Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Berlin.Foto A.A.Bispo 2013 ©Arquivo A.B.E..


Berlin.Foto A.A.Bispo 2013 ©Arquivo A.B.E..


Berlin.Foto A.A.Bispo 2013 ©Arquivo A.B.E..


Berlin.Foto A.A.Bispo 2013 ©Arquivo A.B.E..


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Fotos A.A.Bispo 2013 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 152/5 (2014:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3143




Ensino da Música e Cultura Musical
O tema da
14. Bundesmusikschulwoche em Berlim
na história das interações Brasil-Alemanha na Educação e na Pesquisa
- Pluralismo, vida escolar e perfil do pedagogo -


 
Leichlingen.Foto A.A.Bispo 2013 ©Arquivo A.B.E..
Marco no desenvolvimento das reflexões concernentes às relações Educação/Ciência/Cultura em contexto Brasil/Alemanha foi a Deutsch-Brasilianische Musikschulwoche de 1982, realizada em Leichlingen, cidade da Renânica do Norte/Vestfália. (Veja) Esse evento foi promovido pelo Departamento de Cultura e pela Escola Municipal de Música local, que passou a ter direção brasileira em 1981. Foi realizada em estreita cooperações com outras escolas de música e instituições do ensino superior, em particular da Universidade de Colonia, contando com o apoio da Embaixada do Brasil na Alemanha.


Essa semana teve um significado que de muito ultrapassou os limites locais e regionais, assim como a própria esfera institucional e disciplinar, dela originando-se impulsos que determinaram desenvolvimentos futuros e que, em parte, atuam até o presente.


Foi o primeiro evento do gênero e o maior empreendimento cultural até então realizado na Alemanha com referência ao Brasil. Esse significado derivou do fato da proximidade do trabalho dessa escola à Universidade, assim como a universidades e instituições de ensino e pesquisa do Brasil, em particular à então recém-fundada Sociedade Brasileira de Musicologia.


Sendo a escola membro da organização-teto das escolas de música alemãs - Verband deutscher Musikschulen - o evento inseriu-se na discussão e nas iniciativas relacionadas com o ensino musical da Alemanha. No Leichlinger Musikforum, iniciado em 1981, foram tratadas diretrizes educacionais, correntes de pensamento e iniciativas a partir de uma perspectiva inovativa, resultante de interações entre desenvolvimentos brasileiros e aqueles alemães.


Do lado brasileiro, a semana representava uma ressonância, em plano internacional, da Semana da Arte realizada em São Paulo pela Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1974. (Veja)


14. Bundesschulmusikwoche em Berlin: Educação Musical Escolar e Cultura Musical


Do lado alemão, a semana era uma resposta do programa de renovação disciplinar segundo orientação nascida no Brasil à XIV Semana Federal de Música de Escola (Bundesschulmusikwoche) que se realizava em Berlim naquele ano. Essa Bundesschulmusikwoche tinha como tema „Educação Musical Escolar e Cultura Musical“.



Esse tema da Semana federal foi o principal motivo que levou à realização de uma Semana de Música/Forum Alemã-Brasileira.


A Bundesschulmusikwoche daquele ano,concentrando as atenções à „Cultura Musical“, tematizava um conceito de central importância no programa de interações internacionais remontante ao Brasil e iniciado em 1974 na Europa, não tratava de um complexo temático que era novo.


Parecia ser assim necessário dar um testemunho dos desenvolvimentos no Brasil e das atividades já resultantes das interações alemã-brasileiras para um prosseguimento consequente dos debates. 


Considerar o desenvolvimento do pensamento e as iniciativas anteriores, partidas do Brasil, surgia como necessário para que não houvesse recapitulações ou mesmo retrocessos na condução das reflexões.


A Semana em Berlim inseriu-se em longa tradição de semanas de música a nível federal na Alemanha, consideradas como edições de um amplo forum músico-pedagógico, uma vez que as conferências publicadas serviam como orientação à prática de ensino e ao prosseguimento das reflexões nos círculos especializados.


As publicações dos relatos e conferências dessas
semanas federais representavam um verdadeiro espelho do desenvolvimento do pensamento e da prática musical na Alemanha Ocidental do período posterior à Guerra.


Tradição de Semanas de Música na Alemanha após a Primeira e a Segunda Guerras


As treze edições anteriores das Semanas Federais de Música Escolar, de 1955 a 1980, e que davam continuidade à série de oito semanas de música realizadas após a Primeira Guerra, representaram marcos na reforma da Educação Musical e também pontos chaves „de esperança e desesperança“ na história do ensino musical na Alemanha. (Christoph Richter.“Zum Thema der Bundesschulmusikwoche Berlin 1982: Schulische Musikerziehung und Musikkultur“, Musik und Bildung XIV (73)/4, Abril 1982, 210-211)

A Primeira Semana de Música dos anos que se seguiram à Primeira Guerra teve lugar em Berlim, em 1921. No centro dos interesses encontrava-se a reforma do sistema escolar. Essa preocupação pela teoria e pedagogia musical nas suas relações com a política de ensino revela-se nos pronunciamentos inaugurais do evento.

Neles se constata que já nos anos que sucederam à Primeira Guerra as reflexões não foram voltadas a problemas especializados, mas sim a uma abertura quanto a tendências de reforma e a atitudes de consenso quanto a partidarismos musicais. Nesses textos, pode-se constatar já na década de vinte predominava o reconhecimento de que realidade viva da música é mais complexa do que aquela apresentada em simplificações de currículos e práticas escolares, exigindo ser tratada diferenciadamente e na sua complexidade.

Na história mais recente das Semanas de Música Federal, uma de suas principais personalidades foi Egon Kraus (1912-2001). Doutorado em Innsbruck, docente da Escola Superior de Música em Colonia, diretor do Departamento de Música Escolar da Escola Superior de Música Trossingen e Professor na Escola Superior Pedagógica de Oldenburg, Secretário Geral da Sociedade Internacional de Educação Musical e representante do Conselho Internacional de Música da UNESCO, Egon Kraus foi uma personalidade de relevância na concepção da Deutsch-Brasilianische Musikschulwoche.

Conceito de „Musikkultur“ - Cultura Musical, Música na Cultura, Músico-/Muso-Cultura


A Bundesschulmusikwoche de 1982 colocou o conceito „Cultura“ no centro das discussões, como o fizera com o tema „Humanidade“ em 1978.


Assim como as relações entre a Educação Musical e o conceito do Humano e consequentemente do Humanismo tinham levado a diferentes posicionamentos e mesmo a diversificadas considerações filosóficas e de concepções do mundo e do homem, tendo ressonâncias na área musicológica relacionada com a teologia e a música sacra, o conceito de Cultura também foi marcado por diferentes pontos de vista nos debates, ainda que agora mais orientados pela Etnologia/Antropologia Cultural e Estudos Sociais.


A música, tratada em 1978 como uma potência, um talento, uma tendência do Humano, um testemunho de suas possibilidades - e impossibilidades -, surgia agora estreitamente relacionada com o conceito de Cultura, qualificando-o.


Muitas foram os enfoques com que o tema foi tratado em correspondência com o seu uso então cada vez mais atual em outras áreas da pesquisa musical, entre outras naquelas relacionadas com a música sacra. O direcionamento da atenção a à música nas suas relações com a cultura havia sido tema do simpósio internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ realizado em São Paulo, em 1981, onde também houve sessões dedicadas à Educação, antecedendo, assim, e em dimensões muito maiores, a orientação que se manifestou na Bundesschulmusikwoche de Berlim.


Cumpria assim, recolocar o tema no âmbito dos desenvolvimentos que, preparados em interações internacionais há anos, tinha tido a sua expressão no simpósio de São Paulo. Um dos possíveis enfoques derivados de estudos e tendências do pensamento desenvolvido em referenciações brasileiras era aquele que considerava a adjetivação Cultura Musical não apenas como Cultura da Música ou Música na Cultura, mas sim como Músico- ou Muso-Cultura.


Se o termo Muso-Cultura levantava associações com concepções „musas“ (musische Erziehung) de certas correntes do passado do século XX, vinculadas a determinadas concepções do mundo e de práticas já sentidas com antiquadas, em geral espiritualizantes nas suas tendências à integralidade, o termo compreendido como Músico-Cultura chamava a atenção à uma cultura de natureza fundamentalmente musical ou de uma cultura que se processa metaforicamente ou intrinsecamente a modo de música, ou seja, na sua fluência no tempo.


Nesse sentido, a compreensão do termo vinha de encontro à orientação da atenção segundo processos e processualidades preconizada pelo debate originado no Brasil. Essa compreensão do termo teria a sua manifestação mais evidente na compreensão de Musikkultur que levou à denominação do ISMPS como Instituto de Cultura Musical - não de Música - do Espaço de Língua Portuguesa. (Veja)


Compreensão de cultura na Semana de Berlim e a pluralidade cultural


Os organizadores da semana de Berlim estavam conscientes que à cultura musical deviam ser contadas todas as formas de expressão musical, da música de concertos até à de discotecas e a de propaganda comercial.


Salientava-se que já há muito não dominava na Educação Musical na Alemanha a idéia de que no ensino apenas se deveria considerar uma cultura musical compreendida como erudita.


Nesse sentido, a semana de Berlim mostrava-se em absoluta compatibilidade com o desenvolvimento brasileiro. Também na Licenciatura em Música e Educação Artística do Brasil - como evidenciado na Semana da Arte de 1974, a atenção não era absolutamente dirigida apenas à música erudita, mas também à folclórica e à popular. Ainda mais: em sequência ao direcionamento da atenção a processos e à superação do pensamento de esferas categorizadas da cultura, preconizadas pela sociedade Nova Difusão em 1968, procurava-se fundamentar teoricamente a não-delimitação da pesquisa, da prática e do ensino musical e artístico a uma esfera qualificada como erudita. (Veja)


A semana de Berlim salientava que mais importante do que simplesmente considerar o relacionamento entre o ensino e a Musikkultur seria discutir a compreensão do termo e o seu emprêgo na prática. Nesse sentido, porém, o Brasil já podia contribuir com reflexões e experiências anteriores, no sentido mencionado de uma nova difusão cultural compreendida como difusão de um modo de proceder direcionado a processualidades na pesquisa e na prática.


A semana de Berlim salientava que os professores de música deviam considerar a pluralidade músico-cultural, de modo que o ensino passava a ser marcado por pluralismo.


Consequentemente, os alunos deviam ser confrontados com todos os tipos de música na sala de aula, devendo ser todas as escolas abertas em princípio a todos os tipos de alunos. Também aqui, portanto, o Brasil podia contar com vasta experiência anterior, uma vez que o confronto com a diversidade cultural de sua população marcou desde o início as preocupações e iniciativas.


A própria constituição da Licenciatura da Faculdade de Música e Educação Artística de São Paulo foi marcada por pluralidade em diferentes sentidos. As diferentes origens dos estudantes e professores que vinham atualizar os seus conhecimentos e as constituições multi-étnicas e pluriculturais das escolas foram consideradas no ensino e na realização de trabalhos. Não era por menos que a disciplina da Etnomusicologia havia sido incluida no programa curricular da Licenciatura em Educação Musical e Artística.


A Semana da Arte de 1974 havia manifestado essa orientação à pluralidade, e o Simpósio Internacional de São Paulo, em 1981, havia tematizado as múltiplas possibilidades de compreensão da expressão „Unidade na Diversidade“. (Veja)


Assim como já exercitado no Brasil, a Semana de Berlim propunha que os alunos deviam trazer a sua própria cultura musical para a escola e seria a partir dos múltiplos comportamentos músico-culturais que o ensino deveria ser configurado.


O conceito de cultura musical não deveria ser museal, também no concernente a valorações, mas antes compreendido como um campo de ações aberto a um tratamento auto-escolhido e auto-configurador de obras, formas e circunstâncias.


Também aqui constatava-se uma precedência do Brasil, o que se manifestava de forma lúdica até mesmo no emblema da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, por muitos não compreendido: o de uma feiticeira que misturava os diferentes ingredientes no seu caldeirão!


Pluralidade tanto sob o aspecto conceitual como institucional


A Bundesschulmusikwoche teve o cuidado de chamar a atenção a um necessária diferenciação do termo pluralidade.


Esta não devia ser entendida no sentido de uma transmissão pluralística de informações sobre fatos, instituições, acontecimentos e decorrências, sobrecarrendo professores e alunos com uma multiplicidade de conhecimentos de forma enciclopédica.


O ensino devia ser compreendido como um local de experiência cultural, não no sentido de informação pluralística. Conduzido sob o signo da experiência dos alunos na sua diversidade cultural, o ensino da música contribuiria ao desenvolvimento da auto-consciência existencial.


Em segundo lugar, a música deveria - ao lado de outras matérias - fomentar a reconstrução de uma vida cultural na escola. Esta existira no passado, mas caíra em muitos casos em situação de declínio ou mesmo abandono.


O termo reconstrução podia ser também compreendido como uma reconfiguração da vida cultural escolar sob novos aspectos, ou seja, o da experiência cultural na sua multiplicidade. Também aqui constatava-se paralelos com desenvolvimentos brasileiros, em particular no fato de ter sido a revitalização da vida cultural na instituição nas suas relações com a vida da sociedade também uma das razões da realização da Semana da Arte de 1974.


Segundo a discussão alemã de 1981, o professor de música devia entender-se não primordialmente como transmissor de conhecimentos, mas como uma espécie de instância mediadora entre a vida musical e a escola. Assim, devia trazer artistas para concertos e workshops nas escolas, levar alunos a concertos vários, preparar possibilidades em que estes se apresentassem e integrar pais e docentes de outras disciplinas nas atividades musicais. Ora, essa havia sido a principal característica da Semana da Arte de 1974 em São Paulo!


Educador musical e a música prática - perfil artístico do pedagogo


Para cumprir a função de mediação entre a vida musical e cultural institucional e a a comunidade, os professores precisariam ser êles próprios capazes de atuar musicalmente na área profissional, apresentando nível técnico e interpretativo que possibilitasse apresentações em público. Com essa proposta ou exigência, porém, a Bundesschulmusikwoche tocava num ponto que tinha constituido preocupação central na experiência da formação de professores de Educação Musical e Artística no Brasil e exigido diferenciações.


A Semana da Arte de 1974 demonstrara a participação de professores - e estudantes - como regentes e instrumentistas de alto nível qualitativo, muitos deles personalidades de relêvo na vida musical de São Paulo. Ao mesmo tempo, porém, demonstrara ser distante da realidade exigir-se dos futuros professores de música formação prático-musical à altura de regentes e instrumentistas.


Já as exigências da prática e a falta de tempo causada pelas atividades escolares impediam a necessária dedicação ao exercício de instrumentos ou de canto. Se um certo nível de aptidões instrumentais e vocais devia constituir pressuposto para o estudo da Educação Musical, essa diferenciava-se necessáriamente da formação de instrumentistas e cantores.


Apresentava-se aqui uma situação similar àquela da Musicologia com relação à música prática. Conhecimentos musicais e domínio de instrumentos e/ou de canto em grau avançado deviam ser pré-condição para o estudo científico da música como parte da área de Ciências Humanas, não deveria, porém, ser integrado em instituição de música prática. (Veja) Consequentemente, no caso da Licenciatura em Educação Musical/Artística o seu local adequado deveria ser numa Faculdade de Educação, não em conservatórios de nível superior.


Essa diferenciação que marcava fundamentalmente o programa de interações nascido das experiências brasileiras não encontrava ainda a sua devida correspondência no debate alemão. Ainda se constatavam propostas de educadores musicais vindos da prática musical que exigiam que a formação de professores de música para o ensino secundário deveria não só pressupor ou incluir complementarmente formação em instrumentos, canto, composição ou regência, mas que os próprios professores estivessem em condições de atuar artisticamente na vida musical como executantes de alto nível.


Essa consequência resultante da lógica da argumentação, surgia assim paradoxalmente de um tipo de pensamento que partia do termo cultura musical e de pluralidade cultural, assim como da função do professor como mediador entre a vida musical e a escola.


Compreende-se que essas proposições tenham nascido de uma preocupação por uma formação de professores primordialmente teórica e abstrata, ou que seguissem a carreira do ensino pessoas sem as pré-condições quanto a conhecimentos e a domínio de um instrumento e/ou de canto - um fato também conhecido do Brasil. Ainda que compreensívels, tinham levado a exagêros quanto a exigências de participação ativa de professores de música de nível secundário na vida de concertos, e que se revelavam não só utópicas como desfavoráveis à dedicação integral ao ministério educativo.


Formação de professores de música e política


Não apenas pelas questões tratadas quanto ao tema Educação e Cultura Musical, a semana de Berlim foi de amplo significado, tendo grande ressonância em periódicos e jornais. O considerável número de seus participantes - 1600 inscritos, 400 estudantes - demonstrou o interesse pela temática e despertou a atenção de políticos, aqui salientando-se em especial a Senadora Dra. Hanna-Renate Laurien.


Como Karl Heinrich Ehrenforth - presidente da sociedade de educadores musicais - então salientou, a semana trouxeà consciência que a política cultural deveria incluir a escola no âmbito de suas preocupações e estrategias, especialmente relativamente ao ensino artístico nas escolas. (Karl Heinrich Ehrenforth„VDS. Informationen des Berufsverbandes. Berliner Nachlese“, Musik und Bildung, 7/8, Juli/August 1982, 507)


Esse especialista salientava que todos os esforços deviam ser feitos para que a escola - e a Educação Musical - se tornassem locais de vivência cultural e essa concepção deveria ser incluída no planejamento da política cultural. Para isso, tornava-se necessário que os representantes das instituições relacionadas com o ensino agissem politicamente, procurassem responsáveis e personalidades de liderança política, tornando-os sensíveis para problemas e questões, criando um lobby pedagógico-musical.


À luz dessa necessidade de alcançar maior atenção, prestígio e significado, a questão da formação e da capacidade prático-musical e artística dos professores colocava-se sob novo prisma. Um alto nível artístico de professores poderia contribuir para o melhoramento da imagem da Educação Musical e do papel da música nas escolas. Por demais predominava a idéia de diletantismo e de absoluta falta de capacitação musical de professores de música. A imagem negativa dos educadores musicais era aquela que partia da acepção de que seriam artistas decepcionados pela falta de sucesso. Por isso, Ehrenforth acentuava que os pedagogos deviam manter-se ativos artisticamente, fazendo com que a sua experiência na prática musical frutificasse no ensino.


Tratava-se, assim, de uma correção da imagem da profissão. Para Ehrenforth, essa correção devia ser alcançaa acentuando-se o perfil artístico do professor de música. Esse problema de imagens não dizia respeito apenas ao educador musical, mas também ao professor de alemão que seria ator diletante, ao de esportes que seria esportista frustrado, ou ao musicólogo, que seria um instrumentista, compositor e regente sem perspectivas.


Essas considerações, porém, demonstravam a deficiência da proposição de Ehrenforth. Como discutido a partir da experiência brasileira, não se devia tratar de um perfil artístico do professor, mas sim de um perfil próprio do educador musical, com as suas singularidades decorrentes da seu ministério. Este não podia ser aquele de comportar-se como um artista em sala de aula, de performance, ávido de aplausos, preocupado com a sua atuação em palco, em público. As próprias condições psicológicas e de personalidade de um artista diferem necessariamente daquelas de um cientista - no caso do musicólogo - e de um educador.


A retomada do conceito de vida escolar e do termo „vida“ na Pesquisa e na Educação


A exigência que a vida musical fosse trazida para a escola e reciprocamente que esta se integrasse na vida musical, que artistas nela atuassem e que professores estivessem em condições de tomar parte ativa na vida musical denotam a importância que, à época da semana de Berlim, emprestava-se ao conceito de „vida“, relacionando não só vida escolar com vida musical. A expressão de „vida“ também marcava a discussão musicológica na época, em particular na Etnomusicologia, como manifestada no Congresso Internacional de Música Sacra de Bonn, em 1979, evento que contou com significativa participação brasileira. (Veja)


Essa preocupação não era nova na Alemanha, tendo sido o conceito até mesmo condutor de movimentos e iniciativas no passado, podendo-se aqui citar a Pedagogia Reformada, as Escolas de Trabalho, as Casas Educativas de Campo e mesmo a Juventude Musical. Há décadas criticava-se o afastamento da escola da vida musical da sociedade ou da existência de nichos culturais fechados independentes nas escolas, sem relações com a vida em geral.


Esse fato podia ser constatado sobretudo em escolas confessionais ou orientadas segundo concepções do mundo, como as escolas Waldorf, de fundamentação antroposófica. Também essas questões já tinham sido tematizadas na Semana da Arte de São Paulo, quando nela se integrou apresentações de coral do Instituto de Artes Adventista e do coro e orquestra da Escola Higienópolis, instituição marcada por concepções, tradições ou modos de vida antroposóficos.


Essa preocupação pela aproximação do ensino musical da „vida“ revitalizada pela semana de Berlim de 1981 contrapunha-se àquela concepção de Educação Musical caracterizada por determinações mais rígidas de objetos de aprendizado e por uma fundamentação científica que afastava a escola e o ensino musical da vida em geral e da vida musical.


A Semana, assim, representava sob diversos aspectos uma espécie de correção a planos educacionais que preconizavam uma orientação científica do ensino musical ou mesmo de uma compreensão da Educação Musical como propedêutica científica. (Veja)


„Vida escolar“ foi uma expressão predominante desde o século XIX para as reformas da escola secundária e para a adequação da escola à vida. A expressão serviu de orientação a medidas educativas, em geral relativando concepções que viam a função da escola resumida à transmissão de conhecimentos e aptidões.

A idéia revitalizada pela semana de Berlin era a de que caminho para a escola educativa no seu sentido mais pleno passava por uma vida escolar configurada e aqui residiria uma legitimação para as disciplinas artísticas. A vinculação da escola à vida não devia porém cair em utilitarismo e num ensino marcado por intuitos competitivos.

Contra uma vida escolar distanciada do mundo e da sociedade, em particular daqueles fechadas em exclusivismo, preconizava-se uma necessária proximidade à vida. Este intuito, porém, já tinha sido aquele que marcou a Semana da Arte de São Paulo, em 1974, quando nela até mesmo tiveram lugar artistas que expunham na Feirinha da Praça da República! (Veja)

De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




Todos os direitos reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„Ensino da Música e Cultura Musical. O tema da 14. Bundesmusikschulwoche em Berlim
na história das interações Brasil-Alemanha na Educação e na Pesquisa- Pluralismo, vida escolar e perfil do pedagogo -“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 152/5 (2014:6). http://revista.brasil-europa.eu/152/Bundesschulmusikwoche.html