Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


Lueneburg.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..

Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 152/1 (2014:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3139





Brasil-Alemanha: Educação e Ciência
Ensino Musical/Artístico e Estudos Culturais em interações internacionais
O ciclo natalino na Pesquisa e na Pedagogia Comparada
Época de balanços e reajustes VI


 
Prof.Dr.A.A.Bispo 2014
A presente edição da Revista Brasil-Europa-Correspondência Euro-Brasileira, o sexto e último número de 2014, encerra o programa que marcou o presente ano e que foi orientado segundo o intuito de realização de „balanços e reajustes“. (Veja)


40 anos da Semana da Arte da Faculdade de Educação Musical e Artística do IMSP


Essa edição rememora a passagem dos 40 anos de realização da Semana da Arte da Faculdade de Música e de Educação Musical e Artística do Instituto Musical de São Paulo, evento representativo e marco pioneiro sob muitos aspectos na história dos estudos superiores de música e da Licenciatura em Educação Musical e Artística no Brasil.


Essa Semana representou um verdadeiro forum de representantes do ensino superior, médio e de diferentes esferas da vida musical de São Paulo em fase de transformação de concepções quanto à Educação Musical e Artística no Brasil. Nela foram apresentadas diferentes concepções educacionais, de sentido da formação musical e artística nas escolas, e de relações entre a pesquisa e a prática musical e artística, da ciência e da educação.


Poucos meses após a Semana da Arte de São Paulo, teve início, na Alemanha, o programa de interações que procurava desenvolver internacionalmente diretrizes de renovação de disciplinas culturais, em particular daquelas voltadas à música, tanto no âmbito da Ciência como no do ensino e da vida musical. (Veja)


Revisitando Lüneburg e Leichlingen: recapitulações de contatos e desenvolvimentos


Lueneburg. Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..
Leichlingen.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..
Esses trabalhos tiveram o seu início em centros de regiões mais ao norte da Alemanha, em particular em Lüneburg, Hamburg e Hannover. (Veja)


Rememorando esses 40 anos, realizou-se no corrente ano visita a Lüneburg, onde encetaram-se reflexões e recapitulações de desenvolvimentos que são considerados na presente edição.




Lueneburg. Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..

A Semana da Arte de São Paulo teve a sua repercussão maior na primeira Semana Alemã-Brasileira da Escola de Música (Deutsch-Brasilianische Musikschulwoche) e respectivo forum (Leichlinger Musikforum) realizados em 1982 pela Escola de Música de Leichlingen, cidade da Renânia do Norte/Vestfália, próxima a Colonia. Essa instituição, filiada à organização-teto das escolas de música da Alemanha (Verband deutscher Musikschulen), passou a ter direção brasileira em 1981.


Leichlingen.Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..

Com a Semana Alemã-Brasileira, abriu-se um ciclo de semanas bi-laterais de música e do respectivo Forum que se encerrou em 1985. A orientação da instituição e seus eventos distinguiu-se pelo fato de ser expressamente dirigida a questões de Pedagogia Comparada e à Educação Musical em contextos de relações internacionais e de processos interculturais.


Estreitamente vinculada a instituições de ciências da Educação e a institutos de musicologia, em particular da Universidade de Colonia, as atividades de ensino, de pesquisa e sua contribuição à vida cultural foram marcadas por reflexões sôbre as relações entre Ciência e Educação. Rememorando as preocupações, os debates e as iniciativas da época, seus pressupostos e consequências, realizou-se no corrente ano visita a Leichlingen. Essas recapitulações são consideradas nesta edição.


Educação/Ciência no Simpósio Internacional de S. Paulo e a Semana Alemã-Brasileira


A Semana Alemã-Brasileira foi imediatamente precedida pelo Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“, levado a efeito em São Paulo, em 1981, à qual seguiram-se sessões em Petrópolis e Mariana. (Veja) Dedicada primordialmente a questões de natureza político-cultural e de diversidade músico-cultural no passado e no presente, o simpósio incluiu conferências e discussões relativas à formação musical, ao ensino e a processos educativos.


Entre os especialistas que consideraram tanto aspectos científicos como educacionais salientou-se como conferencista Hans Lonnendonker, da Escola Superior de Música de Saarbrücken. Cotejos da situação no Brasil e em países da Europa e dos EUA foram considerados em particular sob a perspectiva do Método Ward por representante do centro desses estudos em Roermond, Países Baixos. Uma especial atenção foi dada à prática coral e instrumental infantil e juvenil, tanto no meio da imigração através do Coral Eco da colonia japonesa de São Paulo, como nas suas inserções no movimento de meninos cantores através dos Canarinhos de Petrópolis. (Veja)


A Semana Alemã-Brasileira e o Forum de Leichlingen deram continuidade às reflexões encetadas no Brasil no contexto europeu. Tendo sido fundada a Sociedade Brasileira de Musicologia no âmbito do simpósio internacional de São Paulo, o evento alemão realizou-se em estreita colaboração com os pesquisadores de música brasileiros, comemorando-se na Semana o primeiro ano de existência da entidade.


Perchte. Sankt Johann im Pongau. Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..
Foco de atenções: processos receptivos na pesquisa e no ensino


Várias das questões que preocupavam a pesquisa músico-cultural brasileira e que tinham mesmo levado à fundação da sociedade, foram consideradas nos encontros de professores e cursos que prepararam a Semana e o Forum. Entre essas preocupações salientava-se aquela da necessária consideração de processos receptivos na história da música e no presente do Brasil.


Esse debate havia sido preparado por uma coletânea de pesquisadores brasileiros que devia oferecer impulsos para reflexões sôbre processos respectivos sob diferentes perspectivas, históricas e empíricas. Essa atenção dada a questões de recepção musical determinou também a orientação de cursos de história da música do Brasil que, pela primeira vez realizados em instituição de ensino alemã, prepararam e acompanharam a Semana e o Forum.


Tanto no simpósio brasileiro como na Semana e no Forum na Alemanha, questões educativas foram consideradas nas suas relações com a pesquisa e a ciência sob o signo do conceito de „cultura musical“. A consideração desse termo e de processos culturais pressupôs um desenvolvimento de muitos anos de discussões sobre a conceituação de cultura e expressões correlatas.


Conceituações de cultura e de processos culturais na pesquisa e no ensino


No Brasil, decisivos desenvolvimentos na linha de pensamento remontavam a discussões despertadas pela consciência da necessária renovação do ensino teórico em escolas de música em meados da década de sessenta do século XX em São Paulo, assim como no da formação de professores de música


Professores dessas disciplinas haviam constatado problemas e incoerências de conteúdos, interpretações e métodos, de inadequabilidade para o tratamento de desenvolvimentos criados pelos meios de comunicação e de tratamento de fenômenos e expressões culturais que não se inseriam em esferas categorizadas como do erudito, folclórico e popular. (Veja)


Para a superação dessas deficiências, passou-se a discutir uma reorientação fundamental do tratamento de questões culturais através de um direcionamento da atenção a processos culturais, o que levou à criação de uma sociedade voltada à renovação de concepções e da praxis (Nova Difusão, 1968. (Veja)


No ensino superior, esse desenvolvimento teve a sua expressão maior no âmbito da introdução da Licenciatura em Educação Musical e Artística em substituição ao antigo curso de formação de professores para o ensino do Canto Orfeônico nas escolas no início da década de 70.


Ao currículo da formação de professores de Canto Orfeônico pertenciam há décadas disciplinas de natureza cultural como Folclore, Etnografia e História da Música. A renovação da formação - ou requalificação - de professores de música e artes no âmbito da então introduzida Educação Musical - e a seguir Artística - correspondeu assim à renovação de papel a ser nela desempenhado pelas disciplinas de natureza cultural. Não só a função, mas a própria orientação e metodologia dessas disciplinas culturais necessitavam ser continuamente refletidas.


Problemas teóricos, de conteúdo e de interpretações em áreas de natureza científica foram reconhecidos a partir de perspectivas educacionais e da prática de ensino de professores e estudantes. 


É significativo, assim, que disciplinas mais propriamente musicológicas tenham sido introduzidas no Brasil não em instituto de musicologia em universidade - não existente -, mas sim no contexto da introdução da Licenciatura em Educação Musical e Artística.


Esse desenvolvimento explica o fato singular de ter surgido justamente na área do ensino da música prática e da formação de professores a consciência da necessidade da existência no Brasil de uma musicologia no sentido mais próprio do termo como disciplina da área das Ciências Humanas e da Cultura da Universidade. (Veja)


Tendo-se originado no meio do ensino musical e de formação de professores, tanto no médio como no superior em época de profundas transformações de concepções, de legislação e de instituições, as reflexões sobre disciplinas de natureza cultural confrontaram-se com a área da Pedagogia, Didática e Psicologia da Educação, também compreendidas como de cunho científico e, por fim, de uma Ciência da Educação.


Todo o desenvolvimento então iniciado foi assim marcado por complexas interações entre a Educação como Ciência, a pesquisa musicológica e os Estudos Culturais como Ciência.


Questões de prioridades, pesos, mal-entendidos e tentativas de esclarecimentos e diferenciações determinaram o prosseguimento do debate através das décadas. Estariam as disciplinas de natureza cultural a serviço da Educação? Seria pelo contrário a Educação um dos aspectos da cultura, devendo assim caber a uma Ciência da Cultura um papel prioritário? Deveria a Estética no âmbito da Licenciatura ser tratada sob uma perspectiva cultural, como limitada a obras de arte, ou, nas suas dimensões mais abrangentes como parte da Filosofia, assumir até mesmo uma função condutora?


Estas e outras questões tiveram a sua complexidade intensificada com a orientação que passou a ser preconizada de polivalência na formação de professores de arte do ensino secundário. Se as reflexões nascidas da constatação de problemas teóricos nas disciplinas culturais voltadas à música tinham despertado intuitos renovadores mais abrangentes nos Estudos Culturais e na Pesquisa da Música, agora a atenção se voltava à arte em geral, criando fundamentais problemas quanto a definições e concepções.


Se na área da música não existia a Musicologia no sentido mais próprio do termo, também não existia uma Ciência da Arte devidamente institucionalizada, estando apenas representada através da disciplina História da Arte ou, no plural, História das Artes. Um dos muitos problemas que aqui se levantavam era o da inclusão da música no assim compreendido complexo das artes, esquecendo-se que por séculos a música foi considerada em si como ciência, uma das partes do antigo Quadrivium ao lado da Aritmética, Geometria e Astronomia, o que não acontecia com a escultura ou a pintura.


A inclusão indiferenciada da música na História das Artes trazia o risco de uma nivelação superficial das reflexões, de um diletantismo de cunho ilustrativo de desenvolvimentos histórico-culturais.. Impedia até mesmo a compreensão mais profunda do papel exercido pela música no edifício filosófico e nos sistemas de concepções e imagens do mundo e do homem através dos séculos, a percepção de seu papel na cultura e, consequentemente, na Educação.


Aqui se manifestava o problema discutido na disciplina Estética no âmbito dos cursos de Licenciatura: uma compreensão da Estética como delimitada às artes, não nas suas dimensões mais abrangentes nas suas relações com a Percepção no sentido amplo do termo, e que na sua história chegou a ser definida como Ciência da Percepção.


Interações: °Ciência do Folclore“ no Brasil e o debate teórico-cultural na Alemanha


As reflexões concernentes à conceituação de cultura no âmbito do movimento de renovação de perspectivas nos estudos e na praxis desenvolveu-se paralelamente e interações com preocupações de redefinições de objeto de estudos da disciplina Folclore no âmbito do Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore. Esses esforços de revisão de conceitos foi acompanhada por aqueles de acentuação do caráter científico dos trabalhos na área, pelo estabelecimento de uma Ciência do Folclore no Brasil, e o seu reconhecimento pelo meio acadêmico universitário. A esses intentos unia-se aquele da formação especializada de pesquisadores na área em Escola Livre institucionalizada no Museu.


Apesar das diferenças de aproximações e conceituações, mantiveram-se na Europa os estreitos elos com os desenvolvimentos brasileiros na área. Iniciativas várias, tais como desenvolvimento de biblioteca especializada, internacionalização da pesquisa, realização de pesquisas, publicações, e o primeiro Simpósio de Pesquisa em Folclore foram acompanhados e considerados no âmbito de disciplinas correlatas, em particular da Volks- e Völkerkunde, assim como da Etnomusicologia na Alemanha.


Essas intensas interações entre as reflexões relativas à conceituação de cultura no Brasil e aquelas do programa em desenvolvimento na Europa levaram à preparação de encontro de especialistas alemães e brasileiros para a discussão de concepções e procedimentos na biblioteca do Museu de Artes e Técnicas Populares de São Paulo em 1981. Alguns dos problemas então levantados - entre êles aquele da expressão „inculturação“ utilizada por autores e instituições eclesiásticas - mantém a sua atualidade até o presente.


O conceituação de cultura representou ponto de partida da série de semanas bi-laterais de Educação Musical e respectivas edições do Leichlinger Musikforum iniciadas com a Semana Alemã-Brasileira de 1982. Como resultado de diálogos interdisciplinares, o romanista e germanista Thomas Freund preparou um texto de abertura no qual foram apresentadas idéias que se tornaram condutoras das reflexões e das iniciativas dos anos que se seguiram.


A sua conceituação de cultura referenciando-a com Direitos e Deveres do Homem, e por fim considerando-a como postulado ético, determinaram direções fundamentais do pensamento que se mantiveram até o presente. (Veja) Entretanto, vindo de encontro nessa sua referência básica à Ética à tradição de pensamento em que se insere a A.B.E. e que remete a Albert Schweitzer (1875-1965) (Veja), a compreensão da Ética seria ampliada no sentido de superação de delimitações antropocêntricas.


Orientação científica da Educação Musical na Alemanha


Desde o início do programa de interações na Alemanha, em 1974, constatou-se que o desenvolvimento do debate relativo ao ensino musical na Alemanha - em escolas de música e no ensino secundário - apresentava muitas tendências em comum àquelas do Brasil, denotando porém diferenças. Estas diziam respeito ao desenvolvimento mais sistemático dos debates do que aqueles do Brasil, à sua maior institucionalização e ao maior número de publicações especializadas. As tendências e as experiências do Brasil não ficavam porém atrás daquelas da Alemanha sob muitos aspectos.


Embora tratando-se questões de Educação Musical no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia - também de forma referenciada com desenvolvimentos em Portugal -  (Veja) e na Escola Superior de Música, a discussão de problemas pedagógicos mais próximos à prática de ensino decorreu na Escola de Música Renana a partir de 1977.


A situação do debate relativo à Educação na Alemanha era marcada pela sua orientação à Ciência segundo plano estrutural de ensino promulgado em 1970. No concernente ao ensino musical nas escolas, as reflexões e iniciativas eram determinadas pela compreensão dessa orientação segundo a Ciência da Música, ou seja da Musicologia, sendo o principal representante desse pensamento o musicólogo Hans Heinrich Eggebrecht (1919-1999), autor de texto de 1972 que se tornara determinante dos debates. (Veja)


A discussão que aqui se conduzia era decorrente da crítica ao fato de que o Ensino Musical corria o risco de tornar-se apenas uma introdução à Musicologia ou uma preparação ao estudo superior da música ou da musicologia. Esse, porém, não podia ser o único objetivo do ensino da música nas escolas. As outras dimensões e funções da música na vida do indíviduo e da escola, também os seus relacionamentos com a vida musical da sociedade não podiam deixar de ser considerados.


Em geral, dirigia-se a atenção à necessária diferenciação entre uma concepção do ensino musical no sentido de uma propedêutica científica e aquela de orientação científica não necessariamente de cunho introdutório à Ciência ou de preparação a estudos universitários. Uma outra crítica, de Karl Heinrich Ehrenforth, de 1978, dizia respeito à falta de cientificidade dessa exigência de uma orientação científica da Educação Musical, pois teria sido proposta por professores que, embora com prática de ensino, não eram representantes da Educação como Ciência. (Veja)


Diferenças: Didática da recepção musical na Alemanha


As discussões do programa de interações eurobrasileiras no âmbito da Musicologia e da História das Artes, marcadas pela orientação das atenções a processos e de orientação teórico-cultural da área em continuidade às reflexões brasileiras, aproximaram-se da atenção alemã à questões de recepção.


No debate alemão relativo à didática da recepção musical, o modo de pensar e de proceder diferia porém em grande parte daquele do Brasil. Partindo fundamentalmente dos estudos de recepção na Ciência da Literatura, constatava-se uma tendência à supravalorização de fontes publicadas a respeito de música, da verbalização, do significado da palavra no ensino. Esse posicionamento vinha de encontro à prática de ensino e de procedimento científico na História da Arte, marcada - diferentemente do Brasil - por uma extraordinária acentuação do procedimento descritivo e verbalizador em geral, de tradução da arte em palavras.


A partir dessas diferenças - que poderiam ser consideradas como culturais - a aproximação à arte no ensino adquiria características diversas daquelas do Brasil. Um evento como aquele da Semana da Arte de São Paulo não podia corresponder a essas exigências verbalizadoras, de precisão descritiva e terminológica, de clareza e sistematização, de virtuosismo literário-retórico da prática alemã, revelava porém a posterior qualidades outras, também importantes de criatividade na expressão e na transmissão, de impulsos nascidos de expressões e reações espontâneas ou de aproximações sinestésicas.


14. Bundesschulmusikwoche em Berlim: Educação e Cultura Musical


Se a Semana da Arte havia sido um marco no desenvolvimento da Educação Musical e Artística em São Paulo, na Alemanha a tradição das Semanas de Música era antiga e também ali assumiam características de amplo Forum no qual discutiam-se conceitos e posicionamentos e do qual originavam-se impulsos para a prática.


De grande significado para os trabalhos euro-brasileiros na área do ensino musical e das reflexões educativas de orientação científica foi a 14. Semana Federal de Música de Escola (Bundeschulmusikwoche) realizada em Berlin, em 1982. (Veja)


Esse significado dessa Semana alemã foi devido ao fato de ser dedicado à questão Educação e Cultura Musical. A tematização da Cultura Musical - e não da Música - vinha assim de encontro ao direcionamento do programa preparado no Brasil e que visava uma orientação da pesquisa musical segundo critérios dos Estudos Culturais, ou melhor, de estudos de processos culturais.


O Natal nas relações entre a Pesquisa e a Educação em contexto Alemanha/Brasil


Não apenas pelo fato desta edição ser publicada na época do Natal é que merece ser recordado nela o papel exercido pelo ciclo natalino nas reflexões e nas iniciativas concernentes às relações entre a Pesquisa Cultural e a Educação Musical/Artística nas últimas décadas.


As dimensões educativas e formativas de expressões natalinas tradicionais foram reconhecidas e discutidas em trabalhos realizados em Alagoas, em 1972. Desde então, presépios, pastorís e várias outras encenações e práticas festivas foram analisadas na sua linguagem visual e nas possibilidades de sua consideração no ensino, em particular nos estudos de Etnomusicologia no âmbito da Licenciatura em Música e Educação Artística em São Paulo.


Esses trabalhos realizados no Brasil tiveram a sua continuidade na Europa. Estes, por sua vez, prepararam a consideração de expressões festivas do ciclo natalino no Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ de 1981, que incluiu uma sessão no Museu do Presépio de São Paulo.


Torna-se cocmpreensível, assim, que as tradições do Advento, Natal e Reis, tenham constituido complexo temático de importância no Leichlinger Musikforum de 1982. (Veja)


Essa atenção justificou-se por diversas razões, salientando-se o fato de ser o Natal a principal época de festividades na Alemanha e sempre considerado na vida escolar. Como também no Brasil o ciclo de Natal assume extraordinária relevância no patrimônio cultural, procurou-se estabelecer paralelos e considerar fundamentos e aspectos diferenciadores da linguagem visual nas suas relações com mecanismos formativos.


Com as „Matinas de Natal“ do Pe. José Maria Xavier (1819-1887), de São João del Rey, alunos de Escola de Música alemã realizaram pela primeira vez obra coro-orquestral de consideráveis dimensões do século XIX do Brasil. (Veja)


Outro motivo decisivo para a consideração privilegiada do ciclo natalino foi a passagem dos 80 anos de Martin Braunwieser (1901-1991), educador, músico, regente e pesquisador brasileiro de origem austríaca que trouxe para o Brasil conhecimentos e visões da região de Salzburg, marcada na sua vida cultural tradicional pela intensidade de expressões natalinas. (Veja)


Esses elos entre a Áustria e o Brasil foram reconsiderados no presente ano em visita às cidades de Hallein e S. Johann im Pongau. Nesta última, exposição relativa à Perchta e aos Perchten na região alpina deu ensejo a recapitulações dos trabalhos que vêm sendo desenvolvidos no concernente ao reconhecimento de sentidos de expressões que surgem na pesquisa cultural como inigmáticas e que têm dado margens a hipóteses explicativas que devem ser questionadas.  (Veja)


Alguns aspectos desse debate considerados nesta edição procuram trazer à luz a permanência de remotas concepções do edifício cultural sob diferentes formas de expressão em regiões distantes entre si e que não podem ser explicadas por difusão através de migrações e contatos entre povos. Elas podem abrir novas perspectivas não só para a interpretação de tradições populares, como também para o sentido de uma época do ano nos seus elos entre o ano natural e o cultural, cuja complexidade é acentuada pelo deslocamento do repertório de festas o hemisfério norte ao Brasil no decorrer da colonização.



Antonio Alexandre Bispo








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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„ Brasil-Alemanha: Educação e Ciência. Ensino Musical/Artístico e Estudos Culturais em interações internacionais. O ciclo natalino na Pesquisa e na Pedagogia Comparada“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 152/1 (2014:6). http://revista.brasil-europa.eu/152/Educacao-e-Ciencia.html