Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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©Arquivo A.B.E..
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 152/2 (2014:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N°3140
Semana da Arte de São Paulo - 40 anos
Marco da história da Licenciatura em Educação Musical e Artística no Brasil
nas suas ressonâncias no debate educativo em relações Brasil-Alemanha
O seu significado foi não apenas nacional, mas teve irradiações internacionais, servindo como modêlo e dando impulsos à primeira Semana Alemã-Brasileira de Escola de Música realizada na Alemanha, em 1982. (Veja) Como nesse ano realizava-se a 14. Semana Federal de Escolas de Música em Berlim (Bundesschulmusikwoche) (Veja), dedicada ao tema „Educação e Cultura Musical“, a semana alemã-brasileira foi de grande atualidade, trazendo ao debate educativo-musical perspectivas e experiências nascidas no Brasil e das quais a Semana da Arte de 1974 foi a sua maior expressão. (Veja)
Ela foi organizada e realizada pela Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, a maior instituição de ensino superior no âmbito da Licenciatura Musical e Artística e pioneira sob diversos aspectos na história da Educação Musical e Artística no Brasil.
A tradição de formação de professores de música para o ensino secundário nessa instituição era antiga, uma vez que nela tivera sede o Conservatório Paulista de Canto Orfeônico, centro dos principais representantes do orfeonismo em São Paulo.
A renovação de perspectivas do ensino musical e da formação de professores em Educação Musical e Artística adquiria assim dimensões amplas, que de muito transcendiam os limites da capital do Estado.
A Semana da Arte deixou manifestou não apenas perspectivas e experimentos de renovação, como também os grandes problemas conceituais e de realização prática do conceito e da formação polivalente de professores, oferecendo assim possibilidades de discussão e impulsos para reflexões de natureza básica.
Diversidade e inclusão: programação plural e integrativa em muitos sentidos
Não foi arbitrária a escolha do dia 24 de junho para a sua abertura. Essa data manifestava a orientação fundamentada nos estudos culturais da iniciativa e do peso das respectivas áreas disciplinares no currículo e na orientação da instituição. Iniciando-se a Semana da Arte na festa de S. João e estendendo-se até à festa de S. Pedro e S. Paulo, o evento inseria-se na tradição brasileira do período mais festivo do ano, de extraordinário significado para os estudos de Folclore e de Etnomusicologia.
Essa orientação explicava-se pelo fato de ser a diretora da instituição - Neide Rodrigues Gomes - pesquisadora e professora a disciplina Folclore, área de estudos oferecida também como de especialização para os estudantes, e que então se encontrava em processo de renovação de conceitos e metodologia.
Os intuitos de renovação dos estudos culturais na área em orientação científica eram representados pela disciplina Etnomusicologia, sob a responsabilidade do editor. Essa área tinha sido incluida pioneiramente nos programas dos cursos superiores de instrumento, canto, composição e regência, assim como da Licenciatura em Educação Musical e Artística.
A intensa programação da Semana da Arte incluia eventos nas manhãs, tardes e noites. Ela foi aberta com uma apresentação do Conjunto de Percussão da instituição pela manhã, seguindo-se uma projeção de filme à tarde e, à noite, concertos do Coral do Instituto Adventista São Paulo, dirigido por Williams Costa Júnior e da Banda Sinfônica da Polícia Militar, regida pelo Major Rubens Leonelli.
O segundo dia contou pela manhã com um Grupo de Expressão Corporal, à tarde com projeção de filme e, à noite, com concertos de canto (Mariinha Magalhães Lacerda) e recital de flauta e piano (Jean Noel Saghaard e Sueli de Fátima Bispo).
O terceiro dia foi aberto com uma palestra sobre arte por Paulo Ramos Machado, seguindo-se à tarde projeção de filme e, à noite, recital de violão (Edelton Gloeden) e apresentação do coro e orquestra do Colégio Higienópolis.
O quarto dia, foi aberto com nova palestra de Marco Antonio Guerra, professor de História das Artes da instituição, seguindo-se à tarde recital de piano (Claudio Brito e Lourdes França), e à noite apresentações do Conjunto Paraphernália de música antiga e do Grupo Chaskis.
O quinto dia teve o seu início com uma projeção de filme, contando com uma sessão com Ciro Aguiar à tarde e, à noite, com concertos do Madrigal do Instituto Musical de São Paulo e do Madrigal Sine Nomine, regidos por Moacyr Del Picchia, assim como do Collegium Musicum de São Paulo, regido por Roberto Schnorrenberg.
O dia 29, sexto dia, foi aberto pela Banda Mirim „Baeta Neves“, seguindo-se de um segundo concerto do Madrigal do Instituto Musical de São Paulo, à tarde de Os Capixabas e, à noite, recital de flauta e piano (João Dias Carrasqueira e Maria José Carrasqueira) e do Coral do Instituto Musical de São Paulo, regido por José Zula de Oliveira.
O encerramento, no dia 30, deu-se com um concerto do Coro e Orquestra de Música Sacra Paulista, dirigido pelo editor.
Durante toda a semana realizou-se uma exposição de pintura, fotografia, escultura e outras expressões artísticas nos espaços da faculdade.
Essa programação testemunha a interação de artistas, grupos e instituições das mais diversas proveniências e orientações, oferecendo um caledoscópio de concepções, empreendimentos e aproximações ao complexo Educação Musical, formação musical em geral e vida musical.
A prática musical e de ensino dos Adventistas e a Licenciatura em Educação Artística
O Coral do Instituto Adventista São Paulo representava os esforços iniciados no ano anterior de atualização e melhoria qualitativa do coro do instituto fundado em 1951 e que, em 1972, já estivera na Bolívia. Essa nova fase começara com um grande aumento do número de participantes - de 40 a 95 cantores - segundo a expectativa do seu regente, Williams Costa Junior - então estudante e Licenciatura em Educação Artística - de que os mais jovens teriam mais condições de participar no coro e desenvolvê-lo musicalmente.
Sob nova orientação, o coro apresentara-se em fins de 1973 em Montevideo, Curitiba, Florianópolis e Gramado por ocasião de congresso de jovens adventistas na região sul do Brasil. A apresentação do coro tematizou o problema da modificação anual do quadro de cantores vivenciado em conjunto de colégio interno.
O repertório do coro trouxe à consciência a influência confessional no ensino musical e na criação artística, uma vez que incluia na sua segunda parte composições religiosas que permitiam reconhecer impulsos e modêlos norte-americanos, entre êles do próprio regente Costa Júnior, Martinho Lutero, Sibyl York, David Williams, Albert Malotte, R. H. John Dykes, J.W. Howe, P. J. Wilhousky, mas também, ecumenicamente, de Franz Schubert, e Luís Alvares Pinto.
A primeira parte do programa, indicava a proximidade à música popular, não só brasileira, abrindo com um arranjo de Mi caballo blanco de H. Villaroe e incluindo peças de J. Ovalle (Azulão), O. Hammerstein (The sound of Music), E. Brito e P. Tapajós (Luciana) e, do próprio regente, História do Brasil.
O concerto da Banda Sinfônica da Polícia Militar do Estado de São Paulo trazia à consciência o papel formativo das bandas de música, uma vez que muitos instrumentistas nelas se iniciaram e desenvolveram musicalmente.
A questão da função desempenhada pelas bandas no ensino musical, sobretudo em cidades do interior, havia sido objeto de projeto de pesquisas nas regiões Leste e Nordeste do Brasil em 1972 e nos Estados do Sul em 1973, sendo tratada em conferência no Centro do Comércio de São Paulo neste ano e em aulas no Museu de Folclore da Associação Brasileira de Folclore.
Também em conferência do editor, tratou-se do tema da necessidade de estudo dos métodos de ensino de mestres populares - em especial de regentes e músicos de banda - e de uma pesquisa que relacionasse procedimentos empíricos e históricos na Educação Musical em congresso realizado pela Escola Normal de Música de São Paulo.
O concerto no âmbito da Semana dava testemunho da cooperação da Banda Sinfônica da Polícia Militar do Estado de São Paulo, então em fase de revitalização, com o ensino superior na formação de instrumentistas. O seu programa, assim, incluia, ao lado de obras de G. Bizet, de A. Carlos Gomes e P. Tchaikowsky, apresentações de pianistas da Faculdade, a saber Sueli Couto Gaspari com a Rhapsody in blue de G. Gershwin e de Sueli de Fátima Bispo, como solista do Concerto em Lá menor de E. Grieg.
Diferentes iniciativas de difusão musical integradas na Semana da Arte
Trazia também à memória a difusão da música brasileira em concertos na África e na Europa pela Orquestra de Câmara de São Paulo sob a regência de Olivier Toni, em particular de recital de música brasileira em Roma.
Com o concerto de flauta e piano de João Dias e Maria José Carrasqueira, a Semana trazia à memória a tradição da música para flauta no Brasil e o intenso empenho de J. D. Carrasqueira - então professor da Faculdade de Música Mozarteum e dos Cursos Internacionais Pró-Arte - em divulgar a música brasileira para o instrumento.
Proveniente de Paranapiacaba, tendo estudado no Conservatório Musical Santa Cecília, fora classificado como primeiro flautista da Orquestra Sinfônica do IV Centenário de São Paulo, em 1954. Participara do Quinteto de Sopros do Museu de Arte de São Paulo, da Orquestra de Câmara Vivaldi, da Sociedade Bach de São Paulo, do Conjunto Instrumental de São Paulo e muitas outras formações. A pianista, tendo sido orientada por L. R. Latorre e L. Pires de Campos, era portadora de prêmio como pianista camerista do concurso jovens instrumentistas de 1973. O programa apresentava composições de várias épocas, incluindo obras do próprio flautista (Bruxa Chorona e Pássaros Amarelos).
Relações franco-brasileiras na música e no ensino salientadas na Semana da Arte
A atenção à música nas relações França-Brasil já marcava há anos as atividades da Sociedade Nova Difusão, fundada em 1968 e então com sede no Conservatório Musical do Jardim América, procurando-se renovar repertórios e procurar novas perspectivas para o seu tratamento segundo as diretrizes de um direcionamento da atenção a processos.
O concerto no âmbito da Semana da Arte, porém, pela excepcional qualidade artística dos intérpretes e pela sua inserção na concepção geral do evento, marcado pela sua orientação às artes em geral, trazia à consciência o significado de uma particular consideração de desenvolvimentos na França e de seus elos com o Brasil para o passado e o presente da vida musical e do ensino. Esse concerto representou um marco que levaria, posteriormente, à escolha da França para a segunda Semana de Música e Forum que se realizaria na Alemanha, em 1883, seguindo à Deutsch-Brasilianische Musikschulwoche.
Jean-Noel Saghaard, nascido em Paris, estudara com Ch. Lardé e R. Bourdin no Conservatório de Versailles, tendo vindo ao Brasil a convite de Eleazar de Carvalho. Atuava como docente em festivais internacionais em Curitiba e Ouro Preto e era professor de flauta da Faculdade do Instituto Musical de São Paulo e do Departamento de Música da Universidade de São Paulo.
Valorização do violão em cursos de nível superior
O recital de violão de Edelton Gloden, aluno de Henrique Pinto, dava testemunho da nova valorização do instrumento nos estudos superiores e na vida musical, assim como de relações entre atividades de ensino e de estudos em professores-alunos. Henrique Pinto, um dos mais destacados executantes e especialista do instrumento no Brasil, era professor do conservatório em que se encontrava a sede da Sociedade Nova Difusão.
Edelton Gloden era detentor do primeiro prêmio no I Concurso dos Jovens Instrumentistas do Estado de São Paulo, tendo participado do IV Seminário Internacional de Violão, estudando então música de câmara no Instituto Musical de São Paulo, onde também lecionava. O seu programa demonstrava o interesse pela música antiga (J. Dowland, D. Buxtehude, J. S. Bach), contemporânea (A. Carlevard ,1958; T. Wilson, 1961; A. Gilardino, 1970) e brasileira (H. Villa Lobos, 1929) no repertório violonístico.
Questões relacionadas com a necessária valorização do violão na vida musical e nos estudos superiores possuiam dimensões científicas que passaram a ser tratadas em pesquisas e em aulas no âmbito da Etnomusicologia e na História da Música de orientação cultural.
Não só a história do instrumento e de instrumentos correlatos - em particular nas suas relações e diferenças com a guitarra portuguesa e a viola caipira - passou a constituir objeto de atenções, mas sim também os aspectos culturais, em particular simbólico-organológicos foram objetos de seminários e trabalhos de pesquisa. Aqui salientou-se sobretudo Therezinha Menduni que, como estudante de Licenciatura, apresentou um trabalho de pesquisas sobre o instrumento como encerramento do seu curso de Etnomusicologia.
Ensino musical orientado segundo Weltanschauungen e a Educação Musical/Artística
Se o concerto de abertura da semana foi representativo do ensino e da vida musical de uma instituição de orientação confessional, no caso adventista, o do coro e orquestra do Colégio Higienólis demonstrava o papel da música em escola de direcionamento segundo a Antroposofia e a Pedagogia Waldorf em meios alemães no Brasil. Além do mais, a participação da Escola Higienópolis representava a cooperação entre círculos marcados pela cultura alemã e a instituição, chamando também a atenção à tradição pedagógica fundamentada no pensamento de Rudolf Steiner no Brasil.
A primeira parte do programa foi realizada por alunos do ano 11 da escola; a orquestra foi formada por alunos do 7 ao 11 anos, regida por Abel Santos Vargas, e o coro por alunos de todo o colegial, regido por Mechthild E. Vargas. O concerto incluiu trechos da ópera „A flauta mágica“ de W. A. Mozart, e, na segunda parte, obras de C. Orff, P. Hindemith, J. Haydn, J. S. Bach e um Negro spiritual.
Movimento de música e instrumentos antigos no debate educacional
Em estreito relacionamento pessoal com as atividades musicais da Escola Higienópolis encontrava-se o Conjunto Paraphernália de música antiga, cujo concerto incluia peças da Carmina Burana, do Lochheimer Liederbuch, de anônimos da Idade Média, de H. L. Hassler, J. Adson, Ch. Pez, G. Ph. Telemann e K. F. Abel.
O conjunto - constituido por A. Santos Vargas, B. Toledo Piza, J. C. Azevedo Leme, M. E. G. Borges e M. E. Vargas e o editor, dava testemunho do empenho de difusão de repertório pouco conhecido da música antiga e para instrumentos antigos no Brasil, sendo estes cópias de antigas peças de museus realizadas nos EUA, Alemanha, Holanda e Suiça. O concerto documentava também as dimensões internacionais desse trabalho.
Nos seus seis anos de atividades o Paraphernália tinha realizado concertos no Museu de Arte de São Paulo, Casa de Goethe, Aliança Francesa, Auditório Itália, Teatro de Arena, assim como, em parte em promoção da Sociedade Nova Difusão, em colégios, faculdades, praças públicas e emissoras de televisão. No interior, apresentara-se em Lins, Araçatuba, Sorocaba, São Carlos, Ribeirão Preto, Campinas, São José do Rio Preto, Presidente Prudente, Santos, além de cidades de Minas Gerais, Rio de Janeiro e em Brasília.
Integração do Brasil no contexto Latino-Americano considerado na Educação Musical
Como documentada no repertório e na trajetória de vários artistas e grupos, a Semana da Arte de São Paulo caracterizou-se por intuitos integrativos do ensino e da vida musical do Brasil no contexto latino-americano.
Esse empenho teve a sua expressão máxima na apresentação de Chaskis - Grupo Folclórico Latino Americano. Esse conjunto destacava-se não apenas pelo seu intento de difusão da música latino-americana, em particular andina, no Brasil, como também pela multidisciplinaridade representada pelos seus componentes.
Guillermo Noriega, arquiteto e ergônomo, destacara-se como entusiástico propagador da música andina, da América Central e „afro-tropical“ em Paris e outros centros europeus, passando a interessar-se pela música brasileira. Dércio Marques ,tinha o renome de pesquisador de folclore e da música popular de várias regiões do Brasil, assim como de estudioso da música da Argentina, do Uruguai e dos Andes, pertencendo ao Centro Democrático Espanhol e ao Círculo Argentino. Tinha sido encarregado de pesquisas de campo para a elaboração do album de folclore do Sudeste e Centro-Oeste do Brasil de Marcos Pereira Discos.
Ao grupo pertenciam ainda músicos da Argentina e um instrumentista europeu de quena. Os estudantes de Licenciatura em Educação Artística puderam assim tomar contato mais de perto com instrumentos como tarkas, quenas, samponhas, pífanos, charango, viola caipira, bombo argentino, quatro, venezuelano e guiro. O programa incluia peças como Hayno, Baguala, repentes nordestinos, modinhas, Cueca, Tonta, Yaravi, Toada, Danzante, Caiapó, Cantos Equatorianos, Joropo, Folia de Reis e Guajiras.
Samba, música popular e de shows na Semana da Arte
Com o compositor e cantor Ciro Aguiar, da Bahia, então cursando o quarto ano de Licenciatura em Educação Artística, e Sérgio Sá, do Ceará, arranjador e pianista, a Semana incluiu a esfera cultural marcada por samba e pela música de shows e popular.
Ciro Aguiar iniciara a sua trajetória na Bahia, cantando Rock e tomando parte em Jesus Cristo Super Star, tendo gravado, de sua autoria, Asfalto Falsificado, ganhando renome com Do you like Samba. Na apresentação, participaram os Acadêmicos do Samba, além de componentes da escola de samba Unidos do Peruche, da Casa Verde, assim como executantes de violão (Vicente) e cavaquinho (Dedé), respectivamente da Bahia e de São Paulo.
Madrigalismo como fenômeno coral da época no âmbito da Educação Musical/Artística
O Madrigal do Instituto Musical de São Paulo, que então se apresentava pela primeira vez, representava um esforço coletivo da Faculdade, iniciado em março de 1974. O seu repertório incluia peças usuais então de repertório histórico madrigalístico (J. Arcadelt, Th. Morley, O. Lassus, Cl. Le Jeune), do folclore latino-americano, negro spirituals e música folclórica e popular brasileira arranjada pelo próprio regente Moacyr del Picchia e por Damiano Cozzella. Também o Madrigal Sine Nomine incluia no seu programa composições da música antiga (J.P. Sweelink, John Dowland, G.G.Gastoldi, B. Donati, C. Sermisy) em mistura com música popular em arranjos (Almirante, Chico Buarque, Tom Jobim).
Atividade artística de professores da instituição e a mulher na criação musical
Demonstrando a atividade criativa de professores do Instituto, dedicou-se um concerto a peças a dois pianos escritas por Lourdes França. Trazia-se assim à consciência o significado da prática a quatro mãos e a dois pianos para a experiência do fazer música em conjunto de alunos do instrumento, que ainda constituiam a maioria dos estudantes de cursos instrumentais de escolas de música.
Esse significado da música a quatro mãos e a dois pianos na prática de ensino e na difusão musical, em particular de obras do passado brasileiro, tinha sido salientado pela primeira vez em recitais no conservatório onde a Sociedade Nova Difusão tinha a sua sede alguns anos antes. Consequentemente, esses eventos decorreram sob a diretriz propugnada por essa sociedade de uma consideração privilegiada de processos culturais.
O concerto no âmbito da Semana, porém, esteve sob outro signo. Procurou-se trazer à consciência o significado que professores demonstrassem suas interesses musicais e criativos também em área que não constituiam o principal foco de seu trabalho. Concomitantemente, salientou-se o papel de mulheres em atividades de composição, uma das primeiras iniciativas do gênero.
De „bandinha rítmica“ a Banda Mirim como conjunto de expressão na vida musical
Interesse especial para os educadores de música ofereceu a Banda Mirim Baeta Neves, formada em 1963 por iniciativa do Prefeito Munical de São Bernardo do Campo, Lauro Gomes de Almeida.
Após uma apresentação de bandinha rítmica pelos alunos do Grupo Escolar Dr. Baeta Neves, descortinou-se a possibilidade de aproveitamento do entusiasmo musical das crianças em conjunto de maiores proporções. Foram selecionados então quarenta crianças de 8 a 14 anos, criando-se uma Banda Mirim. Com o apoio da Municipalidade, que contratou o regente Irineu Negri Garcia, a banda ja pôde dar a sua primeira apresentação em 1963, tornando-se conhecida para além dos limites do município e contribuindo à sua imagem. Apresentou-se como representante da cidade em numerosas cidades de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
A Banda também foi usada para fins políticos, atuando em homenagens a militares, assim como no recebimento de personalidades da política e do empresariado internacional em visita ao Brasil, entre êles do presidente da Alemanha, do General Charles de Gaulle e do presidente da Volkswagen do Brasil. Atuara também na recepção de delegações da Coréia, do Japão e dos EUA em feiras e exposições, ou em campeonatos esportivos internacionais.
Da prática musical de igreja a „sambão“
Com „Os Capixabas“, grupo constituido por instrumentistas de Colatina - Espírito Santo - de violão, agogô-ganzá, atabaque e cuíca, demonstrava-se na Semana da Arte o singular caminho da prática musical de igreja ao „sambão“. Da participação musical de domingos na igreja, os músicos passaram a elaborar arranjos utilizando-se tanto de harmônio como violões e atabaque.
A questão da música de cunho popular nas igrejas, então atual no âmbito das reformas que se seguiram ao Concílio, adquiria assim um significado inesperado de mediação entre a esfera sacra e a profana, do culto ao divertimento.
Collegium Musicum de São Paulo, a pesquisa histórico-musical e o ensino superior
O significado da prática polifônica na vida musical e na formação do público e de professores foi exemplificado pelo concerto do Collegium Musicum de São Paulo sob a regência de Roberto Schnorrenberg, professor de Composição e Regência da Faculdade. (Veja) O programa incluiu obras de J. Bull, P. de La Rue, H. Isaac, L. Senfl, W. Byrd, J. Eccard, J. H. Schein, J. S. Bach, T. Weelkes, H. Purcell e M. Praetorius.
O concerto trouxe à consciência os elos da prática polifônica e a musicologia histórica, tematizando as possibilidades de interações entre a pesquisa musical internacional e a formação de professores de música.
A Orquestra Sinfônica Jovem Municipal de São Paulo, sob a regência de Samuel Kerr, dava testemunho da mais relevante iniciativa de prática orquestral e formação juvenil de São Paulo da época. O seu trabalho foi exemplificado em execuções de obras de G. Rossini, W. A. Mozart e E. Grieg, salientando-se concerto para clarineta e orquestra de W. A. Mozart, tendo como solista Tarcísio José de Arruda Paes.
Significado da prática coral no ensino superior e na formação de professores de música
Para a apresentação do Coral do Instituto Musical de São Paulo, José Zula de Oliveira, professor e regente da instituição que se salientava pelo seu empenho na orientação e fundamentação teórica e conceitual do ensino superior da música, preparou um texto que salientava o significado da prática coral nos cursos superiores de música, em particular na de formação de professores na área da Licenciatura em Educação Musical e Artística.
„(...) É que o ato de cantar envolve a pessoa em sua íntegra. É ela toda que vibra, que se projeta, que se expõe e uma maneira muito individual, muito íntima. A maneira mais comum de cantar é o canto em conjunto e que geralmente assume a forma coral. O coral, portanto, é a soma de forças, de psiques, de talentos de seres individuais. É uma multiplicidade em forma de organismo. É algo coeso. É uma comunidade. Comunidade onde muitas vezes se reflete o grau de equilíbrio de cada um de seus membros. Ou desequilíbrio. Os problemas, os sucessos do dia-a-dia de todos. Disto tudo se conclui a importância, o valor, o desvelo com que se deve tratar o coral.. A atividade coral sublime as 3 maneiras do homem de se relacionar com a música: criação (composição), interpretação e consumo (audição). Trata-se, portanto, de uma atividade riquíssima e que não deve ser esquecida na vida moderna, em qualquer lugar em que ela se desenvolva, muito menos nas escolas de música. O coral é o cartão de visita da escola.“
O concerto de encerramento da Semana, dirigido pelo editor, documentava as relações entre a pesquisa musical do passado submerso de São Paulo e a prática estudantil da Faculdade de Música e Educação Artística.
Apresentou-se, em primeira audição, a Missa de São Pedro de Alcântara de Elias Álvares Lobo (1834-1901). Nascido em Itú e falecido em São Paulo, era lembrado na história da música do Brasil como autor da ópera „A noite de São João“, considerada como primeira ópera nacional (Veja), tendo porém caído em esquecimento como personalidade da vida musical de igreja, profana e do ensino do interior do Estado e da capital de São Paulo.
Na sua segunda parte, o concerto de encerramento apresentou, também em primeira audição, um Te Deum de autor anônimo do Vale do Paraíba.
Prática teatral de estudantes de Licenciatura em Música e Educação Artística
Artes visuais e de plástica em exposições realizadas durante a Semana
A educadora musical Irvany Bedaque Frias, que, já com longa experiência de ensino revalidava os seus títulos cursando a Licenciatura em Educação Artística, contribuiu à Semana com um depoimento de título „Porque me dedico também à pintura“:
„Porque amo a arte em todas as suas manifestações e nela me realizo, quer seja quando digo versos, quando executo uma música ou quanto pinto uma tela. Já disse uma vez, na dedicatória do meu livro Musicalia Musicalium, que a arte é a única saída para o homem do século XX e acredito realmente nisso. A arte e a libertação do homem, sómente através dela o homem se torna livre. Criar alguma coisa e´divinamente maravilhoso, é atingir o inatingível, é conquistar o inconquistável. A criação foi o supremo ato de Deus, a criação artística é o ato supremo do homem. Através da criação, Deus realizou a sua obra. Na criação artística o homem se supere e transcende na sua obra. Quando termino uma composição musical ou uma tela, fico em êxtase diante dela, em êxtase diante desse mistério de fazer existir o que antes não existia, é o não ser que se torna ser. (...) A temática mais constante nas minhas obras é filosófica, procuro transportar para a tela os temas abordados pelos filósofos, temas que têm sido a eterna preocupação da filosofia, a problemática do homem no mundo através de todos os tempos“.
Entre os artistas plásticos que participaram da Semana, Luciia de Toledo Mezzotero, natural de São Carlos, representou como presidente a Associação Internacional de Artes Plásticas. A sua trajetória trazia à lembrança a tradição de desenho e pintura do interior do Estado, uma vez que desenvolvera as suas aptidões na Escola de Belas Artes de Araraquara, onde também estudara Estética da Arte com Lafayette C. de Toledo. Terminara o curso em 1959, completando a sua formação com dois anos de arte contemporânea com Domingos Lazzarini. Estudara escultura com José Cucce, colaborando em trabalhos na Catedral de São Paulo, assim como gravura com Dorothy Bastos. Formara-se em jornalismo em 1964. A sua múltipla atividade artística assumira novas dimensões com a sua atuação junto a Maria Carmem Brandão em escola de ballet mímico.
Celso Diniz Braga („Cerzo“), nascido no Paraná, cursava o terceiro ano de Licenciatura em Desenho e Plástica na FAAP, São Paulo, já tenho participado de numerosos salões em diferentes cidades do Brasil. A exposição incluia também obras de Rolando Maver de Assumpção, diretor de Arte, Luiz Carlos Ruffo, criador de gravuras em metal e desenhos, Edy Mariano, de artesanato em metal, esses últimos participantes de exposições de arte contemporânea e na Galeria de Arte Vanguarda de São Paulo.
Uma proposta especial foi a de Silva Bueno, criadora de figuras fantasiosas em ossos, aproveitando as suas próprias formas e reelaborando-os com linhas e cores. Também no âmbito da criação fantástica destacou-se Manuel Antonio Yepez Frota, nascido em São Paulo e criado no Sul de Minas, desenhista e ilustrador. Dedicando-se a desenhos com bico-de-pena, os seus temas diziam respeito ao caos e ao fantástico, à deterioração urbana e humana. Os seus desenhos serviam à sua própria reflexão sobre „a loucura“ que cercava o homem das grandes cidades.
Amilton Peixoto, desenhista e pintor, também utilizando a técnica do bico-de-pena, além da pintura a óleo, representava o artista que não apenas enviava as suas obras a exposições e museus, como também fazia-se representar todos os domingos na Feira de Artes da Praça da República. Aimar Parisi Petrelli Girotto, exemplificava a prática artística cultivada ao lado de atividades docentes por professores do ensino médio. Partindo da pintura acadêmica, dedicando-se ao paisagismo paulista e mineiro, percorrendo posteriormente o surrealismo, passava a dedicar-se à cerâmica.
Evaristo Paiva Cruz Júnior, que expôs trabalhos em nankin e grafite, afirmava que a sua atividade artística era primordialmente instintiva, não havendo um planejamento a partir de uma idéia condutora. De um traço inicial originava-se a idéia que se modificava à medida que desenhava, dependendo do estímulo e da abertura que a mesma provocava.
Também Nelson Luis Pereira Screnci encontrava dificuldades em verbalizar o seu próprio processo criador: „Os meus limites se encontram em fazê-la (a obra), o que já é bem penoso, como experimentar a sensação de liberdade que se tem ao caminhar cem metros de calçada na Praça da Sé no alto o sol, procurando escapar da fuligem, na consciência de que vou chegar na esquina.“
Do mesmo modo, Dalton Sala Jr. salientava o aspecto intuitivo da obra do artesão popular que apresentava as suas criações em praças.
O escultor Bruno Barbosa da Silva representou na Semana de forma particularmente expressiva a atividade criadora nascida do contato com o meio rural através de viagens pelo interior. Em peças de madeira ou argila, a sua preocupação se voltava às relações entre o homem e seu meio. Obtinha os impulsos para o trabalho criador em viagens pelo Brasil e por outros países da América do Sul.
De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..„Semana da Arte de São Paulo - 40 anos. Marco da história da Licenciatura em Educação Musical e Artística no Brasil nas suas ressonâncias no debate educativo em relações Brasil-Alemanha.“ Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 152/2 (2014:6). http://revista.brasil-europa.eu/152/Semana-da-Arte.html