Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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Fotos A.A.Bispo 1980/1 e 2014 ©Arquivo A.B.E..
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 152/11 (2014:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N°3149
O Advento, Natal e Reis
nos Estudos Culturais e na Pedagogia Musical Comparada
em relações Brasil - Áustria - Alemanha - o caso da Perchta
St. Johann im Pongau-Leichlingen-Marajó
Em visita ao Museu de St. Johann im Pongau, cidade próxima a Salzburg, considerou-se, no corrente ano de 2014, expressões populares do ciclo do Advento, Natal e Reis que emprestam a essa região da Áustria excepcional significado para o estudo de tradições populares européias relacionadas com as festas do calendário religioso.
Ao lado da grande igreja neo-gótica de São João, na antiga capela de Santa Ana, encontra-se hoje instalado o museu de tradições da época do Advento e do Natal centralizadas na figura da Perchta .Essa figura, também conhecida no plural, e conhecida sob várias designações, diz respeito a figuras desse ciclo do ano que podem ser registradas sobretudo na área alpina, na Baviera e na Áustria. Uma das explicações relativas ao nome indica particulares elos com a festa dos Reis. O cortejo de Perchten do Pongau realiza-se de quatro em quatro anos, atraindo milhares de visitantes. A exposição na igreja de Santa Ana foi organizada pelos historiadores locais Gerhard Moser e Hans Strobl, nela se apresentando máscaras, trajes, chapéus, enfeites de diabos e fotos históricas de festividades através dos tempos.
Sob vários aspectos, figuras similares - em particular da Velha - é conhecida de tradições portuguesas e de outros países da Europa. Em visita realizada ao museu etnográfico de Burgas, na Bulgária, pôde-se registrar similar figuras, particularmente impressionantes na sua expressão, também aqui caracterizadas sonoramente por campânulas e chocalhos de metal, apresentadas na exposição do Pongau.
Tanto em S. Johann im Pongau como no museu de Burgas foram lembradas as muitas ocasiões nas últimas décadas em que, em estudos, cursos, publicações e eventos vários, tradições de remotas origens transmitidas através dos séculos no repertório de festas católicas foram tratadas e discutidas no âmbito de estudos que relacionam a Europa e o Brasil.
Recapitular pontos dessa discussão torna-se necessário não apenas para documentar a história da pesquisa e das iniciativas práticas com elas relacionadas, como também para possibilitar a continuidade coerente das reflexões, evitando-se repetições e mesmo retrocessos.
Elos entre St. Johann im Pongau e o Brasil
A região de Salzburg surge como especialmente adequada para o tratamento de questões relacionadas com tradições populares européias em relações com o patrimônio das festas brasileiras pelo fato de ali ter nascido e tido a sua formação Martin Braunwieser (1901-1991), músico, pedagogo e estudioso cultural que marcou a história do ensino musical de São Paulo e, sobretudo, a formação de professores de Canto Orfeônico para as escolas secundárias. Na sua formação, vida e obra, pesquisa e ensino estreitamente se relacionaram.
No dia 7 de dezembro de 1919, um domingo, às 20:00 horas, sob o patrocínio da recém-fundada, Martin Braunwieser participou de um concerto beneficiente em favor da Associação Escolar St. Johann. A arrecadação foi destinada ao financiamento da sopa para o almoço de alunos pobres.
Dois dias após o concerto, o regente e inspetor escolar J. F. Pöschl agradeceu em termos de alta consideração a Martin Braunwieser. No dia 18 de dezembro, o acontecimento foi comentado pelo Salzburger Volksblatt, republicando notícia vinda de S. Johann im Pongau.
Martin Braunwieser e K. Stumvoll voltaram logo a atuar em St. Johann in Pongau. No domingo, dia 21 de março de 1920, às 20:oo horas, apresentaram novamente um programa com a pianista Gertrud Pöschl e a orquestra local sob a regência de J. F. Pöschl. Ambos se apresentaram na segunda parte do programa com a Sonata op. 24 de L. van Beethoven e uma fantasia de W. Popp sobre motivos de Il Trovatore, de G. Verdi. ((A.A.Bispo, Martin Braunwieser (...) Ein Beitrag zum österreichischen und deutschen Einfluss auf die Musik Brasiliens des 20. Jahrhunderts, Musices Aptatio/Jahrbuch 1991, Roma/Colonia 1991, 28 ss.).
A consideração privilegiada do ciclo natalino nos estudos culturais em relações Europa/Brasil justifica-se sobretudo nos países de língua alemã.
Na Áustria e na Alemanha, a época do Natal adquire um significado extraordinário na vida cultural, uma intensidade de expressões festivas que, no seu simbolismo, torna-se explicável pelas condições naturais dessa época do ano, marcadas pelo inverno, pelas trevas e pelo frio.
Também no Brasil, apesar de outras condições naturais, a época do Natal surge como um dos pontos altos do calendário festivo do ano, salientando-se aqui o Nordeste e as regiões de colonização alemã no Sul do Brasil.
Também as tradições mais antigas européias, como aquelas representadas no museu de St. Johann im Pongau, surgem como estranhas às regiões de colonização mais recentes no Brasil. Os estudos dessas antigas tradições mantidas vivas em algumas regiões da Europa assim como aquelas da colonização mais antiga do Brasil podem assim revelar estruturas, sentidos e modos de expressão comuns, apesar das diferenças quanto a relações com o ano natural.
Compreende-se, assim, que o ciclo de Natal foi um dos complexos temáticos que primeiramente marcaram as reflexões e iniciativas euro-brasileiras quanto às relações entre Educação Musical e Estudos Culturais na Alemanha.
A questão foi tematizada em particular no Leichlinger Musikforum de 1981, em preparação e acompanhamento da Deutsch-Brasilianische Musikschulwoche e do Leichlinger Musikforum para questões de Pedagogia Comparada. Completando-se os 80 anos de Martin Braunwieser, pôde-se com êle refletir sôbre a sua vivência de tradições populares brasileiras do Natal sob o pano de fundo do patrimônio festivo da região de Salzburg. Devido ao significado da festa do Natal nos círculos alemães e austríacos no Brasil, já no início da década de 20 Martin Braunwieser preocupou-se em traduzir cantos natalinos alemães para o português, entre êles a popular „Es ist ein Reis entsprungen“.
O contato mais direto com o patrimônio cultural brasileiro de Natal, porém, Martin Braunwieser obteve durante a Missão Folclórica ao Nordeste do Brasil organizada pelo Departamento de Cultura de São Paulo.
Apenas após ter observado, registrado e escrito a respeito, é que Martin Braunwieser recordou-se que na região de Salzburg também se conhece a prática da „música de madeira“ nessa época do ano. Não podendo essa similaridade ser explicada por difusão cultural por meio de elos históricos entre o Nordeste e os Alpes, a elucidação desse fenômeno deve ser procurada no sistema de concepções e imagens da época do ano no hemisfério norte e na simbologia dos instrumentos de madeira e couro.
No contexto dessas reflexões, passou-se a analisar mais diferenciadamente a linguagem visual de expressões festivas tradicionais conhecidas de outras regiões do Brasil, em particular aquelas registradas em viagem de documentação realizada em 1980/81 ao Nordeste e Norte do Brasil no âmbito dos trabalhos preparatórios para a fundação da Sociedade Brasileira de Musicologia e para a discussão da questão da imagem do Brasil durante a Deutsch-Brasilianische Musikschulwoche.
Nos trabalhos levados a efeito em Marajó, tinha-se podido registrar folguedos com máscaras de figuras monstruosas e marcadas por ambivalências - em parte boas, em parte más - e que tinham sido consideradas como expressões carnavalescas, ainda que fora da época do Carnaval.
Por outro lado, a explicação de que aqui se trata de uma „expulsão do inverno“ surge como demasiadamente superficial e revela-se apenas condicionalmente como correta. De fato, ela surge como correta quando se considera a relação das representações com a época do ano do hemisfério norte que, a partir de novembro - o mais tenebroso do ano - se estende por longo tempo.
A consideração das tradições brasileiras, também no concernente ao culto dos santos, abriu por sua vez perspectivas para a compreensão de vínculos dessa linguagem visual com o tipo humano cujo exemplo de modelaridade é Santa Ana. Surge assim como altamente significativo que o Museu das Perchten em S. Johann im Pongau se encontre instalado na capela de Santa Ana, a mais antiga construção da localidade.
De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..“ O Advento, Natal e Reis nos Estudos Culturais e na Pedagogia Musical Comparada
em relações Brasil - Áustria - Alemanha - o caso da Perchta“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 152/11 (2014:6). http://revista.brasil-europa.eu/152/Perchta.html