenominação da veneração mais antiga de tradição luso-brasileira de Nossa Senhora das Dores, pode ser também registrado em Três Arroios, onde uma imagem que reproduz a Pietà esculpida em raíz de árvore tornou-se um dos mais significativos bens culturais da cidade.


Diversidade cultural do meio colonial em Três Arroios e a ação anti-secularizadora


Além da igreja de Três Arroios, as atividades dos religiosos alemães estenderam-se no início da década de vinte a 26 capelas do distrito. Entre estas, uma era visitada por alemães, outra por italianos e uma por poloneses. Esse fato levantava a questão do conhecimento de idiomas, um problema já experimentado pelos Franciscanos em outras regiões, nas quais em parte o aprendizado do italiano antecipou ao do português.


Como em outras regiões, também em Três Arroios os Franciscanos logo se dedicaram à formação de novas gerações acostumadas com a frequência à igreja e formadoras de futuras famílias impregnadas de espírito religioso. Os religiosos abriram uma pequena escola com 20 alunos e que passaram a ser educados pelo P. Chrysostomus Adams. Enquanto este se dedicava ao ensino, Fidelis Kamp passou a auxiliar a paróquia recém fundada, cuja sede era na cidade vizinha de Barro, local da estação da ferrovia São Paulo-Rio Grande do Sul. (Veja)


O novo convento passou a ser habitado a partir de 1920. A pedido do bispo diocesano, a atuação franciscana estendeu-se às paróquias de Paiol. Para a sua melhor administração, o Pe. Fidelis Kamp passou a residir em Barro, sendo sucedido pelo P. Hubert Zeller, Preside de Três Arroios. (op.cit., 75)


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo






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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.). „ Três Arroios (RS). Madeiras e pedras. Nossa Senhora de Lourdes e a Pietà na colonização européia em solitárias regiões de matas. Conservativismo de concepções no artesanato colonial - Confiança!“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 151/7 (2014:5). http://revista.brasil-europa.eu/151/Tres-Arroios.html