Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Basilica de S. Pedro, Roma. Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..

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Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 152/15 (2014:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3153




Cantos gregorianos para a festa de Natal na Semana Alemã-Brasileira
Recordando estudo de Helmut Schmitz para o Leichlinger Musikforum


 



O Natal despertou desde o início particular atenção nas reflexões e iniciativas relativas à Educação Musical/Artística nos seus elos com os Estudos Culturais em relações Alemanha/Brasil. Esse fato torna-se compreensível considerando a extraordinária importância do Natal nos países de língua alemã e no Brasil. A consideração do Natal nos dois países foi, assim tema tratado sob diversos ângulos no escopo de desenvolvimento de uma Pedagogia Musical Comparada no Leichlinger Musikforum, que preparou e acompanhou a primeira semana de música alemã-brasileira, a Deutsch-Brasilianische Musikschulwoche, em 1982.


Um dos temas considerados disse respeito ao Canto Gregoriano da festa de Natal. Com esse tema, uniu-se de forma particularmente clara a prática musical, o ensino e a pesquisa. No Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“ que se realizara poucos meses antes, ao Canto Gregoriano havia sido emprestada particular atenção, considerando-se o seu papel na formação musical em seminários e em comunidades, a situação de seu cultivo sob as novas tendências pós-conciliares e as diferentes formas de interpretação a partir dos resultados da pesquisa semiológica.


Diferentemente das perspectivas e das preocupações dos especialistas que participaram do simpósio no Brasil, o desenvolvimento dos Estudos Culturais em contextos euro-brasileiros dirigia as atenções antes à inserção do Canto Gregoriano em processos culturais de remoto passado.


Os estudos até então já desenvolvidos no campo de tensões e relações Antiguidade/Cristianismo já tinham revelado um sistema de concepções e imagens que se mostrava como coerente nas suas relações entre o ano natural e o religioso e cuja estrutura e mecanismos internos estavam sendo progressivamente reconhecidos. Faltava, porém, estabelecer os elos desse sistema com o Canto Gregoriano.


Essa foi uma preocupação que marcou troca-de-idéias com musicólogos alemães mais abertos a aproximações culturais na interpretação do Canto Gregoriano. Uma dessas tentativas - ainda que nos anos seguintes tenha sido alvo de precisões e diferenciações - foi aquela que procurou relacionar a proveniência do Canto Gregoriano, em particular através da tradição de sua ordenação por S. Gregório Magno com um desenvolvimento histórico-cultural de mudança de referenciais de um sistema já existente e que, já pré-existente, passou a ser relacionado com as Escrituras. A discussão, ainda que em estágio ainda incipiente no início da década de 80, teve a sua expressão em artigo preparado pelo musicólogo Helmut Schmidt para o Leichlinger Musikforum.




„Desde o século IV celebra-se a festa que se chama em alemão Weihnachten; em latim foi designada nessa época como dies natalis ou nativitas Domini.


Anteriormente, a festa do nascimento de Jesus tinha sido lembrada no dia 28 de março, quatro dias após o equinócio de primavera (...) . Como Cristo era visto como „Sol da Justiça“, parece ser compreensível que a sua festa caia em contexto com o nascimento do sol na manhã do dia e que corresponde, no ano, ao equinócio da primavera do hemisfério norte.


Também o 25 de dezembro relacionava-se com o sol, ainda que nas regiões do Mediterrâneo, que segundo as concepções da época representavam o centro do mundo, predominava um inverno árido. No dia 25 de dezembro celebrava-se o Natalis Sol Invictus, desde ca. do ano 275 o mais importante feriado do Império.


Não é certamente acaso que a festa do nascimento do Senhor tenha sido localizada em feriado importante do Império - e assim político - à época em que a fé cristã passou a ter reconhecimento oficial. Com o Cristianismo tinha-se a partir daí poder e também invencibilidade (Invictus), como a história da conversão do imperador Constantino antes da batalha da ponte milvica demonstra.

As fontes do Canto Gregoriano que chegaram até nós não alcançam o século IV, mas apenas o século IX.


A elas somam-se ainda testemunhos que nos dão textos que mencionam a música, de modo que já à época do papa Gregório I (ca. 600), que traz o cognome de Magno, e é considerado como fundador do Canto Gregoriano,  pode-se datar um grande número de textos litúrgicos com segurança. 


A palavra alemã Weihnacht significa etimologicamente tanto como Noite Santa. Em ambos os termos surge a noite, que também desempenha um importante papel na solenidade da festa de Natal. Já a história do Natal bíblica fala de um nascimento na noite, de modo que é compreensível que se celebre o Natal nas suas relações com a noite.


A solenidade central noturna é a Matutina que hoje apenas é celebrada em comunidades conventuais. O seu núcleo é constituído por leituras das Escrituras, seguidas por longos cantos meditativos, os assim-chamados Responsórios, nos quais a parte principal como refrão (responsorium= resposta) é repetida.


A palavra Matutina, do latim, relaciona-se com o conceito alemão de Mette. Hoje, designamos a celebração noturna de Natal em alemão como Christmette. Ao lado da Páscoa, é o Natal a única festa, na qual a noite é configurada de forma solene. Em ambas as festas, a mencionada simbólica da luz pode ser constatada. A imagem da luz na noite pode ser elucidada teologicamente e configurada liturgicamente.


Como exemplo de um do total de doze responsórios da Matutina do Natal toma-se aqui o último. Êle contém as palavras do início do Evangelho de S. João, onde o fato de Cristo tornar-se homem é designado como encarnação da Palavra de Deus.




Nessa peça, ao lado da forma característica, que faz com que uma expressão nuclear (Et vidimus....) seja repetida três vezes, chama a atenção a elaboração melismática de algumas palavras. Essas surgem sempre no fim de um breve trecho (est, nobis, ejus, Patre, veritatis).


Os responsórios são cantos que apresentam o texto bíblico bastante ornamentado, sendo que os ornatos se situam nas mesmas posições como na simples salmodia, de modo que os responsórios podem ser considerados como particularmente grandiosa forma da psalmodia.


Nisso, o exemplo acima mostra claramente que o compositor anônimo criou a partir de um determinado fundo de fórmulas melódicas, pois ambos os versos intermediários (Omnia per ipsum... e Gloria Patri) são compostos com a mesma melodia. Se fossem considerados aqui outros responsórios, poder-se-ia constatar que as fórmulas são vinculadas aos respectivos tons eclesiásticos.


Apesar dessa limitação, consegue-se exprimir musicalmente o texto. Assim, a melodia permanece um pouco nas palavras habitavit , fato acentuado pelo Episema retardador (traço transversal, sinal rítmico que indica uma pequena extensão da nota/neuma) e o girar ao redor de um tom. Em Et vidimus, a melodia atravessa o intervalo de uma sexta, e por meio de um salto de quarta ascendente introduz-se maior movimento na decorrência musical, que acentua a visão da magnificência de Deus de forma marcante e repentina.


Sobre as palavras ejus e veritatis, encontram-se dois melismas semelhantes entre si, que não apenas criam uma relação sintática, pois ambos surgem quase que ordenados paralelamente no término de duas frases principais, mas também uma relação semântica, uma vez que se trata de „sua Verdade“, da Verdade divina.


Terminamos aqui com a consideração desse exemplo da celebração noturna da Matutina, à qual segue a primeira missa de Natal. O texto dessa missa baseia-se na Christmette que é celebrada em geral de noite ou na tarde já avançada. A relação com a Matutina com as suas muitas leituras e responsórios longos e solenes desapareceu da praxis das comunidades.


Como particularidade, a festa de Natal possui três diferentes textos, para a noite, para a manhã cedo e para o dia. Em todos os textos refere-se ao simbolismo Luz/Trevas, assim por exemplo no Introitus da missa da manhã, onde se diz: Lux fulgebit hodie super nos, quia natus est Dominus. O texto é tirado do profeta Isaias, que de forma visionária previu o nascimento e a morte de Jesus. Pelo menos os seus textos são sempre interpretados como Prefigurações, de modo que toda as Sagradas Escrituras, o Velho e o Novo Testamento se apresentam como uma complexa teia de idéias.


A seguir, consideraremos mais de perto o Proprium da terceira missa de Natal. Em primeiro lugar, a música com uma tradução do texto latino. (..)





Os textos dessas cinco peças são tiradas do Velho Testamento. No caso do Alleluia, trata-se, porém, de um texto que não pode ser tratado com mais precisão quanto à sua origem, que porém nessa forma já aparece nos monumentos mais antigos que apresentam notação musical.


Apesar disso, pode-se supor que a livre composição poética tenha sido introduzida posteriormente no repertório gregoriano, pois sabe-se, que de início partiu-se mais severamente de textos bíblicos. O Introitus, que é cantado já no início da missa, é como aquele da segunda missa de Natal tirado do Profeta Isaias. Êle expressa uma profecia do Velho Testamento quanto ao nascimento de um menino que dispõe de poder divino.


Para o verso do salmo ao Introitus, o Graduale e a Communio foram tiradas do salmo 98, um canto de louvor, que de um lado é de louvor musical a Deus através das palavras Cantate Domino canticum novum, de outro lado expressa o júbilo da terra pelo nascimento do Filho de Deus. O tornar-se humano de Cristo é aqui mencionado - como em Isaias - como sinal de poder divino, sabedoria e justiça. Por outro lado, deve-se ter em vista que tudo isso foi escrito antes da nossa era; os textos, porém, são interpretados como pré-figurações e, assim, como fundamento da liturgia natalina.


O canto do Ofertório, deriva do salmo 89 e refere-se - como o Gradual e a Communio - à plenitude de Deus. Chama a atenção a sempre repetida menção da palavra terra, pois Deus é vindo à terra, êle tomou forma humana. Esse pronunciamento da festa de Natal é particularmente salientada nessa peça.


Do ponto de vista musical, os cantos da missa podem ser divididos em dois grupos: as peças que acompanham uma ação litúrgica e aquelas que são cantadas por si, como peças meditativas. Ao primeiro grupo contam-se Introitus, Offertorium e Communio, ao segundo Graduale e Alleluia.


O Introitus contém em regra, do ponto de vista de texto e música, o lema da respectiva festa. No caso do Puer natus est nobis, as breves palavras iniciais introduzem sinteticamente o conteúdo da festa de Natal, acentuando-as com um salto de quinta ascendente. Uma similar fórmula melódica se encontra no início do Introitus da Festa da Ascensão do Senhor, aqui acima das palavras Viri Gallilei.



Assim, através da música, estabelece-se a relação do nascimento e da ascensão. A quinta ascendente é repetida no Introitus da terceira missa de Natal mais uma vez na palavra et e introduz assim o estabelecimento da antífona do Introitus após um começo de cunho de fanfarra.


Em geral pode-se dividir a peça em três partes, com divisões após as palavras nobis (inicío, 2a. linha), ejus (2a e 3a. linhas) e Angelus (4a. linha). Segue-se o verso do salmo, tirado do início do salmo 98 e o Gloria Patri, a ser executado ad libitum. Após essa recitação salmodiaa, a antífona é repetida, de modo que ao lado da forma menor, de três partes da antífona, resulta uma divisão trina maior: Antifona - verso do Salmo - Antífona.


Essa construção vale também para os dois cantos intermediários melismáticos do Graduale e Alleluia, nos quais respectivamente o início é repetido.


Ambas as peças são quanto ao gênero, mas também quanto à configuração musical, aparentadas com o comentado responsório Verbum caro factum est. Ainda que o jubiloso Alleluia deva ser executado com vida, prevalece uma atitude basicamente calma e meditativa.


No Gradual, faz-se aqui apenas menção a um detalhe musical: a acentuação das palavras Dei (2a. linha) e Dominus (3a. e 4a. linha). Na primeira vez, isso se dá através do alcance do tom mais alto pela primeira vez nessa peça sobre um melisma claramente marcante, a segunda vez através do mais longo melisma da composição. Ambas as vezes fala-se do Espírito, ao qual é dirigida a atenção justamente através desses pequenos detalhes musicais.


Isso faz com que o procedimento compositório usado pelo autor medieval seja elucidado. Eles utilizavam-se de um fundo de fórmulas melódicas ligadas ao modo, além do mais usavam, para saliências, melismas, episemas e saltos intervalares que davam a certas partes do texto uma expressão especial.


Segundo a origem, o Ofertório é também um Responsório, isto é originalmente o fim de uma peça repetia-se com a introdução de um verso de salmo posteriormente abreviado, que como em Verbum caro factum est também foi ornamentado festivamente, diferenciando-se assim do verso simples, como o encontramos exemplarmente no Introitus.


Hoje, é porém de uso que o Offertorium seja executado na versão acima mencionada. É composto no quarto modo, que se caracteriza por uma atitude básica tranquila e constante ao redor dem mi e do tenor la. Essa composição é por seu lado construida em três partes, com grandes cortes após as palavras terra (2a. linha), fundasti (3a. linha) e tuae (5a. linha). Todas essas partes terminam na finalis, o que acentua o caráter tranquilo do Offertorium.


Um canto muito belo, ainda que bastante curto é a antífona de Comunhão Viderunt omnes. Ela repete o início do texto do Gradual, de onde torna-se claro que a composição no Canto Gregoriano é bastante unida ao gênero, pois essa Communio revela algumas claras diferenças. Da terça fa descende a melodia no início ao tom fundamental, para, a seguir alcançá-lo novamente no fim. A cesura no meio após terrae faz com que o correr melódico pare no mi, libertando a seguir energia para salientar a palavra salutare, que ao lado de Dei - aqui similarmente ao Graduale - possui o mais longo melisma. Poder-se-ia representar o fluxo melódico facilmente num gráfico. A peça oscila descendendo de uma altura média ao tom fundamental, para então tomar o seu primeiro curto impulso, ao qual a música é retida - quase que no tom básico - para atingir em grande movimento por fim o seu término.

Isso deve ao mesmo tempo tornar claro que nas composições do Canto Gregoriano se encontra quase uma estrutura arquitetônica, o que é acentuado pela sua construção a partir de materiais.


Esse breve panorama com base de alguns cantos gregorianos de Natal selecionados mostra como já nos primeiros tempos os cristãos criaram música que era adequada sob dois aspectos à solenidade litúrgica.


Em primeiro lugar, texto e música sintetizam os pensamentos da festa de forma breve, e em segundo lugar as peças são estreitamente ligadas à sua função litúrgica. Em especial, uma festa de tal significado como o Natal recebeu cantos particularmente bem compostos, que de forma equilibrada relacionavam a música com a mensagem sem escalações de um lado ou de outro. O impessoal, e que já pela transmissão anônima dos cantos se manifesta, deve ser compreendido no seu sentido positivo. A alegria da festa é expressa sem meios excessivos, sendo que em geral apenas em nuances se percebe que um compositor que as elaborou sentia profundamente e tudo relacionou teologicamente.


Quem se ocupou mais profundamente com a estilística da arte medieval pode constatar que essas características também se encontram nas artes visuais, na arquitetura e na literatura da época, sendo assim estreitamente ligadas com o seu tempo de origem. Ao mesmo tempo, essa arte é a fonte da cultura cristã ocidental, que teve a sua fundamentação típica e suas características na época em que surgiu o Natal no sentido atual, aquela na qual se ligaram o pensamento antigo ao cristão, até mesmo no Estado.“


Trad. A.A.Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (ed.).“Cantos gregorianos para a festa de Natal na Semana Alemã-Brasileira. Recordando estudo de Helmut Schmitz para o Leichlinger Musikforum“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 152/15 (2014:6). http://revista.brasil-europa.eu/152/Gregoriano-para-Natal.html