Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Leichlingen. Foto A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..


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Fotos A.A.Bispo 2014 ©Arquivo A.B.E..

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 152/8 (2014:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3146



Leichlingen-Salvador (BA)


Ensino propedêutico-científico em música?
„Possibilidades e Limites de uma Orientação Musicológica à Educação Musical“ após 30 anos
Ciência, não Cientificismo!


 
A questão das relações entre a Educação Musical e Artística e a pesquisa musical foi uma das preocupações que marcaram a introdução da Licenciatura em Educação Musical e Artística no Brasil no início da década de 70, experimentando intensificações e outras conotações no prosseguimento das reflexões na Alemanha a partir de 1974, conduzidas em estreitas interações com o Brasil.


No Brasil, essa discussão partira sobretudo da inclusão de disciplinas de natureza científica em cursos superiores de formação de professores - a Licenciatura em Educação Musical e, a seguir, Artística -, em particular da Etnomusicologia.


Na Alemanha, porém, a orientação científica do ensino era prescrita por regulamentações e planos oficiais desde 1970 e alvo de posicionamentos, diferenciações e debates em encontros e publicações, em particular nas Semanas de Música Escolar Federais (Veja).


Essa situação foi exposta em artigo publicado na Revista da Escola de Música e Artes Cênicas da
Universidade Federal da Bahia, em 1984. Ela merece, porém, ser recordada com mais pormenores, uma vez que muitas das reflexões então encetadas mantém a sua atualidade.


Essa atualidade resulta da necessidade de continuamente refletir-se sobre a compreensão e a prática de uma orientação científica do ensino em música e da formação de professores em cursos de Licenciatura. Orientação científica não é alcançada apenas através do uso de discursos e concepções de natureza cientificista. (A.A.Bispo, „Possibilidades e limites de uma orientação musicológica à Educação Musical“, Art 010, abril 1984, 37-62)


„Gradativamente foi se tornando claro que, embora anteriormente considerado como insuficiente, o nível das primeiras turmas do curso de licenciatura em Educação Musical/Artística não poderia ser novamente alcançado. Falar de orientação científica, ou mais especificamente, musicológica em relação a cursos que passavam, aos poucos, a tratar apenas de pontos elementares ou a fornecer uma visão superficial dos assuntos Etudados, seria empregar uma conceituação duvidosa de Ciência. Antes poder-se-ia falar de um cientificismo mais danoso do que útil e que, no caso, teve der ser substituído, muitas vezes e com vantagem, por objetivos claros e fundamentais de aprendizagem. Seria, no entanto, injusto esquecer que, no início da década passada (de 70), o trabalho desenvolvido pela direção e por muitos professores a maior instituição de formação de educadores musicais do Estado de São Paulo da época se caracterizou, sob muitos aspectos, por um nível de preocupações e realizações à altura da discussão pedagógico-musical internacional. Tal constatação consolida a esperança de que, suprimidas as causas principais do forçado abandono de muitos ideais, os mesmos possam ser retomados. A tentativa, então interrompida, de uma orientação musicológica da Educação Musical poderia ser novamente encetada, resultando, de sua aplicação prática, a gama completa de suas possibilidades e limites no esforço do desenvolvimento de uma Pedagogia da Música e de uma organização do ensino musical adequadas à diversidade da cultura musical brasileira.“ (op.cit. pág. 58)


Escola de Música de Leichlingen e o Brasil - diretrizes para o ensino ginasial de 1982


Passando a Escola de Música de Leichlingen a ser dirigida pelo editor em 1981, a orientação segundo desenvolvimentos que remontavam ao Brasil levou à discussão de tendências e propostas alemãs sob perspectivas interculturais. Oportunidade para a discussão das relações entre Pesquisa e Ensino Musical foi proporcianda pela passagem dos 100 anos de Béla Bartók (1881-1945) e, do lado brasileiro, dos 80 anos de Martin Braunwieser (1901-1991).


A preconizada orientação científica da Educação Musical tinha dado lugar na Alemanha a compreensões e desenvolvimentos que passaram a ser considerados criticamente e que, sob a perspectiva brasileira, surgiam como unilaterais e exageradamente racionalistas e verbalizadoras.


Uma desses desenvolvimentos questionáveis da orientação científica da Educação Musical foi derivada da compreensão do ensino musical nas escolas de nível secundário como introdução à ciência ou ao preparo ao ensino superior.


Essa compreensão da função da Educação Musical foi com razão criticada por muitos como insuficiente e inadequada, uma vez que poucos alunos seguiriam estudos universitários relacionados com a música e não estariam em condições técnicas de entrar numa Escola Superior de Música.


Além do mais, um ensino assim orientado não preencheria as funções múltiplas da música na escola e na formação do indíviduo e sua integração na sociedade. A crítica à cientifização da escola relacionava-se de forma complexa com o papel a ser desenvolvido pela musicologia na Educação Musical e Artística (H.H. Eggebrecht, „Über die Befreiung der Musik von der Wissenschaft“, Musik und Bildung 1980, 96-101; K.H. Ehrenforth, „Das Verhältnis von Musikwissenschaft und Musikpädagogik“, in H. W. Höhnen et alii (ed), Entwicklung neuer Ausbildungsgänge für Lehrer der Sekundarstufen I und II im Fach Musik, Mainz/Regensburg 1978, 425-448; W. Flitner, „Verwissenschaftlichung der Schule?“, Zeitschrift für Pädagogik 1977, 947 ss.; K. Giel/G.G. Hiller, „Verwissenschaftlichung der Schule - wissenschaftsorientierter Unterricht?“, Zeitschrift für Pädagogik 1977, 957 ss.).


Em fins de 1981, foram lançadas novas diretrizes para o ensino secundário ginasial na Renânia do Norte e Vestfália, passando essas a constituir preocupação dos professores de música em ginásios. A partir de 1 de fevereiro de 1982, o ensino nas escolas já não se procederia mais como até então. Essas diretrizes substituiam as „recomendações para o ensino na disciplina música“ de 1973, onde ainda se falava em currículo.


No prefácio, que trazia a assinatura do Ministro da Cultura da Renânia do Norte/Vestfália, as novas diretrizes deviam levar a uma capacitação geral dos alunos para o estudo superior. Isso, porém, não podia valer para a música nas escolas, pois mesmo com um estudo intensificado o aluno não alcançaria o nível que iria garantir a sua admissão numa Escola Superior de Música.


Se esse objetivo não poderia ser alcançado pelo ensino da música nas escolas secundárias, então caberia à escola de música possibilitá-lo. Colocava-se a questão, assim, como é que as diretrizes deveriam ser compreendidas e realizadas nos cursos secundários e na escola de música.


Crítica às diretrizes oficiais: exagero sistematizador - „Prussianismo“ na Educação


Tanto entre os professores de música do ensino secundário como na própria Escola de Música, as novas diretrizes não foram recebidas sem críticas. Sobretudo a partir da experiência brasileira, - e a atenção dada no Brasil à criatividade, espontaneidade e outros valores - levantavam-se questões relativamente às diretrizes do Ministério da Cultura e, em geral, à compreensão da orientação científica do ensino musical como de propedêutica científica.


Esses questionamentos podiam basear-se em artigo de Christoph Richter publicado em revista especializada para o ensino musical sob o título „chegam os prussianos!“ (Christoph Richter, „Die Preußen kommen!“, Musik und Bildung, 2,1882, 72 ss). Christoph Richter era um dos editores e redator-chefe desse órgão


Embora reconhecendo que essas diretrizes ofereciam numerosos impulsos positivos para o ensino da música, surgia como assustadora a exagerada tendência sistematizadora do intento de  tudo reglementar e sobre tudo refletir, até mesmo os objetivos emancipatórios e as possibilidades de sua realização.


Todas as afirmativas de intenções concernentes à liberdade e à individualidade do aluno e do professor eram ali reglementadas, de modo que essas intenções se contradiziam. A tão preconizada „escola humana“ era assim demolida em forma quase que totalitária.


Richter questionava a cientificidade das diretrizes, o fomento de um ensino propedêutico-científico, a imagem nelas do aluno e a do professor e colocava por fim a questão do que significaria a música em si para os responsáveis das diretrizes.


Propedêutica científica sem Ciência da Educação?


A principal crítica que se fazia às diretrizes do ensino da música, à orientação científica preconizada e compreendida como propedêutica científica era a de que ela teria sido elaborada sem a participação de pedagogos devidamente capacitados em Ciência da Educação.


Positivo era reconhecido o fato de que por fim tinha-se dado determinações claras para o ensino da música, levando a que os professores de música, em geral individualistas, passassem a ensinar de forma comparável a de seus colegas.


Compreendia-se, porém, sob orientação científica apenas a da orientação do ensino à ciência de referência, no caso da música em escolas superiores ou à musicologia nas universidades, sem levar em conta que o ensino da música deveria ser visto antes como inserido na Ciência da Educação.


A orientação científica deveria ser assim antes procurada segundo critérios de especialistas na pesquisa e reflexão científico-educadora.


Porta-voz dessas objeções era Werner Lohmann, sendo o seu artigo „Propedêutica Científica sem Ciência?“ discutido à época da passagem da Escola de Música de Leichlingen à direção brasileira. (Werner Lohmann, Wissenschaftspropädeutik ohne Wissenschaft?, Musik und Bildung 14/2 (1982), 68)


O autor colocava explicitamente em questão a competência da comissão que preparara essas diretrizes e se realmente tinham considerado adequadamente o assunto.  A proposição de uma formação propedêutica-científica havia sido feito sem que os seus responsáveis tivessem tomado a opinião de especialistas em didática e teoria de currículos.


No artigo, apontam-se várias incongruências do ponto de vista do pensamento coerente e sistemático. Assim, ao lado dos conceitos já estabelecidos de objeto de aprendizado e de conteúdo de ensino, as diretrizes falavam de campo de aprendizado como mediador entre objetivos e conteúdos. Esses campos de aprendizado seriam o plano superior do conteúdo de aprendizado, uma proposição não clara, de difícil compreensão.


Exigia-se nelas que a escolha da matéria a ser tratada, do método e da colocação de problemas deviam ser acentuados sob o aspecto da orientação ao conhecimento. O ensino da música tinha tarefas e objetivos.


Se a música quisesse estar à altura de outras disciplinas ginasiais, se ela quisesse procurar cumprir objetivos propedêutico-científicos, o seu ensino não poderia apenas em diretrizes elaboradas por especialistas vindos da prática. A participação de especialistas na pesquisa músico-pedagógica, no trabalho curricular e em conceitos evaluativos deveria ser muito mais intensa e fomentada na regulamentação do ensino musical. Mantendo-se o pensamento da permanente revisão, os autores das diretrizes deveriam tratar de reelaborá-las. Propunha-se aqui o exemplo do tratamento proposto para a literatura nos ginásios.


A questão da Didática do ensino propedêutico-científico


A discussão ao início da direção brasileira da Escola de Música foi sobretudo marcada por um artigo de Bernd Graßmanns, no qual o autor procurava responder à questão do que significaria um ensino propedêutico-científico em música. (Bernd Graßmanns, Was heißt wissenschaftspropädeutischer Unterricht in Musik?“, Musik und Bildung 13/6,1981, 370-377).


No exemplo de uma sequência de ensino, Graßmann procurou demonstrar as características de um trabalho científico-propedêutico.


Num primeiro passo, sob o lema „como se escuta música ou por que cada um precisa de uma outra música“, os alunos eram confrontados com duas imagens contrastantes: Frederico o Grande tocando com o seu cembalista Carl Philipp Emanuel Bach e consumidores de música transmitida pela mídia, ouvindo-se respectivamente um trecho de um concerto de flauta de Bach e um do Pop Shop transmitido pela televisão. Neste último, tratava-se de uma emissão onde se ouvia concomitantemente uma notícia de trânsito, comentários de jornalistas e música de Rock. Assim, a música do Pop Shop podia ser tratada na sua inserção em conversações do quotidiano e de noticiário „próximo à vida“.


No colóquio com os alunos, podia-se então tematizar segundo Graßmann diferenças quanto à apreciação em diferentes épocas, perguntando-se como a música foi e é ouvida de diferentes formas, como a música teve e pode ter diferentes funções na vida, como grupos sociais diversos preferiraram e preferem diferentes tipos de música. Era possível também, segundo êle, tematizar a música como um fenômeno da enculturação.


O ensino musical preencheria assim partes essenciais da sua tarefa se levasse a tais questões e confrontassem os alunos com a música que os envolvia. O essencial seria que os alunos fossem motivados a questionamentos.


Criação de hábito de questionamentos e referenciação do ensino a partir do presente


O ensino deveria ser segundo Graßmann relacionado com o presente. Sendo a reflexão estética sempre percepção e interpretação, o percebido poderia ser apenas o presente, mas para ser interpretado precisaria partir da sua base histórica de vida. O ensino seria próximo à vida se considerasse o horizonte da experiência dos alunos e os encorajasse à reflexão pessoal com o mundo musical.


Por outro lado, o ensino problematizava as experiências convencionais, contrapondo situações históricas diversas, e através da experiência de discrepância podia-se levar o aluno a posicionamentos.


Fundamental parecia assim para Graßmann a orientação do ensino a problemas referenciados pessoalmente. Isso corresponderia à exigência musicólogo Hans Heinrich Eggebrecht (1919-1999) (Veja), segundo o qual questões científicas e orientadas científicamente teriam como características que a matéria não se transformasse em objeto em si, mas que motivasse questões, fomentando a subjetividade do aluno e a possibilidade que nele se estabelecesse um hábito de questionamento e de procura de respostas.


O confronto existencial surgido das questões favorecia uma conscientização da vida como vida em conjunto, uma conscientização das inserções pessoais nos processos da socialização.


Proximidade à vida e referência ao presente como marcas de problematizações vinculadas aos alunos não deviam ser confundidas com atualização. Atualidade a todo custo seria dificilmente compatível com sequencialidade e impedia até mesmo a construção ordenada do saber. Justamente pelo fato da escola não assumir problemas atuais da sociedade tinha ela o dever de, através de problematizações alternativas, levar ao desenvolvimento de uma consciência própria de problemas nos alunos.


Campo complexo de situações musicais contrastantes e diversidade


Numa  segunda unidade de ensino, o autor demonstrava como a orientação a problema exigida en atitude científica não era incentivada simplesmente através do confronto de diferentes aspectos da realidade, mas sobretudo por um campo suficientemente complexo de situações musicais contrastantes.


Através de uma problematização referenciada pelo presente devia-se procurar refletir situações de vida musicalmente. Isso seria possível se a realidade reproduzida surgisse suficientemente diversificada.


Diversidade não seria porém alcançável por camninho quantitativo. Também a atenção à sistemática do objeto (história da canção, de gêneros, etc.) não estaria em condições de estruturar a diversidade, pois essas problematizações permaneceriam superficiais e correspondiam apenas esquematicamente à realidade.


A realidade musical adquiria segundo Graßmann a sua confiabilidade através do contexto situativo. A realidade, na sua complexidade, podia ser estruturada por poder indicar exemplarmente contextos. Se na primeira unidade de ensino mostrava-se que o ensino propedêutico-cienifico apenas podia iniciar-se a partir de colocações de problemas ancorados no sujeito, próximos à vida e referenciados no presente, ou seja, sob um aspecto do levar ao conhecimento, na segunda unidade essa orientação a problemas tinha consequências de conteúdo e de matéria, pois apenas campos musicais suficientemente complexos podiam tornar-se problema.


Não a solução surgia aqui como primordial, mas o reconhecimento de momentos de interrelações e a formulação de um posicionamento. A favor de uma concentração exemplar da música em diversas situações, o ensino renunciava assim à transmissão de um cânone de pontos a serem considerados em programa de ensino.


Exercício de um procedimento sistematizante e objetivador, cuidadoso e exato


Na terceira unidade, os alunos deviam ser levados a refletir sobre a questão se a partir da estrutura da música se poderia ler algo a respeito dos ouvintes, da sua relação com a música, de suas preferências e das formas de audição musical.


Se de fato a textura musical modifica-se de acordo com a função, então dever-se-ia assegurar que todas as tomadas de posição sobre essa textura seriam ganhas da mesma forma. O professor devia aqui esforçar-se em incentivar uma troca-de-idéias sobre a necessidade de um procedimento sistemático e objetivador.


Tanto quanto objetividade, o cuidado e a exatidão na procura de resultados caracterizam a orientação científica. O ensino propedêutico-científico deveria levar a esse hábito dos alunos pelo caminho educativo. Essas experiências poderiam ser transmitidas pelo menos aproximadamente pelo esforço de um procedimento objetivador que possibilitasse generalizações de um caso particular, pela quantificação, pela abstração gráfica e por tabelas.


Essas tarefas fomentariam segundo Graßmann um trabalho de detalhe, a concentração e o direcionamento a um objetivo.


A força educativa se manifestaria também na necessidade de flexibilidade mental sem pré-julgamentos. As tarefas exigeriam constantemente novas decisões, pois os objetos de ensino seriam passívels de múltiplas interpretações.


Transmissão de historicidade. A dimensão histórica de toda a pesquisa cultural


Na quarta unidade, partindo-se de representações gráficas de textos musicais, passar-se-ia a ao tratamento, por exemplo, da teoria dos ornamentos. Proporcionando essa teoria um catálogo de figuras, possibilitaria aplicar os conhecimentos na audição. Ouvindo uma peça musical, o aluno passaria a catalogar o que ouvia segundo as figuras aprendidas.


O trabalhar propedêutico-cientifico levaria o aluno às fontes musicais e que deveriam ser tão originais quanto possíveis. A dimensão histórica de toda a pesquisa cultural poderia ser assim compreendida, quando defronta-se com mudanças conceituais (p.e. progressões, ornamentação) ou transformações na denominação ou forma de escrever (p.e. passagens, arpejs, inversões).


O alcance de um ensino propedêutico-científico não se limitava assim ao objeto material, que apesar de toda a redução didática ainda seria mantido, mas também ampliava-se à transmissão de historicidade.


Justamenbte essa consciência de historicidade que se evidenciava ao mais tardar ao iniciar-se o estudo das fontes, não poderia ser suficientemente salientada no contexto da colocação do problema.


Seria um processo lento, mas importante compreender que em outras épocas não apenas houve outra música, mas ter-se-ia pensado musicalmente de forma diversa. Como o pensado, também o considerado, o ouvido, o ouvir transformar-se-ia em ato de consciência.


A educação auditiva como formação de consciência demonstrava a consequência de um trabalho propedêutico-científico na música. Essa eficiência escolar, que levava à conquista de pressupostos para estudo futuro, seria alcançada apenas através de uma transmissão organizada em passos de aprendizado.


Um ensino orientado segundo problemas podia assim ser chamado de propedêutico-científico na medida em que procedia de forma relacionada com o objeto de aprendizado. Do mesmo modo, um ensino próximo à prática e na forma de um curso contrário a esses pressupostos, vazio de problemas, não seria adequado à preparação à ciência.


Transmissão de conhecimentos quanto ao „espírito“ da época tratada


Na quinta unidade. para ampliar o panorama de saber dos alunos, o professor devia desenvolver o espírito da época tratada, por exemplo do racionalismo em paralelo àquele do sentimento. Esse tipo de ensino, então em geral criticado de transmissão de conhecimentos de forma expositiva, mostraria como apenas a transmissão de conhecimentos podia fornecer a base sobre as quais se apoiariam reflexões e julgamentos. Sem esse saber sólido, possibilidades de uma compreensão e descrição adequada de música permaneceriam superficiais.


Ao lado dos conhecimentos de métodos, os alunos alcançavam através do conhecimento auditivo modêlos de comparação e de referenciais. O conhecimento objetivo manter-se-ia relacionado segundo o tema, concentrando-se em conhecimentos da situação musical e não cainda em particularidades de conhecimento de cunho enciclopédico e em acumulação de saber.


Exercício de preparação ao trabalho científico - aquisição de procedimentos metódicos


Na sexta unidade, compreendida como de exercício, o autor procurava demonstrar com base na música Pop como seria necessário que o objeto fosse tratado de forma sistemática, objetiva e netura quanto a valorações.


A propedêutica científica não significava apenas a educação a uma posição científica, mas também uma preparação ao trabalho científico. Mesmo que a escola não pode oferecer condições para o trabalho científico em si, poderia preparar o aluno para tal, uma vez que as disciplinas de ensino possuiam relações com as respectivas áreas científicas. Tendo a Educação Musical muitas relações com a Musicologia ou da Pesquisa Musical em outras ciências, apenas podia ser desenvolvida através da História da Música, da Sociologia da Música e outras áreas.


Embora a propedêutica científica não podia ser a da conquista de técnicas específicas da respectiva área científica, devia possibilitar ao aluno bases de procedimentos. A comparação, a quantificação, a inserção em contextos e a ordenação de detalhes a conceitos, de aquisição de uma linguagem própria da área disciplinar, da capacidade de observações e questionamentos, de exposição gráfica de dados, etc. eram métodos fundamentais de trabalho que preparavam o proceder de um cientista.


Criação de consciência da processualidade do aprender


Na sétima unidade, trazia-se à consciência que o trabalho propedêutico científico não concorria com trabalhos científicos e não representaria uma versão popular da ciência. Ele preparava para a objetivação, a comparação, a possibilidade de reexames em nível mais modesto e levava a uma posição científica marcada por cuidado, exatidão e sistemática.


O ensino fazia com que os alunos se conscientizassem da processualidade do aprender; a temporalidade dos resultados tornava-se evidente e também a possibilidade de sua revisão.


Distância relativamente aos conteúdos tratados - imunição quanto a instrumentalizações


Na oitava unidade, os participantes do curso procuravam alcançar uma distância relativamente aos conteúdos tratados. Como poucas outras matérias, a música possibilitaria um ancoramento emocional no aluno.


Se no passado servira à consciência patriótica através da canção, ou à formação do coração, tendo sido o ensino na música ou ensino do ouvir raramente objetos do ensino musical em si, a música, através da orientação propedêutico-científica não seria mais objeto para outros intentos, mas motivo de questionamentos, atitude necessária para cientistas.


O ensino orientado segundo problemas revelava-se contrário à arbitrariedade do pensamento e não perguntaria qual seria a utilidade da ação.


Crítica ao ensino musical científico-propedêutico


A exemplificação de Graßmann de uma didática do ensino propedêutico-científico da música levantou questões de cunho fundamental a respeito da própria compreensão da orientação científica preconizada como introdução ou preparação científica.


Texto-base que serviu às discussões foi aquele que levantava a questão „Ensino de música propedêutico-científico ou orientado cientificamente? de Ulrich  Günter e Hermann J. Kaiser (Ulrich Günter/Hermann J. Kaiser, „Wissenschaftspropädeutischer oder wissenschaftsorientierter Musikunterricht?“, Musik und Bildung 14/2 (1982), 84-89).


Parecia ao autor problemática a interpretação de Graßmann do conceito de determinação científica do ensino musical e das suas recomendações para realizá-lo.


O ensino deveria ser em interesse dos alunos, e não contra uma larga porcentagem de alunos, dirigindo-o sobretudo àqueles que pretenderiam seguir uma carreira científica ou profissional em música.


Após sumarizar os pensamentos centrais de um ensino propedêutico científico da música, o autor relacionava essas ideias com o artigo de H.H. Eggebrechts de 1972 („Wissenschaftsorientierte Schulmusik“, Musik und Bildung 1972, 29-31) e que desencadeara a discussão na área da pedagogia musical. A seguir, considerava a crítica de K.H. Ehrenforth, que via na proposta de Eggebrecht uma deformação já de princípio da questão. Por fim, o autor procurou considerar o conceito da orientação científica de forma modificada. Ehrenforth era presidente do Verband Deutscher Schulmusikerzieher e.V. (VDS)


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.“Ensino propedêutico-científico em música?‘Possibilidades e Limites de uma Orientação Musicológica à Educação Musical‘ após 30 anos. Ciência, não Cientificismo!“
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 152/8 (2014:6). http://revista.brasil-europa.eu/152/Propedeutica-cientifica-em-musica.html